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Livro Mídia, Misoginia e Golpe

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Mídia, Misoginia e Golpe<br />

“autoritária”, e não pode ser reconhecida como tendo um tom afirmativo, como têm os<br />

líderes homens: essa voz e esse tom são apenas deles. O “Tchau Querida”, no dia da<br />

votação do impeachment na Câmara também, escrito naqueles cartazes e verbalizado<br />

pelos deputados com todo o sarcasmo e escárnio, também é uma forma de violência<br />

política. Ele constitui outra evidência empírica da aversão desses homens àquela<br />

mulher e ao lugar que ela ousou ocupar. Na verdade, significa abertamente a aversão<br />

às próprias mulheres no exercício da política. Quanto à interação com o poder<br />

judiciário, se ele não foi um ator objetiva e abertamente misógino, e eu não tenho<br />

mesmo muitos exemplos ostensivos disso como os que eu vi e estou coletando em<br />

relação aos políticos, ele foi, com certeza, omisso e conivente, ao não proteger um<br />

mandato legítimo, o que deveria acontecer dentro de sua missão constitucional,<br />

fazendo valer os direitos que estão assegurados na Constituição de 1988. Eu não me<br />

lembro de exemplos abertos do poder judiciário em relação à discriminação de gênero<br />

com relação a Dilma, além de um episódio que quero salientar aqui. A ministra<br />

Carmem Lúcia, ao assumir a presidência do STF, fez questão de, mais uma vez,<br />

reiterando o que a imprensa já havia feito, tirar o ‘a’ de presidenta. Seu comentário foi:<br />

“Eu fui estudante e eu sou amante da língua portuguesa. Acho que o cargo é de<br />

presidente, não é não?” Foi assim que ela se dirigiu a Ricardo Lewandowski, quando<br />

este perguntou com qual das duas formas ele deveria chamá-la. Escárnio mais uma vez<br />

e violência. Impossível não identificar, em mais esse lamentável episódio, o que estava<br />

na cabeça dela: o entendimento de que a Dilma seria “burra”, não seria<br />

suficientemente educada e não conheceria as regras do português. Ali talvez a gente<br />

possa identificar, desta vez também no STF, na figura da Ministra Carmen Lúcia, um<br />

episódio de misoginia, em que ela toma um posicionamento que é o mesmo da mídia<br />

misógina brasileira em relação à presidenta, de não trata-la como presidenta, insistindo<br />

se chamar por presidente.<br />

|Você considera que o impeachment de Dilma Rousseff terá algum impacto na<br />

participação feminina na política? Em que sentido?<br />

Eu não só considero que vai ter como já teve. Nós tivemos eleições agora em<br />

outubro e, infelizmente, houve já uma queda no número de mulheres eleitas. Para<br />

mim, que venho pesquisando este tema há mais de 10 anos, e venho acompanhando a<br />

dificuldade que é o processo e o alcance de sucesso eleitoral das mulheres, eu tinha a<br />

expectativa de que esses números fossem cair muito mais do que de fato ocorreu. Mas<br />

a realidade é que o Brasil apresenta os piores números de representatividade feminina<br />

na América Latina, estamos num piso mínimo mesmo se comparadas ao mundo, a<br />

gente perde para todos os países latino-americanos, por exemplo. Estamos no ranking<br />

mundial em uma posição absolutamente vergonhosa, 148º lugar em mais de 190<br />

países. O Brasil pratica taxas de representação de mulheres mais baixas do que países<br />

árabes, do que o Afeganistão e a Arábia Saudita. Para algumas pessoas, é um fato<br />

inexplicável porque estamos nessa condição. Para mim, não é inexplicável, porque<br />

venho pesquisando isso há muito tempo, investigando, tentando compreender o<br />

impacto de uma situação de sub-representação das mulheres na própria democracia<br />

brasileira. Eu queria chamar a atenção para o fato de que isso não é um problema das<br />

mulheres em nosso País, isso deveria ser entendido como um problema democrático,<br />

um problema da democracia brasileira, do sistema político e partidário brasileiro que<br />

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