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HERMES ANTONIO PEDROSO<br />
Setembro/2009
Prefácio<br />
Prefácio<br />
Este livro originou-se como notas de aula <strong>da</strong> disciplina <strong>História</strong><br />
<strong>da</strong> <strong>Matemática</strong>, de 60 horas/aula, ministra<strong>da</strong> nos cursos de<br />
Licenciatura e Bacharelado em <strong>Matemática</strong> do IBILCE – UNESP de<br />
São José de Rio Preto, desde 1991. Na época de sua publicação, em<br />
forma de apostila em 1992, só existiam dois textos em português,<br />
traduções de obras famosas, escritos originalmente em inglês.<br />
Essas obras, clássicas, ain<strong>da</strong> hoje são incluí<strong>da</strong>s em qualquer<br />
bibliografia sobre o assunto, mas nunca se adequaram como guia<br />
didático para sala de aula. São muito detalha<strong>da</strong>s para uma disciplina<br />
semestral, e de difícil acesso para a maior parte dos estu<strong>da</strong>ntes. Isso<br />
me motivou a elaborar um texto que preservasse o essencial <strong>da</strong>s<br />
referi<strong>da</strong>s obras, mas pensando nos tópicos que mais contribuiriam<br />
para o futuro professor ou mesmo futuro pesquisador.<br />
Atualmente temos outros bons livros, traduções ou mesmo de<br />
autores brasileiros, mas que também não se adéquam às priori<strong>da</strong>des<br />
dos referidos cursos, devido à grande quanti<strong>da</strong>de de informações a<br />
serem assimila<strong>da</strong>s em tão pouco tempo.<br />
A apostila foi indica<strong>da</strong> e bem aceita pelos alunos de graduação,<br />
inclusive de outras instituições de nível superior, e por professores<br />
<strong>da</strong> rede oficial de ensino, quando ministrei Tópicos de <strong>História</strong> <strong>da</strong><br />
<strong>Matemática</strong> em projetos como Teia do Saber e até mesmo em curso<br />
de pós-graduação Lato Sensu, em que tive oportuni<strong>da</strong>de de orientar<br />
algumas monografias com temas que utilizavam história <strong>da</strong><br />
matemática.<br />
Após todos esses anos, somente agora foi possível fazer uma<br />
revisão e complementar com novas informações importantes,<br />
provenientes de pesquisas realiza<strong>da</strong>s através de vários projetos<br />
desenvolvidos durante esse período na universi<strong>da</strong>de.<br />
Quanto à estrutura do texto, não há muita uniformi<strong>da</strong>de. Alguns<br />
assuntos são mais desenvolvidos que outros, tendo em vista a<br />
importância que considero na formação dos graduandos, que<br />
poderão utilizar a história <strong>da</strong> matemática como recurso didático no<br />
ensino fun<strong>da</strong>mental e médio.<br />
1<br />
2<br />
Apresento ao final de ca<strong>da</strong> sessão, uma lista de exercícios que<br />
servirão como revisão, despertando oportuni<strong>da</strong>de de debates e<br />
apresentação de trabalhos em forma de seminários.<br />
O autor
SUMÁRIO<br />
SUMÁRIO<br />
Introdução ......................................................................... 07<br />
Por que <strong>História</strong> <strong>da</strong> <strong>Matemática</strong>? ................................ 08<br />
Origens Primitivas ........................................................... 13<br />
Egito .................................................................................... 15<br />
A matemática egípcia ........................................................... 18<br />
Mesopotâmia .................................................................... 37<br />
A matemática mesopotâmia .................................................. 39<br />
Grécia .................................................................................. 47<br />
Homero ................................................................................. 48<br />
Hesíodo ................................................................................. 50<br />
A matemática grega .............................................................. 51<br />
O racionalismo jônico e os pitagóricos .................... 59<br />
Tales ..................................................................................... 59<br />
Anaximandro, Anaxímenes ................................................. 62<br />
Pitágoras ............................................................................... 63<br />
Parmênides, Zenon ............................................................... 70<br />
Melisso, Heráclito ................................................................. 73<br />
Demócrito ............................................................................. 75<br />
Os ideais platônicos e a lógica aristotélica ............. 77<br />
Anaxágoras ........................................................................... 78<br />
Hipócrates ............................................................................. 79<br />
Hípias .................................................................................... 81<br />
Sócrates ................................................................................ 82<br />
Platão .................................................................................... 83<br />
Arquitas, Teaetecto, Menaecmo .......................................... 90<br />
Dinóstrato ............................................................................. 91<br />
Eudoxo .................................................................................. 92<br />
Aristóteles ............................................................................. 94<br />
Epicuro ................................................................................. 98<br />
3<br />
4<br />
A ciência helenística ....................................................... 103<br />
Euclides ............................................................................... 104<br />
Aristarco .............................................................................. 118<br />
Arquimedes .......................................................................... 119<br />
Arquimedes e Euclides ........................................................ 134<br />
Eratóstenes ........................................................................... 134<br />
Apolônio .............................................................................. 136<br />
Hiparco ................................................................................ 140<br />
Período Grecoromano ................................................. 145<br />
Roma .................................................................................... 145<br />
Lucrécio, Ptolomeu .............................................................. 149<br />
Heron ................................................................................... 154<br />
Diofanto .............................................................................. 157<br />
Papus ................................................................................... 159<br />
Hipatia, Proclo, Boécio ........................................................ 163<br />
Europa na I<strong>da</strong>de Média, China, Índia e Arábia ..... 167<br />
Alcuim ................................................................................. 171<br />
Gerbert ................................................................................. 172<br />
China .................................................................................... 172<br />
Índia ..................................................................................... 178<br />
Aryabhata ............................................................................. 179<br />
Brahmagupta ........................................................................ 180<br />
Bhaskara ............................................................................. 183<br />
Arábia .................................................................................. 185<br />
Al-Khowarizmi .................................................................... 187<br />
Abu’l-wefa, Omar Khayyam .............................................. 189<br />
Al-Tusi, Al-Kashi ................................................................ 191<br />
Aurora do Renascimento .............................................. 195<br />
Fibonacci ............................................................................. 196<br />
Nemorarius, Sacrobosco, Bacon .......................................... 198<br />
Bacon ................................................................................... 199<br />
Dante, Oresme ..................................................................... 200<br />
Oresme ................................................................................. 201
O Renascimento ............................................................... 209<br />
Nicolau de Cusa .................................................................... 211<br />
Peurbach, Regiomontanus .................................................... 212<br />
Copérnico ............................................................................. 214<br />
Gior<strong>da</strong>no Bruno .................................................................... 218<br />
Tycho Brahe ......................................................................... 220<br />
Kepler ................................................................................... 223<br />
Galileu .................................................................................. 226<br />
Pacioli ................................................................................... 230<br />
Leonardo <strong>da</strong> Vinci ................................................................ 232<br />
Rafael .................................................................................... 233<br />
Stifel ..................................................................................... 234<br />
Recorde ................................................................................. 235<br />
Tartaglia, Car<strong>da</strong>no ................................................................ 236<br />
Car<strong>da</strong>no................................................................................. 237<br />
Bombelli ............................................................................... 240<br />
Viète ..................................................................................... 241<br />
Mercator ............................................................................... 244<br />
Napier ................................................................................... 245<br />
Briggs ................................................................................... 246<br />
Stevin .................................................................................... 248<br />
Inícios <strong>da</strong> matemática moderna ................................. 251<br />
Descartes ............................................................................... 252<br />
Cavalieri ............................................................................... 257<br />
Fermat ................................................................................... 260<br />
Pascal .................................................................................... 264<br />
Wallis .................................................................................... 267<br />
Barrow .................................................................................. 269<br />
Newton ................................................................................. 270<br />
Leibniz .................................................................................. 277<br />
O século <strong>da</strong>s luzes .......................................................... 283<br />
Euler ..................................................................................... 286<br />
D’Alembert ........................................................................... 289<br />
Lagrange ............................................................................... 290<br />
Laplace ................................................................................. 292<br />
5<br />
6<br />
A matemática se estruturou ........................................ 297<br />
Gauss ................................................................................... 299<br />
Riemann ............................................................................... 304<br />
Bolzano ................................................................................ 305<br />
Cauchy ................................................................................. 307<br />
Weierstrass ........................................................................... 310<br />
Os problemas de Hilbert ...................................................... 311<br />
A matemática propiciou maravilhas ......................... 317<br />
Einstein ................................................................................ 320<br />
Referências bilbliográficas........................................... 327<br />
Sobre o autor ................................................................... 332
Por Por que que história?<br />
história?<br />
INTRODUÇÃO<br />
INTRODUÇÃO<br />
O objetivo <strong>da</strong> história não é apenas o de narrar e constatar fatos<br />
do passado, mas buscar as suas origens e as suas conseqüências.<br />
Quando nos propomos estu<strong>da</strong>r a história de um país ou de um<br />
povo, ou simplesmente um determinado episódio histórico, não nos<br />
deve mover somente um interesse anedótico ou mera curiosi<strong>da</strong>de.<br />
Também não se pode resumi-la a uma exaltação de heróis para<br />
incentivo <strong>da</strong> juventude, ou mera recor<strong>da</strong>ção de nossas glórias<br />
passa<strong>da</strong>s.<br />
O que queremos <strong>da</strong> história é muito mais do que isso. Ela não se<br />
pode limitar a uma simples enumeração cronológica dos fatos, mas<br />
deve buscar as relações entre eles, aprofun<strong>da</strong>r, descer às suas raízes,<br />
até encontrar as causas desses fatos, numa espécie de anamnese<br />
social, assim como o médico que, ao examinar um doente, para<br />
maior firmeza do diagnóstico, desce a todos os seus antecedentes<br />
pessoais e familiares.<br />
Encara<strong>da</strong> a história como ciência, com suas características de<br />
método e relação com a reali<strong>da</strong>de, um mundo novo surge aos nossos<br />
olhos, por trás de ca<strong>da</strong> fato ou acontecimento. Desse modo ela nos<br />
permite não só explicar o presente, e compreender o passado, mas<br />
também prever o futuro, ou pelo menos, antever as perspectivas do<br />
desenvolvimento de ca<strong>da</strong> fato estu<strong>da</strong>do, na medi<strong>da</strong> do nosso<br />
conhecimento <strong>da</strong>s causas e <strong>da</strong>s leis que as governam.<br />
A história não se desenvolve como força espiritual absoluta<br />
independente <strong>da</strong> existência dos homens, como queria Hegel. Ela<br />
nasce, ao contrário, <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de do homem sobre a Terra e é<br />
condiciona<strong>da</strong> e delimita<strong>da</strong> por leis objetivas, independentes <strong>da</strong><br />
vontade humana. Karl Marx (1818 – 1883) enfatizava em A<br />
Ideologia Alemã que a história é a mais alta, a mais nobre e a mais<br />
importante <strong>da</strong>s ciências.<br />
Assim sendo, se é ver<strong>da</strong>de que os homens fazem a história<br />
condicionados por leis indestrutíveis, não é menos ver<strong>da</strong>de que,<br />
7<br />
8<br />
conhecendo as leis que a regem, eles podem traçar, dentro de <strong>da</strong>dos<br />
limites, o seu próprio destino. E se o objetivo do homem sobre a<br />
Terra é buscar a felici<strong>da</strong>de, dentro de uma comuni<strong>da</strong>de harmônica,<br />
só o estudo <strong>da</strong> história, e o conhecimento <strong>da</strong>s leis que regem o<br />
desenvolvimento <strong>da</strong>s socie<strong>da</strong>des, poderão ajudá-lo.<br />
É possível que o mesmo aconteça com a <strong>Matemática</strong> ou com a<br />
Ciência em geral. Torna-se difícil, senão impossível, compreender o<br />
seu estágio atual sem o estudo concomitante <strong>da</strong> história <strong>da</strong>s idéias<br />
científicas. Talvez por isso é que Göethe (1749-1832) afirmava que<br />
a história <strong>da</strong> Ciência é a própria Ciência. Sem o conhecimento <strong>da</strong><br />
evolução <strong>da</strong>s idéias, do choque <strong>da</strong>s hipóteses e <strong>da</strong>s teorias, podemos<br />
criar bons técnicos, mas não cientistas ver<strong>da</strong>deiros. Muito maior<br />
interesse educativo apresenta o conhecimento <strong>da</strong> maneira pela qual o<br />
cientista trabalha, <strong>da</strong>s suas fontes de inspiração, <strong>da</strong> árvore<br />
filogenética de seus pensamentos, do que a pura e simples massa de<br />
fatos por ele descobertos. O estudo <strong>da</strong> <strong>História</strong> <strong>da</strong> Ciência poderá ser<br />
o guia <strong>da</strong> luta do homem contra o mistério.<br />
Por Por que que <strong>História</strong> <strong>História</strong> <strong>História</strong> <strong>da</strong> <strong>da</strong> <strong>Matemática</strong>?<br />
<strong>Matemática</strong>?<br />
Por vários motivos, mas o principal seria <strong>da</strong>r subsídios para o<br />
futuro professor no tratamento de um programa no ensino<br />
fun<strong>da</strong>mental e médio ou na universi<strong>da</strong>de.<br />
Pode-se destacar alguns exemplos de dificul<strong>da</strong>des encontra<strong>da</strong>s<br />
pelo homem, no desenvolvimento <strong>da</strong> matemática, que serão motivos<br />
de reflexão para o futuro educador.<br />
• Os números negativos, introduzidos pelos hindus de espírito<br />
prático, por volta de 600 d.c. não tiveram aceitação durante um<br />
milênio. A razão: faltava-lhes apoio intuitivo. Alguns dos maiores<br />
matemáticos tais como Car<strong>da</strong>no, Viète, Descartes e Fermat,<br />
recusaram-se a operar com números negativos. Assim é razoável<br />
que para ensinar números negativos devemos ter cui<strong>da</strong>do. Para o<br />
aluno <strong>da</strong>s séries iniciais o conceito e as operações podem não ser tão<br />
naturais.<br />
• O uso de uma letra para representar um número fixo, porém<br />
desconhecido, <strong>da</strong>ta dos tempos gregos. Contudo, o uso de uma letra
9<br />
ou letras para representar to<strong>da</strong> uma classe de números só foi<br />
concebido em fins do século XVI. Nesse tempo François Viète<br />
introduziu expressões como ax + b em que a e b podem ser qualquer<br />
número (real positivo). Hoje está claro que ao resolver a equação<br />
quadrática ax² + bx + c = 0, pode-se solucionar to<strong>da</strong>s as equações<br />
quadráticas porque a, b e c representam quaisquer números.<br />
Durante todos os séculos em que os babilônicos, egípcios, gregos,<br />
hindus e árabes operaram com álgebra não ocorrera a idéia de<br />
empregar as letras para uma classe de números. Aqueles povos<br />
faziam suas operações de álgebra empregando expressões concretas<br />
tais como 3x² + 5x + 6 = 0, ou seja, usavam sempre coeficientes<br />
numéricos e, na ver<strong>da</strong>de, a maioria não usava sequer um símbolo tal<br />
como x para a incógnita. Usavam palavras.<br />
Por que demorou tanto tempo para o uso de letras para coeficientes<br />
gerais? Ao que parece, a resposta é que esse processo constitui um<br />
nível superior de abstração em matemática, um nível bastante<br />
afastado <strong>da</strong> intuição.<br />
• A teoria de limites com épsilons e deltas é do final do século XIX<br />
e com ela colocou-se um ponto final nas controvérsias sobre a<br />
questão do rigor no cálculo. No entanto o cálculo existe desde a<br />
Grécia antiga com Eudoxo e Arquimedes. O que acontece hoje?<br />
Apresentamos a teoria de limites aos alunos como algo muito<br />
“natural”. “Natural” mas incoerente com o desenvolvimento<br />
histórico do Cálculo.<br />
Parece claro que os conceitos que têm o sentido mais intuitivo,<br />
como os geométricos, os de números inteiros positivos e os de<br />
frações foram aceitos e utilizados primeiramente. Os menos<br />
intuitivos tais como os de números irracionais, números negativos, o<br />
uso de letras para coeficientes gerais e os do cálculo exigiram<br />
muitos séculos, quer para serem criados, quer para serem aceitos.<br />
Além disso, quando foram aceitos não foi apenas a lógica que<br />
induziu os matemáticos a adotá-los, porém os argumentos por<br />
analogia, o sentido físico de alguns conceitos e a obtenção dos<br />
resultados científicos exatos.<br />
Não há muita dúvi<strong>da</strong> de que as dificul<strong>da</strong>des que os grandes<br />
matemáticos encontraram, são precisamente os tropeços que os<br />
10<br />
estu<strong>da</strong>ntes experimentam. Assim, através <strong>da</strong> história <strong>da</strong><br />
matemática o ensino <strong>da</strong> matemática poderá alcançar objetivos que<br />
vão além do fortemente marcado “desenvolver o raciocínio lógico”;<br />
porque ela mostra a matemática como expressão de cultura, a<br />
matemática como uma forma de comunicação humana.<br />
Refletindo um pouco mais sobre a questão “Por que <strong>História</strong> <strong>da</strong><br />
<strong>Matemática</strong>?” deve-se lembrar que o conhecimento é um todo e a<br />
matemática faz parte desse todo. Ela não se desenvolveu à parte de<br />
outras ativi<strong>da</strong>des e interesses. Talvez uma grande falha no ensino <strong>da</strong><br />
matemática é tentar abordá-la como disciplina isola<strong>da</strong>. E esse<br />
processo, sem dúvi<strong>da</strong>, é uma distorção do ver<strong>da</strong>deiro conhecimento.<br />
Provavelmente por isso, muitos jovens se sintam humilhados<br />
por não compreenderem muitos símbolos e regras, longe <strong>da</strong> intuição.<br />
Generaliza-se, então, uma certa aversão pela disciplina e a<br />
<strong>Matemática</strong> torna-se para muitos como algo inatingível. Cria-se o<br />
mito do gênio ou que a <strong>Matemática</strong> é somente para loucos e gênios.<br />
Essa aversão tende também a desvalorizar um ramo do<br />
conhecimento dos mais importantes.<br />
É sempre bom lembrar que além <strong>da</strong> aritmética <strong>da</strong>s necessi<strong>da</strong>des<br />
cotidianas, a matemática tem muito a oferecer. Ela é a chave para<br />
nossa compreensão do mundo físico, dá-nos o poder sobre a<br />
natureza; e deu ao homem a convicção de que ele pode continuar a<br />
son<strong>da</strong>r os seus segredos.<br />
A matemática tem possibilitado aos pintores a pintar<br />
realisticamente e fornecido não só a compreensão dos sons musicais<br />
como também uma análise desses sons, indispensável na<br />
planificação do telefone, do rádio e de outros instrumentos de<br />
registro e reprodução de sons. Ela está se tornando ca<strong>da</strong> vez mais<br />
valiosa na pesquisa biológica e médica. A pergunta “Que é<br />
ver<strong>da</strong>de?” não pode ser discuti<strong>da</strong> sem envolver o papel que a<br />
matemática tem exercido ao convencer o homem de que ele pode ou<br />
não obter ver<strong>da</strong>des. Muito de nossa literatura está permeado de<br />
temas que tratam de realizações matemáticas. Finalmente, a<br />
matemática é indispensável em nossa tecnologia.<br />
Portanto, o curso de <strong>História</strong> <strong>da</strong> <strong>Matemática</strong> pode ser a<br />
oportuni<strong>da</strong>de para se discutir tudo isso, e, como disse Plutarco, “a<br />
mente não é uma vasilha para ser enchi<strong>da</strong>, porém, um fogo para se<br />
atear” e, segundo Henri Poincaré (1854-1912), “Os zoólogos
11<br />
afirmam que num breve período, o desenvolvimento do embrião<br />
de um animal recapitula a história de seus antepassados de to<strong>da</strong>s as<br />
épocas geológicas. Parece que o mesmo se dá no desenvolvimento<br />
<strong>da</strong> mente. A tarefa do educador é fazer a mente <strong>da</strong> criança passar<br />
pelo que seus pais passaram, atravessar rapi<strong>da</strong>mente certos<br />
estágios, mas sem omitir um. Para esse fim a história <strong>da</strong> Ciência<br />
deve ser nosso guia.”<br />
12
ORIGENS ORIGENS PRIMITIVAS<br />
PRIMITIVAS<br />
13<br />
Se quisermos pesquisar a origem histórica <strong>da</strong>s primeiras noções<br />
matemáticas, seremos levados a fontes <strong>da</strong> chama<strong>da</strong> pré-história. É<br />
provável que a percepção de que certos grupos podem ser colocados<br />
em correspondência um a um, tenha surgido há uns 300.000 anos. O<br />
homem primitivo não sabia contar e nem precisava, pois conseguia<br />
com certa facili<strong>da</strong>de caça, pesca e frutas. Quando essas começaram<br />
a se tornar escassas, ele teve necessi<strong>da</strong>de de se sedentarizar, por isso<br />
passou a criar animais e praticar a agricultura. Da necessi<strong>da</strong>de, por<br />
exemplo, de preservação do rebanho, aprendeu a contar as ovelhas,<br />
mesmo sem conhecer os números. As primeiras contagens eram<br />
feitas com os dedos (que pode ter <strong>da</strong>do origem ao sistema decimal),<br />
quando estes eram inadequados, passaram a usar montes de pedras<br />
(calculus em latim) e como tais métodos não eram muito seguros<br />
para conservar informação, o homem primitivo registrava um<br />
número com marcas num bastão, pe<strong>da</strong>ço de osso ou no barro.<br />
Descobertas arqueológicas fornecem provas de que a idéia de<br />
número é muito mais antiga do que progressos tecnológicos como o<br />
uso de metais ou de veículos com ro<strong>da</strong>s.<br />
Supõe-se usualmente que a matemática surgiu em resposta a<br />
necessi<strong>da</strong>des práticas, mas estudos antropológicos sugerem a<br />
possibili<strong>da</strong>de de uma outra origem. Foi sugerido que a arte de contar<br />
surgiu em conexão com rituais religiosos primitivos e que o aspecto<br />
ordinal precedeu o conceito quantitativo.<br />
Em ritos cerimoniais, representando mitos <strong>da</strong> criação, era<br />
necessário chamar os participantes à cena segundo uma ordem<br />
específica, e talvez a contagem tenha sido inventa<strong>da</strong> para resolver tal<br />
problema.<br />
Esse ponto de vista, embora esteja longe de ser provado, estaria<br />
em harmonia com a divisão ritual dos inteiros em ímpares e pares,<br />
os primeiros considerados como masculinos e os últimos, como<br />
femininos.<br />
Sábios gregos não quiseram se arriscar a propor origens mais<br />
antigas <strong>da</strong> matemática do que a egípcia. Heródoto afirmava que<br />
14<br />
a geometria se originou no Egito, pois acreditava que tinha<br />
surgido <strong>da</strong> necessi<strong>da</strong>de prática de fazer novas medi<strong>da</strong>s de terras após<br />
ca<strong>da</strong> inun<strong>da</strong>ção anual no vale do Nilo. Aristóteles achava que a<br />
existência no Egito de uma classe sacerdotal com lazeres é que tinha<br />
conduzido ao estudo <strong>da</strong> geometria.<br />
Que os primórdios <strong>da</strong> matemática são mais antigos que as mais<br />
antigas civilizações está claro. As teses apresenta<strong>da</strong>s acima são até<br />
discutíveis mas não podemos desprezar os conhecimentos<br />
matemáticos envolvidos nas diversas ativi<strong>da</strong>des humanas. A seguir<br />
apresentamos exemplos de algumas ativi<strong>da</strong>des em que podemos<br />
identificar imediatamente elementos matemáticos no trabalho<br />
humano: ornamentação (vasos, armas); produção de ro<strong>da</strong>s (sem ou<br />
com raios); plantações (irrigação, divisão de terras); edificações<br />
(monumentos); pastoreio (contagem); comércio (trocas, moe<strong>da</strong>s);<br />
orientação no tempo e no espaço (calendários, mapas). Nesse<br />
sentido é interessante observar que muitas vezes o pensamento<br />
matemático desenvolveu-se de maneira semelhante em socie<strong>da</strong>des<br />
totalmente independentes. Foi o que aconteceu, por exemplo, com o<br />
Egito e a Mesopotâmia por volta do ano 2000 a.C.
