Catálogo "Tempo Presente"
Catálogo da exposição "Tempo Presente", com textos críticos e fotos das obras dos oito artistas integrantes: Tomie Ohtake, Gisela Motta e Leandro Lima, Laura Vinci, OPAVIVARÁ!, Nazareno, Raquel Kogan e Laura Belém. Curadoria de Amanda Dafoe e Rodrigo Villela.
Catálogo da exposição "Tempo Presente", com textos críticos e fotos das obras dos oito artistas integrantes: Tomie Ohtake, Gisela Motta e Leandro Lima, Laura Vinci, OPAVIVARÁ!, Nazareno, Raquel Kogan e Laura Belém. Curadoria de Amanda Dafoe e Rodrigo Villela.
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
certo estranhamento, diante do desconhecido, do que<br />
não faz sentido.<br />
Para esta exposição, o artista apresenta quatro desenhos<br />
em que explora relações com a infância, com elementos<br />
do cotidiano, de suas condutas e a maneira como se relacionam<br />
umas às outras.<br />
Como no mito de Narciso, as placas de cobre que brilham<br />
de tão lisas, mimetizam o espelho d’água ao permitirem<br />
nos vermos refletidos em suas superfícies. Algo distorcidos,<br />
meio opacos, como nas águas turvas de um rio ou de um<br />
lago, em que se deu o reflexo e encantamento de Narciso.<br />
A imagem refletida é meio fantasmagórica como nos espelhos<br />
da antiguidade que eram metais polidos, como<br />
esses presentes nos desenhos. Faz esse uso hoje com a<br />
chapa de cobre, metal condutor de energia que encontra<br />
o corpo no espelhamento do metal – cria assim uma imagem<br />
‘enérgica’ que o metal conduz.<br />
Visualizável em duas alturas, permite que crianças se vejam<br />
na parte de baixo dos desenhos e que adultos o façam<br />
na parte superior. Une portando os dois mundos nos<br />
desenhos.<br />
A fala de Nazareno quando comenta a própria obra é a<br />
de quem conta histórias que se entrelaçam, umas às outras.<br />
É o que acontece nesta mostra. São quatro desenhos<br />
grandes. Cada qual desencadeando o desenho seguinte.<br />
Mesmo com títulos desconexos, meio absurdos, trazem<br />
justamente uma unicidade temática, desconexa, no<br />
entanto, pelos títulos atribuídos e, por isso também, não<br />
dependentes. Os trabalhos guardam autonomia entre si,<br />
no estranhamento que provocam e nas alturas que foram<br />
pensadas para o público, fora dos padrões das exposições<br />
museológicas vistas nos museus que não levam em consideração<br />
as muitas estaturas do público.<br />
O espelhamento das chapas de cobre faz com que o observador<br />
procure o seu reflexo ao tentar se enquadrar no<br />
desenho emoldurado. O trabalho propõe colocar o público<br />
observador adulto na condição da criança quando é<br />
preciso se curvar para se ver na parte debaixo desses desenhos.<br />
Tudo é meticulosamente composto.<br />
Em E antes os cães que por aqui passaram, de 2017,<br />
Nazareno fala da evolução humana. Do mundo que os<br />
humanos dividem com os cães. Uma relação que se confunde<br />
com a história da própria evolução humana.<br />
lake, where the reflection and enchantment of<br />
Narcissus took place.<br />
The reflected image is quasi-phantasmagoric,<br />
like the mirrors in antiquity which were polished<br />
metals, like those present in the drawings.<br />
Making this use today of the copper plate,<br />
an energy-conducting metal that encounters<br />
the body in the mirroring metal, an “energetic”<br />
image is created which the metal conducts.<br />
Visible at two heights, children can see themselves<br />
in the lower part of the drawings as<br />
adults can in the upper part. Both worlds are<br />
connected in the drawings.<br />
When Nazareno comments on his own work,<br />
he speaks like someone who tells stories that<br />
intertwine with one another. This is what happens<br />
in the exhibition. There are four large<br />
drawings, each leading to the next. Even with<br />
the disjointed, half-absurd titles, what they<br />
bring is a thematic unity, though unconnected<br />
by the assigned titles and, for this reason as<br />
well, not dependent. The works maintain their<br />
autonomy, in the strangeness they provoke, and<br />
at the heights that were intended for the public,<br />
very different from the standard criteria of<br />
museological expositions that do not take the<br />
different heights of the public into account.<br />
The mirroring of the copper plates causes the<br />
observer to look for his reflection when trying to<br />
fit himself in the framed drawing. The work proposes<br />
to place the adult observer in the position<br />
of a child since he needs to bend down in order<br />
to see himself in the lower part of these drawings.<br />
Everything is meticulously composed.<br />
In E antes os cães que por aqui passaram<br />
[And before the dogs that passed through<br />
here], 2017, Nazareno talks about human evolution,<br />
about the world humans share with<br />
dogs—a relationship that merges with the history<br />
of human evolution itself.<br />
A drawing with repetitive lines mimics the hairs<br />
that cover the animal’s hide. They repeat the<br />
gesture of a pointillist brushstroke—in this case,<br />
made by a rigid graphite point, not by a brush.<br />
The metal plate is glued to the lower part, region<br />
