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Livro Mídia, Misoginia e Golpe

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Mídia, Misoginia e Golpe<br />

dos deputados, na qual o impeachment foi aprovado para ir para segunda instância. As<br />

falas daqueles deputados revelaram muito claramente que tinha uma dimensão<br />

misógina, que tinha uma dimensão de um projeto de sociedade onde a diversidade e<br />

certa desconstrução do patriarcado estavam em jogo. Naquela seção, os deputados<br />

retomaram esse discurso que as feministas vão chamar de um estupro corretivo,<br />

institucional, político. Quando traçamos, de fato, um paralelo com a cultura do estupro,<br />

estamos pensando em como que nós mulheres somos socializadas a lugar de objetos,<br />

no qual se a gente reivindica algum tipo de autonomia, é como se colocar à disposição<br />

do outro. Estamos admitindo a negação da nossa posição, da nossa possibilidade de<br />

escolha, do nosso direito de decidir sobre a nossa vida, sobre o nosso corpo, sobre a<br />

nossa sexualidade, sobre o nosso futuro, sobre o nosso presente. As mulheres que<br />

historicamente transgrediram esses lugares foram penalizadas, criminalizadas, muitas<br />

vezes foram mortas, estupradas de fato, a partir daquela imagem de “ponha-se no seu<br />

lugar!”, “deixa eu te mostrar qual é o seu lugar de verdade!”. Por isso, faço esse<br />

paralelo. Esse mesmo movimento do estupro que as mulheres ao longo da história<br />

viveram e que ainda hoje vivem quando buscam transgredir, é o tipo de reação que<br />

rapidamente vão encontrar quando questionam as lógicas patriarcais que orientam<br />

nossa sociedade, quando tentam construir um lugar de maior autonomia. Seja dos seus<br />

maridos, pais, irmãos, ou mesmo de outras mulheres que também incorporam essas<br />

perspectivas e que reproduzem discursos muito semelhantes. Foi esse mesmo<br />

movimento que aconteceu então naquela votação, quando aqueles homens diziam<br />

“pela minha família”, “pela família honesta”, “pela família, meu pai, meu filho...”,<br />

remetendo a certo modelo de família, no qual a mulher teve, historicamente, um lugar<br />

muito bem definindo, da “bela, recatada e do lar”, ou de certa passividade, ou daquela<br />

que se submete à voz do homem. O que eles faziam ali, com aquelas falas, era como<br />

“colocar a Dilma em seu lugar”, era como dizer: “volte para seu lugar!”, ou seja, muito<br />

semelhante de fato com o que se chamou aí de um estupro político-institucional.<br />

|Você identificou algum aspecto de misoginia – aqui definido como ódio ou aversão<br />

às mulheres – na relação que a mídia, os políticos e o Judiciário estabeleceram com<br />

Dilma Rousseff?<br />

Nunca me esquecerei de uma cena de uma criança conhecida, uma criança de<br />

minha convivência, que na primeira eleição da Dilma, contra o José Serra, me fez a<br />

seguinte pergunta, “Cláudia, você vai votar na Dilma?” e, quando eu disse que iria, me<br />

respondeu “mas meu pai falou que ela usa arma na calcinha. Você vai votar nela<br />

mesmo assim?”. Vale lembrar que a primeira campanha eleitoral da Dilma, foi muito<br />

em cima dessa questão de ela ter lutado contra a ditadura, ter participado da luta<br />

armada, e toda desqualificação que já se iniciava naquele momento, de<br />

questionamento de como uma mulher correta, uma mulher confiável, poderia se<br />

envolver nesse tipo de atividade. A meu ver, a fala dessa criança, remetendo a um<br />

diálogo com o pai, revela muito aquele momento. Um dos elementos que também<br />

pairou sobre sua campanha foi o tema do aborto, que inclusive ela optou por recuar na<br />

sua posição posteriormente.<br />

Na segunda eleição, apareceu muito o discurso de como a Dilma é essa que não<br />

sabe dialogar, que não consegue administrar bem, a ideia de uma mulher que não<br />

consegue falar em público. Ou seja, essa ideia de que ela não dá conta. Embora se<br />

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