Prosa (2) - Academia Brasileira de Letras
Prosa (2) - Academia Brasileira de Letras
Prosa (2) - Academia Brasileira de Letras
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
Da Costa e Silva e o sincretismo<br />
Mas nem tudo em Pandora se reveste daquela objetivida<strong>de</strong> a que se referiu<br />
Andra<strong>de</strong> Muricy, porque o simbolista está presente nesse livro: o “Poema<br />
dos Olhos”, composto <strong>de</strong> seis sonetos em alexandrinos, lembra os seis<br />
que formam o poema “Olhos Funéreos”, <strong>de</strong> Emílio <strong>de</strong> Meneses, e que representam<br />
o que <strong>de</strong> mais simbolista <strong>de</strong>ixou o parnasiano das Últimas rimas.<br />
É verda<strong>de</strong> que o “Poema dos Olhos”, <strong>de</strong> Da Costa e Silva, não ostenta<br />
aquela atmosfera <strong>de</strong>nsa e monótona <strong>de</strong> funeral, e é natural que assim seja,<br />
pois enquanto o paranaense <strong>de</strong>dica seis sonetos aos mesmos olhos, o piauiense<br />
celebra, em cada soneto, um par <strong>de</strong> olhos diferente: “Olhos azuis –<br />
dois céus <strong>de</strong> cobalto ou berilo”; “Olhos <strong>de</strong> cor do mar era tempo <strong>de</strong> bonança”;<br />
“Olhos que não sois nem amarelos nem pardos”; “Olhos sentimentais,<br />
cor <strong>de</strong> ébano polido”; “Olhos <strong>de</strong> noite hiemal, olhos <strong>de</strong> céu sombrio”, e até<br />
mesmo “Olhos sem luz, sem cor, olhos mortos em vida”. Leiamos <strong>de</strong>sta série<br />
o soneto V, on<strong>de</strong> há todo um clima encantatório, típico do Simbolismo e<br />
do Deca<strong>de</strong>ntismo, com adjetivos como “dúbios”, “vagos”, “noturna”, “pressagos”,<br />
“sonâmbula”, “funesto”, etc., sem falar na ambiência algo doentia<br />
que envolve todo o poema:<br />
Olhos <strong>de</strong> noite hiemal, olhos <strong>de</strong> céu sombrio,<br />
Fascinantes faróis, negros, dúbios e vagos,<br />
Que ao <strong>de</strong>stino me sois como a estrela dos Magos<br />
Na noturna extensão do horizonte vazio;<br />
Olhos, a cuja luz a alma treme <strong>de</strong> frio,<br />
Em <strong>de</strong>sejos febris e receios pressagos;<br />
Olhos da placi<strong>de</strong>z sonâmbula dos lagos,<br />
Povoados <strong>de</strong> visões como um profundo rio;<br />
Olhos negros, com a luz dos espelhos sem lustre,<br />
Cada um a recordar um pântano palustre,<br />
Num funesto condão que não há quem no quebre;<br />
139