EGITO<br />
EGITO<br />
“O Egito é um presente do Nilo” (Heródoto)<br />
15<br />
Entre 4000 e 3000 a.C., na i<strong>da</strong>de Neolítica (ou <strong>da</strong> Pedra Poli<strong>da</strong>)<br />
tivemos culturas bem estabeleci<strong>da</strong>s na Mesopotâmia e no Egito. Ali<br />
se formaram as primeiras ci<strong>da</strong>des e estados organizados, mas as<br />
duas regiões deram origem a civilizações um tanto diferentes.<br />
O Egito era uma região centra<strong>da</strong> no Nilo, com ambiente hostil<br />
no sul e nas fronteiras leste e oeste. Na ver<strong>da</strong>de, era como uma ilha,<br />
limitado ao norte pelo mar Mediterrâneo e em suas outras fronteiras,<br />
pelo deserto. De várias maneiras, a civilização egípcia mostrou-se<br />
isola<strong>da</strong>, era conservadora e volta<strong>da</strong> para si mesma; e, de um modo<br />
geral, não estava interessa<strong>da</strong> na expansão e na conquista de outras<br />
terras. Para um egípcio antigo, o Egito era um universo autosuficiente:<br />
tinha seus deuses independentes e seu modo de vi<strong>da</strong><br />
especial. A língua egípcia e a escrita hieroglífica desenvolveram-se<br />
de mãos <strong>da</strong><strong>da</strong>s; o próprio sistema de hieróglifos era insular,<br />
impróprio para expressar qualquer outra língua, e, na<br />
correspondência diplomática com outros países, usava-se um<br />
sistema de escrita diferente. Efetivamente, os antigos egípcios<br />
viviam em isolamento cultural.<br />
Mas, se o isolamento era a característica fun<strong>da</strong>mental do antigo<br />
Egito, sua civilização foi, contudo, magnífica; era olha<strong>da</strong> com inveja<br />
pelos que circun<strong>da</strong>vam suas fronteiras, e somente os desertos a sua<br />
volta, impediram que se tornassem vítima de vizinhos ciumentos. Na<br />
reali<strong>da</strong>de, alguns nômades se estabeleceram na área esparsamente<br />
povoa<strong>da</strong> do delta do Nilo, mas não perturbaram a natureza,<br />
basicamente pacífica, do país, que era essencialmente uma terra de<br />
agricultores e escribas.<br />
16<br />
A inun<strong>da</strong>ção anual do Nilo, que ocorria regulamente em julho,<br />
era o alicerce <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> egípcia. Havia um sistema bem organizado de<br />
irrigação e tomava-se um cui<strong>da</strong>do especial com as águas disponíveis<br />
por ocasião <strong>da</strong> cheia anual. Boas colheitas eram a regra geral –<br />
muitas vezes três por ano – e havia belos rebanhos de gado, a<br />
maioria em pastagens na área do delta. Nenhum egípcio se<br />
sacrificava trabalhando uma terra hostil e ári<strong>da</strong> para a sua<br />
sobrevivência, embora os métodos agrícolas fossem primitivos e<br />
conservadores.<br />
A história do Egito começa com o primeiro faraó, chamado<br />
Menes, que uniu num só, o Alto e Baixo Egito por volta de 3360<br />
a.C. e, exceto por dois períodos de instabili<strong>da</strong>de, manteve-se unido<br />
por mais de 2000 anos.<br />
Os principais períodos de domínio unificado são: o Antigo<br />
Império, ou Época <strong>da</strong>s Pirâmides, de 3000 a 2475 a.C. Esse período<br />
assinala um progresso rápido no domínio <strong>da</strong>s forças mecânicas (<strong>da</strong>s<br />
pirâmides, apenas 80 de conservaram de modo completo). O<br />
segundo, o Império Médio ou Época Feu<strong>da</strong>l, de 2160 a 1788 a.C.,<br />
caracteriza-se pelo desenvolvimento intelectual e pelo comércio<br />
exterior. Formaram-se bibliotecas de rolos de papiro e os navios<br />
cruzavam os mares Egeu e Vermelho. O terceiro período, o do Novo<br />
Império, estende-se de 1580 a 1150 a.C., sendo a época <strong>da</strong>s grandes<br />
construções.
17<br />
Os soberanos eram os faraós, cujo despotismo era temperado<br />
por ideais de responsabili<strong>da</strong>de em relação ao povo comum;<br />
considerando-se os tempos primitivos em que viveram, eles<br />
realmente procuraram fazer com que seus súditos tivessem vi<strong>da</strong> feliz<br />
e razoavelmente confortável (apesar <strong>da</strong> escravidão); governava pela<br />
lei, que parece ter sido geralmente justa. Além do faraó e <strong>da</strong> família<br />
real, os sacerdotes, os nobres e os guerreiros pertenciam às classes<br />
privilegia<strong>da</strong>s. Na classe média encontravam-se os escribas, os<br />
comerciantes, os artesãos e os camponeses e, os servos ocupavam as<br />
classes inferiores.<br />
O Egito tinha uma grande e eficiente administração. A maior<br />
parte dela parece ter sido centra<strong>da</strong> nas grandes construções de<br />
templos, embora, periodicamente, os próprios faraós demonstrassem<br />
grande capaci<strong>da</strong>de administrativa. A administração padronizou<br />
pesos e medi<strong>da</strong>s, enquanto seus funcionários, os escribas, em grande<br />
parte clérigos, escreviam em hieróglifos ou na escrita hierática ou<br />
sacerdotal, mais correntemente usa<strong>da</strong>. Os egípcios escreviam em<br />
papiros, produzidos no país desde épocas primitivas; parecem ter<br />
sido usados antes de 3500 a.C. Eram feitos com o cerne de uma alta<br />
ciperácea (Cyperus papyrus) que se encontrava em abundância nos<br />
pântanos ao redor do delta e sua manufatura em folhas era simples.<br />
Tratava-se do material ideal para ser usado nas secas condições do<br />
Oriente Médio e foi empregado em grande quanti<strong>da</strong>de em Roma. No<br />
clima mais úmido <strong>da</strong> Europa, o papiro era menos estável, mas, no<br />
Egito, era superior a qualquer outro material para escrita.<br />
Permaneceu em uso até o nono século depois de Cristo. O papiro era<br />
também usado como alimento(os brotos), como combustível(as<br />
raízes), e ain<strong>da</strong>, para se fazer cestos, cor<strong>da</strong>s, esteiras, sandálias e até<br />
pequenos barcos. A propósito, é interessante notar que os gregos,<br />
que consideravam os egípcios um povo de imensa sabedoria,<br />
chamavam uma folha de papiro de “biblion”, <strong>da</strong> qual deriva a<br />
palavra “bíblia”; a palavra “papel” é deriva<strong>da</strong> de “papiro”, embora<br />
na ver<strong>da</strong>de, o papel seja um material bem diferente e tenha sido<br />
inventado pelos chineses e não pelos egípcios.<br />
O fato de os gregos terem superestimado a sabedoria egípcia<br />
pode ter resultado, pelo menos em parte, <strong>da</strong> impressão causa<strong>da</strong><br />
naqueles que visitaram o Egito e ficaram maravilhados com as<br />
magníficas construções que lá encontraram e, na ver<strong>da</strong>de, a<br />
18<br />
construção era uma <strong>da</strong>s maiores formas de expressão desse povo. O<br />
vale do Nilo é uma vasta pedreira e, embora tivessem de importar<br />
to<strong>da</strong> a madeira de que precisava, <strong>da</strong> Líbia ou <strong>da</strong> Síria, logo<br />
aprenderam a manusear os materiais locais. Eram peritos cortadores<br />
de pedras, soberbos escultores, pintavam bem e eram mestres<br />
artífices em metais, especialmente o ouro.<br />
A habili<strong>da</strong>de dos egípcios na construção de grandes edifícios e<br />
estátuas, não é, por si mesma, uma ciência: havia o que hoje<br />
chamaríamos de princípios de mecânica, mas parece que inexistia<br />
um conjunto básico de conhecimentos científicos ou uma teoria em<br />
que os construtores pudessem se basear. Seu valor como<br />
construtores era alicerçado em sóli<strong>da</strong> experiência pratica e num<br />
instinto para a engenharia estrutural. Realmente, os egípcios<br />
parecem ter sido essencialmente um povo muito prático, mais<br />
voltado para resultados efetivos do que para a filosofia dos<br />
princípios básicos concernentes. A curto prazo, essa atitude traz<br />
sucesso, mas, a longo prazo, não encoraja nem a especulação e nem<br />
idéias novas. Isso significa, por exemplo, que quando Akhenaton<br />
construiu seu grande templo em Carnac, no ano de 1370 a.C., as<br />
técnicas usa<strong>da</strong>s não foram substancialmente diferentes <strong>da</strong>s utiliza<strong>da</strong>s<br />
por Quéops cerca de treze séculos antes.<br />
A falta de interesse dos egípcios pela reflexão filosófica e a<br />
tendência para o aspecto prático podem ser observa<strong>da</strong>s mesmo na<br />
astronomia. Para eles, a astronomia era a base utilitária necessária<br />
para a marcação do tempo. Os astrônomos egípcios não estavam<br />
preocupados com teorias a respeito do Sol e <strong>da</strong> Lua., nem com<br />
quaisquer idéias a respeito do movimento dos planetas, embora<br />
soubessem que os planetas se moviam entre as estrela fixas.<br />
O calendário nos dá um exemplo de êxito brilhante obtido pela<br />
ciência egípcia. O ano egípcio, por volta de 2.500 a.C., contém 365<br />
dias como o nosso. Os meses repartem-se em três estações de quatro<br />
meses ca<strong>da</strong> uma: inun<strong>da</strong>ção, inverno e verão.<br />
A A MATEMÁTICA MATEMÁTICA EGÍPCIA EGÍPCIA<br />
EGÍPCIA<br />
A matemática no Egito, a exemplo <strong>da</strong> astronomia, não era em<br />
si mesma, considera<strong>da</strong> uma forma de conhecimento independente<br />
de sua aplicação, como aconteceria na Grécia. Assim, a pesquisa dos
princípios matemáticos era desprezível e não havia uma teoria<br />
básica de aritmética ou geometria e sim procedimentos práticos.<br />
As As As fontes<br />
fontes<br />
19<br />
Um certo número de papiros egípcios de algum modo resistiu<br />
aos desgastes do tempo por mais de três e meio milênios. Os<br />
principais de natureza matemática são o Papiro Rhind, o Papiro de<br />
Moscou e o Papiro de Berlim, copiados em escrita hierática.<br />
● O Papiro Rhind, o mais extenso, mede 0,30 m de largura por 5 m<br />
de comprimento, e também<br />
o mais importante,<br />
encontra-se no Museu<br />
Britânico. Foi adquirido em<br />
1858 numa ci<strong>da</strong>de à beira<br />
do Nilo, pelo antiquário<br />
escocês, Alexander Henry<br />
Rhind (1833-1866), <strong>da</strong>í a<br />
origem do seu nome, muito<br />
embora seja conhecido<br />
também, como Papiro<br />
Ahmes em honra ao escriba<br />
que o copiou por volta de<br />
1650 a.C de outro mais<br />
antigo, provavelmente de<br />
1800 a,C. Trata-se de um texto na forma de manual prático que<br />
contém 85 problemas, enunciados e resolvidos, e logo no início<br />
apresenta uma interessante proposta: “Guia para conhecimento de<br />
to<strong>da</strong>s as coisas obscuras”. Quando chegou ao Museu Britânico esse<br />
Papiro não estava completo, formado de duas partes, e faltava-lhe a<br />
porção central. Cerca de quatro anos depois de Rhind ter adquirido<br />
seu papiro, o egiptólogo norte americano Edwin Smith comprou no<br />
Egito o que pensou que fosse um papiro médico. A aquisição de<br />
Smith foi doa<strong>da</strong> à Socie<strong>da</strong>de Histórica de Nova York em 1932,<br />
quando os especialistasdescobriram por sob uma cama<strong>da</strong> fraudulenta<br />
a parte que faltava do Papiro Ahmes. A socie<strong>da</strong>de, então, doou<br />
o rolo ao Museu Britânico, completando-se assim a obra original.<br />
20<br />
● O Papiro de Moscou ou Golenischev é de 1850 a,C. e encontrase<br />
no Museu de Belas Artes de Moscou. Foi adquirido no Egito em<br />
1893 pelo colecionador russo Golenischev, mede 0,07m de largura<br />
por 5m de comprimento e contém 25 problemas.<br />
● Quanto ao Papiro de Berlim não dispomos <strong>da</strong>s informações<br />
seguras dos anteriores, apenas que está muito deteriorado.<br />
A seguir, o mais importante <strong>da</strong> matemática conti<strong>da</strong> nesses três<br />
papiros.<br />
Aritmética<br />
Aritmética<br />
Sistema de numeração<br />
O sistema de numeração dos egípcios era decimal aditivo (não<br />
posicional).<br />
Ressalta-se que não eram conhecidos os números negativos e<br />
nem o zero.<br />
Quadro de hieróglifos<br />
Símbolo egípcio descrição nosso número<br />
bastão 1<br />
calcanhar 10<br />
rolo de cor<strong>da</strong> 100<br />
flor de lótus 1000<br />
dedo apontando 10000<br />
peixe 100000<br />
homem 1000000
21<br />
Por exemplo, o número 12345, se escrevia como<br />
As quatro operações<br />
Adição: 24 + 97<br />
e é igual a<br />
Subtração: 12 – 7<br />
O raciocínio era: quanto se deve somar a 7 para formar 12?<br />
Multiplicação:<br />
Enquanto hoje aprende-se as tabua<strong>da</strong>s de somar e de multiplicar<br />
até 10, o que permite efetuar to<strong>da</strong>s as operações simples, os egípcios<br />
usavam apenas a tabua<strong>da</strong> do 2. Para multiplicar um número <strong>da</strong>do,<br />
por um multiplicador maior que 2, realizavam uma série de<br />
“duplicações”, o que lhes permitia fazer to<strong>da</strong>s as multiplicações,<br />
sem na reali<strong>da</strong>de, recorrerem à memória.<br />
Por exemplo, para multiplicar 13 por 7. o escriba opera <strong>da</strong><br />
seguinte maneira:<br />
- 1 7<br />
2 14<br />
- 4 28<br />
- 8 56<br />
Escreve, na coluna <strong>da</strong> direita o fator 7 e na <strong>da</strong> esquer<strong>da</strong> 1; dobra,<br />
em segui<strong>da</strong>, os números <strong>da</strong>s duas colunas, até obter, por adição de<br />
números <strong>da</strong> coluna <strong>da</strong> esquer<strong>da</strong>, o valor do outro fator. No exemplo<br />
<strong>da</strong>do, 13 é obtido pela adição de 1, 4 e 8. Chegando a esse ponto <strong>da</strong><br />
operação, marca-se com um traço os números que tomou e soma, em<br />
segui<strong>da</strong>, os números correspondentes <strong>da</strong> coluna <strong>da</strong> direita, ou seja,<br />
7 + 28 + 56 = 91. Portanto a adição desses números lhe dá o<br />
resultado <strong>da</strong> multiplicação. Como se verificou, o escriba só operou<br />
com adições e é nisso que reside o caráter “aditivo” <strong>da</strong> aritmética<br />
egípcia.<br />
22<br />
Outros exemplos: resolução de 4 x 3 e 12 x 16<br />
1 3 1 16<br />
2 6 2 32<br />
- 4 12 - 4 64<br />
- 8 128<br />
4 x 3 = 12 12 x 16 = (4 + 8) x 16 = 64 + 128 = 192<br />
Divisão:<br />
Na divisão usava-se o mesmo processo <strong>da</strong> multiplicação, mas<br />
em sentido inverso. Assim, para dividir 168 por 8, o escriba<br />
dispunha os cálculos, como no caso de uma multiplicação:<br />
1 8 –<br />
2 16<br />
4 32 –<br />
8 64<br />
16 128 –<br />
Feito isso, procura-se na coluna <strong>da</strong> direita (e não na <strong>da</strong> esquer<strong>da</strong><br />
como na multiplicação) os números que, somados, <strong>da</strong>rão o<br />
dividendo 168. No nosso exemplo, toma-se os números 8, 32 e 128<br />
e marca-se com um traço os correspondentes <strong>da</strong> coluna <strong>da</strong> esquer<strong>da</strong>,<br />
a saber: 1, 4 e 16, que somados perfazem 21, que é o quociente <strong>da</strong><br />
divisão.<br />
Facilmente depara-se com divisões não exatas, como por<br />
exemplo, 168 dividido por 9:<br />
1 9<br />
2 18 –<br />
4 36<br />
8 72<br />
16 144 –<br />
Não se conseguindo a soma do dividendo na coluna <strong>da</strong> direita,<br />
assinala-se os números cuja soma mais se aproxima do dividendo,<br />
no caso 144 + 18 = 162. Portanto tem-se o quociente 16 + 2 = 18 e o<br />
resto 168 – 162 = 6.
Frações<br />
Notações especiais:<br />
23<br />
O estudo de frações surgiu por necessi<strong>da</strong>de prática, quando as<br />
divisões não eram exatas, como vimos no exemplo anterior.<br />
2<br />
Com exceção de que era representado por os egípcios<br />
3<br />
usavam apenas frações unitárias, ou seja, com numerador igual a 1.<br />
Na escrita a fração era expressa por meio do signo , que<br />
significa parte ou porção, sendo que o denominador é escrito abaixo<br />
ou ao seu lado.<br />
Exemplos:<br />
1<br />
1<br />
1<br />
276<br />
5<br />
43<br />
1<br />
2<br />
Outras frações de denominador<br />
potência de 2, encontram-se<br />
representa<strong>da</strong>s no olho do deus Horo, que<br />
combina o udjat (olho humano) com as manchas colori<strong>da</strong>s que<br />
envolvem o olho de um falcão.<br />
Operações com frações:<br />
Recusando-se a priori a conceber uma fração que não tivesse<br />
numerador 1, boa parte do seu trabalho era dedicado a escrever uma<br />
2<br />
certa fração como soma de frações de numerador 1. Por exemplo,<br />
5<br />
1 1<br />
escrevia-se como + . É possível que para essas transformações<br />
3 15<br />
2 1 1<br />
fossem utiliza<strong>da</strong>s fórmulas do tipo: = + ou<br />
n n + 1 n(<br />
n + 1)<br />
2 2<br />
2 1 1<br />
= + . Por isso, os cálculos que utilizavam<br />
pq p(<br />
p + q ) q(<br />
p + q )<br />
2 2<br />
frações ocupam a maior parte do Papiro Rhind.<br />
1<br />
4<br />
24<br />
O princípio dessas operações é idêntico ao utilizado para os<br />
números inteiros: a “duplicação” sistemática. Quando o<br />
denominador <strong>da</strong> fração a duplicar era um número par, não havia<br />
qualquer dificul<strong>da</strong>de: bastava dividi-lo por 2. Por exemplo, para a<br />
1<br />
operação simples 7 x , o escriba egípcio colocaria como<br />
8<br />
habitualmente.<br />
1<br />
- 1<br />
8<br />
1<br />
- 2<br />
4<br />
1<br />
- 4<br />
2<br />
Sendo a soma dos números <strong>da</strong> primeira coluna igual ao<br />
multiplicador 7, transcreveria diretamente o resultado:<br />
1 1 1 1<br />
7 x = + +<br />
8 2 4 8<br />
Mas, no caso de uma operação com denominadores ímpares, o<br />
sistema adotado torna-se inoperantes e é necessário encontrar um<br />
meio de superar a dificul<strong>da</strong>de.<br />
2<br />
Qualquer fração <strong>da</strong> forma , em que n é um número ímpar,<br />
n<br />
pode ser decomposta numa soma de duas ou mais frações, cujo<br />
2 1 1<br />
numerador é 1. Assim, como vimos pode escrever-se + . Os<br />
5<br />
3 15<br />
egípcios conheciam bem esse fato e, como a decomposição de<br />
frações implica cálculos longos e delicados, estabeleceram uma<br />
2<br />
tábua modelo de decomposição, começando em e chegando em<br />
5<br />
101<br />
2 . Essa tábua, que desempenhava um papel considerável no<br />
ensino, constitui a parte mais importante do Papiro Rhind. Eis um<br />
exemplo de como ela se apresenta:
Dividir 2 por 41:<br />
1<br />
8<br />
a<br />
* 1<br />
328<br />
Modo de realizar a operação:<br />
1<br />
2<br />
3<br />
1<br />
3<br />
1<br />
6<br />
1<br />
12<br />
1<br />
24<br />
41<br />
2 1<br />
1 + corresponde a<br />
3 24<br />
1<br />
27<br />
3<br />
2<br />
13<br />
3<br />
2 1<br />
6 +<br />
3 6<br />
1 1<br />
3 +<br />
3 12<br />
17 2 1<br />
1 = 1 +<br />
24 3 24<br />
1 1<br />
resto +<br />
6 8<br />
Total 1 41<br />
/2 82<br />
/4 164<br />
/6 246<br />
/8 328<br />
1<br />
6<br />
1<br />
8<br />
* 1<br />
,<br />
24<br />
1<br />
6<br />
a<br />
* 1<br />
246<br />
e<br />
25<br />
Segundo os nossos métodos habituais, exporíamos assim a<br />
2 1 1 1<br />
resposta do problema: = + +<br />
41 24 246 328<br />
A técnica dos escribas para chegar ao resultado é difícil de ser<br />
acompanha<strong>da</strong> e os próprios matemáticos não estão totalmente de<br />
acordo quanto ao método utilizado. É possível, aliás, que não<br />
26<br />
houvesse de início, um método bem definido e que os escribas<br />
chegassem ao resultado por meio de tentativas sucessivas. Nem por<br />
isso deixa de ser assombrosa a facili<strong>da</strong>de e a segurança com que os<br />
egípcios manejavam suas frações; posteriormente os gregos e os<br />
romanos adotaram esse método.<br />
Partições proporcionais<br />
É possível que os egípcios tenham adquirido uma grande<br />
habili<strong>da</strong>de no manejo <strong>da</strong>s frações devido ao sistema econômico e<br />
social <strong>da</strong> realeza faraônica. Conheceram tardiamente a moe<strong>da</strong>,<br />
somente por ocasião <strong>da</strong> conquista persa. Todo o comércio, até o<br />
mais indispensável à vi<strong>da</strong>, realizava-se através <strong>da</strong> troca.<br />
Além disso, a proprie<strong>da</strong>de priva<strong>da</strong> era, ao que parece, <strong>da</strong>s mais<br />
limita<strong>da</strong>s; a terra, na maioria dos casos, pertencia ao rei ou aos<br />
templos. Um sistema social dessa natureza, em que o indivíduo em<br />
tudo depende necessariamente de seu empregador, no caso do faraó<br />
ou dos sacerdotes, implica, <strong>da</strong><strong>da</strong> a ausência de qualquer padrão<br />
monetário, em enorme contabili<strong>da</strong>de material. De um lado, para o<br />
controle <strong>da</strong> produção no fornecimento de sementes, instrumentos,<br />
matérias primas, etc.; e, de outro, para a divisão dos bens de<br />
consumo tais como alimento, roupa, etc., entre os diversos membros<br />
<strong>da</strong>s comuni<strong>da</strong>des artesanais ou agrícolas. Competia ao escriba<br />
repartir os recursos acumulados nos celeiros do estado ou dos<br />
templos e <strong>da</strong>í a importância dos problemas de partições<br />
proporcionais na aritmética. Esse fato também explica o motivo pelo<br />
qual os escribas permaneceram fiéis ao sistema <strong>da</strong>s frações de<br />
