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Chicos 67 20.01.2022

Chicos é uma publicação literária que circula apenas pelos meios digitais. Envie-nos seu e-mail e teremos prazer de te enviar gratuitamente nossas edições. A linha editorial é fundamentalmente voltada para a literatura dos cataguasenses, mas aberta ao seu entorno e ao mundo. Procura manter, em cada um dos seus números, uma diversidade temática.

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Chicos

sava a rua, caminhava um pouco mais, parava

novamente, voltava a caminhar, andando devagar

como se procurasse um endereço ou pensasse

em alguma decisão a ser tomada. Entrou numa

farmácia e saiu pouco tempo depois.

Não era uma tarde quente, mas Amon tinha

o rosto encharcado. Abriu dois botões da

camisa, perto da gola, em pleno passeio-público,

como nunca fizera antes, e em seu peito magro

também escorriam gotículas de suor. Não parou

com ninguém, nem cumprimentou. Estancou o

passo de repente e, como se tivesse arrependido

do caminho escolhido, voltou andando um pouco

mais depressa em direção ao estacionamento.

Estava passando mal, não havia dúvida, seu

semblante era de algum transtorno, algum malestar,

parecia ter ânsia de vômitos. Bateu a porta

do carro e não esperou um minuto, saiu apressado,

estabanado, desatento, quase atropelou um

transeunte na calçada, e seguiu por um caminho

diferente, como se buscasse o outro lado da cidade,

distante do bairro onde morava. Não pude

acompanhá-lo, mas logo pensei que procuraria

algum lugar afastado, longe da vista de todos,

para descarregar as palavras indigestas gritando,

vomitando ou até mesmo evacuando os segredos.

Foi encontrado horas depois estacionado

numa avenida deserta. Os vidros do carro fechados,

o rosto tombado para o lado, a camisa toda

aberta, nenhum sinal de vômito ou outra excreção

qualquer. Estava frio, inerte, desfalecido.

Cheguei a pensar que na preparação do corpo

lhe fariam um rasgo, do peito ao abdome, para

extrair seus tesouros, mas nada fizeram. Por certo,

sabiam que, Amon, prevendo algum perigo,

tratou de escondê-los ainda mais, e assim, deixaram

que levasse os seus insondáveis segredos

para todo o sempre.

* José Vecchi de Carvalho

Nasceu em Cataguases, após morar por muito tempo em Viçosa vive

hoje em Paula Candido todas cidades mineiras. Coautor de A casa da

Rua Alferes e outras crônicas (2006), e autor de Duas Cruzes (contos

2018), Contradança (contos 2020) e Cada gota de silêncio (contos 2021)

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