preserved in the white of the paper. The<br />
title is drawn off to the side, maintaining the<br />
clean visual and the arrangement’s equilibrium.<br />
There are no mistakes here.<br />
In Aqui, sem aviso você se depara com a luta<br />
pela vida [Here, without warning you are faced<br />
with the struggle for life], 2017, a lot of eyes.<br />
Eyes looking into eyes—a world of animal eyes<br />
that most resemble those of felines, who watch<br />
us from the paper’s white glare.<br />
We are born and the first thing that happens<br />
is that we are being watched—an intrusion<br />
on life from its first moment, and forever.<br />
It is as though we see ourselves with the<br />
eyes of others in the drawing, in search of our<br />
own gaze, overcoming the opacity that covers<br />
life through eyes that observe us closely.<br />
The drawing maintains the same organization<br />
as the previous one. Feline eyes are neatly<br />
distributed on the paper. In this drawing,<br />
the plate is placed in the upper part amid<br />
all these eyes, its reflection causing us to encounter<br />
our own eyes, as observers. The title is<br />
at the base, demanding of the adult a redoubled<br />
effort to read it. One has to bend over in<br />
front of work.<br />
... E em algum lugar está o domínio da ação<br />
apenas esperando ser ativada por você [...<br />
And somewhere the domain of action is just<br />
waiting to be activated by you], 2017. Is the<br />
drawing a target? A time tunnel? Or a whirlwind<br />
that pulls us inside? It is the destabilization<br />
of truth. Letting yourself go through<br />
the unfathomable, the inexplicable, a reality<br />
that is Other, is what is proposed here in this<br />
drawing that extrapolates the sheet of paper.<br />
The copper plate interrupts one of its lines to<br />
compose this spiral.<br />
E se eu não sou nada... posso ser tudo [And if<br />
I am nothing... I can be everything], from 2017.<br />
This is the most enigmatic, most introspective,<br />
perhaps the most abysmal drawing.<br />
Minimalist, it consists of a large surface covered<br />
with permanent black marker. An intense, insular<br />
blackness, where desire, thought and aspiration<br />
are encountered as forms. The metaphorical<br />
title deals with conducting, with the<br />
audience, with the action and with the nothingness<br />
that the black color suggests. The<br />
drawing on the paper divides it into black and<br />
white. A line—a horizon—is created. The blackness<br />
as the hole in the Universe.<br />
The black “pulls” us in, the white leaves us out.<br />
The plate enters like a window over the black to<br />
keep us on the surface of the nothingness.<br />
These are metaphors of life in literary and visual<br />
processes. From reading, the words are reclaimed<br />
and become an enunciation of phil-<br />
Um desenho de linhas repetitivas que mimetizam os pelos<br />
que cobrem o couro do animal. Repetem o gesto de uma<br />
pincelada pontilhista, no caso, feita não por pincel, mas<br />
pela rigidez da ponta de um grafite. A chapa de metal é<br />
colada na parte de baixo, região preservada no branco do<br />
papel. O título é desenhado ao lado, permanecendo a limpeza<br />
visual e o equilíbrio no conjunto. Não tem erros aqui.<br />
Em Aqui, sem aviso você se depara com a luta pela<br />
vida, de 2017, um monte de olhos. Olhos nos olhos –<br />
um mundo de olhos de animais que mais se parecem<br />
com os dos felinos, que nos observam do clarão branco<br />
do papel.<br />
Nascemos e a primeira coisa que acontece é sermos<br />
observados. A vida devassada no seu primeiro instante<br />
e para sempre. É como nos depararmos com os olhos<br />
alheios no desenho, em busca do próprio olhar, superando<br />
a opacidade que cobre a vida pelos olhos que nos<br />
observam atentamente. O desenho mantém a mesma<br />
organização do anterior. Os olhinhos felinos são ordenadamente<br />
distribuídos sobre o papel. A placa nesse desenho<br />
é colocada na parte superior em meio a todos esses<br />
olhos, o seu reflexo faz com que nos deparemos com os<br />
nossos próprios, de observadores. O título vai na base exigindo<br />
um duplo esforço do adulto para ler. Tem que se<br />
curvar aqui, diante do trabalho.<br />
... E em algum lugar está o domínio da ação apenas<br />
esperando ser ativada por você, de 2017. O desenho é<br />
um alvo? Um túnel do tempo? Ou um redemoinho que<br />
nos puxa para o seu interior? É a desestabilização da<br />
verdade. Deixar-se atravessar pelo insondável, o não explicável,<br />
uma outra realidade, é o que propõe aqui nesse<br />
desenho que extrapola a folha de papel. A chapa de<br />
cobre interrompe uma de suas linhas a compor essa<br />
espiral.<br />
E se eu não sou nada... posso ser tudo, de 2017. Esse é o<br />
desenho mais enigmático, mais introspectivo, talvez o<br />
abismal.<br />
Minimalista, é composto por uma grande superfície coberta<br />
de marcador permanente negro. Um pretume<br />
intenso, fechado, onde se encontra o desejo, o pensamento<br />
e a aspiração como formas. O título metafórico<br />
lida com a condução, com a audiência, com a ação<br />
e com o nada que a cor preta nos sugere. O desenho<br />
sobre o papel o divide em preto e branco. Uma linha<br />
66 67