numerador 1, que facilitava a divisão dos objetos e gêneros<br />
alimentícios.<br />
2 1<br />
Dividir 7 pães entre 10 homens: deve-se multiplicar + por<br />
3 30<br />
10. Resultado 7.
Modo de realizar a operação:<br />
2 1<br />
1<br />
+<br />
3 30<br />
1 1<br />
− 2 1 +<br />
3 15<br />
2 1 1<br />
4 2 + +<br />
3 10 30<br />
1 1 1<br />
− 8 5 + +<br />
3 15 5<br />
1 1 1 1 1<br />
5 + + + 1 + = 7<br />
3 15 5 3 15<br />
Total: 7 pães; é exatamente isso. (Papiro Rhind, problema 4)<br />
Outros processos aritméticos<br />
27<br />
Para poder resolver todos os problemas <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> cotidiana, os<br />
egípcios tiveram de realizar diversas operações aritméticas, tais<br />
como elevar um número ao quadrado e extrair raízes quadra<strong>da</strong>s. À<br />
raiz quadra<strong>da</strong> concedem o nome de “canto”. Esse termo deriva<br />
claramente <strong>da</strong> representação de um quadrado cortado em diagonal e<br />
mostra até que ponto os egípcios mantiveram-se ao nível concreto,<br />
onde outros povos teriam recorrido à abstração. No Papiro de<br />
1<br />
Berlim, há o cálculo correto <strong>da</strong>s raízes quadra<strong>da</strong>s de 6 e de<br />
4<br />
1 1<br />
1 + , mas não sabemos se essas extrações foram obti<strong>da</strong>s<br />
2 16<br />
segundo um processo determinado ou se o escriba chegou ao<br />
resultado por meras tentativas.<br />
As proporções desempenharam um papel essencial na<br />
aritmética egípcia.<br />
28<br />
Progressões Aritmética e Geométrica<br />
Ora, sabe-se que a hierarquia era fortemente acentua<strong>da</strong> na<br />
socie<strong>da</strong>de. A diferença de posição na escala social era marca<strong>da</strong> pelo<br />
direito a uma parte considerável em to<strong>da</strong>s as partilhas, <strong>da</strong>í porque o<br />
escriba se defronta, frequentemente, com problemas do seguinte<br />
tipo:<br />
1<br />
(<strong>da</strong> parte) dos 3 primeiros para os 2<br />
100 pães para 5 homens, 7<br />
últimos homens. Qual será a diferença entre as partes? (Papiro<br />
Rhind, problema 40).<br />
Parece que de acordo com a maneira pela qual o escriba o<br />
resolve, o problema consiste em dividir 100 pães entre 5 homens de<br />
tal modo que as partes estejam em progressão aritmética e que a<br />
1<br />
soma <strong>da</strong>s duas menores seja <strong>da</strong> soma <strong>da</strong>s maiores.<br />
7<br />
O método empregado não é claro, talvez porque os cálculos<br />
indicados sejam tentativas sucessivas; entretanto a solução é correta:<br />
1 1 5 2<br />
as partes deverão ser de 38 , 29 , 20,<br />
10 e 1 , números que<br />
3<br />
6<br />
satisfazem as condições do problema.<br />
Os matemáticos egípcios tinham, portanto, uma idéia confusa,<br />
sem dúvi<strong>da</strong>, <strong>da</strong> progressão aritmética. Outro problema<br />
mostra que conheciam também a progressão geométrica; o seu<br />
enunciado apresenta-se de maneira algo misteriosa.<br />
Inventário de um patrimônio:<br />
7 casas Modo de realizar a operação:<br />
49 gatos -1 2801<br />
343 camundongos -2 5602<br />
2401 espigas de trigo -4 11204<br />
16807 alqueires<br />
Total: 19607 (Papiro Rhind, problema 79)<br />
6<br />
3
29<br />
Parece razoável supor que havia um patrimônio composto de 7<br />
casas, ca<strong>da</strong> casa possuía 7 gatos, ca<strong>da</strong> gato matava 7 camundongos,<br />
ca<strong>da</strong> camundongo comia 7 espigas de trigo, ca<strong>da</strong> espiga de trigo<br />
teria produzido 7 alqueires. Quanto se obteria no conjunto?<br />
O total contém a soma de tudo o que é mencionado e na<strong>da</strong> significa<br />
no nosso entender. Devemos notar que não se chega a esse total pela<br />
soma dos números <strong>da</strong> enumeração, mas pela multiplicação de 2801<br />
por 7; o que nos conduz à soma dos termos <strong>da</strong> seqüência (7, 49, 343,<br />
2401, 16807), que é uma progressão geométrica de razão 7.<br />
Álgebra<br />
Álgebra<br />
Uma série de problemas cuja finali<strong>da</strong>de é tão utilitária como a<br />
<strong>da</strong>queles que vimos até agora, indica um conhecimento razoável, por<br />
parte dos egípcios, de laboriosas técnicas de resolução de equações<br />
algébricas.<br />
Nesses problemas são pedidos o que equivale a soluções de<br />
equações lineares <strong>da</strong> forma x + ax = b ou x + ax + bx = c onde a, b e<br />
c são números racionais positivos conhecidos e x é desconhecido. A<br />
incógnita é chama<strong>da</strong> de “aha” (palavra egípcia que significa “pilha”,<br />
“monte”).<br />
Exemplo 1:<br />
O problema 24 do Papiro Rhind, pede o valor de aha sabendo-se<br />
que aha mais um sétimo de aha dá 19. Nas nossas notações seria<br />
x<br />
resolver a equação x + 19 . A solução é característica de um<br />
7 =<br />
processo conhecido como “método de falsa posição” ou “regra do<br />
falso”. Um valor específico, provavelmente falso, é atribuído para<br />
aha, e as operações indica<strong>da</strong>s à esquer<strong>da</strong> do sinal de igual<strong>da</strong>de são<br />
efetua<strong>da</strong>s sobre esse número suposto. O resultado é então<br />
comparado com o resultado que se pretende, e, usando regra de três,<br />
chega-se à resposta correta.<br />
Nesse exemplo o valor tentado para a incógnita é 7, de<br />
1<br />
modo que 7 + 7 = 8 em vez de 19.<br />
7<br />
30<br />
1 1<br />
Como 8 ( 2 + + ) = 19 deve-se multiplicar 7 por<br />
4 8<br />
1 1<br />
obter a resposta 16 + + , isto é, 7 8<br />
2 8<br />
x 19<br />
x 19 1<br />
= = 2 + +<br />
7 8 4<br />
1<br />
8<br />
1 1<br />
⇒ x = 7 ( 2 + + )<br />
4 8<br />
Pode-se conferir a resposta verificando que se a<br />
1 1<br />
2 + + para<br />
4 8<br />
1<br />
2<br />
x = 16 + +<br />
1 1 1<br />
somarmos de x (que é 2 + + ) de fato obteremos 19.<br />
7<br />
4 8<br />
Aqui notamos outro passo significativo do desenvolvimento <strong>da</strong><br />
matemática, pois a verificação é um exemplo simples de prova.<br />
Exemplo 2:<br />
2 1<br />
Instrução para dividir 700 pães entre 4 pessoas, para uma,<br />
3 2<br />
1 1<br />
para a segun<strong>da</strong>, para a terceira e para a quarta.<br />
3<br />
4<br />
Modo de realizar a operação:<br />
2 1 1 1<br />
1 1<br />
Some , , , , o que dá 1 + + .<br />
3 2 3 4<br />
2 4<br />
1 1 1 1<br />
Divi<strong>da</strong> 1 por 1 + + o que dá + .<br />
2 4 2 14<br />
1 1<br />
Agora ache + de 700, que é 400.<br />
2 14<br />
Tudo se passa então, como se estivéssemos resolvendo a equação:<br />
2 1 1 1<br />
x + x + x + x = 700 pela mesma técnica usa<strong>da</strong> hoje, porém<br />
3 2 3 4<br />
de forma retórica. (Papiro Rhind, problema 63)<br />
1<br />
8
31<br />
O estudo dos “problemas aha” levantou a questão de saber se os<br />
egípcios conheceram a álgebra. Com efeito, esses problemas<br />
exprimem as nossas equações de primeiro grau, e alguns deles se<br />
prendem até mesmo a equações do segundo grau. Alguns autores<br />
não hesitaram em reconhecer o fato. No entanto, é preciso admitir<br />
que subsistem dúvi<strong>da</strong>s a respeito.<br />
Há um exemplo, pelo menos, no Papiro de Berlim que não<br />
deixa dúvi<strong>da</strong>s. Trata-se de um problema de partilha que não se<br />
refere a pão ou cerveja ou a qualquer outra coisa do cotidiano. Esse<br />
problema tem o seguinte enunciado:<br />
A soma <strong>da</strong>s áreas de dois quadrados é 100 uni<strong>da</strong>des, sendo que<br />
3<br />
a medi<strong>da</strong> de um lado é <strong>da</strong> medi<strong>da</strong> do outro. Quais são os lados?<br />
4<br />
Em notação atual escreveríamos:<br />
2 2<br />
3<br />
2 9 2<br />
x + y = 100,<br />
onde y = x,<br />
ou seja, x + x = 100<br />
4<br />
16<br />
Na solução que propõe, o escriba não emprega símbolos como x<br />
ou y. Parte de um número arbitrário 1, por exemplo e, em<br />
3<br />
conseqüência, também de . Eleva esses números ao quadrado e<br />
4<br />
1 1 9<br />
soma os resultados, ou seja, 1 + ( = 1 ); extrai a raiz quadra<strong>da</strong><br />
2 16 16<br />
1<br />
do total, isto é, 1 . Procede em segui<strong>da</strong> à extração <strong>da</strong> raiz quadra<strong>da</strong><br />
4<br />
1<br />
de 100, ou seja, 10, número que representa 1 x8.<br />
Admite-se então<br />
4<br />
que o número base, arbitrário, deve ser multiplicado por 8, para se<br />
3<br />
obter a solução: 8 x 1 e 8 x , ou 8 e 6, o que é exato. (Papiro de<br />
4<br />
Berlim).<br />
Geometria<br />
Geometria<br />
No campo <strong>da</strong> geometria, são propostos problemas dependentes<br />
do uso de fórmulas numéricas, não abstratas, que não são deduzi<strong>da</strong>s<br />
32<br />
no texto. Tais problemas incluem o cálculo de área de campos<br />
limitados por linhas retas ou por arcos de circunferência,<br />
considerando-se no primeiro caso apenas triângulos, retângulos e<br />
trapézios. Também se estu<strong>da</strong> o volume do tronco de pirâmide<br />
quadrática.<br />
O clássico problema <strong>da</strong> “quadratura do círculo” é abor<strong>da</strong>do,<br />
256<br />
obtendo-se para o número π a aproximação de = 3,1604...<br />
que,<br />
compara<strong>da</strong> com a ver<strong>da</strong>deira, 3,1415..., representa um resultado<br />
excelente para a época.<br />
Os autores gregos fazem particular menção dos métodos de<br />
agrimensura usados pelos egípcios, devido às cheias do Nilo que<br />
destruíam as demarcações. Segundo conta Heródoto, Sesóstris tinha<br />
dividido as terras em retângulos iguais entre todos os egípcios, de<br />
modo que todos pagavam o mesmo tributo. Quem perdesse parte de<br />
sua terra em conseqüência <strong>da</strong> cheia devia comunicar ao rei, que<br />
man<strong>da</strong>va então um inspetor calcular a per<strong>da</strong> e fazer um desconto<br />
proporcional no imposto. Foi assim que nasceu a geometria<br />
(literalmente: medição de terras).<br />
Área do triângulo isósceles<br />
Calcular a superfície de um campo triangular de 10 côvados de<br />
altura e 4 côvados de base.<br />
B’ A<br />
C’<br />
B C<br />
81<br />
Modo de realizar a operação:<br />
1 400<br />
1<br />
2<br />
200<br />
1 1000<br />
2 2000<br />
Resposta: sua superfície é de 2000<br />
côvados (Papiro Rhind, problema 51)
Área do círculo (Considerado o maior êxito dos egípcios).<br />
Calcular uma porção de terra circular, cujo diâmetro é de 9<br />
varas. Qual a sua superfície?<br />
Subtrair 1 <strong>da</strong> nona parte dela. Resta 8; então, multiplicar oito<br />
vezes oito, resultando 64. A superfície é de 6 kha e 4 setat.<br />
33<br />
Modo de realizar a operação:<br />
1 9<br />
1<br />
9<br />
<strong>da</strong>quilo 1<br />
Subtrai <strong>da</strong>quilo, resta 8<br />
1 8<br />
2 16<br />
4 32<br />
8 64<br />
Resposta: a superfície <strong>da</strong> terra é de 6kha (escrito 60) e 4 setat<br />
(Papiro Rhind, problema 50)<br />
Na ver<strong>da</strong>de, na engenhosa resolução anterior há indícios de que<br />
⎛ 8 ⎞<br />
para calcular a área do círculo, era usa<strong>da</strong> a fórmula: A = ⎜ d ⎟⎠ ,<br />
⎝ 9<br />
sendo d o diâmetro. Assim,<br />
π = 3, 1604 .<br />
⎛ 8 ⎞<br />
A = ⎜ 2r<br />
⎟<br />
⎝ 9 ⎠<br />
256 2<br />
= r . Logo,<br />
81<br />
Essa aproximação de π , obtido empiricamente era muito mais<br />
exata que o valor 3 utilizado pela maioria dos povos antigos do<br />
Oriente.<br />
Área de um quadrilátero<br />
No templo de Horo, em Edfu, foi encontrado inscrições de uma<br />
fórmula para o cálculo de áreas de quadriláteros, que em notação<br />
atual é:<br />
2<br />
2<br />
34<br />
⎛ a + c ⎞⎛<br />
b + d ⎞<br />
S = ⎜ ⎟⎜<br />
⎟ , sendo a, b, c, d, os lados do quadrilátero.<br />
⎝ 2 ⎠⎝<br />
2 ⎠<br />
Essa fórmula é muito prática, porém conduz a erros sempre<br />
que o quadrilátero não tiver a regulari<strong>da</strong>de do quadrado ou do<br />
retângulo. Para trapézios e losangos, por exemplo, os resultados<br />
encontrados são bem maiores que os ver<strong>da</strong>deiros.<br />
Portanto, os egípcios sabiam calcular a área do triângulo, de<br />
quadriláteros e do círculo, bem como o volume de alguns sólidos<br />
elementares, inclusive o tronco de pirâmide de altura h e bases<br />
quadra<strong>da</strong>s, com os lados a e b, respectivamente.<br />
h 2<br />
2<br />
V = ( a + ab + b ) (Papiro de Moscou)<br />
3<br />
Finalizando, pode-se dizer que a matemática dos egípcios<br />
apresenta as seguintes características por volta de 2000 a.C.:<br />
conhecimentos bastante desenvolvidos sobre as operações com<br />
números inteiros e frações, um método para resolver equações do<br />
primeiro grau com uma incógnita, diversas fórmulas, tanto exatas<br />
como aproxima<strong>da</strong>s, para a área de figuras planas e sólidos<br />
elementares e, ain<strong>da</strong>, um método aproximado para calcular a área de<br />
um círculo de raio determinado.<br />
Exercícios<br />
Exercícios<br />
a<br />
1. Quais são as três mais importantes contribuições do Egito ao<br />
desenvolvimento <strong>da</strong> matemática? Explique porque as considera<br />
importantes.<br />
2. Explique quais são as três mais importantes deficiências <strong>da</strong><br />
matemática egípcia.<br />
3. Escreva o número 7654 em forma hieroglífica egípcia.
35<br />
4. Resolva pelo método <strong>da</strong> falsa posição a equação 16<br />
2 =<br />
x<br />
x +<br />
(Problema 25 do Papiro Rhind).<br />
5. Encontre 101 : 16, exprimindo o resultado em hieróglifos<br />
egípcios.<br />
6. Até que ponto é correto dizer que os egípcios conheciam a área do<br />
círculo?<br />
2<br />
7. Exprima como soma de duas frações unitárias diferentes e<br />
103<br />
escreva-as em notação hieroglífica.<br />
8. Por que você acha que os egípcios preferiam a decomposição<br />
2 1 1<br />
2 1 1<br />
= + à alternativa = + ?<br />
15 10 30<br />
15 12 20<br />
2<br />
9. Mostre que se n é um múltiplo de três, pode ser decomposto na<br />
n<br />
1<br />
soma de duas frações unitárias, uma sendo a metade de .<br />
n<br />
2<br />
10. Mostre que se n é um múltiplo de 5, pode ser decomposto na<br />
n<br />
1<br />
soma de duas frações unitárias, uma sendo um terço de .<br />
n<br />
36
MESOPOTÂMIA<br />
MESOPOTÂMIA<br />
Admira, meu filho, a sabedoria divina que fez o rio passar bem perto <strong>da</strong><br />
ci<strong>da</strong>de! (autor desconhecido)<br />
37<br />
A Mesopotâmia, a terra “Entre os Rios”, ocupa a área aluvial<br />
plana entre o Tigre e o Eufrates, onde hoje se situa o Iraque. Entre a<br />
atual Bagdá e o golfo Pérsico, a terra se inclina suavemente,<br />
originando uma diferença de altura total de apenas dez metros;<br />
assim os rios correm vagarosamente, depositando grandes<br />
quanti<strong>da</strong>des de sedimentos, inun<strong>da</strong>ndo suas margens e mu<strong>da</strong>ndo<br />
ligeiramente de curso, de tempos em tempos. No extremo sul, há<br />
pântanos e brejos de juncos. O suprimento de água é irregular e a<br />
precipitação pluvial, pequena. Desse modo o cultivo deve ser feito<br />
próximo aos rios ou apoiado pela irrigação. Ao norte o solo <strong>da</strong>s<br />
planícies é compacto e impróprio para as culturas durante oito meses<br />
do ano.<br />
Embora não tivesse uma área própria para a cultura, como o<br />
Egito, possuía um enorme suprimento de matérias primas, produtos<br />
38<br />
agrícolas, incluindo animais, peixes e tamareiras, e desde cedo<br />
surgiu a indústria de juncos, que fornecia produtos de fibra <strong>da</strong><br />
planta, assim como os próprios juncos. Além disso, há fontes de<br />
betume e pedra calcária a oeste, mas não há madeira, exceto o tipo<br />
inferior obtido <strong>da</strong>s tamareiras, apropriado apenas para confecção de<br />
vigas toscas, do mesmo modo não existem pedras duras, havendo<br />
ain<strong>da</strong> pouco metal.<br />
Durante to<strong>da</strong> a sua história, a Mesopotâmia vivia praticamente<br />
do comércio; particularmente, a parte sul se tornou um vasto<br />
mercado e um centro de troca e disseminação de idéias.<br />
A civilização mesopotâmia, bem antes dos árabes atuais, se<br />
formou literalmente de uma mistura de povos. Sumérios, acádios,<br />
amoritas, assírios, hititas, caldeus, medos e babilônios. A<br />
Mesopotâmia é ti<strong>da</strong> como vale turbulento e isso pode ser<br />
confirmado quer pelos grandes degelos imprevisíveis (nas<br />
montanhas <strong>da</strong> Síria e Turquia) que provocam cheias nos rios, quer<br />
pelas lutas constantes pelo poder entre esses povos.<br />
Temos assim, a Mesopotâmia como uma região<br />
economicamente próspera e militarmente organiza<strong>da</strong>, que possuía<br />
uma agricultura avança<strong>da</strong>, bem como um sistema de captação de<br />
impostos que financiava a expansão de uma cultura sofistica<strong>da</strong> para<br />
os padrões <strong>da</strong> época. Foi nessa região, que por volta de 3500 a.C.<br />
nasceu a escrita, invenção dos sumérios, caracteriza<strong>da</strong> por marcas<br />
cuneiformes em placas de argila (mais ou menos 30 x 50 cm)<br />
cozi<strong>da</strong>s ao sol. Milhares dessas placas, hoje conserva<strong>da</strong>s em museus<br />
norte americanos e europeus, traduzi<strong>da</strong>s, revelaram a existência de<br />
uma matemática original e de medi<strong>da</strong>s sistemáticas do tempo.<br />
O conhecimento <strong>da</strong>s estações do ano foi fun<strong>da</strong>mental para o<br />
desenvolvimento <strong>da</strong> agricultura. O ano mesopotâmio, em 2000 a.C.,<br />
tinha 360 dias, divididos em doze meses. Relógios solares<br />
assinalavam a passagem do tempo e o dia já era dividido em horas,<br />
minutos e segundos. Com a observação do movimento aparente do<br />
Sol e dos planetas entre as estrelas fixas foram nomeados os sete<br />
dias <strong>da</strong> semana com os nomes do Sol, <strong>da</strong> Lua e dos outros cinco<br />
planetas conhecidos (Mercúrio, Vênus, Marte, Júpiter e Saturno).<br />
Foi traça<strong>da</strong>, também, a trajetória percorri<strong>da</strong> pelo Sol, dividindo-a em<br />
doze partes associa<strong>da</strong>s a animais míticos e denomina<strong>da</strong>s de signos<br />
do zodíaco.
