João Guimarães RosaBogotá é o posto seguinteeénacapital colombiana que encontratempo para rever os contos <strong>de</strong> Sagarana. Dá-lhe o toque final, iria retocartodas as suas obras, ao longo das sucessivas reedições.Nos <strong>de</strong>z anos seguintes, ele concentraria todas as suas energiaspara o salto que o consagraria <strong>de</strong>finitivamente. Em sua vida funcional,continuaria servindo no estrangeiro, voltando a Bogotá. comosecretário-geral da IX Conferência Interamericana e, logo <strong>de</strong>pois,servindo em Paris, como conselheiro da Embaixada. Em 1951, duranteo segundo governo <strong>de</strong> Vargas, é convocado pelo ministro doExterior, João Neves da Fontoura, para chefia <strong>de</strong> seu gabinete.Em 1956, o dilúvio. Logo nos primeiros meses do ano sai Corpo <strong>de</strong>baile, em dois volumes, e em seguida Gran<strong>de</strong> sertão: Veredas. O impactocausado ficou sendo uma espécie <strong>de</strong> hégira da literatura brasileira.Po<strong>de</strong>-se falar em antes e em <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> Guimarães Rosa.Todas as gran<strong>de</strong>s obras-primas da literatura têm uma história linear,sem nada <strong>de</strong> extraordinário. Crime e castigo é a história <strong>de</strong> um estudanteque assassina uma velha para roubar. Dom Quixote nem enredotem: é um louco <strong>de</strong> meia-ida<strong>de</strong> que sai pelo mundo procurandobriga. Madame Bovary é a mulher <strong>de</strong> um médico provinciano que arranjaum amante. E daí?Tal como no caso dos gran<strong>de</strong>s mestres, a história episódica <strong>de</strong> Riobaldoseria transformada pelas mãos do feiticeiro, e <strong>de</strong>ssa transformaçãoresultaria uma poção mágica que não po<strong>de</strong>ria ser tomada <strong>de</strong>um gole só. Precisava <strong>de</strong> conta-gotas, para ser explorada em suas miu<strong>de</strong>zas,em seus muitos atalhos e veredas.Diante da monumentalida<strong>de</strong> da obra, os críticos falaram, inicialmente,em Joyce, fazendo paralelos <strong>de</strong> linguagem e intenções. Em princípio,po<strong>de</strong>-se traçar paralelos entre um livro e outro qualquer livro, porexemplo, entre o Almanaque Capivarol <strong>de</strong> 1942 e a Divina comédia.Para uso próprio, preferimos compará-lo com outra obra-primaproduzida no mesmo século, o Dr. Faustus, <strong>de</strong> Thomas Mann. O compositorAdrianLeverkuhenpersegue a sua obra-prima e ven<strong>de</strong> a sua99
Carlos Heitor Conyalma ao <strong>de</strong>mônio para obter a música <strong>de</strong>sejada, tal como o seu antepassadogoethiano ven<strong>de</strong>ra a alma para recuperar a mocida<strong>de</strong>. “O jagunçoRiobaldo e o compositor Leverkuhen– analisa um crítico –têm, cada qual a seu modo, uma tarefa a cumprir, tarefa que está além<strong>de</strong> suas capacida<strong>de</strong>s. É preciso, então, convocar a energia obscura pormeio do pacto diabólico.” Conquistado o gran<strong>de</strong> fim (a morte dobandido Hermógenes para Riobaldo, a criação da gran<strong>de</strong> música paraLeverkuhen), os dois personagens se retiram para uma espécie <strong>de</strong> aposentadoriasinistra: o compositor, minado pela sífilis, torna-se idiota.Riobaldo, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> graves doenças e <strong>de</strong>lírios, transforma-se num caipirapensativo e estéril. Em ambos os casos, a narração é feita <strong>de</strong> memória,<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> <strong>de</strong>corridos alguns anos dos fatos principais.Thomas Mann e Guimarães Rosa eram, acima <strong>de</strong> tudo, homenseruditos, dois humanistas no sentido pleno e nobre da palavra. Elesespremeriam <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> suas histórias, por mais banais que parecessem,a carga cultural que os condicionava. Daí, muita gente tirou suas conclusõesa respeito do Dr. Faustus e o regime nazista. E pelo mesmo processomuitos leitores e críticos enxergaram na obra <strong>de</strong> GuimarãesRosa uma ontologia, uma metafísica e até mesmo uma teologia. Ocerto é que o romance <strong>de</strong> Rosa guarda todas as proporções <strong>de</strong> umaepopéia medieval–eopróprio Sertão que serve <strong>de</strong> cenário, sujeito epredicado da ação, é uma ilha medieval cravada no imenso corpo doBrasil. O livro, assim, entendido, resulta numa canção <strong>de</strong> gesta, on<strong>de</strong> otrovador (o ex-jagunço Riobaldo) narra ou canta – para um presumívelouvinte – “a sua vida <strong>de</strong> aventura, tendo como leit-motiv o seu amorimpossível por Diadorim e a sua ânsia do absoluto”.Guimarães Rosa não chegou, como querem alguns, a criar umalíngua realmente nova, embora tenha empregado uma linguagem criadapara ele. Quem está habituado a ler os clássicos, sobretudo osquinhentistas, i<strong>de</strong>ntifica o filão que abastece a sua prosa. Lembremoscomo exemplo um texto conhecido, o da carta <strong>de</strong> Pero Vaz Caminha:“Todavia tome Vossa Alteza minha ignorância por boa von-100
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