Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
última página<br />
nzphotonz/iStock<br />
“A culpa é<br />
da mídia”<br />
Claudia Penteado<br />
revista Time escolheu jornalistas mortos,<br />
perseguidos e presos, além <strong>de</strong> um<br />
A<br />
jornal atacado por um atirador como “Pessoa<br />
do Ano - os Guardiões” <strong>de</strong> <strong>2018</strong>. Entre<br />
os homenageados está o saudita Jamal<br />
Khashoggi, do Washington Post, crítico ao<br />
governo da Arábia Saudita, morto em outubro,<br />
<strong>de</strong>ntro do consulado <strong>de</strong> seu país, em<br />
Istambul. E também Maria Ressa, ex-repórter<br />
da CNN nas Filipinas, que abriu o site<br />
<strong>de</strong> notícias Rappler em 2012, com reportagens<br />
críticas ao presi<strong>de</strong>nte Rodrigo Duterte,<br />
e sofreu uma “campanha <strong>de</strong> assédio<br />
legal” por parte do Departamento <strong>de</strong> Justiça<br />
<strong>de</strong> Duterte. A redação do jornal Capital<br />
Gazette, em Annapolis (EUA), também<br />
está no prêmio da Time: foi atacada por um<br />
homem armado em junho <strong>de</strong>ste ano, que<br />
matou quatro jornalistas e uma<br />
assistente <strong>de</strong> vendas. Após o<br />
ataque, a edição do dia foi fechada<br />
no estacionamento <strong>de</strong><br />
um shopping.<br />
Nesta edição especial, é<br />
possível saber o número recor<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> repórteres presos<br />
no mundo: são 262 casos, segundo<br />
o Comitê <strong>de</strong> Proteção<br />
aos Jornalistas. Outra matéria<br />
<strong>de</strong>staca o quanto a má-fé<br />
<strong>de</strong> autorida<strong>de</strong>s passou a classificar como<br />
fake news reportagens críticas a governos,<br />
com a ajuda da massiva <strong>de</strong>sinformação<br />
amplificada nas re<strong>de</strong>s sociais. A repórter<br />
brasileira Patrícia Campos Melo, da Folha,<br />
também é citada na revista. Violência<br />
contra jornalistas não é novida<strong>de</strong>. Hoje há<br />
quase uma banalização <strong>de</strong>la, <strong>de</strong> tão frequente.<br />
Um novo jeito <strong>de</strong> acusar os que<br />
incomodam é que estão espalhando “fake<br />
news”, conforme apontou o <strong>de</strong>do <strong>de</strong> Donald<br />
Trump inúmeras vezes. Não por acaso,<br />
nos EUA, as ameaças ao jornalismo só<br />
aumentam. A crise da <strong>de</strong>mocracia e a força<br />
do autoritarismo no mundo todo - que<br />
amplia o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> algumas poucas pessoas<br />
em <strong>de</strong>trimento do enfraquecimento das<br />
instituições - só pioram a relação entre as<br />
pessoas e a mídia. Porque sua essência - a<br />
“Somos<br />
sobreviventes:<br />
lidamos<br />
bravamente<br />
com a chegada<br />
<strong>de</strong> um novo<br />
mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong><br />
negócios”<br />
busca pela informação - sempre incomodará<br />
os inimigos da liberda<strong>de</strong>.<br />
A mídia costuma levar a culpa por quase<br />
tudo. Na dúvida, “a culpa é da mídia” - um<br />
clichê gasto, usado por gerações. Somos<br />
sobreviventes: lidamos bravamente com<br />
a chegada <strong>de</strong> um novo mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> negócios,<br />
fruto da queda dos investimentos dos<br />
anunciantes. A publicida<strong>de</strong> permitiu boas<br />
estruturas, equipes compostas por gran<strong>de</strong>s<br />
nomes do jornalismo, amplas tiragens<br />
e distribuição. O conteúdo digital afastou<br />
leitores do mo<strong>de</strong>lo impresso, reduziu<br />
performances <strong>de</strong> campanhas movidas a<br />
gran<strong>de</strong>s audiências e levou à revisão as estratégias<br />
<strong>de</strong> muitas marcas, enquanto a necessida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>sesperada <strong>de</strong> sobrevivência<br />
levou veículos a <strong>de</strong>mitirem profissionais<br />
e reduzirem estruturas. Cabeças rolaram<br />
pelo caminho, mas “a mídia”<br />
se mantém pulsando. Apoios<br />
e doações como alternativas a<br />
assinaturas são bem-vindos (a<br />
exemplo do inglês The Guardian),<br />
feitos por quem acredita<br />
na importância do bom jornalismo.<br />
A busca <strong>de</strong> um ponto <strong>de</strong><br />
equilíbrio <strong>de</strong>licado passa pela<br />
competência empreen<strong>de</strong>dora<br />
dos grupos <strong>de</strong> comunicação, a<br />
partir da criação <strong>de</strong> novas fontes<br />
<strong>de</strong> renda baseadas naquilo<br />
que eles fazem <strong>de</strong> melhor: produzir conteúdo<br />
e contar boas histórias.<br />
A proliferação <strong>de</strong> fake news no mundo digital<br />
acabou fortalecendo as gran<strong>de</strong>s marcas<br />
do jornalismo na terra <strong>de</strong> ninguém da informação<br />
que hoje habitamos. Há luz - e ela<br />
aparece, por exemplo, na matéria <strong>de</strong> balanço<br />
<strong>de</strong> jornais e revistas que fiz esta semana,<br />
aqui neste jornal. Gosto do <strong>de</strong>sabafo <strong>de</strong> Can<br />
Dündar, editor-chefe do jornal <strong>de</strong> centro-<br />
-esquerda Cumhuriyet, preso em novembro<br />
<strong>de</strong> 2015, acusado <strong>de</strong> revelar segredos <strong>de</strong> Estado<br />
e publicar histórias que prejudicaram<br />
o primeiro ministro Recep Tayyip Erdogan:<br />
“Quando me sinto <strong>de</strong>sanimado, vou para a<br />
minha biblioteca e leio livros <strong>de</strong> história. A<br />
<strong>de</strong>mocracia e a liberda<strong>de</strong> da imprensa são<br />
frágeis, mas, no final, prevalecem”.<br />
66 <strong>17</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> <strong>2018</strong> - jornal propmark