02.05.2020 Views

Edição nº 264 - Lusitano de Zurique (corrigida)

Orgão informativo do Centro Lusitano de Zurique. Edição gratuita

Orgão informativo do Centro Lusitano de Zurique.
Edição gratuita

SHOW MORE
SHOW LESS
  • No tags were found...

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

uns vendidos políticos e os políticos uns corruptos que arrastam

Portugal pelas ruas da amargura. Por fim e como pedra de fecho,

Portugal era grande e grandioso (Portugal não é um país pequeno!

— com mapa de Henrique Galvão), uma Pátria que merecia o respeito

do Mundo e as Forças Armadas portuguesas um corpo militar

admirado pelos seus pares. Enfim, a glorificação da política colonial

e de guerra do regime chefiado, primeiro por Salazar, e depois por

Marcelo Caetano. Em resumo, o 25 de Abril, o ato e o regime que

dele resultou, destruíram três realidades: Ordem, Glória e Colónias!

Não sendo possível reconstituir o domínio colonial, a luta destes

novos patriotas militares parece ser pela imposição de um Estado

de Ordem, Securitário e chorar pela Glória perdida. Uma estratégia

de manipulação de opinião com claros objetivos políticos . Não há

nenhuma inocência nestas “opiniões”.

Sendo um solitário, mais próximo dos lobos que das ovelhas, reconheço

a lógica dos pastores dos rebanhos.

Este discurso da antiga grandeza imperial perdida é um argumento

recorrente nos restauracionistas, eles surgem no presente com solução

para tudo o que os seus antecessores não conseguiram. Estivessem

eles nas Forças Armadas nas décadas de 60 e 70 e outro galo teria

cantado! É um recorrente azar histórico: nunca são os donos da

verdade a posteriori que estão nos lugares e nos tempos certos do

presente da História!

Este discurso demagógico remete para um Portugal que nunca existiu.

Alguns exemplos, o Ultimato Inglês foi uma demonstração de

dissonância entre a política e os meios. As chamadas “campanhas

de pacificação” após a Conferência de Berlim foram mais uma revelação

de fraqueza. A campanha em Moçambique é desastrosa. As

campanhas no Sul de Angola no final do século XIX, início do século

XX, são reveladoras da mais chocante incapacidade. A participação

de Portugal na Grande Guerra, numa apreciação que inclui políticos

e militares nas três frentes, Angola, Moçambique e Flandres não é

motivo para orgulho de ninguém.

A abordagem pelo Estado Novo, o que inclui Salazar e o alto comando

das Forças Armadas, da questão colonial do pós-Segunda Guerra e

do Movimento Descolonizador é um conjunto de tropeções de um

bando de perdidos num mundo que não entendem, de um passado de

que não sabem tirar lições e, fundamentalmente, de incompetência

sobre um assunto elementar em política e na estratégia: avaliar uma

situação conjugando o “ambiente operacional” (no caso a situação

internacional) os meios de que dispõe e os objetivos que pretende

atingir. Só o sacrifício da geração que esteve no 25 de Abril permitiu

prolongar a guerra e iludir o facto de os políticos da época não saberem

o que fazer dela nem com ela, continuar, aliarem-se aos sul-africanos,

ou negociarem com os independentistas.

Essa geração, que é a minha, cumpriu e bateu-se como poucas ao

longo da nossa História até para além dos limites razoáveis, por

vezes em situações de vexame, como na Índia, ou de desprezo por

parte de aliados, os EUA e a Inglaterra, que até impediram a utilização

dos meios da NATO em África, aviões F 86, navios, viaturas

(GMC) rádios, p.ex. A guerra irá terminar com os limitados (mas

foi o que se conseguiu) caças bombardeiros portugueses Fiat G91 a

serem abatidos por mísseis Strela das guerrilhas, porque os “aliados”

colocavam sérias dificuldades em venderem outros mais modernos,

com as forças portuguesas acusados internacionalmente de crimes

de guerra e de genocídios, como os de Wiriamu! Com a população

metropolitana ativa a fugir da guerra e da política do Estado Novo,

centenas de milhares de emigrantes legais e clandestinos, uma parcela

brutal do orçamento atribuído a despesas de guerra, 250 mil homens

na idade produtiva nas Forças Armadas, proibição de os portugueses

decidirem o seu futuro e, sequer, de o discutir!

Em 1974 as forças armadas portuguesas apenas participavam em

exercícios na NATO através da Armada (onde sofriam vexames da

parte dos seus aliados, nomeadamente nórdicos — noruegueses e

holandeses), viviam num limbo internacional de que as participações

mais ou menos encobertas de apoio aos mercenários do Congo e do

Biafra não acrescentavam prestígio. Forças tão desprestigiadas e tão

mal equipadas que em 1961 não conseguiram recuperar um navio

mercante português, o «Santa Maria», em águas internacionais!

