José Lins do Rego: cem anoscom a carência, da humilda<strong>de</strong> com a submissão, da morte prematuracom a orfanda<strong>de</strong> e do sexo com o lúdico.A sua é quase uma obra sociológica, <strong>de</strong> <strong>de</strong>núncia social contra asterríveis <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s dos grotões e dos mundéus no semi-árido,escrita por um autor i<strong>de</strong>ntificado com o seu chão e o seu povo, exuberante,primitivista e telúrico. Nessas duas fases – da cana-<strong>de</strong>açúcare do cangaço – há uma constante cíclica da ascensão e quedados “coronéis” rurais, como herança inevitável do patriarcalismo,do latifúndio, da escravidão, do feudalismo, do baronato e domandonismo.Ele foi um dos nossos mais ricos e férteis escritores <strong>de</strong> ficção realista,inspirado nas mais legítimas fontes nor<strong>de</strong>stinas, com uma talentosacombinação entre a arte e a realida<strong>de</strong>: a sua infância órfã noSanta Rosa do Menino <strong>de</strong> engenho, o seu internato no Colégio NossaSenhora do Carmo em Doidinho e a figura do seu avô e xará José Linsno personagem do Coronel José Paulino em Fogo morto.Rico, extenso e variado é o seu elenco <strong>de</strong> inesquecíveis figurantes:Carlos <strong>de</strong> Mello, Olívia, Ricardo, Dr. Juca, os cegos Ladislau e Torquato,Lola, Antônio Cavalcanti, Felismina, Maria Paula, Margarida,Antônio Bento, Padre Amâncio, Ester, Edna, Nô, Marta, Luís,Lucas, Feliciano, Sinhá Josefa, Tia Maria, Sinhàzinha e Bento, entremuitos outros.Fascinado pelo estilo <strong>de</strong> Eça, não o imitou em nada. Leitor, aos17 anos, <strong>de</strong> O Ateneu <strong>de</strong> Raul Pompéia e, aos 19, do Memorial <strong>de</strong> Aires<strong>de</strong> Machado <strong>de</strong> Assis, não copiou nenhum dos dois, po<strong>de</strong>ndo, quandomuito, influenciar-se ligeiramente com Memórias <strong>de</strong> um sargento <strong>de</strong>milícias, <strong>de</strong> Manuel Antônio <strong>de</strong> Almeida, e com O cortiço, <strong>de</strong> Aluísio<strong>de</strong> Azevedo.Como se fosse um John dos Passos, um Steinbeck e um Hemingwaydos trópicos, escreveu um pouco na linha <strong>de</strong> William Faulkner,o retratista da <strong>de</strong>cadência do Sul americano; <strong>de</strong> Thomas Hardy, o105
Murilo Melo Filhopessimista do regionalismo britânico; <strong>de</strong> Maurice Barrès, o cultor doprovincianismo francês, e <strong>de</strong> Marcel Proust, o romancista dos temposperdido e reencontrado.Parodiando André Gi<strong>de</strong>, po<strong>de</strong>r-se-ia dizer que Zélins escreviapara sobreviver, para pôr-se em contato com a vida, a ela se ligandomais intimamente. Escrevia porque podia escrever, porque nascerapara isto e porque vivia.Conflito. Há também uma atmosfera <strong>de</strong> quase permanente conflitoentre os proprietários, <strong>de</strong> um lado, e os “sem-terra”, do outro,como precursores da gran<strong>de</strong> problemática brasileira dos dias atuais,que é a reforma agrária.Pergunto: como se haverá <strong>de</strong> ver, senão sob este prisma, o choquedo Coronel Lula <strong>de</strong> Holanda, senhor do engenho Santa Fé, genro eher<strong>de</strong>iro do Capitão Tomás Cabral – um saudosista <strong>de</strong> tempos gloriosos– com o Mestre Zé Amaro, um humil<strong>de</strong> artesão, fazedor <strong>de</strong>selas e <strong>de</strong> arreios e com Vitorino Carneiro da Cunha, o “Papa-Rabo”, uma grotesca reedição do Quixote, <strong>de</strong> Cervantes?Se a técnica da narrativa <strong>de</strong> José Lins é possante nesse cenário rural,com o linguajar típico da ru<strong>de</strong>za do agreste e com cheiro <strong>de</strong> poeirae <strong>de</strong> gente (camumbembe, lasquinê, bute, furriel, pua, cachenê,cassacos, agulheiro, carpina, chibante, turina, latomia, quenga, etc.),não será menos pujante quando ela se transporta <strong>de</strong>sse horizonte interioranopara o ambiente citadino, como em Água-mãe (Cabo Frio)e Eurídice (Rio <strong>de</strong> Janeiro).Aí já não é mais o promotor público da comarca mineira <strong>de</strong> Manhuaçu,mas o fiscal do imposto <strong>de</strong> consumo no Rio, que, segundoManuel Ban<strong>de</strong>ira, não lavrou uma só multa, e que, segundo Drummond,quase não comparecia ao seu trabalho, mas que era convidadoa fazê-lo pelos seus novos chefes, interessados mais em conhecê-lopessoalmente do que em recriminá-lo.106
- Page 1: Disco de Faístos, CretaMuseu do Lo
- Page 6 and 7: Diretrizes do culturalismoO ‘cult
- Page 8 and 9: Diretrizes do culturalismode propri
- Page 10: Diretrizes do culturalismotico do e
- Page 13 and 14: Arnaldo Niskierescolas públicas do
- Page 15 and 16: Arnaldo NiskierAlguém menos avisad
- Page 17 and 18: Arnaldo Niskier- A humanização, o
- Page 20 and 21: Eça de Queirós eEduardo PradoJoã
- Page 22 and 23: Eça de Queirós e Eduardo PradoNes
- Page 24 and 25: Eça de Queirós e Eduardo Pradouma
- Page 26 and 27: Eça de Queirós e Eduardo Pradopes
- Page 28: Eça de Queirós e Eduardo Pradosoc
- Page 31 and 32: João de ScantimburgoPrado que Eça
- Page 33 and 34: João de Scantimburgo16 AntônioSar
- Page 35 and 36: João de Scantimburgovelhos resídu
- Page 37 and 38: João de ScantimburgoEduardo tudo p
- Page 39 and 40: João de ScantimburgoAs personagens
- Page 41 and 42: João Guimarães Rosa e os pais, Do
- Page 43 and 44: Carlos Heitor Conyno Itamaraty, Jo
- Page 45 and 46: Carlos Heitor Conyera primária, a
- Page 47 and 48: Carlos Heitor Conyalma ao demônio
- Page 49 and 50: José Lins do Rego, de Portinari, 1
- Page 51: Murilo Melo FilhoSeu primeiro livro
- Page 55 and 56: Murilo Melo FilhoFaleceu no Hospita
- Page 57 and 58: Louis Pasteur(1822-1895)
- Page 59 and 60: Carlos A. LeiteO Instituto Pasteur
- Page 61 and 62: Carlos A. Leitepara evitar as crít
- Page 64 and 65: Pessoa: personagense poesiaMilton V
- Page 66 and 67: Pessoa: personagens e poesiacomo ob
- Page 68 and 69: Pessoa: personagens e poesiaancestr
- Page 70 and 71: Pessoa: personagens e poesiaPor cim
- Page 72 and 73: Pessoa: personagens e poesiaE gozan
- Page 74 and 75: Pessoa: personagens e poesiaJá se
- Page 76 and 77: Pessoa: personagens e poesiamitos,
- Page 78 and 79: Pessoa: personagens e poesiado poet
- Page 80 and 81: Pessoa: personagens e poesiaE a gl
- Page 82 and 83: Pessoa: personagens e poesiaAntes d
- Page 84 and 85: Pessoa: personagens e poesiaVem sen
- Page 86 and 87: Pessoa: personagens e poesiaReis, o
- Page 88 and 89: Pessoa: personagens e poesiatoso e
- Page 90 and 91: Pessoa: personagens e poesiaTrago d
- Page 92 and 93: Pessoa: personagens e poesiaórfico
- Page 94 and 95: Pessoa: personagens e poesia Afinal
- Page 96 and 97: Os viventesCésar LealMitos, pessoa
- Page 98 and 99: Os viventesna”, em um de seus úl
- Page 100 and 101: Os viventesnamento, arrasta consigo
- Page 102 and 103:
Os viventesteza de um imenso rio de
- Page 104 and 105:
Os viventesAs imagens não buscam s
- Page 106 and 107:
Os viventesPode o coraçãocorrer c
- Page 108 and 109:
Nosso DickensJosé Guilherme Merqui
- Page 110 and 111:
Nosso Dickensde Jorge Amado. Os mes
- Page 112:
Nosso DickensQuando Ernest Gellner,