REBOSTEIO Nº 3
Revista REBOSTEIO DIGITAL número três - entrevistas, arte, cultura, poesia, literatura, comportamento, cinema, fotografia, artes plásticas.
Revista REBOSTEIO DIGITAL número três - entrevistas, arte, cultura, poesia, literatura, comportamento, cinema, fotografia, artes plásticas.
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
A maneira como alguns destes grupos<br />
realizam suas apresentações não leva em<br />
consideração a importância religiosa dos<br />
significados sagrados das cores, plasticidades,<br />
melodias e gestos.<br />
O uso em uma apresentação teatral de<br />
Sàngó (Xangô) identificado com Édipo ou Oya<br />
(Iansã) com Medeia parece-nos um absurdo visível.<br />
Uma das primeiras justificativas para isso seria a<br />
liberdade poética. Encontramos uma confusão. Uma<br />
liberdade poética com o olhar a partir da<br />
personagem grega. Sàngó é patrimônio dos<br />
candomblés de nação kétu, por isso a comparação<br />
deveria ser feita a partir dele. O deus da família, do<br />
fogo, do trovão, dos justos. Seu arquétipo<br />
sociocultural e sua complexidade só fazem sentido<br />
quando Sàngó for olhado a partir do seu contexto.<br />
Outro exemplo da falta de compreensão é<br />
um grupo de dançarinos, vestidos com roupas e<br />
insígnias dos orixás fazendo na rua o jinka e o ilà<br />
(ilá).<br />
O jinka é o movimento corporal de curvar o<br />
tronco e os joelhos e chacoalhar levemente os<br />
ombros. O ilà é um brado individual, uma saudação,<br />
a representação sonora de quem ele é, sua marca.<br />
Tanto o jinka quanto o ilà são atos realizados<br />
somente pelos òrìsà (orixás) quando em transe em<br />
seus iniciados, nos “terreiros” e em certos<br />
momentos sacros.<br />
Como é possível um bailarino que não está<br />
em transe de seu òrìsà, não está no espaço ou<br />
momento sagrado, possa fazer o jinka e o ilà na rua,<br />
em praça pública, ou no teatro. Isso é inspiração?<br />
Parece-nos que é uma mudança radical de contexto<br />
e sentido. Inspiração nas performances do jinka e do<br />
ilà seria se o bailarino sugerisse estes elementos em<br />
sua apresentação e não sua repetição fidedigna.<br />
Inúmeros cânticos sagrados do candomblé<br />
são entoados por grupos e artistas. Parece-nos que a<br />
maioria deles não sabe diferenciar o que é permitido<br />
sair do sagrado (terreiro) para o contexto profano.<br />
Genericamente um dia de festa de<br />
candomblé de nação kétu é dividida em seis grandes<br />
momentos. O primeiro chama-se ìpàdé (ípadê), um<br />
rito privado aos filhos do terreiro, que ocorre horas<br />
antes da festa no qual se louva e oferta o òrìsà Èsù<br />
LEONARDS LACIS<br />
(NARDS)<br />
Grafiteiro ilustrador e arte-educador.<br />
O graffite é meu melhor, a «ilustra» minha paixão, e a<br />
educação minha forma de viver...<br />
Amo o que faço, com altos e baixos, mas feliz por me sentir<br />
um pouco livre...<br />
www.flickr.com/leonards_lacis<br />
www.facebook.com/leonardslacis<br />
(Exu) e os ancestrais masculinos e femininos. O<br />
segundo inicia a festa pública, uma abertura, um<br />
prólogo, onde todos os filhos presentes trocam<br />
saudações e cumprimentos. O terceiro chamado de<br />
siré (xirê), onde cantigas de saudação geralmente<br />
introduzem a história de cada divindade e não há<br />
transe de nenhum òrìsà. O siré de fato é uma<br />
louvação, uma lembrança musicada. A palavra siré<br />
do yorùbá significa brincadeira ou festa. No quarto<br />
momento são entoados cânticos para propiciar o<br />
transe de determinados orixás. O quinto momento é<br />
página 40