39<br />
O Universo era representado como uma caixa fecha<strong>da</strong>, cujo<br />
fundo era a Terra. Observações de muitos fenômenos astronômicos,<br />
como eclipses do Sol e <strong>da</strong> Lua e as posições de Vênus, estão<br />
registra<strong>da</strong>s em placas de argila. Com essas observações os<br />
astrólogos mesopotâmios tiveram muito sucesso na interpretação de<br />
sonhos e na prática de realizar previsões.<br />
Devemos destacar que os povos que viveram na “terra entre<br />
dois rios” deixaram uma ciência prática, sem a preocupação de<br />
fun<strong>da</strong>mentar metafísica ou teologicamente os fatos.<br />
A MATEMÁTICA MESOPOTÂMIA<br />
O que se sabe sobre a matemática mesopotâmia é relativamente<br />
recente. Data, na reali<strong>da</strong>de, dos trabalhos de Otto Neugebauer (1899<br />
– 1990) que por volta de 1930 liderou as pesquisas em Princeton,<br />
realizando um estudo exaustivo em cerca de dez mil placas de<br />
argila, buscando reconstruir os conceitos aritméticos e geométricos<br />
<strong>da</strong>quela civilização, por volta de 2000 a.C.<br />
De um modo geral, os textos matemáticos mesopotâmios<br />
(grande parte de matemática financeira) podem ser classificados em<br />
duas categorias: as tábuas numéricas e as de problemas. As<br />
primeiras quase não diferem <strong>da</strong>s tábuas modernas e as outras são<br />
coletâneas didáticas de exercícios.<br />
Nos textos de caráter geométrico é freqüente a presença de<br />
figuras, muitas vezes acompanha<strong>da</strong>s de uma legen<strong>da</strong> numérica. São<br />
figuras simples que servem apenas para ilustrar o enunciado, nunca<br />
interferem na solução, e, geralmente, não eram respeita<strong>da</strong>s as<br />
proporções. Dessa forma podemos dizer que os mesopotâmios<br />
souberam calcular “corretamente” com figuras falsas.<br />
Aritmética<br />
Por volta do ano 2000 a. C. era usado pelos mesopotâmios uma<br />
combinação de dois sistemas de numeração, um de base dez e o<br />
outro posicional de base sessenta e, sem dúvi<strong>da</strong>s, essas<br />
características originais não foram encontra<strong>da</strong>s em qualquer outro<br />
40<br />
sistema de numeração <strong>da</strong> antigui<strong>da</strong>de. Como exemplo escrevemos o<br />
número:<br />
3904 = 4 + 9.10² + 3.10³ na base 10 e 3904 = 1.60² + 5.60 + 4 na<br />
base 60.<br />
Os números inteiros positivos eram expressos, em geral,<br />
mediante o emprego de dois sinais básicos: = 1 e = 10.<br />
De 1 a 59, os números são expressos pela repetição dos sinais<br />
correspondentes a 1 e 10, sendo as uni<strong>da</strong>des precedi<strong>da</strong>s pelas<br />
dezenas.<br />
Exemplos:<br />
2 11<br />
= 520 = 8.60 + 40<br />
= 2 + 2. 60 + 2.60² ou 1 + 1.60 + 1.60² +<br />
+1.60³ + 2.60 4 ou 2.60 -1 + 2 + 2.60.<br />
Muitas vezes o contexto eliminava a ambigüi<strong>da</strong>de e, a falta de<br />
um símbolo para o zero, deve ter sido muito inconveniente. Tanto<br />
que no período selêuci<strong>da</strong>, ao tempo de Alexandre, melhoraram a<br />
notação adotando duas cunhas inclina<strong>da</strong>s para sua representação.<br />
Atualmente para escrevermos números na base 60 com os<br />
nossos numerais, utilizamos a seguinte notação:<br />
2,31,8 = 8 + 31.60 + 2.60²<br />
0;4,6 = 0 + 4.60 -1 + 6.60 -2<br />
2,14;5,7 = 14 + 2.60 + 5.60 -1 + 7.60 -2<br />
Operações<br />
59<br />
As operações eram realiza<strong>da</strong>s <strong>da</strong> mesma maneira que fazemos<br />
hoje.<br />
20<br />
60
41<br />
Na subtração usavam a idéia de “chegar”: 16 para chegar no 40<br />
é 24.<br />
Na multiplicação e divisão utilizavam tabelas auxiliares. Por<br />
8<br />
exemplo, para se calcular , multiplicava-se por 8 o valor que<br />
15<br />
1<br />
constava na tabela para .<br />
15<br />
Havia tabelas também para recíprocos, quadrados, cubos, raízes<br />
quadra<strong>da</strong>s e cúbicas.<br />
Exemplo de uma tabela de recíprocos:<br />
2 30<br />
3 20<br />
4 15<br />
5 12<br />
6 10<br />
8 7;30<br />
9 6;40<br />
10 6<br />
12 5<br />
Nessa tabela, notamos a ausência dos recíprocos de 7 e 11,<br />
porque são sexagesimais infinitos, que chamavam de irregulares.<br />
Juros compostos<br />
Tabelas de potências sucessivas de um <strong>da</strong>do número,<br />
semelhantes as nossas de logaritmos, eram utiliza<strong>da</strong>s para resolver<br />
questões específicas, como por exemplo, temos o problema a seguir,<br />
resolvido por interpolação.<br />
Quanto tempo levaria uma quantia em dinheiro para dobrar, a<br />
20% ao ano? A resposta <strong>da</strong><strong>da</strong> é 3;47,13,20.<br />
Parece que o escriba aplicou interpolação linear entre os valores<br />
(1;12)³ e (1;12) 4 , usando a fórmula para juros compostos<br />
42<br />
n<br />
0 ( r ) em que r = 20% ou 12.60 -1 , e C0 é a quantia<br />
C = C 1 +<br />
inicial coloca<strong>da</strong> a juros, usando valores de uma tabela exponencial<br />
com potências de 1;12.<br />
Raiz quadra<strong>da</strong><br />
Os matemáticos mesopotâmios foram hábeis no<br />
desenvolvimento de processos algorítmicos, entre os quais um para<br />
extrair raiz quadra<strong>da</strong>, que descreveremos a seguir.<br />
Algoritmo para a , sendo a um número inteiro positivo.<br />
a<br />
Sejam a1 uma primeira aproximação dessa raiz e b =<br />
a<br />
(se<br />
1<br />
1<br />
a1 é por falta, b1 é por excesso e vice-versa). Logo a média<br />
1 1 a<br />
aritmética a2 = (a1 + b1) = ( a1<br />
+ ) é uma nova aproximação<br />
2<br />
2 a<br />
plausível. A seguir, avaliamos<br />
1<br />
a<br />
b 2 = e a média aritmética<br />
a<br />
1<br />
1 a<br />
a3<br />
= ( a2<br />
+ b2<br />
) = ( a2<br />
+<br />
2<br />
2 a2<br />
) para obtermos um resultado<br />
melhor. O processo pode ser continuado indefini<strong>da</strong>mente.<br />
Exemplo: calcular 17<br />
Modo de realizar a operação:<br />
a = 17, a1 = 4, 4² = 16<br />
17 1 17<br />
Logo b1 = e a2 = ( 4 + ) = 4,<br />
125.<br />
4 2 4<br />
17<br />
1 17<br />
A seguir, b2 = = 4,1212 e a3 = ( 4,<br />
125 + ) = 4,1231<br />
4,<br />
125<br />
2 4,<br />
125<br />
Assim 17 ≅ a3<br />
2
43<br />
Com esse método, os mesopotâmios encontraram 2 como<br />
1,414222 que é uma ótima aproximação. Aliás tinham facili<strong>da</strong>de em<br />
aproximações, talvez pela notação posicional para frações que foi a<br />
melhor até a Renascença.<br />
Álgebra<br />
De uma forma discursiva, com poucos símbolos para as<br />
incógnitas, os mesopotâmios sabiam resolver, sem o uso de<br />
fórmulas, a equação do primeiro grau, sistemas lineares com duas<br />
incógnitas, equação do segundo grau, sistemas do segundo grau com<br />
duas incógnitas e equações biquadra<strong>da</strong>s.<br />
Sistemas lineares<br />
⎧ 1<br />
⎪x<br />
+ y = 7<br />
⎨ 4<br />
⎪<br />
⎩x<br />
+ y = 10<br />
Equação do 2º grau<br />
Solução :<br />
4.7 = 28<br />
28 −10<br />
= 18<br />
18 : 3 = 6 → x<br />
10 − 6 = 4 → y<br />
Para o egípcios era muito difícil resolver equações do tipo x² -<br />
px = q, mas os mesopotâmios resolviam seguindo uma receita.<br />
Problema: Qual o lado de um quadrado tal que a área menos o<br />
lado perfaz 14,30?<br />
A solução desse problema equivale a resolver x² - x = 870 (base<br />
10) ou x² - x = 14,30 (base 60).<br />
Solução: x² = 1.x + 14,30<br />
Tome a metade de 1, que é 0;30 e multiplique 0;30 por 0;30, o<br />
que dá 0;15. Some isto a 14,30, o que dá 10,30;15 que é o quadrado<br />
de 29;30. Agora some 0;30 a 29;30 e o resultado é 30, o lado do<br />
quadrado.<br />
p 2 p<br />
A solução equivale exatamente à fórmula x = ( ) + q +<br />
para uma raiz <strong>da</strong> equação x² - px = q.<br />
No final de ca<strong>da</strong> solução, escreviam “este é o procedimento”.<br />
2<br />
2<br />
44<br />
Transformações algébricas<br />
Muitas vezes usavam transformações algébricas, algo avançado<br />
para a época. Assim <strong>da</strong><strong>da</strong> a equação 11x² + 7x = 6;15, procurava-se<br />
chegar no tipo padrão x² - px = q e para isso, multiplicando por 11<br />
ambos os membros de 11x² + 7x = 6;15 temos:<br />
(11x)² + 11.7x = 11.6;15 = 1;18;45<br />
Fazendo y = 11x, temos y² + 7y = 1;18;45 que pode ser<br />
p 2 p<br />
resolvi<strong>da</strong> pela fórmula y = ( ) + q + e depois se calcula o<br />
2<br />
valor de x.<br />
Sabiam também passar <strong>da</strong> equação ax 4 + bx² = c para ay² + by<br />
= c.<br />
Resolviam uma equação do 2º grau com duas incógnitas, como<br />
2 2 ⎧x<br />
+ y = 21,<br />
15<br />
⎪<br />
por exemplo ⎨ 1<br />
⎪x<br />
= y<br />
⎩ 7<br />
Equações cúbicas<br />
Não há registro no Egito de resolução de uma equação cúbica,<br />
mas entre os mesopotâmios há muitos exemplos. Cúbicas puras<br />
como x³ = 0;7,30 eram resolvi<strong>da</strong>s por tabelas de cubos e raízes<br />
cúbicas, e a solução era 0;30. Para melhor aproximar resultados<br />
usavam frequentemente interpolação linear.<br />
Com a tabela de inteiros n³ + n² resolviam cúbicas como x³ + x²<br />
= a. Por exemplo verifica-se que x³ + x² = 4,12 tem solução 6.<br />
Resolviam também, cúbicas do tipo 144x³ + 12x² = 21.<br />
Multiplicavam por 12, os dois membros e, fazendo y = 12x a<br />
equação tornava-se y³ + y² = 4,12, <strong>da</strong> qual se encontrava y = 6, e<br />
finalmente x = 1/2 ou 0;30.<br />
É possível até que tenham resolvido cúbicas completas: ax³ + bx² +<br />
cx = d.<br />
2
Teoria Teoria dos dos Números<br />
Números<br />
45<br />
O desenvolvimento <strong>da</strong> matemática mesopotâmia teve o seu<br />
apogeu por volta de 1800 a.C. Ao contrário de outros povos, deramse<br />
ao luxo de formular problemas matemáticos de características<br />
eminentemente especulativas. Na placa de argila 322 <strong>da</strong> Coleção<br />
Plimpton <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de de Columbia, Nova York, estu<strong>da</strong><strong>da</strong> por<br />
Neugebauer em 1945, temos uma tabela com 15 linhas por 4<br />
colunas, sendo que 3 delas, após um ajuste nos cálculos, estão<br />
relaciona<strong>da</strong>s entre si como as conheci<strong>da</strong>s ternas pitagóricas. Na<br />
linha 4, por exemplo, encontramos a = 3,31,49; b = 3,45,0 e<br />
c = 5,9,1 que satisfazem a relação a² + b² = c², em que a, b, c são<br />
lados de um triângulo retângulo. Assim, aproxima<strong>da</strong>mente, mil anos<br />
antes de Pitágoras nascer, já era conhecido entre os rios Tigre e<br />
Eufrates o famoso teorema atribuído ao sábio grego.<br />
Outro documento, provavelmente do tempo dos Caldeus,<br />
apresenta identi<strong>da</strong>des interessantes: 1 + 2 + 2² +...+ 2 9 = 2 10 – 1 e<br />
1 20<br />
1² + 2² + ... + 10² = = ( + )( 1+<br />
2 + ... + 10 ) .<br />
3 3<br />
Geometria<br />
Geometria<br />
A geometria mesopotâmia, como a dos egípcios, é<br />
extremamente pobre quando compara<strong>da</strong> a dos gregos. Não havia<br />
definições e teoremas; era essencialmente uma álgebra aplica<strong>da</strong> e<br />
figuras. Limitava-se ao cálculo <strong>da</strong> diagonal do quadrado, altura do<br />
triângulo eqüilátero, áreas de triângulos, retângulos e trapézios, bem<br />
como aproximação <strong>da</strong> área do círculo, que conheciam como sendo o<br />
quadrado do comprimento <strong>da</strong> circunferência dividido por 12.<br />
Conheciam, portanto, o valor de π como sendo 3.<br />
46<br />
Na placa Plimpton 355 destacam-se números que muito se<br />
aproximam <strong>da</strong> tangente e secante de alguns ângulos, embora, sabese<br />
hoje, não conhecessem a trigonometria. Analisando a Plimpton<br />
470, destaca-se o cálculo aproximado do volume do tronco de cone,<br />
cilindro e pirâmide, quando esses resultados eram aplicados às suas<br />
construções, bem como ao comércio de ouro e prata. Curioso é que<br />
não sabiam calcular o volume <strong>da</strong> esfera, ou melhor, as aproximações<br />
que fizeram foram extremamente grosseiras.<br />
Exercícios Exercícios<br />
Exercícios<br />
1. Quais são as mais importantes contribuições <strong>da</strong> Mesopotâmia ao<br />
desenvolvimento <strong>da</strong> matemática? Explique porque as considera<br />
importantes.<br />
2. Quais são as deficiências <strong>da</strong> matemática mesopotâmia? Explique.<br />
3. Descreva as vantagens e desvantagens relativas as notações dos<br />
mesopotâmios para os números,<br />
4. Escreva os números 10000 e 0,0862 em notação mesopotâmia.<br />
5. Use o algoritmo mesopotâmio para raiz quadra<strong>da</strong> para encontrar a<br />
raiz quadra<strong>da</strong> de 2, com seis casas decimais e compare com o valor<br />
mesopotâmio 1;24,51,10.<br />
6. Mostre que a representação sexagesimal de 1/7 tem periodici<strong>da</strong>de<br />
de três casas. Quantas casas há na periodici<strong>da</strong>de em representação<br />
decimal?
GRÉCIA<br />
GRÉCIA<br />
“Em matemática todos os caminhos levam à Grécia” (Thomas Heath)<br />
47<br />
A chega<strong>da</strong> dos dórios, no século XII a.C., às circunvizinhanças<br />
do mar Egeu, constitui momento decisivo na formação do povo e <strong>da</strong><br />
cultura grega. Na península e nas ilhas – cenário natural <strong>da</strong> Grécia<br />
em gestação – está então instala<strong>da</strong> a civilização micênica ou<br />
aqueana, que se desenvolvera em estreita ligação com a civilização<br />
cretense e em contato com povos orientais.<br />
A socie<strong>da</strong>de micênica apresenta-se composta por grande<br />
número de famílias principescas, que reinam sobre pequenas<br />
comuni<strong>da</strong>des. Essa plurali<strong>da</strong>de, decorrente <strong>da</strong> originária divisão em<br />
clãs, é fortaleci<strong>da</strong> pelas próprias características físicas <strong>da</strong> região: o<br />
relevo, compartimentando o território, torna alguns locais mais<br />
facilmente interligáveis através do mar.<br />
Assim, muito antes que as condições geográficas contribuam<br />
para que as ci<strong>da</strong>des-estados venham a se desenvolver como uni<strong>da</strong>des<br />
autônomas, já são motivo para que, desde suas raízes micênicas, a<br />
cultura grega se constitua volta<strong>da</strong> para o mar: via de comunicação e<br />
de comércio com outros povos, de intercâmbio e de confronto com<br />
outras civilizações.<br />
48<br />
Chegando em bandos sucessivos, vindos do norte, os dórios<br />
dominam a região. Embora <strong>da</strong> mesma raiz étnica dos aqueus,<br />
apresentam índice civilizatório mais baixo. Possuem, porém, uma<br />
incontestável superiori<strong>da</strong>de: o uso de utensílios e armas de ferro,<br />
fator decisivo para a vitória sobre os micênicos que permaneciam na<br />
I<strong>da</strong>de do Bronze.<br />
As invasões dóricas acarretam migrações de grupos de aqueus,<br />
que se transferem para as ilhas e as costas <strong>da</strong> Ásia Menor (Turquia)<br />
e ali fun<strong>da</strong>m colônias, tentando preservar suas tradições, suas<br />
instituições e sua organização social de cunho patriarcal e gentílico.<br />
As novas condições de vi<strong>da</strong> <strong>da</strong>s colônias e a nova mentali<strong>da</strong>de<br />
delas decorrentes encontram sua primeira expressão através <strong>da</strong>s<br />
epopéias: em poesia o homem grego canta o declínio <strong>da</strong>s arcaicas<br />
formas de viver ou pensar, enquanto prepara o futuro advento <strong>da</strong> era<br />
científica e filosófica que a Grécia conhecerá a partir do século VI<br />
a.C.<br />
Resultantes <strong>da</strong> fusão de len<strong>da</strong>s eólias e jônicas, as epopéias<br />
incorporaram relatos mais ou menos fabulosos sobre expedições<br />
marítimas e elementos provenientes do contato do mundo helênico,<br />
em sua fase de formação, com culturas orientais. A língua desses<br />
primeiros poemas <strong>da</strong> literatura ocidental é uma mistura dos dialetos<br />
eólio e jônico, com predominância do último. Entremeando len<strong>da</strong>s e<br />
ocorrências históricas – relatando particularmente os acontecimentos<br />
referentes à derroca<strong>da</strong> <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de micênica – surgem então cantos<br />
e sagas que os aedos (poetas e declamadores ambulantes)<br />
continuamente foram enriquecendo. Constituídos por seqüências de<br />
episódios relativos a um mesmo evento ou a um mesmo herói,<br />
surgem, assim, “ciclos” que cantam principalmente as duas guerras<br />
de Tebas e a Guerra de Tróia. Desses numerosos poemas, apenas<br />
dois se conservaram: a Ilía<strong>da</strong> e a Odisséia de Homero, escritos entre<br />
os séculos X e VIII a.C.<br />
HOMERO HOMERO (século X a.C.)<br />
Da vi<strong>da</strong> de Homero praticamente na<strong>da</strong> se sabe com segurança,<br />
embora <strong>da</strong>dos semilendários sobre ele fossem transmitidos desde a<br />
antigui<strong>da</strong>de. Sete ci<strong>da</strong>des gregas reivindicam a honra de ter sido sua<br />
terra natal. Homero é frequentemente descrito como velho e cego,
49<br />
perambulando de ci<strong>da</strong>de em ci<strong>da</strong>de, a declamar seus versos.<br />
Chegou-se mesmo a duvi<strong>da</strong>r de sua existência e de que a Ilía<strong>da</strong> e a<br />
Odisséia fossem obra de uma só pessoa. Poderiam ser coletâneas de<br />
contos populares de antigos aedos e, ain<strong>da</strong> que tenha existido um<br />
poeta chamado Homero que realizou a compilação desse material e<br />
enriqueceu com contribuições próprias, o certo é que essas obras<br />
contêm passagens procedentes de épocas diversas.<br />
Além de informar sobre a organização <strong>da</strong> polis arcaica, as<br />
epopéias homéricas são a primeira expressão documenta<strong>da</strong> <strong>da</strong> visão<br />
mitopoética dos gregos. A intervenção benéfica ou maléfica dos<br />
deuses está no âmago <strong>da</strong> psicologia dos heróis de Homero e<br />
coman<strong>da</strong> suas ações. Com efeito, a Ilía<strong>da</strong> e a Odisséia apresentamse<br />
marca<strong>da</strong>s pela presença constante de poderes superiores que<br />
interferem na luta entre gregos e troianos (tema <strong>da</strong> Ilía<strong>da</strong>) e nas<br />
aventuras de Ulisses ou Odisseu (tema <strong>da</strong> Odisséia).<br />
Nas epopéias homéricas, mesmo quando representam forças <strong>da</strong><br />
natureza, os deuses revestem-se de forma humana; esse<br />
antropomorfismo atribui-lhes aspecto familiar e até certo ponto<br />
inteligível, afastando os terrores relativos a forças obscuras e<br />
incontroláveis. Sobrepondo-se a arcaicas formas de religiosi<strong>da</strong>de,<br />
Homero exclui do Olimpo, mundo dos deuses, as formas<br />
monstruosas <strong>da</strong> mesma maneira que exclui do culto as práticas<br />
mágicas.<br />
A racionalização do divino conduz a uma religiosi<strong>da</strong>de<br />
“exterior”, que mais convém ao público a que se dirigem as<br />
epopéias: à polis aristocrática.<br />
Essa religiosi<strong>da</strong>de “apolínea” permanecerá como uma <strong>da</strong>s<br />
linhas fun<strong>da</strong>mentais <strong>da</strong> religião grega: a do sentido político que<br />
servirá para justificar as tradições e instituições <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de-estado.<br />
É por oposição aos homens que os deuses homéricos se<br />
definem: ao contrário dos humanos, seres terrenos, os deuses são<br />
princípios celestes; à diferença dos mortais, escapam à velhice e à<br />
morte. Escapam à morte, mas não são eternos nem estão fora do<br />
tempo: em princípio pode-se saber de quem ca<strong>da</strong> divin<strong>da</strong>de é filho<br />
ou filha. A imortali<strong>da</strong>de, esta sim, está indissoluvelmente liga<strong>da</strong> aos<br />
deuses que, por oposição aos humanos mortais, são frequentemente<br />
designados de “os imortais” e constituem, na sua organização e em<br />
seu comportamento, uma socie<strong>da</strong>de imortal de nobres celestes.<br />
50<br />
Em Homero, a noção de virtude (areté) significava o mais alto<br />
ideal cavalheiresco aliado a uma conduta cortesã e ao heroísmo<br />
guerreiro. Identifica<strong>da</strong> a atributos <strong>da</strong> nobreza, a areté, em seu mais<br />
amplo sentido, designava não apenas a excelência humana, como<br />
também a superiori<strong>da</strong>de de seres não-humanos, como a força dos<br />
deuses ou a rapidez dos cavalos nobres. Em geral, a virtude<br />
significava força e destreza dos guerreiros ou dos lutadores, valor<br />
heróico intimamente vinculado à força física. A virtude em Homero<br />
é, portanto, atributo dos nobres, os aristoi; uma minoria que se eleva<br />
acima <strong>da</strong> multidão de homens comuns.<br />
HESÍODO HESÍODO (século VIII a.C.)<br />
O complexo processo de formação do povo e <strong>da</strong> cultura grega<br />
determinou o aparecimento dentro do mundo helênico, de áreas<br />
bastante diferencia<strong>da</strong>s, não só quanto às ativi<strong>da</strong>des econômicas e às<br />
instituições políticas, mas também quanto à própria mentali<strong>da</strong>de e<br />
suas manifestações nos campos <strong>da</strong> arte, <strong>da</strong> religião, do pensamento.<br />
À Grécia Continental, mais presa às tradições <strong>da</strong> polis arcaica,<br />
contrapunham-se as colônias <strong>da</strong> Ásia Menor, situa<strong>da</strong>s em regiões<br />
mais distantes pelo intercâmbio comercial e cultural com outros<br />
povos. Da Jônia surgem as epopéias homéricas e, a partir do século<br />
VI a.C., as primeiras formulações filosóficas e científicas dos<br />
pensadores de Mileto, de Samos, de Éfeso. Entre esses dois<br />
momentos de manifestação do processo de racionalização <strong>da</strong> cultura<br />
grega, situa-se a obra poética de Hesíodo – voz que se eleva <strong>da</strong><br />
Grécia Continental – conjugando as conquistas <strong>da</strong> nova mentali<strong>da</strong>de<br />
surgi<strong>da</strong> nas colônias <strong>da</strong> Ásia Menor com os temas extraídos de sua<br />
gente e de sua terra.<br />
Hesíodo foi um mestre <strong>da</strong> poesia instrutiva; viveu em Ascra, na<br />
Beócia, e é exaltado agora por seus dois poemas, A Teogonia e Os<br />
trabalhos e os dias. O primeiro pode ser chamado de genealogia dos<br />
deuses. Os trabalhos e os dias referem-se, basicamente, a regras de<br />
agricultura e navegação, embora também forneça um calendário de<br />
dias felizes e infelizes e ofereça uma homilia moral.<br />
Com Hesíodo dá-se a aparição do subjetivo na literatura. Na<br />
épica mais antiga, o poeta era o simples veículo anônimo <strong>da</strong>s Musas;<br />
já Hesíodo “assina” sua obra para fazer história pessoal.
