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ou letras para representar to<strong>da</strong> uma classe de números só foi<br />
concebido em fins do século XVI. Nesse tempo François Viète<br />
introduziu expressões como ax + b em que a e b podem ser qualquer<br />
número (real positivo). Hoje está claro que ao resolver a equação<br />
quadrática ax² + bx + c = 0, pode-se solucionar to<strong>da</strong>s as equações<br />
quadráticas porque a, b e c representam quaisquer números.<br />
Durante todos os séculos em que os babilônicos, egípcios, gregos,<br />
hindus e árabes operaram com álgebra não ocorrera a idéia de<br />
empregar as letras para uma classe de números. Aqueles povos<br />
faziam suas operações de álgebra empregando expressões concretas<br />
tais como 3x² + 5x + 6 = 0, ou seja, usavam sempre coeficientes<br />
numéricos e, na ver<strong>da</strong>de, a maioria não usava sequer um símbolo tal<br />
como x para a incógnita. Usavam palavras.<br />
Por que demorou tanto tempo para o uso de letras para coeficientes<br />
gerais? Ao que parece, a resposta é que esse processo constitui um<br />
nível superior de abstração em matemática, um nível bastante<br />
afastado <strong>da</strong> intuição.<br />
• A teoria de limites com épsilons e deltas é do final do século XIX<br />
e com ela colocou-se um ponto final nas controvérsias sobre a<br />
questão do rigor no cálculo. No entanto o cálculo existe desde a<br />
Grécia antiga com Eudoxo e Arquimedes. O que acontece hoje?<br />
Apresentamos a teoria de limites aos alunos como algo muito<br />
“natural”. “Natural” mas incoerente com o desenvolvimento<br />
histórico do Cálculo.<br />
Parece claro que os conceitos que têm o sentido mais intuitivo,<br />
como os geométricos, os de números inteiros positivos e os de<br />
frações foram aceitos e utilizados primeiramente. Os menos<br />
intuitivos tais como os de números irracionais, números negativos, o<br />
uso de letras para coeficientes gerais e os do cálculo exigiram<br />
muitos séculos, quer para serem criados, quer para serem aceitos.<br />
Além disso, quando foram aceitos não foi apenas a lógica que<br />
induziu os matemáticos a adotá-los, porém os argumentos por<br />
analogia, o sentido físico de alguns conceitos e a obtenção dos<br />
resultados científicos exatos.<br />
Não há muita dúvi<strong>da</strong> de que as dificul<strong>da</strong>des que os grandes<br />
matemáticos encontraram, são precisamente os tropeços que os<br />
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estu<strong>da</strong>ntes experimentam. Assim, através <strong>da</strong> história <strong>da</strong><br />
matemática o ensino <strong>da</strong> matemática poderá alcançar objetivos que<br />
vão além do fortemente marcado “desenvolver o raciocínio lógico”;<br />
porque ela mostra a matemática como expressão de cultura, a<br />
matemática como uma forma de comunicação humana.<br />
Refletindo um pouco mais sobre a questão “Por que <strong>História</strong> <strong>da</strong><br />
<strong>Matemática</strong>?” deve-se lembrar que o conhecimento é um todo e a<br />
matemática faz parte desse todo. Ela não se desenvolveu à parte de<br />
outras ativi<strong>da</strong>des e interesses. Talvez uma grande falha no ensino <strong>da</strong><br />
matemática é tentar abordá-la como disciplina isola<strong>da</strong>. E esse<br />
processo, sem dúvi<strong>da</strong>, é uma distorção do ver<strong>da</strong>deiro conhecimento.<br />
Provavelmente por isso, muitos jovens se sintam humilhados<br />
por não compreenderem muitos símbolos e regras, longe <strong>da</strong> intuição.<br />
Generaliza-se, então, uma certa aversão pela disciplina e a<br />
<strong>Matemática</strong> torna-se para muitos como algo inatingível. Cria-se o<br />
mito do gênio ou que a <strong>Matemática</strong> é somente para loucos e gênios.<br />
Essa aversão tende também a desvalorizar um ramo do<br />
conhecimento dos mais importantes.<br />
É sempre bom lembrar que além <strong>da</strong> aritmética <strong>da</strong>s necessi<strong>da</strong>des<br />
cotidianas, a matemática tem muito a oferecer. Ela é a chave para<br />
nossa compreensão do mundo físico, dá-nos o poder sobre a<br />
natureza; e deu ao homem a convicção de que ele pode continuar a<br />
son<strong>da</strong>r os seus segredos.<br />
A matemática tem possibilitado aos pintores a pintar<br />
realisticamente e fornecido não só a compreensão dos sons musicais<br />
como também uma análise desses sons, indispensável na<br />
planificação do telefone, do rádio e de outros instrumentos de<br />
registro e reprodução de sons. Ela está se tornando ca<strong>da</strong> vez mais<br />
valiosa na pesquisa biológica e médica. A pergunta “Que é<br />
ver<strong>da</strong>de?” não pode ser discuti<strong>da</strong> sem envolver o papel que a<br />
matemática tem exercido ao convencer o homem de que ele pode ou<br />
não obter ver<strong>da</strong>des. Muito de nossa literatura está permeado de<br />
temas que tratam de realizações matemáticas. Finalmente, a<br />
matemática é indispensável em nossa tecnologia.<br />
Portanto, o curso de <strong>História</strong> <strong>da</strong> <strong>Matemática</strong> pode ser a<br />
oportuni<strong>da</strong>de para se discutir tudo isso, e, como disse Plutarco, “a<br />
mente não é uma vasilha para ser enchi<strong>da</strong>, porém, um fogo para se<br />
atear” e, segundo Henri Poincaré (1854-1912), “Os zoólogos