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Livro Mídia, Misoginia e Golpe

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Mídia, Misoginia e Golpe<br />

honra, ou seja, de uma mulher que não admite esse tipo de brincadeira, porque não é<br />

“isso”. Não é possível saber se Kátia Abreu pensou isso ou aquilo, mas em termos de<br />

reação pública – leia-se midiática – do episódio, o que poderia ser chamado de reação<br />

intempestiva, exagerada, etc., tem um substrato cultural que permite o entendimento<br />

de que uma mulher honrada, que não é “namoradeira”, não deixaria passar um<br />

comentário desses. Sua reação é, portanto, legítima, não é tresloucada ou<br />

desequilibrada.<br />

Se se disser a um homem que ele é muito “namorador”, ele pode negar, dizer<br />

que não se trata disso, principalmente se for recém-casado, como era o caso da<br />

senadora, mas não creio que ele se sentiria ofendido, que jogaria vinho em quem<br />

dissesse isso. Provavelmente não.<br />

Aí está isso que se poderia chamar de “coisa de mulher”. No caso, a reação da<br />

senadora é lida como indignação por uma questão de honra, que uma mulher deve<br />

preservar, no final das contas... No caso de Dilma Rousseff, não é disso que se trata, ela<br />

é lida como intempestiva, irritada. Mesmo que alguém pudesse dizer “ah, mas a Kátia<br />

Abreu mostrou também que não tem controle”, isso seria desculpado, porque ela foi<br />

ofendida. Ela se pôs como uma mulher que tem princípios.<br />

Quero frisar esse contraponto: uma mulher que é considerada por sua reação<br />

justa (isto é, que se apoia em valores que devem ser defendidos por uma mulher<br />

honrada, segundo certa tradição definidora dessa honradez) e uma mulher que foi<br />

considerada desequilibrada, confusa.<br />

Há um porém, como se diz. Creio que não se possa, de nenhum modo,<br />

desconsiderar Dilma “acuada”, ali no interrogatório de quase 13 ou 14 horas, quando<br />

ela mostrou que não é nem confusa, nem despreparada, nem se descabela.<br />

Literalmente, inclusive, sobretudo se a compararmos com a advogada responsável pela<br />

acusação... Foram todas essas horas de interrogatório, e ela permaneceu muito firme e<br />

paciente. Quem acha que ela é confusa, que reveja o áudio daquela Sessão<br />

Extraordinária do Senado. Podem acusá-la – como muita gente fez e segue fazendo –<br />

de repetir explicações, mas o que ela faria diante da flagrante repetição das perguntas?<br />

O que nos permitiria levantar a hipótese de que ou os senadores não<br />

conseguiam entender o que se dizia tão claramente, reiteradas vezes – e aí caberia<br />

verificar se por deficiência ou incapacidade –, ou que não queriam entender, nem<br />

sequer ouviam o que ela respondia. Perguntavam de novo e de novo as mesmas coisas.<br />

Possivelmente, cada um tinha um único interesse: cada um procurava garantir que sua<br />

pergunta fosse filmada, que acuasse Dilma e que pudesse ser reproduzida depois nas<br />

redes. Não se tratou de uma sessão em que havia discussão, debate ou qualquer coisa<br />

que pudesse alterar a sentença. A sentença estava previamente decidida. O jogo era<br />

como cada um ia aparecer ali, na TV. E o que se verificou é uma enorme paciência dela<br />

para explicar mil vezes aquilo que ela já tinha dito.<br />

Acuada, ela apareceu como paciente e forte. Demandou-se, inclusive, um<br />

preparo físico incomum para lidar com aquela jornada. Uma potência indiscutível. E<br />

talvez isso também incomode: ela não se desmanchou, não cedeu nem fisicamente...<br />

Como seria de se esperar (como esperavam?) de uma mulher... Como pode uma<br />

pessoa não desabar sabendo que vai perder? Porque a situação não era modificável a<br />

partir do depoimento que seria feito. Ela sabia que estava produzindo um registro<br />

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