51<br />
Tomando como ponto de parti<strong>da</strong> velhos mitos, que coordena e<br />
enriquece, Hesíodo traça uma genealogia sistemática <strong>da</strong>s divin<strong>da</strong>des.<br />
O drama teogônico tem início, com a apresentação <strong>da</strong>s enti<strong>da</strong>des<br />
primordiais. Adotando implicitamente o postulado de que tudo tem<br />
origem, Hesíodo mostra que primeiro teve origem o Caos – abismo<br />
sem fundo – e, em segui<strong>da</strong>, a Terra e o Amor (Eros), “criador de<br />
to<strong>da</strong> a vi<strong>da</strong>”.<br />
As duras condições de trabalho de sua gente sugerem assim a<br />
Hesíodo uma visão pessimista <strong>da</strong> humani<strong>da</strong>de, persegui<strong>da</strong> pela<br />
animosi<strong>da</strong>de dos deuses. E a mulher deixa de ser exalta<strong>da</strong>, como na<br />
visão aristocrática de Homero, para ser caracteriza<strong>da</strong>, por esse<br />
camponês, como mais uma boca a alimentar e a exigir sacrifícios;<br />
“Raça maldita de mulheres, terrível flagelo instalado no meio dos<br />
homens mortais”.<br />
Do mesmo modo que o mito de Prometeu ilustra a idéia de<br />
trabalho, o mito <strong>da</strong>s I<strong>da</strong>des (de ouro, prata, bronze e ferro) ilustra a<br />
idéia de justiça; nenhum homem pode furtar-se à lei do trabalho,<br />
assim como evitar a justiça. Com Hesíodo surge a noção de que a<br />
virtude (areté) é filha do esforço e a de que o trabalho é o<br />
fun<strong>da</strong>mento e a salvaguar<strong>da</strong> <strong>da</strong> justiça.<br />
A A A MATEMÁTICA MATEMÁTICA GREGA<br />
GREGA<br />
Hoje nos referimos à matemática grega, de forma inadequa<strong>da</strong>,<br />
como um corpo de doutrina homogêneo e bem definido. Na ver<strong>da</strong>de<br />
com essa visão simplista adotamos que a geometria sofistica<strong>da</strong> do<br />
tipo Euclides – Arquimedes – Apolônio, era a única espécie que os<br />
gregos conheciam. Devemos lembrar que a matemática no mundo<br />
grego cobriu um intervalo de tempo indo pelo menos de 600 a.C. a<br />
600 d,C. e que viajou <strong>da</strong> Jônia à ponta <strong>da</strong> Itália, de Atenas a<br />
Alexandria, e a outras partes do mundo civilizado. Bastam os<br />
intervalos de tempo e espaço para produzir modificações na<br />
profundi<strong>da</strong>de e extensão <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de matemática e, a ciência grega<br />
não tinha a uniformi<strong>da</strong>de, século após século, encontra<strong>da</strong> nos<br />
egípcios e mesopotâmios. Além disso, mesmo num <strong>da</strong>do tempo e<br />
lugar (como hoje em nossa civilização) havia marca<strong>da</strong>s diferenças<br />
no nível de interesse e realização matemática. Veremos como até na<br />
52<br />
obra de um único indivíduo, como Ptolomeu, poderia haver dois<br />
tipos de estudos – O Almajesto para os racionalistas e o Tetrabiblos<br />
para os místicos. É provável que sempre houvesse pelo menos dois<br />
níveis de percepção matemática, mas que a escassez de obras<br />
preserva<strong>da</strong>s, especialmente do nível inferior, ten<strong>da</strong> a obscurecer esse<br />
fato.<br />
Períodos Períodos <strong>da</strong> <strong>da</strong> <strong>da</strong> <strong>História</strong> <strong>História</strong> <strong>História</strong> <strong>da</strong> <strong>da</strong> <strong>Matemática</strong> <strong>Matemática</strong> Grega<br />
Grega<br />
Não houve, é claro, uma quebra brusca marcando a transição <strong>da</strong><br />
liderança intelectual dos vales dos rios Nilo, Tigre e Eufrates para as<br />
margens do Mediterrâneo, pois o tempo e a história fluem<br />
continuamente. Os estudiosos egípcios e mesopotâmios continuaram<br />
sua produção durante muitos séculos, após 800 a.C., mas enquanto<br />
isso, uma nova civilização se preparava rapi<strong>da</strong>mente para assumir a<br />
hegemonia cultural, não só na região mediterrânea, mas também nos<br />
principais vales fluviais.<br />
A primeira fase <strong>da</strong> “i<strong>da</strong>de do mar” é chama<strong>da</strong> de Helênica e,<br />
conseqüentemente, as culturas mais antigas são ditas pré-helênicas.<br />
A seguir, uma subdivisão <strong>da</strong> matemática grega que, a exemplo<br />
de muitas que existem, é arbitrária e convencional.<br />
Período Helênico: vai até a morte de Alexandre (323 a.C.)<br />
Nesse período destacamos duas fases principais: a primeira présocrática<br />
desenvolvi<strong>da</strong> nas Ilhas Jônicas, Ásia Menor, Sul <strong>da</strong> Itália e<br />
Sicília, liga<strong>da</strong>s às escolas filosóficas de Mileto, Samos, Èfeso e Eléia<br />
e a segun<strong>da</strong>, nos séculos V e IV a.C., tendo Atenas como centro<br />
principal.<br />
Período Helenístico: vai de 323 a.C. até o início de nossa era.<br />
É o período de consoli<strong>da</strong>ção e também o mais rico do ponto de<br />
vista matemático. Surge um novo tipo de intelectual inexistente no<br />
período anterior: o especialista, o erudito.<br />
Os expoentes desse período são Euclides, Arquimedes e<br />
Apolônio. Os principais centros são Alexandria, Rodes e Pérgamo.
53<br />
Período Greco-Romano: vai até 300 d.C.<br />
Nesse período a matemática sofreu influência de outras<br />
culturas: egípcias, mesopotâmias e romanas.<br />
O principal centro ain<strong>da</strong> é Alexandria e os nomes de destaque<br />
são Ptolomeu, Heron, Diofanto e Papus.<br />
Período <strong>da</strong> Decadência: Greco-Romano – vai até 640 d.C.<br />
Os romanos, talvez preocupados com aspectos práticos de uma<br />
forma exagera<strong>da</strong>, desprezavam a filosofia e a ciência pela ciência.<br />
Isso não é suficiente para explicar a decadência, mas não havendo<br />
especulações não haverá inovações. Nesse período era mal usado<br />
tudo o que já conheciam de períodos anteriores.<br />
As As As fontes<br />
fontes<br />
São escassas as fontes de informações sobre as idéias científicas<br />
dos gregos. Alguns dos mais importantes tratados só são conhecidos<br />
pelo titulo, por citações esparsas, ou indiretamente, através de<br />
traduções árabes.<br />
A seguir apresentamos algumas obras que tornaram-se<br />
importantes referências sobre o desenvolvimento <strong>da</strong> matemática<br />
grega.<br />
● <strong>História</strong> <strong>da</strong> Geometria, escrito em 330 a.C., por Eudemo de<br />
Rodes, um discípulo de Aristóteles. Trata-se de uma obra que se<br />
perdeu e que é considera<strong>da</strong> o primeiro livro de <strong>História</strong> <strong>da</strong><br />
<strong>Matemática</strong>.<br />
● Arranjo <strong>da</strong>s matemáticas de Gêmino de Rodes escrito em 70 a.C.<br />
contém <strong>da</strong>dos históricos. Essa obra perdeu-se, mas alguns de seus<br />
trechos são citados por autores de época posterior.<br />
● Regras matemáticas necessárias para o estudo de Platão de Téon<br />
de Esmirna escrito em 140 d,C.<br />
● Coleção <strong>Matemática</strong> de Papus (século III d.C), em oito volumes,<br />
contém muitos informes relativos ao anterior desenvolvimento <strong>da</strong><br />
geometria.<br />
54<br />
● Comentário ao Livro I de Euclides acrescido do Sumário<br />
Eudemiano de Proclo (410-485), um filósofo neoplatônico. Uma<br />
obra que ain<strong>da</strong> existe que contém grandes evidências de o autor ter<br />
usado o livro de Eudemo que nos referimos anteriormente. De tal<br />
modo que acrescentou ao seu Comentário um Sumário ou Extrato<br />
denominado de Sumário Eudemiano. Trata-se de um breve resumo<br />
do desenvolvimento <strong>da</strong> geometria grega, apresentando uma lista dos<br />
primeiros matemáticos, de Tales até Euclides. Um fato interessante é<br />
que Proclo deixou fora <strong>da</strong> lista os filósofos atomistas. Demócrito,<br />
por exemplo, foi um grande matemático não relacionado.<br />
Esses exemplos mostram que as fontes relativas à matemática<br />
grega são: cópias e compilações de obras, às vezes, realiza<strong>da</strong>s vários<br />
séculos antes; traduções de obras gregas para o árabe ou para o<br />
latim, e, finalmente temos ain<strong>da</strong> as referências indiretas..<br />
Faltam para a matemática grega fontes originais como as que<br />
tivemos para o Egito e a Mesopotâmia. Parece contraditório que<br />
uma matemática tão rica, sofistica<strong>da</strong> não seja documenta<strong>da</strong>. O<br />
campo é fértil e é um convite à discussão, mas o que não podemos<br />
esquecer é a grande tradição oral, presente em todos os ramos de<br />
conhecimento na Grécia, além, é claro, dos grandes incêndios que<br />
destruíram, várias vezes, as principais bibliotecas.<br />
Sistemas de Numeração<br />
Para os gregos, números eram os inteiros positivos. As frações<br />
eram muito usa<strong>da</strong>s mas como a razão entre dois inteiros.<br />
O curioso é que nem mesmo os grandes nomes <strong>da</strong> matemática<br />
operaram com os números negativos e o zero.<br />
A crise inicial causa<strong>da</strong> pelo aparecimento dos irracionais foi<br />
supera<strong>da</strong>, considerando esses incomensuráveis como grandezas,<br />
como medi<strong>da</strong> de um segmento. Assim 2 não era, como hoje, um<br />
número irracional, mas a medi<strong>da</strong> <strong>da</strong> diagonal de um quadrado de<br />
lado 1.<br />
Uma matemática essencialmente geométrica apresentava dois<br />
sistemas de numeração muito distantes <strong>da</strong> pratici<strong>da</strong>de do nosso<br />
posicional de base 10.
• Período mais antigo (sistema ático) – sistema de base 10.<br />
| = 1| | = 2 | | | = 3 | | | | = 4<br />
Γ = 5 (penta) Γ | = 6 ∆ = 10 (deka)<br />
Η = 100 (hekaton) Χ = 1000 (khilioi)<br />
Μ = 10000 (myrioi)<br />
Eram usados os princípios aditivo e multiplicativo:<br />
∆ = 5⋅10 = 50<br />
Exemplo:<br />
45678 = MMMM X H H ∆ ∆∆<br />
• Sistema Jônico ou Alfabético ( usado a partir de 500 a.C.)<br />
Α<br />
Β<br />
Γ<br />
∆<br />
Ε<br />
F<br />
Ζ<br />
Η<br />
Θ<br />
H<br />
X<br />
M<br />
Tabela de associação de letras e números:<br />
α<br />
β<br />
γ<br />
δ<br />
ε<br />
ς<br />
ζ<br />
= 500<br />
= 5000<br />
= 50000<br />
η<br />
θ<br />
alfa<br />
beta<br />
gama<br />
delta<br />
epsilon<br />
stigma<br />
dzeta<br />
eta<br />
theta<br />
1<br />
2<br />
3<br />
4<br />
5<br />
6<br />
7<br />
8<br />
9<br />
55<br />
56<br />
Ι<br />
Κ<br />
Λ<br />
Μ<br />
Ν<br />
Ξ<br />
Ο<br />
Π<br />
q<br />
Ρ<br />
Σ<br />
Τ<br />
Υ<br />
Φ<br />
Χ<br />
Ψ<br />
Ω<br />
S<br />
ι<br />
κ<br />
λ<br />
µ<br />
ν<br />
ξ<br />
ο<br />
π<br />
Q<br />
ρ<br />
σ<br />
τ<br />
υ<br />
ϕ<br />
χ<br />
ψ<br />
ω<br />
s<br />
iota<br />
capa<br />
lamb<strong>da</strong><br />
mi<br />
ni<br />
csi<br />
ómicron<br />
pi<br />
koppa<br />
ró<br />
sigma<br />
tau<br />
upsilon<br />
fi<br />
khi<br />
psi<br />
omega<br />
sampi<br />
10<br />
20<br />
30<br />
40<br />
50<br />
60<br />
70<br />
80<br />
90<br />
100<br />
200<br />
300<br />
400<br />
500<br />
600<br />
700<br />
800<br />
900<br />
A partir <strong>da</strong>í, uma linha antes <strong>da</strong> letra multiplica-a por 1000 e<br />
essa letra como expoente de Μ , fica multiplica<strong>da</strong> por 10000.<br />
Exemplos:<br />
/<br />
/<br />
/<br />
α<br />
β<br />
γ<br />
1000<br />
2000<br />
3000<br />
/<br />
/<br />
/<br />
δ<br />
ε<br />
ς<br />
4000<br />
5000<br />
6000<br />
/<br />
/<br />
/<br />
ζ<br />
η<br />
θ<br />
7000<br />
8000<br />
9000<br />
/ ηϖ π η 8888 / α σ ν δ 11254<br />
Μ α<br />
Μ<br />
Μ<br />
Μ<br />
α<br />
β<br />
γ<br />
10000<br />
20000<br />
30000
Exemplo de multiplicação:<br />
Μ<br />
Μ<br />
δ<br />
σξε<br />
σξε<br />
Μ<br />
α<br />
/<br />
/<br />
α<br />
/<br />
β<br />
/<br />
β<br />
/<br />
γ χ τ<br />
α τ κ ε<br />
Μ σ κ ε<br />
ζ<br />
α<br />
265<br />
265<br />
40000,<br />
12000, 1000<br />
12000,<br />
1000,<br />
70225<br />
3600,<br />
300,<br />
300<br />
25<br />
57<br />
Para efetuar cálculos eram utilizados seixos ou alguma espécie<br />
de ábaco. A divisão era um processo extremamente laborioso que<br />
consistia em repeti<strong>da</strong>s subtrações. Extraíam raízes quadra<strong>da</strong>s<br />
aproxima<strong>da</strong>s e, em geral, usavam frações unitárias. Para denotá-las,<br />
usava-se uma linha como expoente <strong>da</strong> letra correspondente ao<br />
denominador.<br />
Exemplos:<br />
/ 1<br />
β<br />
2<br />
/ 1<br />
µα<br />
41<br />
/ 2<br />
βγ<br />
3<br />
Para os gregos, havia uma níti<strong>da</strong> distinção entre a arte de<br />
calcular (logística) e a ciência dos números (aritmética). A primeira<br />
era considera<strong>da</strong> indigna <strong>da</strong> atenção dos filósofos.<br />
58
O O RACIONALISMO RACIONALISMO RACIONALISMO JÔNICO JÔNICO E E OS<br />
OS<br />
PITAGÓRICOS<br />
PITAGÓRICOS<br />
PITAGÓRICOS<br />
Primeira Primeira fase fase do do Período Período Período Helênico Helênico<br />
Helênico<br />
“Para Tales a questão primordial não era o que sabemos, mas sim, como o<br />
sabemos” (Aristóteles)<br />
TALES TALES (625 – 558 a.C.)<br />
59<br />
De origem fenícia, Tales de Mileto é considerado o primeiro<br />
filósofo, e o primeiro matemático <strong>da</strong> história, segundo o Sumário de<br />
Proclo, já eferido. Mileto, na Ásia Menor (estaria hoje na Turquia)<br />
foi a primeira ci<strong>da</strong>de a despontar culturalmente na Grécia Antiga,<br />
que já era composta por ci<strong>da</strong>des-estados independentes.<br />
Sobre a vi<strong>da</strong> de Tales, é difícil saber o que é ver<strong>da</strong>deiro e o que<br />
é len<strong>da</strong>. Como engenheiro, foi encarregado de construir uma represa<br />
no rio Halys. Como comerciante, negociou com sal e azeite e,<br />
visitando o Egito, assimilou um pouco <strong>da</strong> ciência dos sacerdotes.<br />
Dedicou-se aos estudos <strong>da</strong>s estrelas não menos que ao <strong>da</strong> geometria,<br />
e conseguiu prever para 585 a.C. um eclipse do Sol.<br />
Essa previsão valeu a Tales uma grande reputação entre os seus<br />
contemporâneos, tanto que foi considerado um dos sete sábios <strong>da</strong><br />
Grécia, se bem que essa escolha, parece ter tido mormente política.<br />
Nenhum dos outros seis, pelo menos, possuía autori<strong>da</strong>de científica.<br />
Tales ensinou que o ano contava 365 dias, que a Lua é<br />
ilumina<strong>da</strong> pelo Sol e que o eclipse, até então, castigo dos deuses,<br />
poderia ser explicado.<br />
Sua filosofia consistia em procurar uma essência (uni<strong>da</strong>de) para<br />
to<strong>da</strong>s as coisas. Para ele esse princípio unificador seria a água e essa<br />
seria a primeira explicação do mundo de forma material. Para Tales,<br />
a Terra era um disco circular a flutuar num oceano de água e<br />
juntamente com seu discípulo Anaximandro foi o primeiro a afirmar<br />
que a Terra era redon<strong>da</strong>, ou melhor, esférica.<br />
60<br />
A água seria, portanto, o elemento fun<strong>da</strong>mental do Cosmos. O<br />
gelo, a neve e a gea<strong>da</strong> convertem-se facilmente em água, e as<br />
próprias rochas se desfazem e desaparecem na água. Também o<br />
homem parece ser capaz de converter-se em água, enquanto que as<br />
águas do mar e <strong>da</strong> terra se condensam em resíduos sólidos. Pela<br />
evaporação <strong>da</strong> água forma-se o ar e é a agitação do elemento<br />
universal que causa os terremotos. Entre o seu ocaso e o seu<br />
nascimento, as Estrelas passam por trás <strong>da</strong> Terra.<br />
Segundo Aristóteles, quando Tales foi criticado por seu pouco<br />
senso prático e por despender tempo demasiado com a filosofia, em<br />
vez de fazer dinheiro, ele decidiu confundir seus críticos. Prevendo<br />
uma fartura de azeitonas durante o verão seguinte, fez depósitos em<br />
to<strong>da</strong>s as prensas de azeitonas de Mileto e <strong>da</strong> vizinha Quios,<br />
alugando-as por baixo preço, pois não se apresentou qualquer<br />
concorrente. Quando chegou a época <strong>da</strong> colheita de azeitonas,<br />
necessitaram de to<strong>da</strong>s as prensas e Tales as alugou pelo preço que<br />
quis. Assim, mostrou ao mundo que os filósofos podem ser ricos, se<br />
o quiserem, mas que a sua ambição é de outra espécie. Entretanto,<br />
há outra história a respeito de Tales, segundo a qual ele caiu num<br />
poço, enquanto olhava as estrelas, sendo ridicularizado por uma bela<br />
senhorita, por estar tentando descobrir o que estava acontecendo no<br />
céu e que era incapaz de ver o que havia a seus pés. Assim, temos<br />
duas tradições opostas, uma que mostra como um filósofo pode ser<br />
prático, outra como pode não sê-lo.<br />
Tales e a matemática<br />
Em matemática é considerado o criador do método dedutivo e,<br />
assim, teria provado algumas proposições importantes. Como<br />
exemplos temos as cinco seguintes:<br />
1. Num triângulo isósceles os ângulos <strong>da</strong> base são iguais.
2. Os pares de ângulos opostos formados por duas retas que se<br />
cortam são iguais.<br />
3. O triângulo inscrito numa semicircunferência é retângulo.<br />
4. Todo diâmetro de uma circunferência divide-a ao meio.<br />
61<br />
5. Se dois triângulos são tais que dois ângulos e um lado de um são<br />
iguais, respectivamente, a dois ângulos e um lado de outro, então os<br />
triângulos são congruentes.<br />
Como aplicação <strong>da</strong> geometria que estava desenvolvendo<br />
destacam-se dois resultados famosos atribuídos a Tales:<br />
- medi<strong>da</strong> <strong>da</strong> altura <strong>da</strong> pirâmide de Quéops no Egito por semelhança<br />
de triângulos.<br />
- cálculo <strong>da</strong> distância de um navio à praia, por congruência de<br />
triângulos.<br />
62<br />
Navio<br />
.<br />
A<br />
ANAXIMANDRO ANAXIMANDRO (611 – 544 a.C.)<br />
Discípulo de Tales, introduziu na Grécia e aperfeiçoou o relógio<br />
de sol, de origem mesopotâmia, e foi também o primeiro a traçar um<br />
mapa geográfico.<br />
No único fragmento que restou de sua obra, Anaximandro<br />
afirma que, ao longo do tempo, os opostos pagam entre si as<br />
injustiças reciprocamente cometi<strong>da</strong>s; lei do equilíbrio universal. Por<br />
exemplo, no inverno o frio seria compensado dos excessos<br />
cometidos pelo calor durante o verão.<br />
ANAXÍMENES ANAXÍMENES (século VI a.C.)<br />
M<br />
.<br />
B<br />
Para o último representante <strong>da</strong> escola de mileto, o Universo<br />
resultaria <strong>da</strong>s transformações de um ar infinito.<br />
O ar seria assim, o princípio unificador, causa primeira de to<strong>da</strong>s<br />
as coisas. O calor do sol seria devido ao rápido movimento do ar,<br />
por exemplo.<br />
À escola de Tales e seus continuadores, sucederam-se<br />
desenvolvimentos importantes nas colônias gregas <strong>da</strong> Itália, na<br />
chama<strong>da</strong> Magna Grécia, cuja distância <strong>da</strong> metrópole era ain<strong>da</strong><br />
maior.<br />
C
PITÁGORAS PITÁGORAS (578 – 496 a.C.)<br />
63<br />
Pitágoras de Samos viveu meio século<br />
depois de Tales e é pouco provável que<br />
tenham se encontrado. Alguma<br />
semelhança entre seus interesses sempre<br />
se detecta, inclusive por suas viagens<br />
pelo Oriente em busca de conhecimento.<br />
Pitágoras visitou a Mesopotâmia, tendo<br />
mais tarde chegado até a Índia. Durante<br />
suas peregrinações evidentemente<br />
absorveu não só informações<br />
matemáticas e astronômicas como<br />
também muitas idéias religiosas.<br />
Pitágoras: A escola de Atenas Foi contemporâneo de Bu<strong>da</strong>, Confúcio e<br />
Lao-Tse, de modo que esse século foi<br />
importante no desenvolvimento <strong>da</strong> religião e <strong>da</strong> matemática.<br />
Quando voltou ao mundo grego, Pitágoras estabeleceu-se em<br />
Crotona, sudeste <strong>da</strong> Itália, onde fundou uma escola, ou melhor, uma<br />
socie<strong>da</strong>de secreta que se assemelhava um pouco a um culto órfico<br />
(ou o culto de Dionísio), exceto por suas bases matemáticas e<br />
filosóficas.<br />
Os órficos acreditavam na imortali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> alma e na<br />
metempsicose, ou seja, a transmigração <strong>da</strong> alma através de vários<br />
corpos, a fim de efetivar sua purificação. A alma aspiraria, por sua<br />
própria natureza, a retornar a sua pátria celeste, às estrelas; mas para<br />
se libertar do ciclo de reencarnações, o homem necessitava <strong>da</strong> aju<strong>da</strong><br />
de Dionísio, que completava a libertação prepara<strong>da</strong> pelas práticas<br />
catárticas.<br />
Pitágoras, que se tornou figura legendária já na própria<br />
antigui<strong>da</strong>de, realizou uma modificação fun<strong>da</strong>mental na religiosi<strong>da</strong>de<br />
órfica, transformando o sentido <strong>da</strong> via <strong>da</strong> salvação. No lugar de<br />
Dionísio colocou a matemática e por isso temos a referência<br />
conheci<strong>da</strong> como “a salvação pela matemática”.<br />
Assim, a grande novi<strong>da</strong>de introduzi<strong>da</strong> na religiosi<strong>da</strong>de órfica foi<br />
a transformação do processo de libertação <strong>da</strong> alma num esforço<br />
inteiramente subjetivo e puramente humano. A purificação resultaria<br />
do trabalho intelectual, que descobre a estrutura numérica <strong>da</strong>s coisas<br />
e torna a alma semelhante ao cosmo, em harmonia, proporção e<br />
64<br />
beleza. Pitágoras teria chegado à concepção de que to<strong>da</strong>s as coisas<br />
são números através, inclusive, de uma observação no campo<br />
musical. Verificou no monocórdio, que o som produzido varia de<br />
acordo com a extensão <strong>da</strong> cor<strong>da</strong> sonora. Ou seja, descobre que há<br />
dependência do som em relação à extensão, <strong>da</strong> música em relação à<br />
matemática.<br />
Pitágoras concebe a extensão como descontínua, constituí<strong>da</strong>s<br />
por uni<strong>da</strong>des indivisíveis e separa<strong>da</strong>s por um “intervalo”. Segundo<br />
sua cosmologia esse “intervalo” seria resultante <strong>da</strong> respiração do<br />
universo, que vivo, inalaria o ar infinito em que estaria imerso.<br />
Mínimo de extensão e mínimo de corpo, as uni<strong>da</strong>des comporiam os<br />
números que não eram, portanto, como virão a ser mais tarde, meros<br />
símbolos a exprimir o valor <strong>da</strong>s grandezas. Para Pitágoras e seus<br />
seguidores, chamados de pitagóricos, os números eram reais, a<br />
própria “alma <strong>da</strong>s coisas”, eram enti<strong>da</strong>des corpóreas constituí<strong>da</strong>s<br />
pelas uni<strong>da</strong>des cotíguas.<br />
A concepção pitagórica de números, que só admitia os inteiros<br />
positivos e razões entre eles, apresentava limitações que logo<br />
exigiriam tentativas de reformulações. O principal impasse<br />
enfrentado por essa aritmo-geometria foi relativo aos irracionais.<br />
Tanto na relação entre certos valores musicais, expressos<br />
matematicamente, quanto na base mesma <strong>da</strong> matemática surgem<br />
grandezas inexprimíveis naquela concepção de número. Assim, a<br />
relação entre o lado e a diagonal do quadrado, que é a hipotenusa do<br />
triângulo retângulo isósceles, tornava-se incomensurável, ou seja,<br />
eram linhas que não tinham razão comum. O “escân<strong>da</strong>lo” dos<br />
irracionais, manifestava-se no próprio Teorema de Pitágoras. Ao se<br />
atribuir o valor 1 ao cateto de um triângulo retângulo isósceles, a<br />
hipotenusa torna-se igual a 2 . Ou então, quando se pressupunha<br />
que os valores correspondentes à hipotenusa e aos catetos eram<br />
números primos entre si, concluía-se por absurdo que um deles<br />
deveria ser par e ímpar.<br />
Apesar desses impasses – e em grande parte por causa deles – o<br />
pensamento pitagórico evoluiu e expandiu-se, influenciando<br />
praticamente todo o desenvolvimento <strong>da</strong> ciência e <strong>da</strong> filosofia<br />
gregas. Após a dissolução do núcleo primitivo de Crotona (talvez<br />
por razões políticas) os pitagóricos se dispersaram e passaram a
65<br />
atuar amplamente no mundo helênico, levando a todos os setores<br />
<strong>da</strong> cultura o ideal de salvação do homem e <strong>da</strong> polis, através <strong>da</strong><br />
proporção e <strong>da</strong> medi<strong>da</strong>.<br />
Se procurarmos a origem de termos ou expressões como<br />
matemática, filosofia, matemática pura, matemática pela<br />
matemática, sem dúvi<strong>da</strong> teremos que visitar a escola pitagórica.<br />
Escola que adotou inicialmente ensinamentos orais, mas que depois,<br />
com expoentes como Filolau e Arquitas, proporcionou à posteri<strong>da</strong>de<br />
alguns preciosos fragmentos.<br />
Aritmética<br />
Os pitagóricos adotaram uma representação figura<strong>da</strong> dos<br />
números, que permitia explicitar sua lei de composição. Os<br />
primeiros números, representados dessa forma, bastavam para<br />
justificar o que há de essencial no universo:<br />
- o um é o ponto, mínimo de corpo, uni<strong>da</strong>de de extensão •<br />
- o dois determina a linha • — •<br />
- o três gera a superfície<br />
- o quatro produz o volume<br />
Como já se destacou anteriormente os números eram dotados de<br />
significados especiais e alguns foram identificados com atributos<br />
humanos. Para exemplificar temos que o número um era o gerador<br />
de todos os números e assim considerado o número <strong>da</strong> razão; o dois<br />
era o <strong>da</strong> opinião; o três <strong>da</strong> harmonia; o quatro <strong>da</strong> justiça; o cinco do<br />
casamento e o seis era o número <strong>da</strong> criação, era perfeito (o mundo<br />
foi criado em seis dias). Vale ressaltar que o dez, chamado tetraktys<br />
era o número mais adorado pelos pitagóricos. A adoração era<br />
abstrata, na<strong>da</strong> relacionado com dez dedos e, ain<strong>da</strong>, 10 = 1 + 2 + +3 +<br />
4, significando a soma dos quatro elementos básicos do universo:<br />
ponto, linha, superfície e volume.<br />
66<br />
Temas principais estu<strong>da</strong>dos pelos pitagóricos:<br />
Alguns conceitos sobre os números inteiros positivos, muitas<br />
vezes relacionados à geometria foram introduzidos na matemática<br />
por Pitágoras e seus seguidores, denominados genericamente de<br />
pitagóricos.<br />
Segue uma relação desses conceitos, hoje considerados<br />
elementares:<br />
Números pares e ímpares (o número um estava excluído de<br />
classificação, os números pares eram considerados femininos e<br />
os ímpares masculinos); números primos; números perfeitos,<br />
deficientes e abun<strong>da</strong>ntes; números amigos; médias (aritmética,<br />
geométrica e harmônica); progressões(aritmética e geométrica);<br />
proporções e números figurados.<br />
Dos conceitos acima destacam-se os mais curiosos:<br />
• Números perfeitos:<br />
Número perfeito é aquele igual à soma de seus divisores<br />
próprios.<br />
Exemplos: 6, 28, 496, 8128, 33550336<br />
6 = 1 + 2 + 3 28 = 1 + 2 + 4 + 7 +14<br />
• Números deficientes<br />
Número deficiente é aquele que é maior do que a soma de<br />
seus divisores próprios. . Exemplo: 8<br />
• Números abun<strong>da</strong>ntes<br />
Número abun<strong>da</strong>nte é aquele que é menor que a soma de seus<br />
divisores próprios. . Exemplo: 12<br />
• Números amigos:<br />
Pitágoras, quando lhe perguntavam o que era um amigo,<br />
respondia: “é um que é outro eu, como 220 e 284”. Os<br />
divisores de 284 são 1, 2, 4, 71 e 142, que somados são 220;<br />
enquanto os divisores de 220 são 1, 2, 4, 5, 10, 11, 20, 22,<br />
44, 55 e 110, que somados dão 284.
