Diverse Lingue - Academia Brasileira de Letras
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<strong>de</strong>claradamente ateu. O agraciado não <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> salientar esse paradoxo, mas<br />
isso não o impediu <strong>de</strong> consagrar a totalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sua conferência à religião. Sinal<br />
dos tempos? Talvez, porque, em vez <strong>de</strong> argumentar a favor do ateísmo, Rortyreferiu-se<br />
com muita simpatia a um texto <strong>de</strong> Gianni Vattimo em que ele fazia uma<br />
profissão <strong>de</strong> fé católica. Para Vattimo, o cristianismo não tem nenhuma relação<br />
com a verda<strong>de</strong>, e por isso não po<strong>de</strong> ser refutado, mas tem uma relação com o<br />
amor, nos termos do capítulo 13 da primeira epístola <strong>de</strong> São Paulo aos coríntios.<br />
No momento <strong>de</strong> tornar-se homem, Deus abriu mão, por amor, em favor dos<br />
homens, <strong>de</strong> todo o seu po<strong>de</strong>r e <strong>de</strong> toda a sua autorida<strong>de</strong>. O cristianismo consiste<br />
nessa auto-alienação <strong>de</strong> Deus, e por isso a secularização é a característica constitutiva<br />
da experiência religiosa autêntica. O divino está justamente nessa ausência<br />
<strong>de</strong> Deus. Rortyconclui dizendo que sua principal divergência com Vattimo está<br />
em que para o italiano o sagrado está no passado, no ato amoroso pelo qual<br />
Deus renuncia à sua dominação sobre os homens, enquanto para ele, Rorty, está<br />
numa esperança futura, num estado <strong>de</strong> coisas em que os homens fossem livres e<br />
tanto quanto possível iguais. Não sei se Rortyleu “A missa <strong>de</strong> um ateu”, <strong>de</strong><br />
Balzac, mas a conclusão do seu discurso po<strong>de</strong>ria ter como título “A profecia <strong>de</strong><br />
um ateu”. Seu ateísmo soa estranhamente religioso. Sua utopia se parece nos mínimos<br />
pormenores com uma utopia messiânica, e, para não <strong>de</strong>ixar dúvida, faz<br />
questão <strong>de</strong> usar, para <strong>de</strong>screvê-la, o adjetivo “sagrado”. Esse estado <strong>de</strong> espírito,<br />
que não é nem religioso nem laico, mas pós-secular, na terminologia <strong>de</strong> Habermas,<br />
traduz a convicção <strong>de</strong> que a secularização é irreversível. O Estado é necessariamente<br />
profano e seu papel é apenas o <strong>de</strong> garantir a coexistência das diferentes<br />
religiões. Mas traduz, por outro lado, a certeza <strong>de</strong> que nenhuma socieda<strong>de</strong> po<strong>de</strong><br />
sobreviver sem a religião, <strong>de</strong> que a maioria dos homens consi<strong>de</strong>ra insatisfatórias<br />
as respostas dadas pela ciência às perguntas existenciais sobre a vida e a morte.<br />
� Dar corpo ao i<strong>de</strong>al cristão<br />
A volta <strong>de</strong> Deus<br />
Essa visão pós-secular não po<strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> refletir-se num dos temas<br />
mais <strong>de</strong>batidos atualmente, a questão da chamada “socieda<strong>de</strong> do conheci-<br />
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