Diverse Lingue - Academia Brasileira de Letras
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A tradução italiana <strong>de</strong> Os sertões, <strong>de</strong> Eucli<strong>de</strong>s da Cunha<br />
ta para chegar à razão negativa. A comparação <strong>de</strong> Canudos com a revolta dos<br />
camponeses franceses, mais do que uma afirmação <strong>de</strong> princípios é uma indagação<br />
em meio a dúvidas e angústias.<br />
A ação moral euclidiana parte justamente <strong>de</strong>sses dois artigos jornalísticos e<br />
prosseguirá coerentemente com a publicação dos <strong>de</strong>mais artigos e correspondências<br />
do campo <strong>de</strong> batalha para as páginas <strong>de</strong> O Estado <strong>de</strong> S. Paulo. Porém, quanto mais se<br />
avolumam as correspondências, mais se alargam e modificam as posições euclidianas<br />
diante da tragédia e da verda<strong>de</strong>ira natureza do fenômeno Canudos.<br />
Os sertões se fundamentam nesse praticamente inédito percurso da vida <strong>de</strong><br />
um intelectual brasileiro, pelo qual a inicial posição guiada pelo intelecto ce<strong>de</strong><br />
o lugar à primazia da vonta<strong>de</strong> própria <strong>de</strong> uma personalida<strong>de</strong> moral praticamente<br />
murada em si mesma.<br />
De todos esses e outros elementos parte a obra-prima <strong>de</strong> Eucli<strong>de</strong>s da Cunha.<br />
Mas, logo <strong>de</strong>pois se apresenta como alguma coisa que é tudo isso e ao<br />
mesmo tempo i<strong>de</strong>ntificável só consigo mesma.<br />
O livro é a vasta cultura <strong>de</strong> Eucli<strong>de</strong>s da Cunha: a sua sabedoria geográfica,<br />
etnológica, antropológica; mas é igualmente algo que muitas vezes vai além<br />
<strong>de</strong>ssa sabedoria para fazer-se uma outra.<br />
Mas é principalmente uma criação da escritura. Os sertões são essencialmente<br />
um produto literário, realizado com a consciência e sensibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> alguém<br />
que trata questões e problemas concretos, mas o faz com a personalida<strong>de</strong> do<br />
criador literário. De uma escritura original resulta o ritmo harmônico da obra<br />
aparentemente estranha a qualquer <strong>de</strong>finição dos gêneros literários.<br />
Po<strong>de</strong>mos afirmar que tudo isso acontece em razão da sua cultura básica, organicamente<br />
literária, <strong>de</strong> <strong>de</strong>rivação próxima, romântica; <strong>de</strong> origens remotas,<br />
clássica.<br />
Quanto a essas, muitos estudiosos da obra euclidiana preten<strong>de</strong>m ver em Os<br />
sertões uma estrutura presa à retórica forense clássica, em modo particular àquela<br />
<strong>de</strong> Quintiliano, a partir da natureza <strong>de</strong> <strong>de</strong>núncia com que se organiza a<br />
obra-prima brasileira. Em verda<strong>de</strong> Os sertões assumem a <strong>de</strong>núncia como voz;<br />
mas não se trata <strong>de</strong> uma requisitória com suas regras precípuas. A verda<strong>de</strong>ira<br />
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