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Livro Mídia, Misoginia e Golpe
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Mídia, Misoginia e Golpe<br />
|Você identificou algum aspecto de misoginia – aqui definido como ódio ou aversão<br />
às mulheres – na relação que a mídia, os políticos e o Judiciário estabeleceram com<br />
Dilma Rousseff?<br />
Eu não tenho dúvida de que houve não só uma discriminação de gênero, mas<br />
uma misoginia mesmo, para mostrar às mulheres que elas têm um lugar e que esse<br />
lugar não são os espaços de decisão e de poder. E isso, a cada dia, fica mais claro.<br />
As roupas das mulheres incomodam os homens, as mulheres se colocarem<br />
enquanto mulheres incomodam de sobremaneira os homens, porque ameaçam a<br />
estrutura de poder, que é arcaica. E a Dilma quando ganhou as eleições, o que ela<br />
disse: “sim nós, mulheres, podemos”. Com isso houve uma tentativa de desconstrução,<br />
de desconstrução mesmo. O que se quis dizer com o impeachment também foi: “Não<br />
mulheres, vocês não podem”.<br />
Então, eu penso que vamos ter períodos muito duros, porque os direitos não<br />
vivem sem democracia. E essa construção misógina que atingiu a Dilma atinge as<br />
mulheres no parlamento, atinge as mulheres em todos os lugares. É como se nós<br />
incomodássemos muito.<br />
A gente não incomoda enquanto está nos espaços da casa, particularmente nas<br />
alcovas, a serviço dos próprios homens. Nós somos importantes cuidando dos filhos,<br />
dos homens e trabalhando para que os homens se elejam e para que eles possam<br />
assumir os espaços de poder.<br />
A própria expressão da primeira dama, da defesa da criança, da mulher bela e<br />
recatada e do lar, essa alcunha é um retorno do homem dirigente que tem uma mulher<br />
que está atrás dele para dar suporte, para cuidar do lar para que ele possa desenvolver<br />
as suas atividades. E a mulher, quanto menos fale, quanto menos haja. Basta que ela<br />
seja bela, recatada e do lar.<br />
|Você considera que o impeachment de Dilma Rousseff terá algum impacto na<br />
participação feminina na política? Em que sentido?<br />
Primeiro não basta ser mulher é preciso entrar na política como mulher. Eu digo<br />
isso porque a representação feminina tem que passar por uma análise qualitativa para<br />
além da quantitativa. Nós temos 9,9% de mulheres aqui na Câmara, mais de 51<br />
mulheres eleitas, por volta de 20 foram eleitas não por sua história nem por suas<br />
ideias, mas foram eleitas como títeres dos seus próprios maridos, pais, irmãos ou das<br />
suas famílias.<br />
Nós já temos uma sub-representação feminina no parlamento, e quando as<br />
mulheres ousam disputar os espaços culturalmente ocupados por homens, elas sofrem<br />
a ditadura da perfeição, ou seja, elas não podem errar. Se erram, erram porque são<br />
mulheres e os erros são das mulheres. Quando elas ocupam os espaços culturalmente<br />
ocupados por homens, não podem errar, porque se erram, erram porque estão no<br />
lugar indevido. E isso a Dilma enfrentou muito.<br />
E o fato de ela ter sido arrancada do poder, ter sido vitima de um golpe<br />
enfraquece por um lado e por outro não, porque a reação da Dilma, de muita firmeza,<br />
de muita coragem, de muita segurança, estimulou muitas mulheres. Tanto é que nós<br />
tivemos movimentos de resistência ao golpe que foi um movimento essencialmente<br />
feminino. Foi a juventude e as mulheres que foram às ruas. Isso é uma demonstração<br />
de que ainda que não se tenha avançado substancialmente nas políticas para as<br />
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