Eça <strong>de</strong> Queirós e Eduardo Pradodiz Fi<strong>de</strong>lino <strong>de</strong> Figueiredo, não aceitava a mediocrida<strong>de</strong> do séculopolítico em que vivia. Esse aristocrata, rebento <strong>de</strong> ilustre família açoriana,<strong>de</strong> on<strong>de</strong> emergiram para a História <strong>de</strong> Portugal André PonteQuental da Câmara, amigo <strong>de</strong> Boccage “e seu dileto companheiro naboêmia literária do fim do século XVIII”, e Bartolomeu <strong>de</strong> Quental,escritor místico, fundador, em Portugal, da Congregação do Oratório,cuja influência na fé e nos costumes foi das maiores. Eça o admiroupor sentir nele um irmão, embora Antero tivesse abandonado afé <strong>de</strong> seus ancestrais e se convertido, como afirmou, ao socialismo,doutrina que na época, envolvida pelo romantismo do século, confundia-secom humanitarismo. Essas duas admirações, até mesmoexageradas, <strong>de</strong> Eça confirmaram, a nosso ver, a tese que vimos <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>ndo,a do profundo apego do escritor às tradições <strong>de</strong> sua terra.Eduardo e Antero possuíam tudo para atrair admirações. Um era ohomme du mon<strong>de</strong>, civilizado, culto rico, amando as viagens por ser,como acentuou Eça, <strong>de</strong>vorado pela curiosida<strong>de</strong>, não a que faz escutaratrás das portas ou olhar por sobre os muros, mas a que leva a<strong>de</strong>scobrir a América. O outro era o iconoclasta, o atormentado perscrutadordos mistérios do mundo, em quem o meio coimbrão,segundo Fi<strong>de</strong>lino <strong>de</strong> Figueiredo, havia <strong>de</strong>struído a forte crença religiosa,substituindo-a pela dúvida cruel que o torturou durante toda avida. Mas ambos imergindo rizomas profundos no passado – ou noPassado, como gostava <strong>de</strong> escrever Eça –, isto é, na tradição. Tinhamaté mesmo, um e outro, a compulsão à luta pelas idéias que esposaram.Mas foi em Eduardo que Eça encontrou o seu mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> tradiçãomais acentuado. O homem que passava longos meses em viagem,que era um autêntico parigot em Paris e que, voltando ao Brasil, passavatambém longos meses na sua fazenda do Brejão, no interior <strong>de</strong>São Paulo, em contato amoroso com a terra, constituía-se bem num<strong>de</strong>sses exemplares raros <strong>de</strong> nobreza, no puro sentido da palavra.Vendo <strong>de</strong>struídas instituições que se consolidaram, Eduardo revol-85
João <strong>de</strong> Scantimburgo16 AntônioSardinha,Purgatório dasidéias. Lisboa,Livraria Perim,1929, passim.tou-se. Eça o acompanhou <strong>de</strong> longe e, <strong>de</strong>pois, ouviu-lhe a narraçãodos episódios que <strong>de</strong>sfizeram no Brasil uma construção soberba, irreparavelmentecomprometida, como a História fartamente noscomprovou. Consiste a tradição em coser, perpetuamente, o passadoao presente e ao futuro. Regra <strong>de</strong> fé na Igreja Católica ApostólicaRomana, até o Concílio Vaticano II, a tradiçãoéoúnicotônicosuficientementeforte para conter a tendência naturalmente <strong>de</strong>sagregadorado ser humano, tendência acentuada em nossos dias pela revoluçãocomo processo <strong>de</strong> subversão das instituições.Eduardo Prado cumpriu o seu <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> patriota quando a Repúblicafoi proclamada. Manifestou o seu inconformismo. Tinha29 anos. Era rico, bem-nascido. Silva Prado é um dos troncos maisilustres do Brasil. O seu irmão, Antônio, conselheiro do Império,conservador, antigo ministro do gabinete João Alfredo, mais tar<strong>de</strong>a<strong>de</strong>riu à República, e veio a ser fundador do Partido Democrático,que nasceu em 1926 para se opor à oligarquia dominante, o velho ecarcomido – como se dizia na época – Partido Republicano Paulista.Eduardo, porém, não ce<strong>de</strong>u. Intransigente nas suas convicçõesmonárquicas, não aceitou o novo regime. Manteve-se monarquistaaté a morte, em 1901, quando Campos Sales, paulista <strong>de</strong>Campinas, já ocupava a Presidência, e o seu ministro da Fazenda,Joaquim Murtinho, aplicava a doutrina econômica liberal, contrao <strong>de</strong>svario do ‘encilhamento’ dos primeiros anos republicanos.Eduardo cultuava a tradição, era-lhe fi<strong>de</strong>líssimo, mas não tinhanada <strong>de</strong> imobilista. Referindo-se ao prestígio que D. Pedro II gozavanos Estados Unidos, acentuou: “O seu amor à liberda<strong>de</strong>, oseu espírito aberto a todas as novida<strong>de</strong>s do século, a sua ativida<strong>de</strong>,a singeleza da sua pessoa, impressionaram sempre os americanos,que <strong>de</strong> um rei só faziam a idéia <strong>de</strong> um homem ro<strong>de</strong>ado <strong>de</strong> fausto,<strong>de</strong> um <strong>de</strong>fensor do passado contra o espírito inovador.” Esse, oconceito <strong>de</strong> tradição em Eduardo Prado, o <strong>de</strong> permanência na continuida<strong>de</strong>,como a <strong>de</strong>finiu Antônio Sardinha. 1686
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