Revista Criticartes 5 Ed
Revista Criticartes - Ano II, nº. 5 - 2016
Revista Criticartes - Ano II, nº. 5 - 2016
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Conto<br />
<strong>Revista</strong> <strong>Criticartes</strong> | 4º Trimestre de 2016 / Ano II - nº. 05<br />
https://afremov.com<br />
City clown - Palette Knife Oil Painting On Canvas<br />
By Leonid Afremov - Size 24”x30”<br />
O palhaço<br />
Isloany Machado<br />
Campo Grande, MS<br />
@: isloanymachado@gmail.com<br />
Olhava o palhaço e estava<br />
convicto de que havia algo de<br />
errado ali. Seus pais sentaram-se<br />
com ele na primeira fileira do<br />
circo, de modo que pode olhar<br />
cada detalhe. Era a primeira vez<br />
que via um palhaço tão de perto,<br />
na verdade aquela figura sempre<br />
lhe causara uma espécie de medo<br />
inexplicado, daqueles que chamam<br />
fobia. Ninguém entendia<br />
como uma criança podia ter um<br />
medo assim de um palhaço, uma<br />
figura que só quer fazer rir. Sentiase<br />
idiota por ter tanto medo.<br />
Evitava qualquer contato.<br />
Quando o carro de som passava<br />
anunciando a chegada do circo,<br />
escondia-se embaixo da cama<br />
durante horas. Seus pais insistiam<br />
em levá-lo, pois acreditavam que<br />
um homem precisa enfrentar seus<br />
medos desde sempre. Encolhia-se<br />
entre as pernas da mãe e virava o<br />
rosto diante da aparição da figura<br />
tragicômica, sentia o peito pular<br />
sob a camisa xadrez preferida dele.<br />
Já um pouco maior, pode sentar-se<br />
na primeira fila e olhar mais<br />
demoradamente para ele. O que<br />
sentia era algo da ordem de um<br />
vazio, uma coisa que suas palavras<br />
não conseguiam alcançar. Há<br />
pouco deixara de ser criança e<br />
ainda carregava uma dificuldade<br />
grande de pensar seus sentimentos.<br />
Muitas pessoas carregam essa<br />
dificuldade sempre. Mas por ter-se<br />
mantido firme na primeira fileira,<br />
ganhou elogios de seus familiares,<br />
que diziam ser ele um moço já.<br />
Não era mais um medo paralisante,<br />
era algo diferente, quase dó em<br />
alguns momentos. Ah, que coisa<br />
difícil de definir, achou melhor<br />
deixar pra lá. Devia ser coisa da<br />
sua cabeça. No meio do espetáculo<br />
o palhaço aproximou-se dele e<br />
ofereceu-lhe uma flor de plástico.<br />
Ao final, viu seus amigos tirando<br />
fotografias com o palhaço.<br />
Recusou-se ao convite de um<br />
deles.<br />
Remexendo nas suas<br />
coisas de infância encontrou a<br />
flor de plástico, empoeirada, e<br />
imediatamente a imagem do<br />
palhaço ocupou sua memória.<br />
Nunca entendera, por exemplo,<br />
por que havia uma lágrima num<br />
rosto pálido cuja boca era marcadamente<br />
feliz. Como vira de<br />
muito perto, pode notar que o<br />
riso era desenhado, não era dele.<br />
Por que mentia? Havia um par de<br />
sobrancelhas muito arqueadas<br />
dando a impressão de olhos que a<br />
tudo viam o tempo todo. No meio<br />
da face um nariz vermelho tão<br />
grande que provavelmente o<br />
impediam de ver qualquer coisa<br />
que estivesse debaixo de si.<br />
Tampouco podia compreender o<br />
fato daquele sujeito usar roupas e<br />
sapatos muito maiores do que os<br />
seus pés, sendo que sempre<br />
tropeçava neles e caía.<br />
Remexendo nas memórias<br />
pode entender o medo inicial e o<br />
posterior vazio que sentia ao ver o<br />
palhaço. Agora que já era homem<br />
feito, podia contar com as palavras<br />
em vários momentos, não em<br />
todos, infelizmente. Entendeu<br />
que o palhaço era uma caricatura,<br />
um exagero do humano. A lágrima<br />
em paradoxo com o riso<br />
desenhado no rosto denotava que<br />
a felicidade é um estado inconstante,<br />
paradoxal, flutuante, mas<br />
que muitos precisam colocá-lo<br />
como permanência. É preciso<br />
olhar de perto para notar que um<br />
sorriso pode ser um belo disfarce,<br />
mas que a verdade nunca se diz<br />
toda, sempre há um resto não<br />
dito. Era pra denunciar isso a<br />
mascarada dele. Sobrancelhas<br />
arqueadas para alguém que vê<br />
longe e muito, talvez até mais do<br />
que gostaria. Um nariz grande<br />
para dizer que muitos homens,<br />
apesar da impressão de que tudo<br />
veem, às vezes não enxergam o que<br />
está embaixo do próprio nariz. Por<br />
fim, as roupas e sapatos grandes<br />
denunciavam que o homem<br />
sempre quer muito mais do que<br />
precisa, ou ainda, quer sempre o<br />
que não precisa. Mas é nisso que<br />
ele sempre tropeça e cai. Todo este<br />
conjunto causava riso nas crianças<br />
e nos adultos, mas não causava<br />
nele. Aquelas pessoas riam do<br />
palhaço, sem saber que riam de si<br />
mesmas. Ele não ria. Algumas<br />
outras pessoas provavelmente<br />
também não riam. Sentia algo<br />
diferente e agora sabia que era<br />
pena.<br />
Olhou novamente para a<br />
flor de plástico. Uma lágrima<br />
correu em seu rosto. Mirou o<br />
espelho que estava a dois metros<br />
de si e imediatamente deixou<br />
escapar um sorriso, pois agora não<br />
tinha mais medo. Compreendeu<br />
perfeitamente que uma lágrima e<br />
um sorriso podem coexistir, pois<br />
das incoerências se constitui o<br />
homem.<br />
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