Os viventesnamento, arrasta consigo a infância, e os próprios nomes se dispersampela casa em ruínas. Po<strong>de</strong>mos ‘escorar’ essas ruínas (Eliot), masnada impedirá o <strong>de</strong>sabamento das pare<strong>de</strong>s <strong>de</strong> suas salas, <strong>de</strong> seus alpendres,<strong>de</strong> seus quartos, dispensas e outros lugares on<strong>de</strong> são guardados– simbolicamente, é claro – velhos objetos, leitos <strong>de</strong>smontados,velhas arcas, ecos <strong>de</strong> vozes apagadas, garrafas vazias, faltandoapenas a velha rameira <strong>de</strong> que nos fala Yeats, a que conta as moedas eas guarda em sua caixa preta, dando-nos, assim, uma vaga e válidaimagem do inconsciente, tal como lemos numa das estrofes <strong>de</strong> “A<strong>de</strong>serção dos animais do circo”. O processo pelo qual registramos anossa vida é lento, mas tem um duplo efeito: o efeito Letes-Eunoè,esquecimento x lembrança, horror x beleza, morte x renascimento,porque a memória permanece no tempo e sempre vê <strong>de</strong> pé a casa <strong>de</strong>molida.O que procura Carlos Nejar é aproximar <strong>de</strong> sua experiência a experiênciado leitor. A leitura <strong>de</strong> poemas exige tranqüilida<strong>de</strong> e fortalecidaconsciência <strong>de</strong> que a língua poética não é a língua da comunicação.Para mim, não seria difícil falar sobre a experiência da casa emruínas. A que nasci era uma casa gran<strong>de</strong>, com oito quartos, no sertãodos Inhamuns: o quarto escuro – o dos morcegos – o quarto dos pesa<strong>de</strong>los.O quarto do anjo <strong>de</strong>golado, on<strong>de</strong> se guardava o ossuário dafamília em gran<strong>de</strong> urna <strong>de</strong> mármore italiano. O quarto <strong>de</strong> AnnaAngélica e <strong>de</strong> Anna Aurora. Não conheci essas tias-bisavós, massempre as vi em sonhos. A força do poeta está em saber como aproximartais experiências das experiências do leitor, pois afinal todostiveram suas casas, todos recordam seus tios, o carinhos dos avós,enfim, “as afeições domésticas”, diria Alfredo Antunes ao escreversobre o sentimento <strong>de</strong> ‘sauda<strong>de</strong>’ em Fernando Pessoa. Ou como, aorecordar a casa, <strong>de</strong>sfila diante <strong>de</strong> nós a vida, tal como nos mostra umdos mais belos poemas <strong>de</strong> Emílio Moura: “A casa”.153
César LealÉ por essas e outras razões que <strong>de</strong>vemos resistir, como faz CarlosNejar, às teses do fim da Arte, do fim da poesia. Como ele diz:A casa ia ruindocom o rigor dos anoso ruídorancoroso dos canos,o ruído plangentedo sótãoe dos nomes.São manifestações existenciais, algo situado na área fenomenológica,e utilizo o termo na acepção que lhe foi dada por Lambert, oseu criador. A linguagem <strong>de</strong> Carlos Nejar em Os viventes nãoéaexpressão<strong>de</strong> um temperamento romântico, quando fala em Mafalda,Paulo, Sadi. “On<strong>de</strong> Paulo e Sadi?” – indaga e ele próprio respon<strong>de</strong>:Estão correndo e era o pátio com os curvos pessegueiros. Cristina, Graça, Mira, aRosa sobre o ventre das janelas ver<strong>de</strong>s, palavras suficientes, necessárias, nãoexcessivas, pois quando se usa a linguagem com precisão ela nunca éexcesso. A economia da linguagem não engran<strong>de</strong>ce a língua. É antesum maneirismo, já que não enriquece o idioma como sistema socialnem como língua poética. É por isso que se <strong>de</strong>ve recordar MuriloMen<strong>de</strong>s, um latifundiário <strong>de</strong> palavras. Palavras produtivas, comoprodutiva é a palavra em todo poeta forte. Não esqueçam Shakespeare,que usava <strong>de</strong>masiadamente as palavras, nem Malherbe, que aseconomizava em <strong>de</strong>masia. Façam uma reflexão sobre os dois e digam– não é preciso indagar a ninguém – quem foi o vencedor. A línguacriadora <strong>de</strong> ‘monumentos’ é rica em palavras, símbolos e alegorias,como em Dante, ou plena <strong>de</strong> imagens e metáforas, como em Shakespeare.Quem mais contribuiu para a gran<strong>de</strong>za da língua inglesa noséculo XVII foi Shakespeare, porque a usou como se fosse a corren-154
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