Edição nº 264 - Lusitano de Zurique (corrigida)
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uns vendidos políticos e os políticos uns corruptos que arrastam
Portugal pelas ruas da amargura. Por fim e como pedra de fecho,
Portugal era grande e grandioso (Portugal não é um país pequeno!
— com mapa de Henrique Galvão), uma Pátria que merecia o respeito
do Mundo e as Forças Armadas portuguesas um corpo militar
admirado pelos seus pares. Enfim, a glorificação da política colonial
e de guerra do regime chefiado, primeiro por Salazar, e depois por
Marcelo Caetano. Em resumo, o 25 de Abril, o ato e o regime que
dele resultou, destruíram três realidades: Ordem, Glória e Colónias!
Não sendo possível reconstituir o domínio colonial, a luta destes
novos patriotas militares parece ser pela imposição de um Estado
de Ordem, Securitário e chorar pela Glória perdida. Uma estratégia
de manipulação de opinião com claros objetivos políticos . Não há
nenhuma inocência nestas “opiniões”.
Sendo um solitário, mais próximo dos lobos que das ovelhas, reconheço
a lógica dos pastores dos rebanhos.
Este discurso da antiga grandeza imperial perdida é um argumento
recorrente nos restauracionistas, eles surgem no presente com solução
para tudo o que os seus antecessores não conseguiram. Estivessem
eles nas Forças Armadas nas décadas de 60 e 70 e outro galo teria
cantado! É um recorrente azar histórico: nunca são os donos da
verdade a posteriori que estão nos lugares e nos tempos certos do
presente da História!
Este discurso demagógico remete para um Portugal que nunca existiu.
Alguns exemplos, o Ultimato Inglês foi uma demonstração de
dissonância entre a política e os meios. As chamadas “campanhas
de pacificação” após a Conferência de Berlim foram mais uma revelação
de fraqueza. A campanha em Moçambique é desastrosa. As
campanhas no Sul de Angola no final do século XIX, início do século
XX, são reveladoras da mais chocante incapacidade. A participação
de Portugal na Grande Guerra, numa apreciação que inclui políticos
e militares nas três frentes, Angola, Moçambique e Flandres não é
motivo para orgulho de ninguém.
A abordagem pelo Estado Novo, o que inclui Salazar e o alto comando
das Forças Armadas, da questão colonial do pós-Segunda Guerra e
do Movimento Descolonizador é um conjunto de tropeções de um
bando de perdidos num mundo que não entendem, de um passado de
que não sabem tirar lições e, fundamentalmente, de incompetência
sobre um assunto elementar em política e na estratégia: avaliar uma
situação conjugando o “ambiente operacional” (no caso a situação
internacional) os meios de que dispõe e os objetivos que pretende
atingir. Só o sacrifício da geração que esteve no 25 de Abril permitiu
prolongar a guerra e iludir o facto de os políticos da época não saberem
o que fazer dela nem com ela, continuar, aliarem-se aos sul-africanos,
ou negociarem com os independentistas.
Essa geração, que é a minha, cumpriu e bateu-se como poucas ao
longo da nossa História até para além dos limites razoáveis, por
vezes em situações de vexame, como na Índia, ou de desprezo por
parte de aliados, os EUA e a Inglaterra, que até impediram a utilização
dos meios da NATO em África, aviões F 86, navios, viaturas
(GMC) rádios, p.ex. A guerra irá terminar com os limitados (mas
foi o que se conseguiu) caças bombardeiros portugueses Fiat G91 a
serem abatidos por mísseis Strela das guerrilhas, porque os “aliados”
colocavam sérias dificuldades em venderem outros mais modernos,
com as forças portuguesas acusados internacionalmente de crimes
de guerra e de genocídios, como os de Wiriamu! Com a população
metropolitana ativa a fugir da guerra e da política do Estado Novo,
centenas de milhares de emigrantes legais e clandestinos, uma parcela
brutal do orçamento atribuído a despesas de guerra, 250 mil homens
na idade produtiva nas Forças Armadas, proibição de os portugueses
decidirem o seu futuro e, sequer, de o discutir!
Em 1974 as forças armadas portuguesas apenas participavam em
exercícios na NATO através da Armada (onde sofriam vexames da
parte dos seus aliados, nomeadamente nórdicos — noruegueses e
holandeses), viviam num limbo internacional de que as participações
mais ou menos encobertas de apoio aos mercenários do Congo e do
Biafra não acrescentavam prestígio. Forças tão desprestigiadas e tão
mal equipadas que em 1961 não conseguiram recuperar um navio
mercante português, o «Santa Maria», em águas internacionais!
