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o livro do desassossego

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FERNANDO PESSOA<br />

compradas. Podiam estranhar a minha voz ao perguntar o<br />

preço. Mais vale escrever <strong>do</strong> que ousar viver, ainda que viver<br />

não seja mais que comprar bananas ao sol, enquanto o sol<br />

dura e há bananas que vender.<br />

Mais tarde, talvez... Sim, mais tarde... Um outro, talvez...<br />

Não sei...<br />

O calor, como uma roupa invisível, dá vontade de o<br />

tirar.<br />

Trovoada<br />

Este ar baixo de nuvens paradas. O azul <strong>do</strong> céu estava<br />

sujo de branco transparente.<br />

O moço, ao fun<strong>do</strong> <strong>do</strong> escritório, suspende um minuto o<br />

cordel á roda <strong>do</strong> embrulho eterno...<br />

'' Como está [...]," comenta estatisticamente.<br />

Um silêncio frio. Os sons da rua como que foram corta<strong>do</strong>s<br />

á faca. Sentiu-se, prolongadamente, como um mal-estar<br />

de tu<strong>do</strong>, um suspender cósmico da respiração. Parara o<br />

universo inteiro. Momentos, momentos, momentos. A treva<br />

encarvoou-se de silêncio.<br />

Súbito, aço vivo, (...)<br />

Que humano era o toque metálico <strong>do</strong>s elétricos! Que<br />

paisagem alegre a simples chuva na rua ressuscitada <strong>do</strong><br />

abismo!<br />

Oh, Lisboa, meu lar!

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