FEVEREIRO_2021
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CRÓNICA
decidem quem vive e quem morre.
Os mortos são tantos que os hospitais
têm contentores frigoríficos
para guardar os que a doença
apanhou. As agências funerárias,
agora pomposamente chamadas
Empresas de Enlutamento, não
conseguem cremar nem enterrar,
havendo cadáveres armazenados há
seis dias esperando vaga, sem um
adeus dos familiares.
Por milhão de habitantes somos o
país com mais contágios e mortes
do mundo. As eleições para a Presidência
aquecem, mais um momento
de ajuntamentos, que a democracia
conseguiu vencer. Vocês
podem votar? No cantinho pouco
ou nada se sabe de vós.
Com o governo de Passos Coelho,
foram os jovens convidados a sair
do país, pois aqui com a Troika,
não havia trabalho. Obedientes
foram, a maior parte enfermeiros,
para Inglaterra e Irlanda.
A falta que nos faziam hoje...
Mais notícias, vos podia dar, deste
vosso cantinho, mas com a fome, a
miséria, o desemprego e o trabalho
escravo, prefiro dar-vos um conselho.
Deixem-se estar, não voltem tão
depressa, não por vos não querermos
abraçar, mas porque vos queremos
proteger.
Mais coisas, muitas, tinha para vos
dizer, mas não posso ultrapassar um
determinado espaço da vossa/nossa
revista.
Gostava de saber coisas daí, deixo-
-vos um mail:
seisfilhas@gmail.com
Contem-me coisas do cantão que
divulgarei no cantinho. Falem-me
de assuntos que queiram ver escritos
aí, e fá-lo-ei.
Com uma nova direcção da revista,
poderemos iniciar uma nova experiência.
Sorte aos que sairam.
Sorte aos que ficaram.
Cuidem-se!
O que eles
ignoram…
ALICE VIEIRA
No momento em que
escrevo esta crónica
acabaram, nas televi-
sões, as transmissões
directas do enterro de
Mário Soares.
As jornalistas (nos directos eram
mais As jornalistas que Os jornalistas)
lá se esforçaram por preencher
os momentos mais parados,
perguntando a este popular e mais
àquele outro popular, e à senhora
que veio de Matosinhos, e à outra
que veio de Ílhavo, e mais à senhora
que lamenta não ter sido feriado
nacional , e à outra que leva uma
fotografia de Soares que já tem há
anos, e ainda aquela que lamenta
não ter a cultura que Soares tinha
(“mas tu também tens!”, diz-lhe
uma amiga que está atrás, “sim,
mas ele tinha mais”), e por aí fora…
Tudo gente adiantada em idade.
Porque, tirando os alunos do Colégio
Moderno, que falaram bem e
deram as suas opiniões, e as criancinhas
da escola João de Deus, na
Av. Pedro Álvares Cabral, que vieram
bater palmas para a rua mas
que muito possivelmente, pela sua
tenra idade, nem entendiam o que
se passava—a verdade é que não se
viu gente jovem no enterro. E sempre
que os jornalistas perguntavam
aos tais populares entrevistados se
os filhos saberiam o que representava
Mário Soares, e se sabiam qual
tinha sido a sua luta—a resposta era
sempre a mesma: não, eles já não
viveram isso e por isso não sabem.
Mas o mais curioso é que muitos
desses populares reconheciam que
tinham sido os pais e os avós a falarem-lhes
de Soares e de muitos
outros, e do que tinha sido a luta
pela liberdade em Portugal.
Pena que eles não façam o mesmo
com os seus filhos e netos, que
assim tomam a liberdade e a democracia
como dados adquiridos,
como se nunca tivesse sido doutra
maneira –e nem querem pensar no
assunto.
Culpa dos pais que não conversam.
Culpa da escola, que não ensina.
E o caso toma ainda proporções
mais graves quando se ouve, por
exemplo, na Antena 1, alunos da
Faculdade de Direito responderem,
a propósito de Soares, que a
única coisa que dele sabem é que
era velho. Sim, um ou outro ainda
mencionou, muito por alto, a luta
pela democracia—mas apenas um
ou outro… O que dali sobressaía
era que tinha morrido um velho.
E este caso não é único. Sempre
que se fala aos jovens da nossa história
recente (claro que, para eles,
1974 é pré-história…) o desconhecimento
é completo, ou então
vêm com aquela frase feita, “ah
isso é política e eu em política não
me meto” (Lembro-me, há anos,
quando se falava do “Evangelho”
do Saramago, alguém ter respondido
“essas coisas não leio porque
não sou religioso.” …)
É claro que isto não é fácil de resolver.
Uma amiga minha, que é
professora, falou um dia da Guerra
Colonial aos seus alunos—e teve
logo a queixa de uma mãe a dizer
que ela estava a fazer política na
sala de aula, e isso ela não permitia.
O pior, como dizia um amigo meu,
é que são esses que um dia vão governar
este país…
Lusitano de Zurique - Janeiro 2021 | www.cldz.eu
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