67<br />
• Números figurados<br />
Os números figurados ilustram a interação que havia entre a<br />
aritmética e a geometria.<br />
- números triangulares<br />
•<br />
•<br />
•<br />
• •<br />
•<br />
• • • • • • • •<br />
1 3 6 10<br />
•<br />
n(<br />
n + 1)<br />
1+<br />
2 + 3 + 4 + ... + n =<br />
2<br />
- números quadrados<br />
• •<br />
• • • •<br />
• • • • • •<br />
• • • • • • • • • •<br />
1 4 9 16<br />
1+ 3 + 5 + ... + ( 2n<br />
−1)<br />
= n<br />
- números retangulares<br />
• • • •<br />
• • • • • • •<br />
• • • • • • • •<br />
2 6 12<br />
•<br />
2 + 4 + 6 + 8 + ... + 2n<br />
= n(<br />
n + 1)<br />
2<br />
•<br />
68<br />
- números pentagonais<br />
•<br />
• •<br />
•<br />
•<br />
• •<br />
• • • •<br />
• • •<br />
• • •<br />
•<br />
• • •<br />
• • •<br />
• • •<br />
•<br />
•<br />
•<br />
•<br />
•<br />
• •<br />
• •<br />
•<br />
•<br />
•<br />
•<br />
1 5 12<br />
1+<br />
4 + 7 + 10 + 13 + ... +<br />
Geometria<br />
( 3n<br />
− 2)<br />
=<br />
( 3n<br />
+ 2)(<br />
n + 1)<br />
Os pitagóricos investigaram a geometria teoricamente. Sabiam,<br />
por exemplo, que com polígonos regulares só há três maneiras de<br />
pavimentar um solo: com quadrado, triângulo e hexágono.<br />
Conheciam três poliedros regulares: o tetraedro, o cubo e o<br />
dodecaedro (observados em cristais). Há dúvi<strong>da</strong>s se conheciam o<br />
octaedro e icosaedro.<br />
É possível que tenham demonstrado, por áreas, o teorema que<br />
hoje é chamado de Pitágoras. Não se sabe, porém, qual poderia ser<br />
essa demonstração e como vimos anteriormente esse resultado já era<br />
conhecido na Mesopotâmia muito antes de Pitágoras.<br />
2<br />
2<br />
2<br />
a = b + c<br />
Merecem destaque, ain<strong>da</strong>, os clássicos problemas <strong>da</strong> divisão<br />
áurea e aplicações de áreas.<br />
2
69<br />
A divisão áurea<br />
Dado um segmento AC o ponto B é marcado de forma que<br />
A B C<br />
AC AB AB + BC AB BC<br />
= ⇒ = ⇒1<br />
+<br />
AB BC AB BC AB<br />
1 AB AB AB 2<br />
⇒1<br />
+ = ⇒ + 1 = ( ) ⇒<br />
AB BC BC BC<br />
BC<br />
⇒ (<br />
AB<br />
BC<br />
)<br />
2<br />
−<br />
AB<br />
−1<br />
=<br />
BC<br />
1+<br />
5<br />
2<br />
0 ⇒<br />
AB<br />
BC<br />
=<br />
1 + 5<br />
= .<br />
2<br />
AB<br />
BC<br />
O número = 1,618033...<br />
é conhecido como áureo.<br />
Aplicações de áreas<br />
Dados uma área K e um segmento AB, o objetivo era<br />
construir um retângulo de área K sobre AB.<br />
1º) Parábola: usado exatamente o segmento AB<br />
A a B<br />
a.x = K<br />
2º) Hipérbole: usado mais do que o segmento AB<br />
K<br />
K<br />
A a B<br />
⇒<br />
(a + x)x = K<br />
3º) Elipse: usado menos do que o segmento AB<br />
K<br />
x<br />
x<br />
x<br />
A a x B<br />
x<br />
(a – x)x = K<br />
70<br />
Cosmologia pitagórica:<br />
Trata-se de uma <strong>da</strong>s primeiras tentativas de explicar os<br />
movimentos dos planetas. O Universo era formado por esferas<br />
concêntricas numa ordem provável: Terra (no centro), Lua,<br />
Mercúrio, Vênus, Sol, Marte, Júpiter, Saturno e as Estrelas fixas. A<br />
lua, o Sol e os cinco planetas giravam em torno <strong>da</strong> Terra.<br />
Uma escola filosófica importante e aparentemente rival <strong>da</strong><br />
pitagórica é a chama<strong>da</strong> eleática, com sede em Vélia ou Eléia, na<br />
Itália. Os principais componentes dessa escola foram Parmênides,<br />
Zenon e Melisso.<br />
PARMÊNIDES PARMÊNIDES (530 – 460 a.C.)<br />
Fun<strong>da</strong>dor <strong>da</strong> escola eleática considera<strong>da</strong> muito importante na<br />
história <strong>da</strong> filosofia e <strong>da</strong> matemática. Com ele inicia-se as<br />
especulações sobre o ser e sobre o conhecer. Para Parmênides o<br />
homem adquire conhecimento por duas vias: razão e observação.<br />
Essência <strong>da</strong> filosofia de Parmênides<br />
O ser teria que ser eterno, imóvel, finito, imutável, pleno,<br />
contínuo, homogêneo e indivisível. O movimento não existia, era<br />
fruto <strong>da</strong> via enganosa <strong>da</strong> opinião, através <strong>da</strong> observação. Enquanto<br />
os pitagóricos e outros filósofos <strong>da</strong> época acreditavam na<br />
multiplici<strong>da</strong>de e na mu<strong>da</strong>nça, Parmênides defendia a filosofia <strong>da</strong><br />
permanência. A existência do movimento significaria atribuir<br />
existência ao “não-ser”.<br />
ZENON ZENON (488 – 430 a.C.)<br />
Discípulo e defensor de Parmênides, Zenon de Eléia<br />
sistematizou o método <strong>da</strong> demonstração por absurdo e foi<br />
considerado por Aristóteles como o inventor <strong>da</strong> dialética. Partindo<br />
<strong>da</strong>s premissas de seus oponentes, ele as reduzia ao absurdo.<br />
Zenon deixou quarenta argumentos dos quais apenas nove<br />
foram conservados. Os argumentos são sobre certos problemas
71<br />
fun<strong>da</strong>mentais que envolvem noções de grandezas, multiplici<strong>da</strong>de,<br />
espaço, movimento, tempo e percepção sensível.<br />
Dos argumentos de Zenon, tornaram-se mais famosos os que<br />
visam diretamente ao problema do movimento. A Dicotomia e o<br />
Aquilies garantem que o movimento é impossível sob a hipótese de<br />
subdivisibili<strong>da</strong>de indefini<strong>da</strong> do espaço e do tempo; a Flecha e o<br />
Estádio, de outro lado, garantem o mesmo, sob a hipótese contrária,<br />
ou seja, de que a subdivisibili<strong>da</strong>de do tempo e do espaço<br />
terminariam em indivisíveis.<br />
Dicotomia (divisão em dois)<br />
É o argumento que diz que antes que um objeto possa percorrer<br />
uma distância <strong>da</strong><strong>da</strong>, deve percorrer a primeira metade dessa<br />
distância; mas antes disso, deve percorrer o primeiro quarto; e antes<br />
disso, o primeiro oitavo e assim por diante, através de uma<br />
infini<strong>da</strong>de de subdivisões. O indivíduo interessado em se colocar em<br />
movimento precisa fazer infinitos contatos num tempo finito; mas é<br />
impossível exaurir uma coleção infinita. Portanto é impossível<br />
iniciar o movimento.<br />
0 1 /8 1 /4 1 /2 1<br />
Aquiles e a tartaruga<br />
Este paradoxo é semelhante ao primeiro, apenas a subdivisão<br />
infinita é progressiva em vez de regressiva. Aqui Aquiles aposta<br />
corri<strong>da</strong> com uma tartaruga que sai com vantagem e por mais<br />
depressa que corra, não pode alcançar a tartaruga, por mais devagar<br />
que ela caminhe. Pois, quando Aquiles chegar à posição inicial <strong>da</strong><br />
tartaruga, ela já terá avançado um pouco; e quando cobrir essa<br />
distância, a tartaruga terá avançado um pouco mais. E o processo<br />
continua indefini<strong>da</strong>mente, com o resultado que Aquiles nunca pode<br />
alcançar a lenta tartaruga.<br />
A B C D E<br />
72<br />
A Flecha<br />
Zenon considera uma flecha e razoavelmente assegura que esta<br />
deve estar em certo ponto num <strong>da</strong>do instante: como ela não pode<br />
estar em dois lugares no mesmo instante, não pode se mover naquele<br />
instante; se por outro lado, está em repouso naquele instante, então,<br />
como o mesmo argumento se aplica para outros instantes, ela não<br />
pode se mover de jeito nenhum.<br />
O Estádio<br />
Sejam A1, A2, A3, A4 corpos de igual tamanho, estacionários;<br />
sejam B1, B2, B3, B4 corpos de mesmo tamanho que os A, que se<br />
movem para a direita, de modo que ca<strong>da</strong> B passa por um A num<br />
instante, ou seja, no menor intervalo de tempo possível.<br />
Sejam C1, C2, C3, C4 também do mesmo tamanho que os A e os<br />
B, movendo-se uniformemente para a esquer<strong>da</strong> com relação aos A<br />
de modo que ca<strong>da</strong> C passa por um A num instante de tempo.<br />
Suponhamos que num <strong>da</strong>do momento os corpos ocupem as<br />
seguintes posições relativas:<br />
A1 A2 A3 A4<br />
B1 B2 B3 B4<br />
← C1 C2 C3 C4<br />
Então passando um único instante, isto é, após uma subdivisão<br />
indivisível do tempo, as posições serão:<br />
A1 A2 A3 A4<br />
B1 B2 B3 B4<br />
C1 C2 C3 C4<br />
Notamos então que C1 terá passado por dois dos B; logo o<br />
instante considerado não pode ser o intervalo de tempo mínimo,<br />
→
pois podemos tomar, como uma uni<strong>da</strong>de nova e menor, o tempo<br />
que C1 leva para passar por um B.<br />
73<br />
Os argumentos de Zenon influenciaram profun<strong>da</strong>mente o<br />
desenvolvimento <strong>da</strong> matemática grega, influência comparável à <strong>da</strong><br />
descoberta dos incomensuráveis, com a qual talvez se relacione.<br />
As idéias de tempo e espaço não eram claras naquela época,<br />
podendo facilmente gerar contradições.<br />
MELISSO MELISSO<br />
MELISSO<br />
Pouco se sabe sobre Melisso e sua obra, apenas que foi um<br />
polemista e defensor <strong>da</strong>s idéias de Parmênides.<br />
HERÁCLITO<br />
HERÁCLITO HERÁCLITO (540 – 470 a.C.)<br />
À filosofia <strong>da</strong> permanência de Parmênides e os outros eleatas<br />
opõe-se à de Heráclito de Éfeso que é a do fogo eternamente vivo,<br />
ou movimento contínuo.<br />
“Este mundo, que é o mesmo para todos, nenhum dos deuses ou<br />
dos homens o fez; mas foi sempre, é e será um fogo eternamente<br />
vivo, que se acende com media e se apaga com medi<strong>da</strong>” Nessa frase<br />
muitos vêem uma <strong>da</strong>s chaves para decifrar o pensamento de<br />
Heráclito, que já na antigui<strong>da</strong>de tornou-se conhecido como o<br />
“obscuro”.<br />
De sua vi<strong>da</strong> pouco se sabe com certeza, apenas que pertencia à<br />
família real de sua ci<strong>da</strong>de e que teria renunciado à digni<strong>da</strong>de de se<br />
tornar rei em favor de seu irmão.<br />
Heráclito foi um crítico severo de muitas pessoas famosas,<br />
dentre elas Hesíodo e Pitágoras. Dizia que “o fato de aprender<br />
muitas coisas não instrui a inteligência; do contrário teria instruído<br />
Hesíodo e Pitágoras, do mesmo modo que Xenófanes e Hecateu”.<br />
A uni<strong>da</strong>de dos opostos<br />
A grande descoberta de Heráclito foi perceber que existe uma<br />
harmonia oculta <strong>da</strong>s forças opostas. Não se trata de opor o um ao<br />
múltiplo, como os eleatas, uma vez que o um penetra o múltiplo e a<br />
74<br />
multiplici<strong>da</strong>de é apenas uma forma de uni<strong>da</strong>de, ou melhor, a própria<br />
uni<strong>da</strong>de.<br />
São muitas as citações ou aforismos atribuídos a Heráclito e que<br />
ilustram a essência de seu pensamento. A seguir colocamos alguns<br />
que convi<strong>da</strong>m para uma reflexão: “Deus é dia-noite, inverno-verão,<br />
guerra-paz, superabundância-fome, vi<strong>da</strong>-morte, etc.”<br />
A justiça não significa apaziguamento, pelo contrário, “o<br />
conflito é o pai de to<strong>da</strong>s as coisas; de alguns faz homens; de alguns,<br />
escravos e de alguns, homens livres”. Mas ver a reali<strong>da</strong>de como<br />
fun<strong>da</strong>mentalmente uma tensão de opostos não significa<br />
necessariamente optar pela guerra, no plano político.<br />
“Tu não podes se banhar duas vezes no mesmo rio, porque<br />
novas águas correm sempre sobre ti”. “To<strong>da</strong>s as coisas são troca<strong>da</strong>s<br />
em fogo e o fogo se troca em to<strong>da</strong>s as coisas, como as mercadorias<br />
se trocam por ouro e o ouro é trocado por mercadorias”. “O caminho<br />
para o alto e o caminho para baixo são um e o mesmo”. “O homem é<br />
acendido e apagado como uma luz no meio <strong>da</strong> noite”.<br />
OS OS ATOMISTAS<br />
ATOMISTAS<br />
O Sumário eudemiano de Proclo, como já foi visto, sugere uma<br />
ordem para os primeiros matemáticos, tendo iniciado com Tales.<br />
Porém, por preferências ou problemas políticos, não incluiu os<br />
atomistas.<br />
Segundo a tradição a escola teve início com Leucipo (de Mileto<br />
ou de Eléia), mas conheceu a plena aplicação de seus postulados<br />
com Demócrito de Abdera. Mais tarde, as teses atomistas iriam<br />
ressurgir com Epicuro e Lucrécio, no período helenístico.<br />
A reformulação <strong>da</strong> noção de espaço foi, por certo, a principal<br />
contribuição <strong>da</strong> escola atomista ao desenvolvimento do pensamento<br />
científico e filosófico.<br />
As concepções cosmológica e matemática do pitagorismo<br />
primitivo baseavam-se na noção de número entendido como<br />
sucessão de uni<strong>da</strong>des descontínuas, discretas. Mas permanecia uma<br />
questão que comprometia a coerência <strong>da</strong> visão pitagórica e que<br />
Zenon assinalou, ou seja, a do “intervalo” que separaria as uni<strong>da</strong>des.<br />
Esse intervalo só poderia ter, no mínimo, o tamanho de uma uni<strong>da</strong>de
75<br />
(mínimo de extensão e de corpo); assim, o número <strong>da</strong>s uni<strong>da</strong>des de<br />
extensão “crescia” e ca<strong>da</strong> coisa tendia a tornar-se infinita.<br />
Partindo de colocações do eleatismo, particularmente, de que a<br />
existência do movimento pressupõe o “não ser”, Leucipo e<br />
Demócrito teriam concluído que, exatamente porque o movimento<br />
existe (como mostram os sentidos), o “não ser” (corpóreo) existe.<br />
Afirma-se, assim, pela primeira vez, a existência do vazio. E nesse<br />
vazio é que se moveriam os átomos, partículas corpóreas insecáveis<br />
(indivisíveis fisicamente, embora divisíveis matematicamente).<br />
Os átomos apresentam ain<strong>da</strong> outras características: seriam<br />
plenos (sem vazio interno); em número infinito, invisíveis (devido a<br />
pequenez); móveis por si mesmos; sem qualquer distinção<br />
qualitativa; apenas distintos por atributos geométricos (de forma,<br />
tamanho, posição) e, quando agrupados, distintos pelo arranjo.<br />
Todo o universo seria, portanto, constituído por dois princípios:<br />
o contínuo incorpóreo e infinito (o vazio), e o descontínuo corpóreo<br />
(os átomos).<br />
Parece certo que Leucipo e Demócrito admitiam que o<br />
movimento primário dos átomos seria em to<strong>da</strong>s as direções, como o<br />
<strong>da</strong> poeira que se vê flutuar no ar, se uma réstia penetra num<br />
ambiente escuro.<br />
DEMÓCRITO DEMÓCRITO (470 – 370 a.C.)<br />
Muito pouco se sabe sobre a vi<strong>da</strong> de Demócrito de Abdera, mas<br />
ain<strong>da</strong> vivia quando Platão fundou a Academia em 387 a.C. Sabe-se<br />
porém, que além de contribuir para a formulação do atomismo<br />
físico, aplicou-se principalmente à solução de dois problemas<br />
filosóficos importantes de sua época: o do conhecimento e o <strong>da</strong><br />
ética.<br />
Quanto à ética, Demócrito, do mesmo modo que Sócrates,<br />
considera a “ignorância do melhor” como a causa do erro. Afirma<br />
ain<strong>da</strong>, que guiado pelo prazer, o homem deveria saber distinguir o<br />
valor dos diferentes prazeres, buscando em sua conduta a harmonia<br />
capaz de lhe conceder a calma do corpo, que seria a saúde, e a <strong>da</strong><br />
alma, que seria a felici<strong>da</strong>de.<br />
76<br />
Para Demócrito não havia dúvi<strong>da</strong>s: “Por convenção existe o<br />
doce, por convenção há o quente e o frio. Mas na ver<strong>da</strong>de há<br />
somente átomos e vazio”.<br />
Exercícios<br />
Exercícios<br />
1. Prove dois teoremas atribuídos a Tales e diga, justificando, se<br />
acha ou não que ele usou raciocínio semelhante.<br />
2. Prove o teorema de Pitágoras e diga se acredita ou não que ele<br />
usou seu método? Explique.<br />
3. Quais são os quatro primeiros números heptagonais<br />
(correspondendo a polígonos regulares de sete lados)?<br />
4. Escreva os números 3456 e 4567 e sua soma na notação ática<br />
primitiva e no sistema jônico ou alfabético.<br />
5. Mostre que 1184 e 1210 são números amigos.<br />
6. Usando régua e compasso apenas, construa um pentágono regular,<br />
sendo <strong>da</strong>do: a) o seu lado b) uma diagonal.<br />
7. Num círculo <strong>da</strong>do inscreva um pentágono regular usando apenas<br />
régua e compasso.<br />
8. Qual você acredita ter sido descoberta antes, a irracionali<strong>da</strong>de de<br />
2 ou de 5 ? Justifique sua resposta em termos de evidência<br />
histórica.<br />
9. As diagonais de um hexágono regular são incomensuráveis com o<br />
lado? Explique.
