Prosa (2) - Academia Brasileira de Letras
Prosa (2) - Academia Brasileira de Letras
Prosa (2) - Academia Brasileira de Letras
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
Benedicto Ferri <strong>de</strong> Barros<br />
O poeta, como a criança, vê em cada coisa seu arquétipo, isto é, seu mo<strong>de</strong>lo<br />
i<strong>de</strong>al. No singular e transitório contempla o universal e o perene, e com ele se<br />
i<strong>de</strong>ntifica e rejubila. Como disse Montessori, o seu é “um intelecto <strong>de</strong> amor”,<br />
uma inteligência amorosa.<br />
Nisso, o poeta é como a criança e toda criança um poeta.<br />
Toda poesia é uma visão original e límpida, uma compreensão e um amor<br />
universais por tudo o que existe. 5 Todo poema é uma reapresentação <strong>de</strong>ssa<br />
verda<strong>de</strong> amorosa, <strong>de</strong>ssa visão encantada da criança, que o adulto per<strong>de</strong>u. Essa<br />
recuperação restaura no adulto essa visão, refazendo o conhecimento e encantamento<br />
mágicos <strong>de</strong> sua infância. E é por isso que a poesia freqüentemente dá<br />
ao leitor a sensação <strong>de</strong> um reencontro consigo próprio, do renascimento paradisíaco<br />
em um mundo perdido, que entretanto está aí, guardado no seu íntimo.<br />
Este o segredo do po<strong>de</strong>r mágico e fascinante dos poemas.<br />
O conhecimento poético que o poema transmite, na realida<strong>de</strong>, é um reconhecimento,<br />
a recuperação <strong>de</strong> uma lembrança platônica.<br />
<br />
Ao transmitir essa visão, como se a coisa fosse vista e chamada pela primeira<br />
vez, o poeta reencontra, entre todas as palavras convencionais, o nome singular<br />
e genuíno que exprime sua percepção e é por isso que na linguagem poética as<br />
palavras se apresentam como frescas, surpreen<strong>de</strong>ntes e necessárias, como se<br />
pela primeira vez fossem utilizadas.<br />
Os hábitos culturais ten<strong>de</strong>m a padronizar tanto a percepção como a linguagem,<br />
uniformizando-as e submetendo-as a uma convencionalida<strong>de</strong> urgente,<br />
generalizada e opaca, da qual a criança e o poeta permanecem livres.<br />
5 Platão reconhece em Fedro que a emoção criadora do poeta contém o mesmo elemento que “<strong>de</strong>s<strong>de</strong> o<br />
primeiro momento atua no eros autêntico. Eros se situa no mesmo plano <strong>de</strong> on<strong>de</strong> nascem os dotes<br />
poéticos. Amor e poesia brotam no homem <strong>de</strong> uma mesma fonte”. Apud Jaeger, Werner. Pai<strong>de</strong>ia: los<br />
i<strong>de</strong>ales <strong>de</strong> la cultura griega. México: Fondo <strong>de</strong> Cultura Economica, 1962, pp. 988-89.<br />
186