Diverse Lingue - Academia Brasileira de Letras
Diverse Lingue - Academia Brasileira de Letras
Diverse Lingue - Academia Brasileira de Letras
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
Vera Lúcia <strong>de</strong> Oliveira<br />
rieda<strong>de</strong> e a vivacida<strong>de</strong> das situações concretas e do relacionamento quotidiano<br />
com as coisas. A sua poesia é um longo diálogo com os seus afetos, a sua língua<br />
é a da reinvenção <strong>de</strong> um contato verda<strong>de</strong>iro com a própria alma, <strong>de</strong> uma repacificação<br />
psíquica, que é também lingüística, espaço do encontro com as figuras<br />
paterna e materna, recuperação da experiência vivíssima da infância e adolescência<br />
e da língua essencial, humil<strong>de</strong> e sensível daquele período e daqueles<br />
relacionamentos.<br />
Para Caproni, a língua materna foi precisamente o toscano, não o literário<br />
“congelado” na língua <strong>de</strong> Petrarca e Bocaccio, mas um livornese falado por gente<br />
<strong>de</strong> extração pequeno-burguesa, como o próprio poeta. De tal língua regional,<br />
ele conservou, até à velhice, modos típicos <strong>de</strong> dizer: “governavo” (arrumava),<br />
“mi metteva veleno” (me <strong>de</strong>ixava amargurado), “mi pren<strong>de</strong>va la rabbia” (ficava<br />
com raiva). 4 E embora o poeta tenha vivido por muitos anos em Gênova e<br />
em Roma e tenha certamente introjetado expressões e frases também dos respectivos<br />
dialetos, escolheu o italiano para a sua viagem nas perdas e nostalgias:<br />
um italiano flexível, popular, quotidiano, com traços dialetais.<br />
A experiência poética <strong>de</strong> Caproni enlaça-se, por certos aspectos, à dos<br />
neo-dialetais, que – no âmbito das varieda<strong>de</strong>s regionais – buscam instaurar<br />
uma nova relação entre literatura e realida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> reatar-se à presença forte das<br />
coisas e da memória. Observa Franco Brevini, a propósito da poesia <strong>de</strong> Loi e<br />
<strong>de</strong> Scataglini, que, para ambos, “o dialeto é uma simples entonação popular,<br />
numa urdidura amplamente italiana, entremeada <strong>de</strong> cultismos”. Com o dialeto,<br />
eles buscam solucionar uma antiga necessida<strong>de</strong>, a “<strong>de</strong> uma língua capaz <strong>de</strong><br />
reduzir a distância ou mesmo <strong>de</strong> sanar a fratura que se impôs entre falado e escrito,<br />
quotidiano e literário”. 5 Que fosse essa a estrada a seguir para retirar do<br />
italiano a aura convencional <strong>de</strong> língua normalizada, <strong>de</strong> língua “frígida”, como<br />
a <strong>de</strong>fine Scataglini? Seguramente é aquela adotada por Caproni:<br />
4<br />
Cfr. “Intervista a Giorgio Caproni”, <strong>de</strong> Dina Luce, in Bentrovati tutti – Interviste a scrittori e giornalisti<br />
famosi, Milano: Garzanti-Vallardi, 1981, pp. 84-90 (89).<br />
5<br />
Franco Brevini, “Introduzione”, in Franco Scataglini, Rimario Agontano (1969-1986), Milão:<br />
Scheiwiller, 1987, pp. 9-21 (10).<br />
106