COMUNICAÇÕES 248 - VIRGÍNIA DIGNUM: IA RESPONSÁVEL PRECISA DE "REGRAS DE TRÂNSITO"
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a conversa<br />
“Nem eu nem qualquer outro português que seja professor catedrático fora de Portugal pode ser integrado na academia. O António<br />
Damásio, por exemplo, se quisesse não podia”<br />
22<br />
Não tenho medo que os sistemas se levantem e fiquem<br />
conscientes. Tenho medo que pessoas e organizações<br />
utilizem esses sistemas para fazer mal, isso sim.<br />
É evidente que, a prazo, os computadores vão ultrapassar<br />
as capacidades humanas. Vamos deixar de ter<br />
uma relação de igual para igual. Isso não a perturba?<br />
Também não tenho uma relação de igualdade com o<br />
carro, que anda muito mais depressa do que eu. Nem<br />
com o avião, nem mesmo com o meu telefone, ou a<br />
calculadora, que faz raízes quadradas muito melhor<br />
do que eu… Neste momento já nem sequer ensinam<br />
os alunos a calcular raízes quadradas. Não é preciso. O<br />
que é preciso é ensiná-los a perceber o que é uma raiz<br />
quadrada e para que é necessário fazer esse cálculo e<br />
quando. Ao utilizar a <strong>IA</strong>, a intenção final é nossa, portanto<br />
a responsabilidade também. Se deixo o sistema<br />
tomar decisões automaticamente, como aconteceu<br />
na Holanda – em que as finanças pediram, por lapso,<br />
a muitas famílias para devolverem os subsídios que<br />
supostamente haviam recebido de modo fraudulento<br />
durante anos. Uma imprudência que teve consequências<br />
gravíssimas, como suicídios, divórcios e por fim a<br />
queda do governo. Se deixo isso acontecer a culpa não<br />
é da <strong>IA</strong>, mas das pessoas que decidiram que o sistema<br />
poderia funcionar sem supervisão. Portanto, aí é que<br />
temos de ter muita atenção e muito esforço, não só no<br />
desenvolvimento técnico, mas principalmente no desenvolvimento<br />
sociotécnico. O trabalho que estou agora<br />
a fazer com as Nações Unidas é exatamente o de criar<br />
os meios e a literacia para que as pessoas saibam como<br />
é que se usam estes sistemas. Neste momento, podemos<br />
comparar a <strong>IA</strong> com um carro que não tem travões,<br />
nem cintos de segurança e está a ser guiado por uma<br />
pessoa que não tem carta de condução e vai por uma<br />
rua abaixo que não tem sinais de trânsito. Temos que<br />
insistir com as empresas que desenvolvem estes sistemas,<br />
que têm de pôr cintos de segurança e travões, mas<br />
não nos podemos esquecer de que ao mesmo tempo,<br />
temos de investigar ou garantir que quem está a fazê-lo<br />
tem carta de condução. Também é preciso criar as regras<br />
de trânsito.