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Livro Mídia, Misoginia e Golpe
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Mídia, Misoginia e Golpe<br />
ou ainda teria sido alvo de ataques tão violentos. É sim, abertamente, machismo e<br />
misoginia considerar que, se uma mulher fica nervosa, ela é “descontrolada”,<br />
“histérica”, “louca” e caso um homem sinta ou demonstre o mesmo, ele ser<br />
identificado apenas como “fraco” ou “impotente”.<br />
Em relação aos próprios políticos, eu acho que a gente tem que salientar aqui o<br />
lugar, que é um lugar impossível ainda no Brasil, um lugar que não foi estabilizado em<br />
nosso País, que é o do respeito e da aceitação, ao fim da construção mesmo da voz<br />
pública política das mulheres. A mulher na política brasileira ocupa verdadeiramente<br />
um lugar impossível. Por que eu estou chamando a atenção para isso? Porque ela ficará<br />
oscilando entre esses dois polos: ou ela é a recatada e a cuidadora, delicada e<br />
mãezinha, ou ela é a autoritária, truculenta, agressiva, enlouquecida. Eu acho que essa<br />
é mesmo uma forma misógina de se relacionar com a mulher no espaço da política. É<br />
como se tivéssemos que escolher apenas entre estas duas opções que efetivamente<br />
são absurdas: ou a mulher é entendida como a cuidadora, havendo certa discriminação<br />
dessa voz pública quando o próprio político impõe à mulher que o lugar dela é ocupar<br />
posições que estão historicamente associadas ao mundo privado e do cuidado; ou ela é<br />
desqualificada na política por ser “histérica” ou “louca”. Não existiriam outras<br />
experiências, outros conteúdos e significados para a voz pública politica feminina? Nós<br />
nunca vimos uma mulher conduzindo a mesa diretora da Câmara dos Deputados. Se<br />
isso não é discriminação, é o que? Mesmo havendo um número muito menor de<br />
mulheres representantes, hoje esse número está em torno de 45, não é possível que<br />
dentre essas 45 mulheres não exista uma que tenha capacidade e habilidade de chegar<br />
a esse lugar de proeminência. São os partidos políticos que deliberam e decidem sobre<br />
isso, e há uma misoginia evidente nesse processo, há misoginia dentro dos partidos<br />
políticos também. Eu me lembro de uma das muitas das entrevistas que fizemos com<br />
candidatas e depois com deputadas mulheres eleitas, e do relato de uma das<br />
deputadas federais, a Jandira Feghali. Esse para mim é um exemplo claro do quão<br />
misógina ainda é a instituição Câmara dos Deputados e mesmo outras instituições<br />
políticas do nosso sistema político, como os partidos. A Jandira ficou grávida ao longo<br />
do seu primeiro mandato, em 1991, e a mesa diretora da Câmara pediu que ela tirasse<br />
licença por motivo de doença porque não havia previsão no Regimento Interno de<br />
licença-maternidade. Ela, médica, se recusou a retirar uma licença por doença porque<br />
estava grávida, e solicitou à Mesa-diretora que alterasse o Regimento Interno da<br />
Câmara para se adequar à Constituição. Jandira foi, então, a primeira parlamentar a<br />
exigir o cumprimento desse direito à licença maternidade na Câmara de Deputados do<br />
Brasil, um direito consagrado na CF/88. Com relação à Dilma, é grave o que a gente vê<br />
quanto à oscilação para a qual eu chamava atenção: se ela se apresentasse uma<br />
mulher frágil, uma “bela, recatada e do lar”, não chegaria e nem deveria chegar/estar<br />
na Presidência da República, porque a Presidência exige liderança, pulso firme,<br />
assertividade, que são características consideradas apenas masculinas. Quando as<br />
mulheres revelam esse tipo de liderança, elas são automaticamente taxadas de<br />
agressivas, autoritárias, mandonas, “gerentonas” ou descontroladas. Então, a Dilma é o<br />
exemplo clássico desse não lugar de uma voz pública feminina forte na liderança<br />
política de um País. E isso é discriminação e no meu entendimento também é uma<br />
forma de violência. Ela não pode ser uma liderança forte, ela é uma “louca<br />
descontrolada”, uma histérica, uma mulher fora do padrão, porque age de maneira<br />
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