Pessoa: personagens e poesiamitos, fatos e atos, diz respeito não à psicologia do autor, mas à psicologiacoletiva. No primeiro caso, há uma fabulação consciente doautor; no segundo, irrompem forças do psiquismo, que escapam aocontrole do criador. Trata-se <strong>de</strong> estratos do inconsciente coletivo –que forma o embasamento inconsciente <strong>de</strong> toda a psique humana,espécie <strong>de</strong> repositório <strong>de</strong> toda a experiência da humanida<strong>de</strong>. Comoexemplos <strong>de</strong>sses dois tipos <strong>de</strong> obra literária, Jung cita as duas partesdo Fausto, <strong>de</strong> Goethe. Na primeira, trata-se do relato claro e conscientedo drama psicológico pessoal <strong>de</strong> Fausto e <strong>de</strong> Margarida. Na segunda,já não se trata <strong>de</strong> Fausto, mas <strong>de</strong> todo o <strong>de</strong>monismo e <strong>de</strong>sejo<strong>de</strong> salvação inatos na alma humana. Em lugar <strong>de</strong> Margarida apareceHelena e o Eterno Feminino.É verda<strong>de</strong>, como diz Jung, que “a essência da obra <strong>de</strong> arte não éconstituída pelas particularida<strong>de</strong>s pessoais que pesam sobre ela(quanto mais numerosas forem as particularida<strong>de</strong>s, menos se trata<strong>de</strong> arte). Pelo contrário, consiste no fato <strong>de</strong> elevar-se muitoacima do pessoal”. No entanto, o psiquismo do poeta é como acrisálida on<strong>de</strong> se conforma o poema e, portanto, este, <strong>de</strong> algummodo, mantém a forma mentis do poeta. Há aqui um paradoxoque o próprio Jung indica ao afirmar: “Todo ser criador representauma dualida<strong>de</strong> ou uma síntese <strong>de</strong> dualida<strong>de</strong>s paradoxais;por um lado, é homem e pessoal e, por outro, é um processo semprehumano, mas impessoal.”É inevitável, lendo esta frase, <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> pensar na dualida<strong>de</strong> <strong>de</strong>Fernando Pessoa como ortônimo e como seus três heterônimos.Note-se bem que, segundo o próprio Pessoa, não se trata <strong>de</strong> alguémcujo nome oficial é Fernando Pessoa e que assina alguns <strong>de</strong> seus poemasconstruídos <strong>de</strong> modo peculiar, com pseudônimos correspon<strong>de</strong>ntes.Trata-se <strong>de</strong> uma estrutura psicológica constituída por umcentro consciente – que se chama Fernando Pessoa–e<strong>de</strong>personagensque, como nós <strong>de</strong> energia psíquica, irrompem no consciente,129
Milton Vargas<strong>de</strong>le se apo<strong>de</strong>rando, e <strong>de</strong>le fazendo seu instrumento. Segundo a concepçãojunguiana expressa em “Psicologia e poesia” e en<strong>de</strong>reçando-aa Fernando Pessoa por minha conta: “Em última análise, o que oanima e nele quer não é ele mesmo enquanto instância pessoal, mas aobra <strong>de</strong> arte a criar.”Para conferirmos esta temática com a realida<strong>de</strong>, seria necessáriorecorrer a alguém que tivesse convivido com ele, e dotado <strong>de</strong> sensibilida<strong>de</strong>para captar os sinais que confirmassem ou negassem o que foidito. Esse alguém felizmente existiu. Foi Casais Monteiro, que nosforneceu os dados que confirmam a teoria.Neste sentido, Casais Monteiro cita dois pontos <strong>de</strong> real importância.Primeiro, testemunha que os heterônimos não são “invençõesda inteligência” <strong>de</strong> Fernando Pessoa, antes, brotando “instintivae subconscientemente” <strong>de</strong> sua mente. De início, os personagensbrotam autônomos, como no caso <strong>de</strong> Alberto Caeiro na noite<strong>de</strong> 8 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1914. Só então é que o centro consciente <strong>de</strong> Pessoaos “fixa em mol<strong>de</strong>s <strong>de</strong> realida<strong>de</strong>”, como diz o próprio poeta emcarta