Diverse Lingue - Academia Brasileira de Letras
Diverse Lingue - Academia Brasileira de Letras
Diverse Lingue - Academia Brasileira de Letras
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
Correção e exemplarida<strong>de</strong> <strong>de</strong> língua<br />
ceito do que Coseriu chama exemplarida<strong>de</strong>: correção idiomática não é o mesmo<br />
que modo exemplar <strong>de</strong> falar. Muitas vezes, ao aludirmos à correção em português,<br />
estamos falando ou querendo falar <strong>de</strong> exemplarida<strong>de</strong> em português.<br />
Para compreen<strong>de</strong>r tal distinção, temos <strong>de</strong> partir do conceito <strong>de</strong> língua comum,<br />
que é a elevação, por um processo histórico, <strong>de</strong> uma modalida<strong>de</strong> da língua<br />
particular que, sobrelevando-se às varieda<strong>de</strong>s regionais, passa a ser o veículo<br />
nacional como língua <strong>de</strong> cultura das ciências, das artes, da burocracia, que<br />
funciona em <strong>de</strong>terminadas circunstâncias da vida social. A língua comum é o<br />
esforço <strong>de</strong> nivelamento para uma unida<strong>de</strong> a que chegam ou procuram chegar<br />
as comunida<strong>de</strong>s lingüísticas políticas e culturalmente constituídas como tais.<br />
Essa língua comum quase sempre <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> <strong>de</strong>signar-se pelo próprio nome para<br />
ser conhecida com o nome da língua histórica. Assim, a varieda<strong>de</strong> falada na região<br />
<strong>de</strong> entre Douro e Minho, por processos históricos que não vêm a pêlo recordar,<br />
passou a se chamar “português”, tal qual o toscano florentino passou a<br />
chamar-se “italiano”, o castelhano passou a chamar-se “espanhol”, o franciano<br />
<strong>de</strong> Paris passou a se chamar “francês”.<br />
Cabem aqui as lapidares palavras do lingüista italiano Antonino Pagliaro:<br />
Importa-nos agora pôr em relevo que a língua comum é a expressão <strong>de</strong> uma consciência<br />
unitária comum, que po<strong>de</strong> ser cultural em sentido lato, como acontecia na Itália<br />
do século XIV ou na Alemanha <strong>de</strong> Lutero, e po<strong>de</strong> ser política, como é o caso das atuais<br />
línguas nacionais; nela temos sempre um fator volitivo que leva as comunida<strong>de</strong>s a superar<br />
as diferenças mais ou menos profundas dos falares locais, para a<strong>de</strong>rir pela expressão<br />
a uma solidarieda<strong>de</strong> diferente e mais vasta. Por outras palavras, quem, <strong>de</strong>ixando <strong>de</strong> parte<br />
o dialeto nativo, passa a falar a língua comum, exprime através <strong>de</strong>sse ato a sua a<strong>de</strong>são<br />
volitiva a um mundo mais vasto, <strong>de</strong>terminado culturalmente ou politicamente, ou então,<br />
como acontece nos estados nacionais mo<strong>de</strong>rnos, pelas duas formas.<br />
Desta consciência lingüística mais clara resulta que a língua comum nunca atinge a<br />
plenitu<strong>de</strong> afetiva, traduzida por subentendidos, alusões ou matizes estilísticos, que temos<br />
nos falares locais e nas chamadas línguas especiais, principalmente nas gírias. Pelo<br />
uso da língua comum, o falante arranca-se, em certo sentido, à fase naturalística da expressão,<br />
ligada a um ambiente mais ou menos restrito, como a família, o bairro, a cida<strong>de</strong><br />
47