Diverse Lingue - Academia Brasileira de Letras
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Evanildo Bechara<br />
consi<strong>de</strong>ra “correção <strong>de</strong> linguagem” o conjunto <strong>de</strong> usos majoritariamente empregado<br />
na comunida<strong>de</strong>. Tudo na língua <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>de</strong> um consenso.<br />
A história dos fatos lingüísticos <strong>de</strong> uma língua através dos tempos tem-nos<br />
mostrado que não só existe a influência <strong>de</strong> hábitos <strong>de</strong> falar da camada aristocrática<br />
na feição da língua comum, mas ainda que hábitos do falar da camada<br />
popular têm exercido a mesma função <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>lo. Num livro clássico <strong>de</strong> lingüística<br />
diacrônica, Cultura e língua francesa. História da língua literária da França <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />
os começos até o presente (1 a ed. alemã em 1913, 2 a ed. revista e com título alterado<br />
para o atual em 1929), o lingüista e filósofo alemão Karl Vossler (1872-1949)<br />
registra que a avaliação dos fonemas e e a (lermes/larmes, achate/achete), do o fechado,<br />
o aberto e ou (boche/bouche, hoste/houste) entre outros fatos, foram hábitos<br />
da fala popular que ascen<strong>de</strong>ram entre os séculos XVI e XVII, sob a força da<br />
moda, <strong>de</strong> tal maneira que Vossler chega a afirmar que <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o século XVI é<br />
muito difícil haver uma novida<strong>de</strong> vitoriosa <strong>de</strong> pronúncia que não tenha antes<br />
sido proferida pela boca popular parisiense.<br />
Não basta muita atenção para verificarmos que esse critério <strong>de</strong>mocrático<br />
tem limites próximos do fator histórico-natural apontado por Norren e que<br />
atrás comentamos, segundo o qual tudo na língua é igualmente correto e incorreto,<br />
na <strong>de</strong>pendência exclusiva do gosto da maioria, fazendo eco <strong>de</strong> semelhante<br />
parecer corrente entre estudiosos da Antiguida<strong>de</strong>, como o <strong>de</strong> Sulpício<br />
Apolinário, gramático romano morto por volta do ano 160 d. C., professor <strong>de</strong><br />
Aulo Gélio (séc. II), ao referir-se ao omnium pluriumve consensu, citado no excelente<br />
artigo do lingüista alemão Harald Weinrich sobre Vaugelas e a questão<br />
do bom uso <strong>de</strong> linguagem no classicismo francês, recolhido no livro Wege <strong>de</strong>r<br />
Sprachkultur.<br />
Apesar da fragilida<strong>de</strong> do critério <strong>de</strong>mocrático, Jespersen reconhece que ele<br />
vige ainda hoje, mascarado sob o peso do valor do uso, em questão <strong>de</strong> linguagem,<br />
consi<strong>de</strong>rado a autorida<strong>de</strong> máxima para dirimir dúvidas neste particular.<br />
Já o velho Horácio assim se expressava na Ars Poética: “si volet usus, / quem penes<br />
arbitrium est et ius et norma loquendi” (v. 71-72), isto é, “se o uso assim quiser, pois<br />
só a ele pertence a soberania, o direito e a norma da língua”.<br />
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