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NO Revista Janeiro 2019

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eportagem<br />

por soldados corajosos,<br />

com enorme capacidade de<br />

improvisação, frugalidade,<br />

robustez e adaptabilidade às<br />

mais rudes condições de vida”.<br />

Contudo, apontou também<br />

às consequências inerentes a<br />

qualquer guerra, realçando as<br />

mais de 9000 mortes registadas e<br />

mais de 30000 feridos.<br />

Concluindo a sua apresentação,<br />

o Coronel Salgado Martins cita<br />

uma passagem da publicação<br />

Exército na Guerra Subversiva:<br />

“Para os militares, o interesse<br />

do estudo dos conflitos<br />

subversivos, reside ainda,<br />

no facto de a solução desses<br />

conflitos não poder nunca ser<br />

obtida unicamente pelas forças<br />

armadas”, ou seja, na sua<br />

opinião, a missão das Forças<br />

Armadas “era dar tempo ao<br />

poder político para encontrar<br />

uma solução que só apareceu<br />

passados 14 anos”.<br />

Por fim, foi a vez de Amaro de<br />

Matos dar o seu testemunho<br />

daquilo que vivenciou,<br />

na primeira pessoa, em<br />

Moçambique, entre 1972 e 1974.<br />

O fundador da Associação para a<br />

Defesa do Património Marítimo<br />

dos Açores e da Associação<br />

Cívica “Casa do Triângulo” foi<br />

primeiro-cabo especialista em<br />

rádio montador.<br />

Amaro de Matos começou por<br />

citar José Saramago, que refere<br />

na História do Cerco de Lisboa,<br />

que “a História foi vida real no<br />

tempo em que ainda não era<br />

História”, afirmando depois<br />

que, “após 68 anos, e passados<br />

já 45 desde a data do regresso,<br />

tenho plena consciência que vivi<br />

um tempo real que hoje já teve<br />

tempo para ser efetivamente<br />

História”.<br />

“Entendi dar aqui, da guerra em<br />

que participei, um testemunho<br />

voltado para as suas implicações<br />

sociais”, sublinha o orador.<br />

“As certezas sucediam-se:<br />

Primeiro as inspeções, depois as<br />

"<br />

incorporações, as mobilizações<br />

e finalmente as partidas. As<br />

incertezas vinham depois:<br />

Quando? Para onde? Por que<br />

meio? Quanto tempo falta?<br />

E a maior incerteza de todas:<br />

Voltaremos?”<br />

Amaro de Matos fala de um país<br />

que estava cansado de guerra e<br />

confessa que o que se sentia na<br />

altura, no seio militar, era que a<br />

causa deste conflito não passava<br />

de uma “teimosia em não<br />

resolver em termos políticos”.<br />

O ex-combatente recorda a<br />

sua passagem por África com<br />

um misto de nostalgia e de<br />

esperança:<br />

Nostalgia enquanto que, apesar de todas as privações e<br />

incertezas, tenho recordações calorosas de África (…)<br />

Tenho esperança de que África viva um dia um ciclo de<br />

paz e prosperidade que a sua grandiosidade justifica.<br />

Ainda espero igualmente que a falta de atenção com<br />

que se tem olhado para os ex-combatentes seja revista<br />

para que não se cumpra o que sabiamente nos disse<br />

Eduardo Lourenço: “Existimos quando se começa<br />

a notar a nossa ausência. Quase sempre tarde... em<br />

Portugal nunca”.<br />

Finalizando a sua intervenção,<br />

era notória a mágoa de Amaro<br />

de Matos para com o regime<br />

fascista que liderava Portugal,<br />

voltando a realçar que tudo<br />

não passou de uma “teimosia<br />

política”:<br />

Ainda não sei avaliar o que teria<br />

sido a minha vida se tivesse<br />

sido possível omitir dela este<br />

capítulo. O que sei é que nasci<br />

num país doente e que o monstro<br />

que criou e alimentou se serviu<br />

de mim e de mais de um milhão<br />

de camaradas meus. Sei que o<br />

meu país hipotecou parte do seu<br />

futuro coletivo e pagou caro essa<br />

teimosia.<br />

Assim, urge de facto não deixar<br />

cair no esquecimento todos os<br />

artefactos e todos os homens<br />

que construíram este pedaço<br />

da grandiosa História do nosso<br />

país. Soldados de um regime,<br />

soldados de uma pátria, soldados<br />

de si mesmo, ou até mesmo<br />

soldados de uma teimosia.<br />

Certo é que foram estes homens<br />

que, por uma causa nobre ou<br />

não, partiram para África sem<br />

grande escolha, sem futuro<br />

certo, apenas com a certeza das<br />

memórias que guardarão para<br />

sempre e que necessitam de ser<br />

preservadas como pedaço da<br />

nossa História.<br />

18 <strong>NO</strong>JAN20

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