OS OS IDEAIS IDEAIS PLATÔNICOS PLATÔNICOS PLATÔNICOS E E A A LÓGICA<br />
LÓGICA<br />
ARISTOTÉLICA<br />
ARISTOTÉLICA<br />
ARISTOTÉLICA<br />
Segun<strong>da</strong> Segun<strong>da</strong> fase fase do do do Período Período Helênico<br />
Helênico<br />
“Ninguém que ignore a geometria poderá entrar em minha casa”<br />
(Platão)<br />
77<br />
Durante os séculos V e IV a.C. Atenas foi o centro cultural mais<br />
importante <strong>da</strong> Grécia e sua prosperi<strong>da</strong>de e atmosfera intelectual<br />
atraíram estudiosos de to<strong>da</strong>s as partes do mundo grego. Uma síntese<br />
<strong>da</strong>s diversas áreas do conhecimento foi consegui<strong>da</strong> e, no caso<br />
específico <strong>da</strong> matemática, várias questões de nível superior foram<br />
considera<strong>da</strong>s.<br />
Nessa época são propostos vários problemas famosos e dentre<br />
eles os chamados três problemas clássicos de construção: o <strong>da</strong><br />
quadratura do círculo, ou seja, encontrar um quadrado cuja área seja<br />
igual à de um círculo <strong>da</strong>do; o <strong>da</strong> duplicação do cubo, ou seja,<br />
encontrar o lado do cubo cujo volume é o dobro do volume do cubo<br />
<strong>da</strong>do e o <strong>da</strong> trissecção do ângulo, ou seja, dividir um ângulo <strong>da</strong>do<br />
em três partes iguais.<br />
A solução desses problemas iria fascinar matemáticos por mais<br />
de 2000 anos e vários ramos <strong>da</strong> matemática surgiram como corolário<br />
desses estudos.<br />
Devemos lembrar que esses problemas foram resolvidos por<br />
muitos matemáticos e amadores do passado. Porém, a partir de<br />
Euclides – adepto <strong>da</strong>s concepções platônicas – surge uma hipótese<br />
complicadora, a de que os três problemas deveriam ser resolvidos<br />
apenas com régua (sem marcas) e compasso.<br />
A seguir um pouco <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> e obra dos principais matemáticos e<br />
filósofos dessa época, conheci<strong>da</strong> como i<strong>da</strong>de heróica <strong>da</strong> cultura<br />
grega.<br />
78<br />
ANAXÁGORAS ANAXÁGORAS (499 – 428 a.C.)<br />
Anaxágoras de Clazômena levou para Atenas as idéias novas<br />
que estavam sendo produzi<strong>da</strong>s na Jônia. Em Atenas tornou-se amigo<br />
do grande líder político Péricles, mas nem essa amizade livrou-o do<br />
processo que acabou por forçá-lo a abandonar a ci<strong>da</strong>de. Na<br />
democrática Atenas são famosos dois processos contra a filosofia, o<br />
primeiro com Anaxágoras e mais tarde, o <strong>da</strong> condenação à morte de<br />
Sócrates.<br />
Anaxágoras introduz a noção do infinitamente pequeno: “to<strong>da</strong>s<br />
as coisas estavam juntas, infinitas ao mesmo tempo em número e<br />
pequenez, porque o pequeno era também infinito”. Essa idéia,<br />
contrária à concepção <strong>da</strong> extensão no pitagorismo primitivo – que<br />
admitia a extensão como composta de uni<strong>da</strong>des indivisíveis – tornase<br />
fun<strong>da</strong>mental para suas cosmogonia e cosmologia. A tese de que<br />
“em ca<strong>da</strong> coisa existe uma porção de ca<strong>da</strong> coisa” sustenta-se na<br />
divisibili<strong>da</strong>de infinita.<br />
Segundo o depoimento de Aristóteles, Anaxágoras teria<br />
afirmado que “o homem pensa porque tem mãos”, tese que mais<br />
tarde será combati<strong>da</strong> inclusive pelo próprio Aristóteles, quando se<br />
intensificar na socie<strong>da</strong>de grega o preconceito contra o trabalho<br />
manual, geralmente atribuído a escravos.<br />
Vemos assim, que os ci<strong>da</strong>dãos atenienses zelosos de suas<br />
crenças e tradições, cui<strong>da</strong>ram de fazer leis para protegê-los <strong>da</strong>s<br />
idéias “subversivas” dos forasteiros. E, devido a uma dessas leis,<br />
Anaxágoras acabou sendo condenado à prisão por impie<strong>da</strong>de. Seu<br />
“crime” fora afirmar que o Sol é uma bola de fogo, maior que o<br />
Peloponeso, que a Lua é feita de terra, que empresta do Sol a sua<br />
luz. Lembremos que o Sol para os atenienses ain<strong>da</strong> era uma<br />
divin<strong>da</strong>de.<br />
Para se entreter na cadeia, Anaxágoras dedicou-se à tarefa de<br />
tentar resolver o problema <strong>da</strong> quadratura do círculo. Ao que consta<br />
não conseguiu seu intento. Mas sua frustração seria bem menor se<br />
pudesse saber que o problema atravessou mais de dois milênios sem<br />
solução completa.<br />
Com muito respeito parodiamos Manuel Bandeira no caso de<br />
Anaxágoras em Atenas, não muito distante de Pasárga<strong>da</strong> na Pérsia.
Lá, foi amigo do rei e mesmo assim morreu no exílio.<br />
Evidentemente a culpa não é do poema.<br />
HIPÓCRATES<br />
HIPÓCRATES HIPÓCRATES (460 – 370 a.C.)<br />
79<br />
Hipócrates de Chios, um pouco mais jovem que Anaxágoras e<br />
proveniente <strong>da</strong> mesma região <strong>da</strong> Grécia, trocou sua terra natal por<br />
Atenas, na quali<strong>da</strong>de de mercador. Consta que ludibriado por piratas<br />
tentou recuperar suas finanças trabalhando como professor de<br />
geometria. Ele não deve ser confundido com seu contemporâneo<br />
mais famoso, o médico Hipócrates de Cos.<br />
Segundo Proclo, Hipócrates compôs uma obra – Elementos <strong>da</strong><br />
Geometria – antecipando-se por mais de um século à mais<br />
conheci<strong>da</strong> Os Elementos de Euclides. Organizou de modo lógico a<br />
geometria <strong>da</strong> época e demonstrou, por dupla redução ao absurdo, um<br />
teorema importante para a quadratura do círculo.<br />
Teorema: As áreas de círculos estão para si assim como os<br />
2<br />
A 1 d1<br />
quadrados de seus diâmetros, ou seja, = em que A1 e A2<br />
2<br />
A2<br />
d 2<br />
representam as áreas de dois círculos com diâmetros, d1 e d2,<br />
respectivamente.<br />
Esse teorema é importante para a quadratura de lunas. Uma luna<br />
é uma figura delimita<strong>da</strong> por dois arcos circulares de raios diferentes;<br />
o problema de sua quadratura certamente se originou <strong>da</strong> quadratura<br />
do círculo. Hipócrates foi o primeiro matemático a deduzir uma<br />
quadratura rigorosa de uma região delimita<strong>da</strong> por linhas curvas ( que<br />
não são retas, é claro).<br />
Exemplo de uma quadratura de luna por Hipócrates:<br />
Considerou um semicírculo<br />
circunscrito a um triângulo<br />
retângulo, inicialmente<br />
isósceles e depois qualquer,<br />
e sobre a base (hipotenusa)<br />
construiu um segmento<br />
80<br />
semelhante aos segmentos circulares construídos sobre os catetos. A<br />
soma <strong>da</strong>s áreas <strong>da</strong>s lunas sobre os catetos é igual a área do triângulo<br />
<strong>da</strong>do.<br />
Prova: ABC é um triângulo retângulo isósceles, ou seja, AB= BC.<br />
2 2 2<br />
Pelo teorema de Pitágoras temos que AB + BC = AC e assim,<br />
2<br />
2<br />
AC = 2AB . Pelo teorema anterior ou de Hipócrates, vem que<br />
2<br />
2<br />
S + L AB AB 1<br />
= = = ⇒ 2 S + 2L<br />
= 2S<br />
+ 2T<br />
⇒ L = T .<br />
2<br />
2<br />
2S<br />
+ 2L<br />
AC 2AB<br />
2<br />
As quadraturas de Hipócrates são significativas não tanto como<br />
tentativas de quadrar o círculo, mas como indicações do nível <strong>da</strong><br />
matemática <strong>da</strong> época. Mostram que os matemáticos atenienses eram<br />
hábeis ao tratar transformações de áreas e proporções. Em particular,<br />
não havia dificul<strong>da</strong>de em converter um retângulo de lados a e b num<br />
quadrado. Isso exige achar a média proporcional, ou geométrica,<br />
a x<br />
entre a e b, ou seja, se = , então facilmente se construía x.<br />
x b<br />
b<br />
x<br />
a<br />
x<br />
2<br />
2<br />
2<br />
2<br />
( r − s)(<br />
r + s)<br />
ba<br />
x + s = r , então, x = r − s =<br />
=<br />
Assim, x = ab é o lado do quadrado de área igual à do retângulo<br />
de lados a e b.<br />
Era natural, pois, que tentassem generalizar a questão inserindo<br />
dois meios entre duas grandezas <strong>da</strong><strong>da</strong>s a e b. Isto é, <strong>da</strong>dos dois<br />
segmentos a e b, esperavam construir dois outros x e y tais que<br />
a x y<br />
= = . Diz-se que Hipócrates percebeu que esse problema<br />
x y b<br />
contém o <strong>da</strong> duplicação do cubo; pois se b = 2a, as proporções, por<br />
eliminação de y, levam à conclusão que x³ = 2a³.<br />
r<br />
a<br />
2<br />
2<br />
r<br />
s<br />
x<br />
b
Hipócrates pode não ter quadrado o círculo, mas sentiu<br />
profun<strong>da</strong>mente o problema.<br />
HÍPIAS HÍPIAS HÍPIAS (460 – 390 a.C.)<br />
81<br />
Hípias de Elis era um dos chamados filósofos sofistas, que<br />
ganhavam seu sustento ensinando nas ruas e praças, o que não era<br />
bem visto por componentes de outras escolas. Os discípulos de<br />
Pitágoras e de Platão, por exemplo, eram proibidos de aceitar<br />
pagamento para partilhar seus conhecimentos com seus<br />
conci<strong>da</strong>dãos. Os sofistas foram acusados, dentre outras coisas de<br />
superficiais, mas isso não deve ocultar o fato de serem muito bem<br />
informados em muitos assuntos e de terem contribuído para o<br />
desenvolvimento <strong>da</strong> matemática, especialmente<br />
Hípias, talvez preocupado em resolver os problemas clássicos,<br />
introduziu na matemática uma curva não construtível com régua e<br />
compasso, apenas, conheci<strong>da</strong> por trissectriz ou quadratriz.<br />
Essa curva é traça<strong>da</strong> mecanicamente pela intersecção de duas<br />
retas em movimento. No quadrado ABCD seja o lado AB deslocado<br />
para baixo uniformemente a partir de sua posição presente até<br />
coincidir com DC, e suponhamos que esse movimento leve<br />
exatamente o mesmo tempo que o lado DA leva para girar em<br />
sentido horário de sua posição presente até coincidir com DC. Se as<br />
posições dos dois segmentos são <strong>da</strong><strong>da</strong>s em um instante fixado<br />
qualquer por A’B’ e DA” ,respectivamente, e se P é o ponto de<br />
intersecção de A’B’ e DA”, o lugar descrito por P durante esses<br />
movimentos será a trissectriz de Hípias – a curva APQ na figura.<br />
A<br />
A’<br />
T<br />
U<br />
P<br />
V<br />
W<br />
B<br />
B’<br />
R<br />
S<br />
Da<strong>da</strong> essa curva, faz-se a trissecção de<br />
um ângulo com facili<strong>da</strong>de. Por exemplo,<br />
se PDC é o ângulo a ser trissectado – ou<br />
dividido em um número qualquer de<br />
partes iguais – simplesmente trissectamos<br />
os segmentos B’C e A’D, com os pontos<br />
D Q<br />
C R, S, T e U. Se as retas TR e US cortam a<br />
trissectriz em V e W, respectivamente, as<br />
retas VD e WD, pela proprie<strong>da</strong>de <strong>da</strong> trissectriz dividirão o ângulo<br />
PDC em três partes iguais.<br />
A’’<br />
P<br />
V<br />
W<br />
A’’<br />
82<br />
A curva de Hípias é também chama<strong>da</strong> de quadratriz, pois pode<br />
ser usa<strong>da</strong> para quadrar o círculo. Foi conjecturado que Hípias sabia<br />
desse método de quadratura mas não conseguiu prova-lo. A<br />
quadratura por meio <strong>da</strong> curva de Hípias foi <strong>da</strong><strong>da</strong> mais tarde por<br />
Dinóstrato.<br />
Usando notações e métodos atuais podemos encontrar a<br />
equação <strong>da</strong> curva de Hípias em coordena<strong>da</strong>s polares:<br />
A B<br />
A’<br />
P<br />
B’<br />
D<br />
r<br />
θ<br />
U Q<br />
C<br />
O<br />
π/2<br />
Considerando as equações <strong>da</strong>s retas DP : y = tgθ<br />
x e<br />
2aθ<br />
A'<br />
B'<br />
: y = t = , e que P é a intersecção dessas retas vem que<br />
π<br />
y<br />
P = ( x,<br />
y ) = ( , y ) .<br />
tgθ<br />
π<br />
2aθ<br />
Seja L : [ 0, ] → [ 0,<br />
a]<br />
defini<strong>da</strong> por L(<br />
θ ) = t = . Assim,<br />
2<br />
π<br />
t 2aθ<br />
2aθ<br />
2aθ<br />
1<br />
P = ( , t ) = ( tgθ,<br />
) = ( , 1)<br />
. Logo,<br />
tgθ<br />
π π π tgθ<br />
2 1<br />
1<br />
2 +<br />
2<br />
aθ<br />
2aθ<br />
sec θ 2aθ<br />
secθ<br />
2aθ<br />
1<br />
r = P =<br />
=<br />
= = .<br />
2<br />
π tg θ π tg θ π tgθ<br />
π senθ<br />
Portanto, π r senθ<br />
= 2aθ<br />
é a equação polar <strong>da</strong> curva de Hípias<br />
e, desse modo, .<br />
a<br />
2aθ<br />
2a<br />
θ 2<br />
limr<br />
= lim senθ<br />
= lim =<br />
θ→0<br />
θ→0<br />
π π θ→0<br />
senθ<br />
π<br />
SÓCRATES SÓCRATES (469 – 399 a.C.)<br />
No ano 399 a.C., o tribunal dos heliastas, constituído por<br />
ci<strong>da</strong>dãos escolhidos por sorteio, reuniu-se com 500 ou 501<br />
a<br />
(π/2, a)
83<br />
membros. Difícil tarefa aguar<strong>da</strong>va esses juízes: julgar Sócrates,<br />
conheci<strong>da</strong> mas controverti<strong>da</strong> figura. Ci<strong>da</strong>dão admirado e enaltecido<br />
por alguns – particularmente pelos jovens – era entretanto, criticado<br />
e combatido por outros, que nele viam uma ameaça para as tradições<br />
<strong>da</strong> polis e um elemento pernicioso à juventude.<br />
A acusação era grave: não reconhecer os deuses do Estado,<br />
introduzir novas divin<strong>da</strong>des e corromper a juventude.<br />
Defesa de Sócrates: “não tenho outra ocupação senão de vos<br />
persuadir a todos, tanto velhos como novos, de que cuideis menos<br />
dos vossos corpos e dos vossos bens do que <strong>da</strong> perfeição de vossas<br />
almas, e a de vos dizer que a virtude não provém <strong>da</strong> riqueza, mas<br />
sim que é a virtude que traz a riqueza ou qualquer outra coisa útil<br />
aos homens, quer na vi<strong>da</strong> pública, quer na vi<strong>da</strong> priva<strong>da</strong>. Se, dizendo<br />
isso, eu estou a corromper a juventude, tanto pior; mas se alguém<br />
afirmar que digo outra coisa, mente”.<br />
Sobre a vi<strong>da</strong> de Sócrates, pouca coisa se sabe e chegou-se a<br />
afirmar que ele seria uma criação literária do nacionalismo<br />
ateniense. Ele, que se dizia estéril – pois só sabia que na<strong>da</strong> sabia –<br />
procurava auxiliar as pessoas noutra forma de concepção, a <strong>da</strong>s<br />
idéias próprias: forma de se ir ao encontro de si mesmo e de fazer de<br />
si mesmo o seu próprio ponto de parti<strong>da</strong>.<br />
Mas, para aquela democracia, que recusava o direito de<br />
ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia às mulheres, aos estrangeiros e aos escravos, portanto, à<br />
maioria <strong>da</strong> população de Atenas, o Sócrates pe<strong>da</strong>gogo e médico de<br />
almas constituía uma denúncia de suas limitações, e<br />
conseqüentemente, um perigo.<br />
Após recusar o exílio que dissimula<strong>da</strong>mente lhe ofereceram foi<br />
condenado a morrer, bebendo cicuta, o filósofo que garantia que o<br />
reencontro consigo mesmo só pode partir <strong>da</strong> consciência <strong>da</strong> própria<br />
ignorância.<br />
A “democracia” ateniense matou aquele que até pegou em<br />
armas para defendê-la. Que ironia!<br />
PLATÃO PLATÃO PLATÃO (428 – 348 a.C.)<br />
“Outrora, na minha juventude, experimentei o que tantos jovens<br />
experimentam. Tinha o projeto de, no dia em que pudesse dispor de<br />
mim próprio, imediatamente intervir na política” (Platão, 354 a.C.).<br />
84<br />
A vi<strong>da</strong> de Platão transcorreu entre a fase áurea <strong>da</strong> democracia<br />
ateniense e o final do período helênico: sua obra filosófica<br />
representará em vários aspectos, a expansão de um pensamento<br />
alimentado pelo clima de liber<strong>da</strong>de e de apogeu político.<br />
Platão, de tradicionais famílias de Atenas, tenta estabelecer a<br />
síntese entre a tradição eleática (que negava a racionali<strong>da</strong>de de<br />
qualquer mu<strong>da</strong>nça) e a heraclítica (que afirmava o fluxo contínuo de<br />
to<strong>da</strong>s as coisas).<br />
O grande acontecimento <strong>da</strong> juventude de Platão foi o encontro<br />
com Sócrates e diante <strong>da</strong> injustiça sofri<strong>da</strong> pelo mestre, aprofun<strong>da</strong>-se<br />
o desencanto de Platão com a política e com aquela democracia.<br />
Com Sócrates, o jovem Platão pudera sentir a necessi<strong>da</strong>de de<br />
fun<strong>da</strong>mentar qualquer ativi<strong>da</strong>de em conceitos claros e seguros. O<br />
primado <strong>da</strong> política torna-se para Platão, o primado <strong>da</strong> ver<strong>da</strong>de, <strong>da</strong><br />
ciência.<br />
Depois <strong>da</strong> morte de Sócrates, disperso o núcleo que se<br />
congregara em torno dele, Platão viaja ao sul <strong>da</strong> Itália (magna<br />
Grécia), onde convive com Arquitas de Tarento. O famoso<br />
matemático e político pitagórico dá-lhe um exemplo vivo de sábiogovernante,<br />
que ele depois apontará em a República, como solução<br />
ideal para os problemas políticos.<br />
Da visita de Platão ao Egito quase na<strong>da</strong> se sabe com segurança.<br />
Certo é que em Cirene, inteirou-se <strong>da</strong>s pesquisas matemáticas<br />
desenvolvi<strong>da</strong>s por Teodoro, particularmente as referentes aos<br />
irracionais.<br />
Os irracionais matemáticos inspirarão várias doutrinas<br />
platônicas, pois representam uma justa medi<strong>da</strong>, que nenhuma<br />
linguagem consegue exaurir.<br />
Nessa época Platão compõe seus primeiros Diálogos. Entre<br />
esses está a Apologia de Sócrates. Os outros diálogos desta fase<br />
manifesta duas preocupações que permanecerão constantes na obra<br />
platônica: o problema político e o papel que a retórica pode<br />
desempenhar na ética e na educação.
A Academia<br />
85<br />
Em 387 a.C. Platão fundou em Atenas a<br />
Academia, sua própria escola de<br />
investigação científica e filosófica (a<br />
Academia durou até 529 d.C.). O<br />
acontecimento foi <strong>da</strong> máxima importância<br />
para a história do pensamento ocidental.<br />
Platão tornou-se o primeiro dirigente de<br />
uma instituição permanente, volta<strong>da</strong> para a<br />
pesquisa original e concebi<strong>da</strong> como<br />
conjugação de esforços de um grupo que vê<br />
no conhecimento algo vivo e dinâmico e<br />
não um corpo de doutrinas a serem<br />
Platão e Aristóteles – simplesmente resguar<strong>da</strong><strong>da</strong>s e transmiti<strong>da</strong>s.<br />
A Escola de Atenas<br />
Depois de suas viagens, quando freqüentou centros pitagóricos<br />
de pesquisa científica, Platão via na matemática a promessa de um<br />
caminho que conduzisse à certeza. A educação deveria, em última<br />
instância, basear-se numa episteme (ciência) e ultrapassar o<br />
plano instável <strong>da</strong> opinião (doxa). E a política poderia se transformar<br />
numa ação ilumina<strong>da</strong> pela ver<strong>da</strong>de e um gesto criador de harmonia,<br />
de justiça e de beleza.<br />
Durante cerca de vinte anos, Platão dedicou-se ao magistério e à<br />
composição de suas obras. Sob a influência do pitagorismo, Platão<br />
desligou-se um pouco de Sócrates e formulou uma filosofia própria.<br />
Ele sempre retomava a tese de que o ideal para a polis seria a<br />
existência de um rei filósofo, que inclusive pudesse governar sem<br />
necessi<strong>da</strong>de de leis.<br />
Para Platão, as idéias perfeitas e imutáveis constituiriam os<br />
modelos ou paradigmas dos quais as coisas materiais seriam apenas<br />
cópias imperfeitas e transitórias. Seriam, pois, tipos ideais a<br />
transcender o plano mutável dos objetos físicos.<br />
A mimesis, no pitagorismo, apresentara um caráter de<br />
imanência: o modelo e a cópia estão ambos no plano concreto; são<br />
as duas faces (interna e externa, razão e sentidos) <strong>da</strong> mesma<br />
reali<strong>da</strong>de. Com Platão, a noção de imitação (mimesis) adquiriu<br />
acepção metafísica, como lógica decorrência do distanciamento<br />
86<br />
entre o plano sensível e o inteligível. Os objetos físicos múltiplos,<br />
concretos e perecíveis – aparecem como cópias imperfeitas dos<br />
arquétipos ideais, incorpóreos e perenes.<br />
Modelo de Estado<br />
Em a República, a organização de uma ci<strong>da</strong>de ideal apóia-se<br />
numa divisão racional do trabalho. Como reformador social, Platão<br />
considera que a justiça depende dessa diversi<strong>da</strong>de de funções<br />
exerci<strong>da</strong>s por três classes distintas: a dos artesãos, dedicados à<br />
produção de bens materiais; a dos sol<strong>da</strong>dos, encarregados de<br />
defender a ci<strong>da</strong>de; a dos guardiães, incumbidos de zelar pela<br />
observância <strong>da</strong>s leis.<br />
Produção, defesa, administração interna – essas as três<br />
funções essenciais <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de. E o importante não é que uma classe<br />
usufrua de uma felici<strong>da</strong>de superior, mas que to<strong>da</strong> a ci<strong>da</strong>de seja feliz.<br />
O indivíduo faria parte <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de para poder cumprir sua função<br />
social e nisto consiste ser justo: em cumprir a própria função.<br />
A reorganização <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de para transformá-la em reino de<br />
justiça exige, naturalmente, reformas radicais. A família, por<br />
exemplo, deveria desaparecer para que as mulheres fossem comuns<br />
a todos os guardiães e as crianças seriam educa<strong>da</strong>s pela ci<strong>da</strong>de e a<br />
procriação deveria ser regula<strong>da</strong> de modo a preservar a eugenia; para<br />
evitar os laços familiares egoístas, nenhuma criança conheceria seu<br />
pai e nenhum pai seu ver<strong>da</strong>deiro filho; a execução dos trabalhos não<br />
levaria em conta distinção de sexo, mas tão somente a diversi<strong>da</strong>de<br />
<strong>da</strong>s aptidões naturais.<br />
Mas a ci<strong>da</strong>de ideal só poderia surgir se o governo supremo<br />
fosse confiado a reis-filósofos.<br />
Da sombra à luz<br />
O processo de conhecimento representava, para Platão, uma<br />
progressiva passagem <strong>da</strong>s sombras e imagens turvas ao luminoso<br />
universo <strong>da</strong>s idéias, atravessando etapas intermediárias. Ca<strong>da</strong> fase<br />
encontraria sua fun<strong>da</strong>mentação e resolução na fase seguinte. O que<br />
não era visto claramente no plano sensível (e só poderia ser objeto<br />
de uma conjetura) transformava-se em objeto de crença. Seguia-se<br />
assim (ver quadro abaixo) até chegar no Bem, cujo análogo seria o<br />
Sol, no caso material.
