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Edição nº 264 - Lusitano de Zurique (corrigida)

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CRÓNICA

51

população mistura informação fidedigna com falsidades.

É para essa maioria que os programadores dos canais abertos trabalham.

Não lhes interessam os intelectuais, os letrados, as pessoas

que problematizam ou que podem escolher o que querem ver. Essas

todas somadas, nas suas contas, não oferecem garantias de audiência

massificada.

4.É um tempo amoral… e virtual.

Não temos dinheiro, temos a informação que o temos.

Nas guerras mata-se como num jogo de computador, quase tudo é

indolor e sem culpa.

Quando vemos o sofrimento ele é-nos apresentado com a mesma

lógica de uma série de ficção. Sofremos, mas como em qualquer série

a vida continua depois do episódio acabar.

Vivemos muito em função das redes sociais em que interagimos como

se estas interações fossem físicas e não virtuais.

É um tempo em que os discursos políticos se reduziram ao essencial,

discursos adaptados às televisões que exigem mensagens curtas que

caibam em slots de 20 ou 30 segundos. Já não os conseguimos ouvir

mais do que isso e “eles” sabem que o seu discurso deve ser simples

e publicitário. “Nós” criticamos isso, mas é-nos insuportável se for

de outra maneira, mudaríamos simplesmente de canal.

Este é um tempo que parece aplaudir as mudanças sociais como os

casamentos de pessoas do mesmo sexo ou os direitos dos homossexuais.

Mas depois, ao observarmos os canais mais vistos ou as

plataformas de gosto massificado, percebemos que existe um irritante

conservadorismo mascarado de progresso. Os homossexuais

assumidos que se tornaram estrelas ou são “efeminados” ou são

“espalhafatosos”. Têm todo o direito de serem o que quiserem, mas

estimulam inadvertidamente o preconceito. Porque aparentemente

para o senso comum, para a audiência média, um homossexual é

uma pessoa diferente da maioria, um maluco ou maluca de quem se

gosta, mas que não é como eles. É-lhes distante. Não os ameaça, só

os faz rir, só os entretém.

5.Voltarei a estes temas brevemente.

Regresso aos programas.

O que choca em “Quem quer namorar com o Agricultor” não é salvo

pela qualidade das filmagens ou pelo profissionalismo com que é

feito para ter um efeito na audiência. O que choca é ser um programa

miserável que trata as mulheres, no limite, como prostitutas. A maneira

como foram apresentadas aos agricultores, a forma como eles

as escolheram, são decalcadas da forma como os homens escolhem

as mulheres nos bordéis.

Choca-me muito ver a SIC, com uma informação que tem elevado o

jornalismo português e assumido as suas responsabilidades perante o

momento em que atravessamos, fazer depois, estimular depois, uma

programação feita de mediocridade, de estigmas sociais e de apelo

ao mais básico dos sentimentos.

E o que choca no Big Brother é terem-se passado vinte anos e não

existir o mínimo de criatividade para inventar novos formatos, arriscar

ir mais longe ou tentar surpreender. Gosto da atual direção de

programas da TVI (Nuno Santos e Hugo Andrade são pessoas que

prezo pessoal e profissionalmente), mas apostar no Big Brother é

desistir à partida da ideia de que a televisão não está necessariamente

condenada à rasquice e ao voyeurismo. Ainda por cima um voyeurismo

que nos desafia a espiar vidas vazias de homens e mulheres que, na

sua aparente diferença, são profundamente parecidos uns com os

outros, um templo de vacuidade.

6.A televisão hoje é muito mais do que os canais abertos.

As elites e uma parte substancial da classe média urbana (seja isso o

que for) vê o que quer e tem ofertas suficientes para não ter de ligar

a televisão nos canais habituais.

E não a irá ligar. Porque à semelhança de outros palcos as pessoas

mais exigentes foram expulsas das televisões, não têm lugar no

prime-time. É uma espécie de ditadura do proletariado capitalista,

a revolta da maioria.

Será muito difícil de inverter. E quem deseja e aceita o desafio de

dirigir estes projetos tem de jogar as regras do jogo. Tão simples

quanto isso.

7.Uma última nota para dizer que, ao contrário do que se pensa, não

foi nenhum daqueles programas que ganhou o domingo. Ricardo

Araújo Pereira pulverizou os números, o seu “Isto é Gozar com quem

Trabalha” foi visto por dois milhões de pessoas. Sou insuspeito, ainda

há poucos dias, afirmei aqui que este Araújo Pereira já não é sequer o

melhor humorista da sua geração, mas fiquei feliz por saber. Porque

os números são a prova de que não temos de estar condenados a

ter formatos que nos puxem para baixo, com apresentadores muito

abaixo do exigível (como o do Big Brother). Existe esperança que o

público, sempre soberano, comece a distinguir o trigo do joio ou o

género humano do Manuel Germano.

Maio 2020 | Lusitano de Zurique | WWW.CLDZ.EU

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