Diverse Lingue - Academia Brasileira de Letras
Diverse Lingue - Academia Brasileira de Letras
Diverse Lingue - Academia Brasileira de Letras
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
A tradução <strong>de</strong> Manuel Ban<strong>de</strong>ira em italiano<br />
império um vocabulário novo, à proporção das necessida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> sua vida americana, tão<br />
outra da vida européia. Nós os escritores nacionais, se quisermos ser entendidos <strong>de</strong> nosso<br />
povo, havemos <strong>de</strong> falar-lhes em sua língua, com os termos ou locuções que ele enten<strong>de</strong>, e<br />
que lhe traduz os usos e sentimentos. Não é somente no vocabulário, mas também na sintaxe<br />
da língua, que o nosso povo exerce o seu inauferível direito <strong>de</strong> imprimir o cunho <strong>de</strong><br />
sua individualida<strong>de</strong>, abrasileirando o instrumento das idéias. 9<br />
Alencar é, como sempre, um lúcido precursor <strong>de</strong> tendências, mas infelizmente<br />
as fundamentais conquistas românticas serão, a seguir, <strong>de</strong>sconhecidas<br />
pelos parnasianos, que recuperam um anacrônico purismo, talvez mais em<br />
consonância com o i<strong>de</strong>al clássico <strong>de</strong> poesia pura, que possuíam. Não foi por<br />
acaso que Mário <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong> lançou suas invectivas contra os parnasianos, responsáveis,<br />
segundo ele, <strong>de</strong> terem interrompido o profícuo diálogo aberto pelos<br />
românticos entre literatura e realida<strong>de</strong> nacional.<br />
Essa situação <strong>de</strong> ruptura, mas em nível distinto do caso italiano, perdura até<br />
os primeiros anos do século XX, quando um grupo <strong>de</strong> jovens poetas, artistas e<br />
músicos instauram uma revolução estética que tocará, sucessivamente, todos<br />
os âmbitos da cultura do país. Manuel Ban<strong>de</strong>ira participa <strong>de</strong>ssa revolução mo<strong>de</strong>rnista<br />
com uma obra em que reivindica, na prática do texto poético, o uso da<br />
variante brasileira do português, uma língua que se formou em um contexto<br />
diferente do europeu, com uma história própria <strong>de</strong> repressões e remoções, uma<br />
língua que o Brasil plasmou e assimilou como sua e que, como uma roupa tantas<br />
vezes usada, vai tomando a forma do corpo, conformando-se à pele, ajustando-se<br />
aos ossos.<br />
Ban<strong>de</strong>ira é o poeta do quotidiano, das palavras que escan<strong>de</strong>m os mínimos<br />
fatos <strong>de</strong> vida, das vozes recolhidas nas ruas e periferias do Rio <strong>de</strong> Janeiro, as<br />
suas periferias, on<strong>de</strong> por tantos anos viveu, compartilhando uma pobreza digna<br />
e solidária. Ban<strong>de</strong>ira é o poeta <strong>de</strong>ssa humanida<strong>de</strong>, com a qual se i<strong>de</strong>ntifica,<br />
dos gestos humil<strong>de</strong>s das pessoas solitárias, das orações extravagantes <strong>de</strong> quem<br />
9 José <strong>de</strong> Alencar, O nosso cancioneiro, Campinas: Pontes, 1993, pp. 25-26.<br />
109