87<br />
Aquele que se libertou <strong>da</strong>s ilusões e se elevou à visão <strong>da</strong><br />
reali<strong>da</strong>de poderia, ou melhor, deveria governar para libertar os<br />
outros prisioneiros <strong>da</strong>s sombras: seria o filósofo-político, que coloca<br />
sua sabedoria como um instrumento de libertação de consciências e<br />
de justiça social, aquele que faz <strong>da</strong> procura <strong>da</strong> ver<strong>da</strong>de uma arte de<br />
desilusionismo.<br />
Eros, que desempenhava em relação aos sentimentos e às<br />
emoções o mesmo papel de intermediário que as enti<strong>da</strong>des<br />
matemáticas representavam para a vi<strong>da</strong> intelectual, coman<strong>da</strong>va a<br />
subi<strong>da</strong> por via <strong>da</strong> atração que a beleza dos corpos exercia sobre os<br />
sentidos e remetendo afinal à contemplação do Belo supremo, o<br />
Belo em si.<br />
A construção do conhecimento constituiu, assim no platonismo,<br />
uma conjugação de intelecto e emoção, de razão e vontade: a<br />
episteme seria fruto de inteligência e de amor. É precisamente esse o<br />
tema de O Banquete nos diálogos de Sócrates, Agatão, Alcibíades e<br />
outros. A visão platônica do conhecimento pode, assim, ser<br />
resumi<strong>da</strong> no seguinte quadro: <strong>da</strong> sombra (A) à luz (C).<br />
C<br />
↑<br />
Idéias → ↑ ← Dialética<br />
↑ Ciência<br />
Mundo inteligível E (episteme)<br />
↑<br />
Objetos ↑ Conhecimentos<br />
matemáticos → ↑ ← matemáticos<br />
B<br />
↑<br />
Objetos → ↑ ← Crença<br />
sensíveis ↑<br />
D<br />
Mundo Sensível ↑ Opinião<br />
Sombras → ↑ ← Ilusão, conjectura<br />
↑<br />
A<br />
88<br />
Platão e a matemática<br />
Platão, segundo Proclo, proporcionou grandes progressos na<br />
matemática em geral e na geometria em particular, devido ao seu<br />
conhecido zelo pelo estudo. Seus livros eram ricos em discursos<br />
matemáticos e aproveitava-se de to<strong>da</strong>s as ocasiões para mostrar a<br />
notável conexão que existe entre a matemática e a filosofia.<br />
“Ninguém que ignore a geometria poderá entrar em minha casa” –<br />
eis a condição que impunha aos que queriam estu<strong>da</strong>r com ele.<br />
Em as Leis, Platão aconselha o estudo <strong>da</strong> música ou a prática <strong>da</strong><br />
lira dos 13 até os 16 anos, seguindo-se então as matemáticas, os<br />
pesos e medi<strong>da</strong>s, bem como o calendário astronômico, até os 17. Em<br />
a República, por outro lado, recomen<strong>da</strong> a alguns jovens<br />
selecionados, antes dos 18 anos, o estudo <strong>da</strong> matemática abstrata ou<br />
teórica, ou seja, <strong>da</strong> aritmética, <strong>da</strong> geometria plana e espacial, <strong>da</strong><br />
cinemática e <strong>da</strong> harmonia. A respeito <strong>da</strong> aritmética diz: “aqueles que<br />
nasceram com aptidão para ela aprendem depressa, ao passo que,<br />
mesmo nos que são lentos em assimilá-la, a capaci<strong>da</strong>de geral de<br />
compreensão aproveita muito com o seu estudo”. “Nenhum ramo <strong>da</strong><br />
educação constitui tão valioso preparo para a administração <strong>da</strong> casa,<br />
para to<strong>da</strong>s as artes e ofícios, ciências e profissões, como a<br />
aritmética. Acima de tudo, graças a alguma influência divina, ela<br />
desperta o cérebro moroso e sonolento, tornando-o estudioso, atento<br />
e arguto”.<br />
Segundo Platão os conceitos matemáticos independem <strong>da</strong><br />
experiência e, ain<strong>da</strong> mais, para ele a matemática não se constrói,<br />
mas se descobre.<br />
A matemática nessa fase começa a atingir os ideais propostos<br />
por Tales, e se torna dedutiva. São formula<strong>da</strong>s definições precisas,<br />
os métodos de demonstração são avaliados e sistematizados, e deuse<br />
especial importância ao rigor <strong>da</strong> lógica. São desse período<br />
axiomas como: “quanti<strong>da</strong>des iguais subtraí<strong>da</strong>s de diminuendos<br />
iguais dão restos iguais”.<br />
Para Platão o ponto seria o limite <strong>da</strong> linha; a linha o limite <strong>da</strong><br />
superfície e a superfície o limite do corpo sólido.<br />
O método analítico, que relaciona a tese a se provar com o que<br />
já se conhece, é uma importante contribuição platônica à<br />
matemática. Em essência esse método, que parte do desconhecido<br />
para o conhecido, depende <strong>da</strong> reversibili<strong>da</strong>de do processo.
89<br />
Exemplo: Provar que 1<br />
1 <<br />
a<br />
para a > 0.<br />
a +<br />
a<br />
Temos: < 1 ⇔ a < a + 1 ⇔ 0 < 1.<br />
Como 0 < 1 é ver<strong>da</strong>deiro,<br />
a + 1<br />
está prova<strong>da</strong> a proposição, devido às equivalências envolvi<strong>da</strong>s.<br />
Embora seu interesse principal fosse a geometria, as conquistas<br />
de Platão no campo <strong>da</strong> aritmética foram consideráveis para a sua<br />
época. Determinou de maneira correta, por exemplo, os 59 divisores<br />
de 5040, entre os quais se incluem todos os números inteiros de 1 a<br />
10. O número 5040 aparece, nas Leis, como o número ideal de<br />
ci<strong>da</strong>dãos na Ci<strong>da</strong>de ideal, ou seja, 7.6.5.4.3.2.1<br />
Cosmologia platônica<br />
A forma esférica <strong>da</strong> Terra já se tornara geralmente aceita na<br />
Grécia e as cosmologias mais antigas foram desaparecendo pouco a<br />
pouco.<br />
Para Platão, que tinha pelas ciências físicas um interesse apenas<br />
secundário, a Terra era uma esfera situa<strong>da</strong> no centro do Universo e<br />
não necessitava de apoio. Supôs que as distâncias dos corpos<br />
celestes a esse centro fossem proporcionais aos números 1 (Lua), 2<br />
(Sol), 3 (Vênus), 4 (Mercúrio), 8 (Marte), 9(Júpiter), 27 (Saturno).<br />
Esses números eram obtidos pela combinação de duas progressões<br />
geométricas, respectivamente, 1, 2, 4, 8 e 1, 3, 9, 27.<br />
Platão admite, em princípio, que os astros são dotados de um<br />
movimento circular uniforme, em torno <strong>da</strong> Terra, e propõe aos<br />
matemáticos o seguinte problema: “quais são os movimentos<br />
circulares uniformes que poderemos admitir como hipótese para<br />
explicar os movimentos aparentes dos planetas?”<br />
Provavelmente, Platão não tinha uma noção clara <strong>da</strong>s<br />
irregulari<strong>da</strong>des dos planetas que depois iriam absorver a atenção de<br />
filósofos e astrônomos. Seu sistema era um geocentrismo coerente e<br />
apoiava-se na idéia <strong>da</strong> imobili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> Terra.<br />
Embora tenham trazido poucos subsídios permanentes para as<br />
ciências físicas, as teorias de Platão tiveram grande influência sobre<br />
as idéias antigas e medievais e sobre a evolução <strong>da</strong> alquimia.<br />
90<br />
ARQUITAS ARQUITAS (428 – 347 a.C.)<br />
Arquitas de Tarento, na Itália Meridional, estadista que por<br />
diversas vezes exerceu o comando <strong>da</strong>s forças militares de sua<br />
ci<strong>da</strong>de, foi um filósofo pitagórico e grande amigo de Platão e,<br />
talvez, o que mais influenciou no matematismo do filósofo <strong>da</strong><br />
Academia.<br />
Aplicou a matemática aos problemas mecânicos e é considerado<br />
o fun<strong>da</strong>dor <strong>da</strong> mecânica teórica, sendo que muitas obras perdi<strong>da</strong>s<br />
sobre mecânica e geometria lhe são atribuí<strong>da</strong>s. Diz-se, ain<strong>da</strong>, que<br />
ele inventou o parafuso e a rol<strong>da</strong>na e era um exímio construtor de<br />
máquinas. Deu uma notável – mas complica<strong>da</strong> – solução ao<br />
problema de duplicação do cubo.<br />
Restam-nos fragmentos de sua Harmonia e <strong>da</strong>s Diatribes ou<br />
Conversas, referentes a problemas de matemática e música.<br />
TEAETECTO<br />
TEAETECTO TEAETECTO ( século IV a.C.)<br />
Discípulo de Platão a quem é atribuído a demonstração de que<br />
só existem cinco poliedros regulares, chamados poliedros de Platão:<br />
tetraedro, hexaedro (cubo), octaedro, dodecaedro e icosaedro.<br />
MENAECMO MENAECMO (século IV a.C.)<br />
Menaecmo, astrônomo e geômetra <strong>da</strong> Academia, conseguiu<br />
resolver o problema <strong>da</strong> duplicação do cubo. Em sua solução usava<br />
duas curvas especialmente inventa<strong>da</strong>s por ele para essa finali<strong>da</strong>de: a<br />
parábola e a hipérbole. A elipse apareceu como corolário dessa<br />
invenção. Essas três curvas são chama<strong>da</strong>s até hoje de secções<br />
cônicas, porque Menaecmo as concebeu cortando três tipos de<br />
superfícies cônicas de uma folha, a de ângulo agudo (oxytome –<br />
elipse), a de ângulo reto (orthotome – parábola) e a de ângulo obtuso<br />
(amblytome – hipérbole), respectivamente, por um plano<br />
perpendicular à geratriz.
Oxytome Orthotome Amblytome<br />
91<br />
A hipérbole de dois ramos só surgiria algum tempo depois, com<br />
Apolônio. Menaecmo ain<strong>da</strong> não dispunha de sistemas de<br />
coordena<strong>da</strong>s, o que o obrigava a ser muito mais engenhoso. Mas,<br />
usando a linguagem atual, não é difícil perceber que a intersecção <strong>da</strong><br />
parábola x² = 2y com a hipérbole xy = 1 é solução de x³ = 2. A<br />
solução de Menaecmo não se vale apenas de régua e compasso, é<br />
claro, mas o importante mesmo foi que introduziu na matemática as<br />
secções cônicas<br />
DINÓSTRATO DINÓSTRATO ( século IV a. C.)<br />
Irmão de Menaecmo, Dinóstrato era também um matemático, e<br />
se um resolveu o problema <strong>da</strong> duplicação do cubo, o outro resolveu<br />
o <strong>da</strong> quadratura do círculo, com uma curva não construtível com<br />
régua e compasso.<br />
A quadratura deixou de ser uma questão impossível quando foi<br />
observa<strong>da</strong> por Dinóstrato uma notável proprie<strong>da</strong>de <strong>da</strong> extremi<strong>da</strong>de<br />
Q <strong>da</strong> trissectriz de Hípias.<br />
A<br />
T<br />
D<br />
r<br />
θ<br />
a<br />
S<br />
B<br />
Q H C<br />
Equação polar <strong>da</strong> trissectriz: πrsenθ = 2 aθ<br />
O Teorema de Dinóstrato diz que o lado a<br />
é a média proporcional entre o segmento<br />
DQ e o arco do quarto de círculo AC, isto é,<br />
∩<br />
AC<br />
=<br />
AB<br />
AB<br />
.<br />
DQ<br />
Conforme visto anteriormente,<br />
92<br />
∩<br />
2a<br />
AC a<br />
DQ = lim r = . Assim, = , ou seja, .<br />
θ→0<br />
π a 2 a<br />
π<br />
a ∩ π<br />
AC =<br />
2<br />
Dado o ponto Q de intersecção <strong>da</strong> trissectriz com DC, temos,<br />
pois, uma proporção envolvendo três segmentos retilíneos e arco<br />
circular AC. Por uma construção geométrica simples do quarto<br />
termo numa proporção podemos facilmente traçar um segmento de<br />
reta b de comprimento igual a AC.<br />
O retângulo que tem lado 2b e a como o outro lado, tem área<br />
exatamente igual à do círculo com raio a. Agora construímos o<br />
quadrado de área igual a do retângulo, tomando como lado a média<br />
geométrica dos lados do retângulo. Como Dinóstrato provou que a<br />
trissectriz de Hípias serve para quadrar o círculo, a curva veio a ser<br />
chama<strong>da</strong> mais comumente de quadratriz.<br />
EUDOXO EUDOXO EUDOXO (408 – 355 a.C.)<br />
Eudoxo de Cnido, aluno de Arquitas e, por algum tempo, de<br />
Platão, é considerado o maior matemático do período helênico.<br />
Além disso ficou famoso por defender uma ética basea<strong>da</strong> na noção<br />
de prazer.<br />
Não foi apenas matemático e astrônomo, mas também físico.<br />
Em matemática pode-se dizer que recriou essa ciência,<br />
desenvolvendo a teoria <strong>da</strong>s proporções, fazendo um estudo especial<br />
<strong>da</strong> divisão áurea e alcançando importantes resultados na geometria<br />
dos sólidos.<br />
Eudoxo resolveu o problema <strong>da</strong> proporcionali<strong>da</strong>de de uma<br />
maneira geral após introduzir a noção de grandezas de mesma<br />
espécie, tais como, comprimento, área, volume, tempo, etc. Desse<br />
modo, suponha que A e B sejam grandezas de mesma espécie e que<br />
C e D também sejam grandezas de mesma espécie (não<br />
necessariamente do tipo de A e B).<br />
A C<br />
Pergunta-se: quando se tem = ?<br />
B D
A C<br />
Eudoxo postulou que: = sempre que, <strong>da</strong>dos m e n<br />
B D<br />
inteiros positivos quaisquer, mA > nB ⇒ mC > nD ;<br />
mA = nB ⇒ mC = nD ; mA < nB ⇒ mC < nD .<br />
Método de Exaustão<br />
93<br />
Axioma: Da<strong>da</strong>s duas grandezas diferentes A e B , de mesma espécie,<br />
e que têm uma razão, isto é, nenhuma delas sendo zero, pode-se<br />
encontrar um múltiplo de qualquer delas que seja maior que a outra,<br />
ou seja, existem números inteiros positivos m e n tais que<br />
nA > B ou mB > A .<br />
Com esse axioma Eudoxo provou, por uma redução ao<br />
absurdo, uma proposição fun<strong>da</strong>mental para o cálculo de áreas e<br />
volumes e que foi denomina<strong>da</strong> de método de exaustão:<br />
Proposição: Se de uma grandeza qualquer subtrai-se uma parte não<br />
menor que sua metade e do resto novamente subtrai-se não menos<br />
que a metade, e se esse processo de subtração é continuado,<br />
finalmente restará uma grandeza menor do que qualquer grandeza de<br />
mesma espécie.<br />
Exemplo:<br />
Na figura, pretende-se encontrar a área do<br />
círculo por exaustão. Nota-se que a área<br />
do quadrado é maior que a metade <strong>da</strong> área<br />
do círculo. Os quatro triângulos têm área<br />
maior do que a metade do que tinha<br />
sobrado. Continuando o processo, a área<br />
que ain<strong>da</strong> restar será menor do que uma<br />
grandeza de mesma espécie, fixa<strong>da</strong><br />
arbitrariamente. Assim a área do círculo será encontra<strong>da</strong> somando-se<br />
o quadrado, com os quatro triângulos, etc.<br />
Essa proposição, equivale à seguinte formulação atual:<br />
Considere M uma grandeza qualquer,ε outra grandeza, prefixa<strong>da</strong> de<br />
1<br />
mesma espécie, e r uma razão tal que ≤ r < 1.<br />
Então pode-se<br />
2<br />
94<br />
encontrar um inteiro positivo N, tal que M( 1 − r ) < ε para todo<br />
inteiro n > N . Assim, a proprie<strong>da</strong>de de exaustão equivale a dizer<br />
que lim M(<br />
1 − r ) = 0.<br />
n→∞<br />
n<br />
Esse método foi muito utilizado para se provar teoremas sobre<br />
áreas e volumes de figuras curvilíneas. Com Euclides e Arquimedes<br />
ele se torna clássico e até a introdução <strong>da</strong> integral não havia outro<br />
método mais eficaz. Desse modo, Eudoxo pode ser considerado o<br />
criador do Cálculo Integral.<br />
ARISTÓTELES ARISTÓTELES (384 – 322 a.C.)<br />
Aristóteles de Estagira, com dezoito anos, chegou a Atenas, o<br />
grande centro intelectual e artístico <strong>da</strong> Grécia do século IV a.C.,<br />
proveniente <strong>da</strong> Macedônia. Como muitos outros jovens, foi atraído<br />
pela intensa vi<strong>da</strong> cultural <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de que lhe acenava com<br />
oportuni<strong>da</strong>des para prosseguir seus estudos.<br />
Não era belo e para os padrões vigentes no mundo grego,<br />
principalmente na Atenas <strong>da</strong>quele tempo, apresentava características<br />
que poderiam dificultar-lhe a carreira e a projeção social. Em<br />
particular, uma certa dificul<strong>da</strong>de em pronunciar corretamente as<br />
palavras poderia criar-lhe embaraços e mesmo complexos numa<br />
socie<strong>da</strong>de que, além de valorizar a beleza física e enaltecer os<br />
atletas, admirava a eloqüência e deixava-se conduzir por oradores.<br />
O jovem ingressa na Academia de Platão, na qual a figura<br />
principal como mestre e diretor era, naquele momento, o matemático<br />
Eudoxo de Cnido. Somente um ano depois é que Platão retornou,<br />
fatigado por mais uma frustra<strong>da</strong> experiência política na Sicília. Foi o<br />
próprio Eudoxo quem lhe apresentou o novo aluno <strong>da</strong> Academia, o<br />
jovem <strong>da</strong> Macedônia de olhos pequenos, porém reveladores de<br />
excepcional vivaci<strong>da</strong>de.<br />
O preceptor de Alexandre<br />
De pura raiz jônica, a família de Aristóteles fora<br />
tradicionalmente liga<strong>da</strong> à medicina e à família real <strong>da</strong> Macedônia.<br />
Seu pai, Nicômaco, era médico e amigo do rei Amintas II, pai de<br />
n
95<br />
Filipe. Estagira, apesar de situa<strong>da</strong> distante de Atenas e em território<br />
sob a dependência <strong>da</strong> Macedônia, era na ver<strong>da</strong>de uma ci<strong>da</strong>de grega.<br />
A vi<strong>da</strong> de Aristóteles – e até certo ponto sua obra – estará<br />
marca<strong>da</strong> por essa dupla vinculação, à cultura helênica e à aventura<br />
política <strong>da</strong> Macedônia. A condição de meteco – estrangeiro<br />
domiciliado numa ci<strong>da</strong>de grega - talvez explique porque não se<br />
tornou, como Platão, um pensador político, preocupado com os<br />
destinos <strong>da</strong> polis e com a reforma <strong>da</strong>s instituições.<br />
Ao ingressar na Academia, que viria a freqüentar durante 20<br />
anos, Aristóteles já trazia, como herança de seus antepassados,<br />
acentuado interesse pelas pesquisas biológicas. Ao matematismo<br />
predominante, ele irá contrapor o espírito de observação e a índole<br />
classificatória, típicas <strong>da</strong> investigação naturalista, e que constituirão<br />
traços fun<strong>da</strong>mentais de seu pensamento.<br />
Em 347 a.C., com a morte de Platão, Aristóteles deixa Atenas e<br />
vai para Assos, na Ásia Menor, onde Hérmias, ex-integrante <strong>da</strong><br />
Academia, havia se tornado governante. Filipe, em 343 a.C., chama<br />
Aristóteles à corte de Pela e confia-lhe importante missão: a de<br />
educar seu filho, Alexandre.<br />
Durante anos o filósofo encarrega-se dessa missão. É ain<strong>da</strong><br />
preceptor de Alexandre quando em 338 a.C., os macedônios<br />
derrotam os gregos em Queronéia. Chega ao fim a autonomia <strong>da</strong>s<br />
ci<strong>da</strong>des-Estados que caracterizara a Grécia no período helênico. A<br />
partir de então – domina<strong>da</strong> pela Macedônia, mais tarde por Roma –<br />
a Grécia integrará amplos organismos políticos que diluirão suas<br />
fronteiras e atenuarão as distinções culturais que tradicionalmente<br />
separavam os gregos de outros povos, sobretudo os bárbaros<br />
orientais.<br />
Com o assassinato de Filipe, Alexandre assume o poder e em<br />
segui<strong>da</strong> prepara uma expedição ao oriente, iniciando a construção de<br />
seu grande império. Aristóteles voltou a Atenas e, próximo ao<br />
templo dedicado a Apolo Liceano, abriu uma escola – o Liceu – que<br />
passou a rivalizar com a Academia, então dirigi<strong>da</strong> por Xénocrates.<br />
Os discípulos de Aristóteles eram chamados de peripatéticos (os que<br />
passeiam) devido ao hábito – aliás comum nas escolas <strong>da</strong> época –<br />
que tinham os estu<strong>da</strong>ntes de realizar seus debates enquanto<br />
passeavam pelos pátios arborizados <strong>da</strong> escola.<br />
96<br />
Enquanto a Academia se voltava basicamente para as<br />
investigações matemáticas, o Liceu transformou-se num centro de<br />
estudos dedicados principalmente às ciências naturais. De terras<br />
distantes, conquista<strong>da</strong>s em suas expedições, Alexandre enviava ao<br />
seu ex-preceptor exemplares <strong>da</strong> fauna e <strong>da</strong> flora que viriam<br />
enriquecer as coleções do Liceu.<br />
O biologismo tornou-se, assim, marca central <strong>da</strong> própria visão<br />
científica e filosófica de Aristóteles, que transpôs para to<strong>da</strong> a<br />
natureza categorias explicativas pertencentes originariamente ao<br />
domínio <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>. