13.12.2012 Views

Diverse Lingue - Academia Brasileira de Letras

Diverse Lingue - Academia Brasileira de Letras

Diverse Lingue - Academia Brasileira de Letras

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

A tradução <strong>de</strong> Manuel Ban<strong>de</strong>ira em italiano<br />

Deve-se reconhecer, porém, que o português, se comparado ao italiano, é<br />

por si mesmo uma língua mais afetiva, como <strong>de</strong>monstra a sua tradição oral e literária.<br />

Já no século XV, tal peculiarida<strong>de</strong> lingüística foi intuída e assinalada<br />

por um gran<strong>de</strong> rei, D. Duarte, no livro Leal Conselheiro, escrito entre 1437 e<br />

1438. O português era, então, uma língua em uma fase <strong>de</strong> experimentação e,<br />

embora tivesse dado prova <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong>, elegância e riqueza na lírica galego-portuguesa,<br />

faltava-lhe um gran<strong>de</strong> prosador, lacuna que será preenchida<br />

por Fernão Lopes, o cronista da crise política <strong>de</strong> 1383-1385, que levou ao trono<br />

a dinastia <strong>de</strong> Avis. Dom Duarte, intelectual culto e melancólico, percebeu a<br />

riqueza do português para exprimir sutis e complexos estados <strong>de</strong> espírito,<br />

como a “sauda<strong>de</strong>” (ele foi o primeiro a <strong>de</strong>finir esse sentimento ambíguo, para<br />

o qual não encontrou termo equivalente nas outras línguas). 21<br />

Será, talvez, essa expressivida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma língua em que até os verbos e advérbios<br />

são usados no diminutivo (“amarzinho”, “quererzinho”, “dormindinho”,<br />

“assinzinho”, “<strong>de</strong> vezinha”, etc.) a torná-la maleável e dúctil ao contato com<br />

outras culturas, tanto que soube abranger novas cosmovisões, sendo assimilada<br />

por diferentes povos, na América, na África e na Ásia. Recor<strong>de</strong>mos aqui<br />

que todos os cinco países africanos <strong>de</strong> colonização portuguesa – Angola, Moçambique,<br />

Guiné-Bissau, Cabo Ver<strong>de</strong>, São Tomé e Príncipe – <strong>de</strong>pois da ruptura,<br />

certamente não serena, com Portugal e da <strong>de</strong>claração <strong>de</strong> in<strong>de</strong>pendência <strong>de</strong><br />

21 Afirma Dom Duarte, a propósito <strong>de</strong>ste quase in<strong>de</strong>finível estado <strong>de</strong> espírito, no livro Leal Conselheiro<br />

(Vila da Maia: Imprensa Nacional e Casa da Moeda, 1982, pp. 128-129): “E a sauda<strong>de</strong> não<br />

<strong>de</strong>scen<strong>de</strong> <strong>de</strong> cada uma <strong>de</strong>stas partes, mas é um sentido do coração que vem da sensualida<strong>de</strong>, não da<br />

razão, e faz sentir às vezes os sentidos da tristeza e do nojo. E outros vêm daquelas cousas que a<br />

homem praz que sejam, a alguns com tal lembrança que traz prazer e não pena. E em casos certos se<br />

mistura com tão gran<strong>de</strong> nojo, que faz ficar em tristeza. E para enten<strong>de</strong>r isto, não cumpre ler por<br />

outros livros, cá poucos acharão que <strong>de</strong>la falem, mas cada um vendo o que escrevo, consi<strong>de</strong>re seu<br />

coração no que já por feitos <strong>de</strong>svairados tem sentido, e po<strong>de</strong>rá ver e julgar se falo certo. [...] E porém<br />

me parece este nome <strong>de</strong> sauda<strong>de</strong> tão próprio, que o latim nem outra linguagem que eu saiba não é<br />

para tal sentido semelhante.” De tal sentimento, partirá Teixeira <strong>de</strong> Pascoaes, em princípios do século<br />

XX, para a elaboração <strong>de</strong> uma poética e <strong>de</strong> uma filosofia, quase <strong>de</strong> uma religião, o Saudosismo, que,<br />

segundo o seu fundador, é a essência da alma lusitana. Cfr. Teixeira <strong>de</strong> Pascoaes, A sauda<strong>de</strong> e o<br />

saudosismo, Lisboa: Assírio & Alvim, 1988.<br />

117

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!