Que em 1972/73 os seus aliados mais próximos por razões de sobrevivência,

a África do Sul do apartheid e a Rodésia da independência

unilateral, faziam relatórios arrasadores sobre o espírito combativo,

CRÓNICA

39

sobre a estrutura de comando das forças portuguesas em Moçambique

e Angola. Entretanto a Marinha Inglesa realizava um bloqueio ao

porto da Beira! (Beira Patrol) — e Portugal era formalmente aliado

de Inglaterra!

Foi a este “Estado a que isto chegou”, nas palavras de Salgueiro Maia,

que uma parte dos militares, a dos melhores, desde logo pela razão

elementar de terem ganho consciência da irracionalidade criminosa

de uma política de guerra sem objetivo, nem fim, nem meios, uma

guerra de queimar portugueses sem sentido, deu o devido e patriótico

fim a 25 de Abril de 1974. O qual não devia, segundo esta franja de

militares, ser comemorado! Li que a presença dos chefes de estado-

-maior não “dignificava as Forças Armadas”, que as envergonhava!

Foi o 25 de Abril que retirou Portugal do grupo dos estados-pária onde

se encontrava. Que permitiu restabelecer ligações sem “vergonha” com

aliados europeus e americanos, mas também com países do Terceiro

Mundo, com o mundo árabe (o Egito, em particular), a África (OUA),

a Ásia (China e Índia, em particular), a URSS e os seus aliados. Que

abriu a porta a alguns desses militares hoje tão críticos do regime

democrático e tão empenhados no ataque aos seus fundamentos para

terem a oportunidade de participar em missões internacionais que,

sem valorização de mérito político, os levaram à antiga Jugoslávia e

ao Líbano, a Timor, a Angola, Moçambique, Guiné, Marrocos (Sara),

na República Centro Africana, Bolívia, Afeganistão, entre os outros

espaços de conflito internacional, em missões para as quais, durante a

ditadura e a guerra colonial, os militares portugueses jamais haviam

merecido serem considerados elegíveis para participarem!

Não há para estes “neo epopeicos” frustrados um ministro do regime

do Estado de Direito que não seja ou tenha sido um biltre, a maioria

dos generais são uns vendido. Os militar com responsabilidades

no 25 de Abril são cobardes, ou traidores! Para eles, os virtuosos,

a virtude do Estado e das Forças Armadas morreu a 25 de Abril de

1974! Entretanto veneram alguns “heróis do absurdo”, incapazes de

perceber a razão dos seus atos. É este o discurso sublimar deste grupo

de revivalistas, manipuladores da opinião.

Na realidade e é histórico, foi o 25 de Abril que dignificou a condição

dos militares portugueses. O 25 de Abril foi obra de soldados, recorrendo

a Mouzinho de Albuquerque. E foi o 25 de Abril, com os seus

militares e políticos, com os seus defeitos e qualidades que colocou

Portugal no concerto das nações respeitáveis.

O discurso primariamente patrioteiro — primário porque rejeita

o conhecimento resultante do estudo, da investigação, da análise

e patrioteiro, um termo de Eça de Queiroz, porque se refere a um

conceito adulterado de pátria, tenta confundir eventuais erros de

conduta, de avaliação, cometidos durante o período pós-25 de Abril

de 74 e até hoje, ou de confronto de modelos de sociedade, com o erro

fundamental assente na incapacidade de um regime ditatorial não

só de ler a realidade, mas de ir contra ela e contra direitos fundamentais.

É um discurso que pretende confundir erro, escolha, com

a essência do Mal!

São estes militares que surgem associados de forma mais ou menos

insidiosa aos que proclamam que o 25 de Abril não devia ser comemorado,

porque o 25 de Abril não devia ter ocorrido, que o Estado

Português, através dos seus órgãos de soberania, incluindo os chefes

militares, não devia estar na Assembleia da República a 25 de Abril

porque há uma epidemia! Que, por redução ao absurdo, defendem a

única alternativa ao 25 de Abril que seria a continuação da política

colonial e de uma ditadura — não há alternativa, não era possível

um Portugal colonial integrado em qualquer espaço da comunidade

internacional -, que Portugal devia continuar a sofrer mortos e a

espalhá-los espalhados por África, desde que fosse na guerra, a ter

mortos espalhados pelos países de emigração, sem despedidas possíveis,

que Portugal devia continuar a ter milhares de portugueses

confinados pelo mundo, por serem emigrantes ilegais, ou desertores

e não poderem regressar para verem pais ou filhos.

(*) Carlos de Matos Gomes nasceu a 24 de Julho de 1946,

em Vila Nova da Barquinha. Foi oficial do Exército, tendo

cumprido comissões em Angola, Moçambique e Guiné, e é

investigador de História Contemporânea de Portugal. Utiliza

o pseudónimo literário de Carlos Vale Ferraz

Maio 2020 | Lusitano de Zurique | WWW.CLDZ.EU

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!