Diverse Lingue - Academia Brasileira de Letras
Diverse Lingue - Academia Brasileira de Letras
Diverse Lingue - Academia Brasileira de Letras
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
Evanildo Bechara<br />
tural e livre manifestação do falar. Ficariam, assim, a outro gênero <strong>de</strong> pessoas o<br />
estudo e atuação da língua escrita, literária, que, pela sua realização mais elaborada,<br />
resultaria <strong>de</strong> uma ação coercitiva <strong>de</strong> grupo social, consi<strong>de</strong>rada, por isso<br />
mesmo, artificial e inapta à tarefa <strong>de</strong> cunho científico, qual seja a <strong>de</strong> que se incumbiria<br />
a gramática <strong>de</strong>scritiva.<br />
Esta visão redutora da realida<strong>de</strong> lingüística tem dado origem a posições<br />
aparentemente científicas que, sobre <strong>de</strong>snortearem o caminho para uma solução<br />
mais correta, têm criado sérias dificulda<strong>de</strong>s à atuação quer do lingüista,<br />
quer do professor <strong>de</strong> língua. Sobre uma <strong>de</strong>ssas conseqüências nefastas pela<br />
confusão das duas ativida<strong>de</strong>s, pronunciou-se o lingüista brasileiro Joaquim<br />
Câmara Jr. (1904-1970):<br />
A gramática <strong>de</strong>scritiva, tal como a vimos encarando, faz parte da lingüística pura.<br />
Ora, como toda ciência pura e <strong>de</strong>sinteressada, a lingüística tem a seu lado uma disciplina<br />
normativa, que faz parte do que po<strong>de</strong>mos chamar a lingüística aplicada a um fim <strong>de</strong><br />
comportamento social. Há assim, por exemplo, os preceitos práticos da higiene, que é<br />
in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte da biologia. Ao lado da sociologia, há o direito, que prescreve regras <strong>de</strong><br />
conduta nas relações entre os membros <strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong>.<br />
A língua tem <strong>de</strong> ser ensinada na escola, e, como anota o lingüista francês Ernest<br />
Tonnelat, o ensino escolar “tem <strong>de</strong> assentar necessariamente numa regulamentação imperativa”.<br />
Assim, a gramática normativa tem o seu lugar à parte, imposto por injunções<br />
<strong>de</strong> or<strong>de</strong>m prática <strong>de</strong>ntro da socieda<strong>de</strong>. É um erro profundamente perturbador misturar<br />
as duas disciplinas e, pior ainda, fazer lingüística sincrônica com preocupações normativas.<br />
(Estrutura da língua portuguesa, p. 5.)<br />
E indo mais a diante em suas lúcidas indicações, continua o mesmo Matoso<br />
Câmara:<br />
Há a esse respeito algumas consi<strong>de</strong>rações, que se fazem aqui necessárias. Antes <strong>de</strong><br />
tudo, a gramática normativa <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> da lingüística sincrônica, ou gramática <strong>de</strong>scritiva<br />
em suma, para não ser caprichosa e contraproducente. Regras <strong>de</strong> direito que não assentam<br />
na realida<strong>de</strong> social, <strong>de</strong>preendida pelo estudo sociológico puro, caem no vazio ou<br />
32