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Livro Mídia, Misoginia e Golpe

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Mídia, Misoginia e Golpe<br />

dentro do enquadramento jurídico brasileiro e não fazendo uma discussão que levasse<br />

ao entendimento do que estava realmente a acontecer.<br />

|Qual a participação da mídia nesse processo? Dê exemplos.<br />

A importância da mídia nesse processo foi central, uma vez que esta funciona<br />

como mediadora entre os acontecimentos e as/os cidadãs/ãos. A visibilidade dada pela<br />

mídia corporativa à questão, as fontes escolhidas, o enquadramento privilegiado, tudo<br />

contribuiu para que o golpe fosse consumado. Basta relembrar que muitos órgãos de<br />

comunicação social tentavam explicar que o impeachment era legal e estava previsto<br />

na Constituição, mas nunca clarificavam qual tinha sido o crime cometido por Dilma<br />

Rousseff. O espaço discursivo era dado aos seus opositores, muitos dos quais eram<br />

acusados de vários crimes fiscais, mas a mídia tentava focar em Dilma Rousseff e no<br />

fato de a Presidenta estar incapaz de governar o País. A própria pediu publicamente o<br />

respeito da mídia na cobertura de todo o processo, embora sempre sublinhando a<br />

garantia da liberdade de expressão, pois era visível uma campanha midiática contra o<br />

governo. Este foi o reflexo que a cobertura no Brasil teve a nível internacional, sendo<br />

apenas desconstruída essa narrativa dominante pela mídia digital alternativa e ativista,<br />

sobretudo a que se posiciona dentro do enquadramento progressista e feminista.<br />

|Em algum aspecto você acha que a questão de gênero foi relevante junto à<br />

imprensa e à opinião pública a influenciar a cobertura do processo de impeachment?<br />

Dê exemplos.<br />

O meu olhar é o de quem assistiu a toda esta questão a partir de Portugal e do<br />

que foi circulando através da mídia corporativa, mas também das redes sociais digitais,<br />

nomeadamente daquilo que podemos chamar de mídia alternativa e ativista. Várias<br />

foram as imagens e mensagens transmitidas pela mídia que sustentavam um discurso<br />

de violência de gênero contra Dilma Rousseff, caracterizando-a como uma mulher<br />

descontrolada e incapaz de governar o País. Os principais grupos de comunicação do<br />

País tentaram deslegitimar a ideia que o impeachment se tratava de um golpe por estar<br />

previsto na Constituição, mas sempre acentuaram aspectos relacionados com a<br />

Presidenta que reforçavam os preconceitos de gênero, ao adicionar a esses os discursos<br />

de várias figuras públicas, nomeadamente do campo político que referiam a<br />

salvaguarda da família no seu sentido mais conservador. Dilma Rousseff sempre foi<br />

uma mulher com um posicionamento muito crítico face às desigualdades sociais e<br />

concretamente às desigualdades de gênero. Basta lembrar que quis ser tratada por<br />

Presidenta porque queria sublinhar a importância da linguagem inclusiva,<br />

apresentando-se como a primeira no País, uma fonte inspiradora para outras mulheres<br />

que quisessem ocupar cargos políticos partidários. Isto contribuiu para que os<br />

discursos de misoginia nunca deixassem de estar presentes desde que foi eleita, umas<br />

vezes de forma mais explícita, outras de modo mais sutil. No caso do processo de<br />

impeachment os discursos de ódio tendo por base o gênero foram (re)ativados e<br />

acabaram por centrar toda a questão no fato de ser uma mulher que sempre fugiu das<br />

normas sociais dominantes, fazendo um questionamento destas. Tudo o que é visto<br />

como desviante é criticado, e ser uma mulher na política é ainda ser uma exceção,<br />

sobretudo quando se tem características que fogem aos estereótipos.<br />

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