Que em 1972/73 os seus aliados mais próximos por razões de sobrevivência,
a África do Sul do apartheid e a Rodésia da independência
unilateral, faziam relatórios arrasadores sobre o espírito combativo,
CRÓNICA
39
sobre a estrutura de comando das forças portuguesas em Moçambique
e Angola. Entretanto a Marinha Inglesa realizava um bloqueio ao
porto da Beira! (Beira Patrol) — e Portugal era formalmente aliado
de Inglaterra!
Foi a este “Estado a que isto chegou”, nas palavras de Salgueiro Maia,
que uma parte dos militares, a dos melhores, desde logo pela razão
elementar de terem ganho consciência da irracionalidade criminosa
de uma política de guerra sem objetivo, nem fim, nem meios, uma
guerra de queimar portugueses sem sentido, deu o devido e patriótico
fim a 25 de Abril de 1974. O qual não devia, segundo esta franja de
militares, ser comemorado! Li que a presença dos chefes de estado-
-maior não “dignificava as Forças Armadas”, que as envergonhava!
Foi o 25 de Abril que retirou Portugal do grupo dos estados-pária onde
se encontrava. Que permitiu restabelecer ligações sem “vergonha” com
aliados europeus e americanos, mas também com países do Terceiro
Mundo, com o mundo árabe (o Egito, em particular), a África (OUA),
a Ásia (China e Índia, em particular), a URSS e os seus aliados. Que
abriu a porta a alguns desses militares hoje tão críticos do regime
democrático e tão empenhados no ataque aos seus fundamentos para
terem a oportunidade de participar em missões internacionais que,
sem valorização de mérito político, os levaram à antiga Jugoslávia e
ao Líbano, a Timor, a Angola, Moçambique, Guiné, Marrocos (Sara),
na República Centro Africana, Bolívia, Afeganistão, entre os outros
espaços de conflito internacional, em missões para as quais, durante a
ditadura e a guerra colonial, os militares portugueses jamais haviam
merecido serem considerados elegíveis para participarem!
Não há para estes “neo epopeicos” frustrados um ministro do regime
do Estado de Direito que não seja ou tenha sido um biltre, a maioria
dos generais são uns vendido. Os militar com responsabilidades
no 25 de Abril são cobardes, ou traidores! Para eles, os virtuosos,
a virtude do Estado e das Forças Armadas morreu a 25 de Abril de
1974! Entretanto veneram alguns “heróis do absurdo”, incapazes de
perceber a razão dos seus atos. É este o discurso sublimar deste grupo
de revivalistas, manipuladores da opinião.
Na realidade e é histórico, foi o 25 de Abril que dignificou a condição
dos militares portugueses. O 25 de Abril foi obra de soldados, recorrendo
a Mouzinho de Albuquerque. E foi o 25 de Abril, com os seus
militares e políticos, com os seus defeitos e qualidades que colocou
Portugal no concerto das nações respeitáveis.
O discurso primariamente patrioteiro — primário porque rejeita
o conhecimento resultante do estudo, da investigação, da análise
e patrioteiro, um termo de Eça de Queiroz, porque se refere a um
conceito adulterado de pátria, tenta confundir eventuais erros de
conduta, de avaliação, cometidos durante o período pós-25 de Abril
de 74 e até hoje, ou de confronto de modelos de sociedade, com o erro
fundamental assente na incapacidade de um regime ditatorial não
só de ler a realidade, mas de ir contra ela e contra direitos fundamentais.
É um discurso que pretende confundir erro, escolha, com
a essência do Mal!
São estes militares que surgem associados de forma mais ou menos
insidiosa aos que proclamam que o 25 de Abril não devia ser comemorado,
porque o 25 de Abril não devia ter ocorrido, que o Estado
Português, através dos seus órgãos de soberania, incluindo os chefes
militares, não devia estar na Assembleia da República a 25 de Abril
porque há uma epidemia! Que, por redução ao absurdo, defendem a
única alternativa ao 25 de Abril que seria a continuação da política
colonial e de uma ditadura — não há alternativa, não era possível
um Portugal colonial integrado em qualquer espaço da comunidade
internacional -, que Portugal devia continuar a sofrer mortos e a
espalhá-los espalhados por África, desde que fosse na guerra, a ter
mortos espalhados pelos países de emigração, sem despedidas possíveis,
que Portugal devia continuar a ter milhares de portugueses
confinados pelo mundo, por serem emigrantes ilegais, ou desertores
e não poderem regressar para verem pais ou filhos.
(*) Carlos de Matos Gomes nasceu a 24 de Julho de 1946,
em Vila Nova da Barquinha. Foi oficial do Exército, tendo
cumprido comissões em Angola, Moçambique e Guiné, e é
investigador de História Contemporânea de Portugal. Utiliza
o pseudónimo literário de Carlos Vale Ferraz
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