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Código de Processo Penal Comentado (2016) - Guilherme de Souza Nucci

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comportamento tanto <strong>de</strong> réus quanto <strong>de</strong> testemunhas e vítimas. Em nome da busca da verda<strong>de</strong> real e porque inexiste<br />

norma proibitiva no <strong>Código</strong> <strong>de</strong> <strong>Processo</strong> <strong>Penal</strong>, cremos perfeitamente admissível tal averiguação, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que o juiz<br />

controle, com seu pru<strong>de</strong>nte arbítrio, os excessos e as in<strong>de</strong>vidas invasões <strong>de</strong> intimida<strong>de</strong>, mormente as irrelevantes<br />

para o <strong>de</strong>slin<strong>de</strong> do processo. Em um crime passional, é fundamental conhecer aspectos da vida amorosa da parte<br />

ofendida, a fim <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r o réu sustentar, por exemplo, ter agido sob o domínio <strong>de</strong> violenta emoção logo após<br />

injusta provocação da vítima. O mesmo se dá nos crimes <strong>de</strong> natureza sexual, como visto em nota anterior.<br />

Entretanto, nenhuma pertinência existe, por exemplo, como regra, em saber se a vítima traiu sua esposa, num<br />

processo em que se apura um crime <strong>de</strong> roubo. Perguntas <strong>de</strong>ssa natureza, portanto, <strong>de</strong>vem ser in<strong>de</strong>feridas pelo<br />

magistrado.<br />

12. Reperguntas ao ofendido: <strong>de</strong>vem ser franqueadas às partes. Há entendimento isolado, atualmente, no<br />

sentido <strong>de</strong> que as <strong>de</strong>clarações da vítima constituem ato privativo do juiz, nos mol<strong>de</strong>s do interrogatório. Essa era a<br />

posição sustentada, a título <strong>de</strong> ilustração, por Bento <strong>de</strong> Faria: “O interrogatório do ofendido é ato exclusivamente<br />

pessoal, mas po<strong>de</strong> ser assistido e esclarecido pelo advogado, se o tiver, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que as suas respostas só tenham por<br />

objetivo esclarecer a verda<strong>de</strong>, orientando o Juiz com referências às provas da infração e <strong>de</strong> quem seja o seu autor”<br />

(<strong>Código</strong> <strong>de</strong> <strong>Processo</strong> <strong>Penal</strong>, v. 1, p. 301). Entretanto, é <strong>de</strong> se rechaçar tal postura, uma vez que o contraditório é<br />

princípio constitucional e a produção e formação <strong>de</strong> uma prova passa, invariavelmente, por ele. Não havendo<br />

qualquer proibição expressa, <strong>de</strong>ve-se dar à prova, na sua formação, a ampla possibilida<strong>de</strong> da participação dos<br />

envolvidos, inclusive porque se lida com uma narrativa <strong>de</strong> pessoa naturalmente parcial, como vimos, em suas<br />

colocações, seja para absolver, seja para con<strong>de</strong>nar o agressor, merecendo o crivo das reperguntas das partes para<br />

aclarar a verda<strong>de</strong>.<br />

13. Vítima não comete falso testemunho: embora já abordado anteriormente, parece-nos fundamental<br />

<strong>de</strong>ixar bem clara a posição do ofendido nesse contexto. Não sendo ele testemunha, não estando sujeito ao<br />

compromisso <strong>de</strong> dizer a verda<strong>de</strong>, sendo figura naturalmente parcial na disputa travada no processo, inexiste<br />

possibilida<strong>de</strong> lógico-sistemática <strong>de</strong> se submeter o ofendido a processo por falso testemunho, o que constitui, hoje,<br />

posição majoritária na doutrina e na jurisprudência. Nesse prisma, ver Antonio Scarance Fernan<strong>de</strong>s, A vítima no<br />

processo penal brasileiro, p. 145-146; Marco Antonio <strong>de</strong> Barros, A busca da verda<strong>de</strong> no processo penal, p. 185.<br />

O juiz <strong>de</strong>ve avaliar as suas <strong>de</strong>clarações da mesma forma que o faz com o interrogatório do réu. Eventualmente, po<strong>de</strong><br />

a vítima respon<strong>de</strong>r por <strong>de</strong>nunciação caluniosa (art. 339, CP), caso tenha, <strong>de</strong>liberadamente, dado causa à instauração<br />

<strong>de</strong> ação penal contra pessoa que sabia inocente. Aliás, do mesmo modo que não está obrigada a falar a verda<strong>de</strong>,<br />

po<strong>de</strong> também se calar. Muitas vezes, o ofendido quer permanecer em silêncio não por afronta à Justiça, mas por<br />

real e fundado temor <strong>de</strong> sofrer represálias, mormente num País que não consegue assegurar proteção efetiva às<br />

testemunhas, nem às autorida<strong>de</strong>s que investigam crimes graves. Deve ser respeitada sua vonta<strong>de</strong>, pois já sofreu com<br />

o crime e não po<strong>de</strong> novamente ser vitimada pelo próprio Po<strong>de</strong>r Judiciário ou pela polícia. É certo que tanto o<br />

magistrado quanto o <strong>de</strong>legado <strong>de</strong>vem exercer seu po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> influência, buscando saber qual a motivação do ofendido<br />

para se calar, o que também po<strong>de</strong>rá constituir-se em fonte útil <strong>de</strong> prova.<br />

14. Condução coercitiva e processo por <strong>de</strong>sobediência: sem dúvida, po<strong>de</strong> a vítima ser conduzida<br />

coercitivamente à presença do juiz para dar suas <strong>de</strong>clarações, não somente porque a sua oitiva, como já afirmado, é<br />

essencial para a busca da verda<strong>de</strong> real, como, também, pelo fato <strong>de</strong> que ninguém se exime <strong>de</strong> colaborar com o<br />

Po<strong>de</strong>r Judiciário. Entretanto, discordamos daqueles que veem para a vítima a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ser processada por<br />

<strong>de</strong>sobediência. Esta hipótese só é aceitável quando a lei expressamente admite, como ocorre no caso da<br />

testemunha faltosa (art. 219, CPP). Tanto é realida<strong>de</strong> que, nos processos civis, a testemunha, <strong>de</strong>saten<strong>de</strong>ndo a<br />

intimação, somente po<strong>de</strong> ser conduzida coercitivamente, mas não se lhe cabe a punição por <strong>de</strong>sobediência, tendo<br />

em vista ser a única sanção, prevista pelo <strong>Código</strong> <strong>de</strong> <strong>Processo</strong> Civil <strong>de</strong> 1973, a condução coercitiva. O mesmo se dá

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