a Casais Monteiro: “Graduei as influências, conheci as amiza<strong>de</strong>s,ouvi <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> mim as discussões e as divergências <strong>de</strong> critérios,e, em tudo isso, me parece que fui eu, criador <strong>de</strong> tudo, o menos que alihouve. Parece que tudo se passou in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong> mim. E pareceque assim se passa.”O segundo ponto importante no <strong>de</strong>poimento <strong>de</strong> Casais Monteiroé sua observação acerca da intemporalida<strong>de</strong> e da falta <strong>de</strong> evolução dapoesia <strong>de</strong> Fernando Pessoa, confirmada e admitida pelo próprio poeta.Diz ele: “Tenho uma vaga idéia <strong>de</strong> ter escrito a Fernando Pessoamais ou menos neste teor: a sua obra me parecia testemunha <strong>de</strong> umaintemporalida<strong>de</strong> quase absoluta, não havendo nela nem passado, nemfuturo; mas apenas um eterno atual, que é o verda<strong>de</strong>iro tempo em que<strong>de</strong> fato vivem os gran<strong>de</strong>s imaginativos.” Ao que respon<strong>de</strong>u FernandoPessoa: “O que sou essencialmente por trás das máscaras involuntárias130
- Page 1:
Disco de Faístos, CretaMuseu do Lo
- Page 6 and 7:
Diretrizes do culturalismoO ‘cult
- Page 8 and 9:
Diretrizes do culturalismode propri
- Page 10:
Diretrizes do culturalismotico do e
- Page 13 and 14:
Arnaldo Niskierescolas públicas do
- Page 15 and 16:
Arnaldo NiskierAlguém menos avisad
- Page 17 and 18:
Arnaldo Niskier- A humanização, o
- Page 20 and 21:
Eça de Queirós eEduardo PradoJoã
- Page 22 and 23:
Eça de Queirós e Eduardo PradoNes
- Page 24 and 25:
Eça de Queirós e Eduardo Pradouma
- Page 26 and 27: Eça de Queirós e Eduardo Pradopes
- Page 28: Eça de Queirós e Eduardo Pradosoc
- Page 31 and 32: João de ScantimburgoPrado que Eça
- Page 33 and 34: João de Scantimburgo16 AntônioSar
- Page 35 and 36: João de Scantimburgovelhos resídu
- Page 37 and 38: João de ScantimburgoEduardo tudo p
- Page 39 and 40: João de ScantimburgoAs personagens
- Page 41 and 42: João Guimarães Rosa e os pais, Do
- Page 43 and 44: Carlos Heitor Conyno Itamaraty, Jo
- Page 45 and 46: Carlos Heitor Conyera primária, a
- Page 47 and 48: Carlos Heitor Conyalma ao demônio
- Page 49 and 50: José Lins do Rego, de Portinari, 1
- Page 51 and 52: Murilo Melo FilhoSeu primeiro livro
- Page 53 and 54: Murilo Melo Filhopessimista do regi
- Page 55 and 56: Murilo Melo FilhoFaleceu no Hospita
- Page 57 and 58: Louis Pasteur(1822-1895)
- Page 59 and 60: Carlos A. LeiteO Instituto Pasteur
- Page 61 and 62: Carlos A. Leitepara evitar as crít
- Page 64 and 65: Pessoa: personagense poesiaMilton V
- Page 66 and 67: Pessoa: personagens e poesiacomo ob
- Page 68 and 69: Pessoa: personagens e poesiaancestr
- Page 70 and 71: Pessoa: personagens e poesiaPor cim
- Page 72 and 73: Pessoa: personagens e poesiaE gozan
- Page 74 and 75: Pessoa: personagens e poesiaJá se
- Page 78 and 79: Pessoa: personagens e poesiado poet
- Page 80 and 81: Pessoa: personagens e poesiaE a gl
- Page 82 and 83: Pessoa: personagens e poesiaAntes d
- Page 84 and 85: Pessoa: personagens e poesiaVem sen
- Page 86 and 87: Pessoa: personagens e poesiaReis, o
- Page 88 and 89: Pessoa: personagens e poesiatoso e
- Page 90 and 91: Pessoa: personagens e poesiaTrago d
- Page 92 and 93: Pessoa: personagens e poesiaórfico
- Page 94 and 95: Pessoa: personagens e poesia Afinal
- Page 96 and 97: Os viventesCésar LealMitos, pessoa
- Page 98 and 99: Os viventesna”, em um de seus úl
- Page 100 and 101: Os viventesnamento, arrasta consigo
- Page 102 and 103: Os viventesteza de um imenso rio de
- Page 104 and 105: Os viventesAs imagens não buscam s
- Page 106 and 107: Os viventesPode o coraçãocorrer c
- Page 108 and 109: Nosso DickensJosé Guilherme Merqui
- Page 110 and 111: Nosso Dickensde Jorge Amado. Os mes
- Page 112: Nosso DickensQuando Ernest Gellner,