asiliensedecoração Pequeno grande Pernambuco Ele veio para cá a convite de Juscelino, ajudou a fundar o Clube do Choro e vive uma história de amor com a cidade que já dura quase meio século POR VICENTE SÁ FOTOS RODRIGO OLIVEIRA Seu Inácio Pinheiro Sobrinho, 83 anos, barba e cabelos brancos, desce do carro devagar. Ajeitando o chapéu de palha, seu companheiro de longa data, ele mantém o passo firme e o caminhar ereto. Atravessa um bom pedaço de um campo de futebol da chácara e aproxima-se da mesa onde os músicos estão reunidos. Mas quem chega lá não é Seu Inácio e sim Per- 32
nambuco do Pandeiro, nome pelo qual esse pequeno grande instrumentista é conhecido há mais de 60 anos. Os músicos, sem interromper o chorinho, levantam-se para cumprimentá-lo. São várias gerações de artistas: Sérgio Duboc, Fino e Carrapa do Cavaquinho, do Liga Tripa; Fernando Machado, clarinetista virtuoso; Léo Benon, Márcio Marinho e Dudu, da novíssima geração de chorões; e Cezinha, do Dois de Ouro, irmão de Hamilton de Holanda, acompanhado do pai, o violonista José Américo. Para todos ele tem uma palavrinha e um afago. Recusa uma cadeira estofada e puxa um banquinho. Pega o pandeiro e também cai no choro. Agora, de novo um menino, sorrindo feliz, à toa. A cena aconteceu no sábado, 3 de novembro. Foi uma pequena homenagem que alguns músicos da cidade e outros admiradores fizeram ao instrumentista e fundador do Clube do Choro, que está de novo morando em Brasília, depois de passar 17 anos em Uberaba. Seu Inácio, ou melhor, Pernambuco do Pandeiro, é um apaixonado pela cidade que viu crescer, pois chegou aqui trazido pelo próprio presidente Juscelino Kubitscheck ainda em 1959, em mais uma aventura de uma vida aventureira. NASCIDO EM GRAVATÁ DE BEZERRA, sertão pernambucano, Inácio, ainda adolescente, foi para o Rio de Janeiro com um irmão. Morando no morro do Estácio e engraxando sapatos na Lapa, conviveu com malandros históricos como Madame Satã, Camisa Preta e Miguelzinho. Por essa época descobriu seu talento para o pandeiro. O ano de 1940 já o encontra tocando profissionalmente na Rádio Clube Fluminense e nas boates Dancing Brasil e Farolito. Era o primeiro passo de uma carreira surpreendente. Logo passou a tocar, na Rádio Ipanema, no regional de César Faria, pai de Paulinho da Viola. “Esse também já se foi”, Pernambuco interrompe a narração de sua própria história para lamentar a recente morte do amigo. Mas as perdas já foram muitas, e rapidamente ele volta à cronologia: depois foi para a rádio Tupi, onde tocava com Pixinguinha e Benedito Lacerda. Seu nome já corria solto nas noites musicais da Cidade Maravilhosa. Nas décadas de 40 e 50, a competição entre as rádios no Rio de Janeiro era intensa. Com a programação quase toda ao vivo, elas contratavam atores, escritores, maestros e principalmente músicos para formar seu cast. Naquela época, os conjuntos “regionais” eram a grande onda do mercado radiofônico. Primeiro porque, sendo um conjunto que não necessitava de arranjos escritos e normalmente caracterizavam-se pela facilidade de improvisação, ajudavam muito nos programas de auditório, cobriam os buracos da programação e acompanhavam com competência qualquer cantor ou cantora que se apresentasse nos programas. Foi nesse período que Pernambuco do Pandeiro criou seu próprio regional, onde se destacava um rapaz albino que tocava acordeão e atendia pelo nome de Hermeto Pascoal. Com seu grupo, Pernambuco gravou vários discos, apresentou-se Brasil afora e em vários países da Europa. Os convites choviam no chapéu de Pernambuco, e ele atendia aos que podia. Gravou na Polydor com Dilermano Pinheiro, Odete Amaral e Aracy de Almeida. Em 1958, juntamente com Abel 33