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REBOSTEIO Nº 3

Revista REBOSTEIO DIGITAL número três - entrevistas, arte, cultura, poesia, literatura, comportamento, cinema, fotografia, artes plásticas.

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página 42<br />

Quando o avistou na janela, o garotinho não teve<br />

dúvidas: é ele! - colocou em baixo do braço a velha<br />

bola que rolava nos pés e zaz!, como um foguete,<br />

desesperou-se atrás do ônibus.<br />

- Edson!, gritou a mãe que amamentava a mais<br />

nova, encostada à calçada da avenida mais<br />

movimentada da cidade.<br />

Deu de ouvidos... Na cabeça só a imagem daquela<br />

onírica figura que, num relance de segundos, encheu<br />

todo o seu coraçãozinho de esperança.<br />

Corria cambaleante, com dois olhos grandes e as<br />

incríveis canelinhas finas. Corria bem, sempre fora<br />

o mais rápido entre a molecada do Centro. Por isso<br />

não desistia; ainda que percebendo a distância<br />

aumentar; mesmo ouvindo os gritos dos que<br />

ficavam para trás, “hei pretinho!, tá maluco?”; nada,<br />

absolutamente nada poderia desviá-lo... Verdade é<br />

que fraquejou por um instante e pensou em voltar à<br />

mãe que, a esta altura, já deveria estar maluca de<br />

tantos gritos; até mesmo por perceber que não<br />

alcançaria aquele ônibus - não com um par de<br />

canelas finas, curtas, cheias desses machucados de<br />

moleque arisco... Mas era o seu dia de sorte, claro<br />

que era!, e o coletivo que parecia sumir no horizonte<br />

parou no primeiro ponto mais à frente.<br />

O garotinho tomou fôlego, extremamente necessário<br />

à boca seca e ao pulmãozinho ofegante, mas não<br />

parou: o ponto estava lá, só a algumas passadinhas...<br />

Torcia para que aquele homem descesse, para que o<br />

Menino-deus concedesse um milagrezinho, só um.<br />

O sapato preto e brilhante surgiu na porta traseira do<br />

ônibus e à sua frente o milagre lhe sorriu como um<br />

doce têta-de-nêga no altar. Não perdeu tempo,<br />

aproximou-se com a cabeça meio baixa, a bola<br />

enganchada no sovaco e os pés se arrastando no<br />

cimento.<br />

Reparando-o bem, de perto e corpo inteiro, embora<br />

muito elegante (maleta preta de couro pra guardar<br />

troféus, gravata e tudo!), teve a completa certeza: é<br />

o Rei!. Se bem que na tevê ele parecia maior, mais<br />

forte; mas tevê é assim mesmo, nunca é o que é na<br />

verdade, pensou... Lembrou da primeira vez que o<br />

viu na lanchonete do Português, num daqueles dias<br />

em que ganhava por recompensa, ou dó mesmo, um<br />

prato cheio de comida! Lá, todos podiam ver tevê à<br />

vontade sem pagar nada a mais, e sempre passava<br />

futebol. A hora do almoço é a hora do futebol!<br />

Nesse dia passaram muitos gols antigos, da época<br />

em que nem existiam cores; muitos gols do Rei e de<br />

outros, mas os mais bonitos eram os do rei, que era<br />

o melhor e, por isso, claro, era o Rei! Desde então,<br />

sempre fora o Rei nas brincadeiras de bola. Sonhava<br />

em ser um jogador como o Rei: o melhor de todos e<br />

de todo o universo! Por isso a gargantinha secava,<br />

as perninhas bambeavam, agora que se via ali tãotão<br />

pertinho.<br />

Ainda ofegava quando cutucou aquele homem<br />

apressado e de aparência séria.<br />

- Pode me dar um autógrafo?, disse gaguejando,

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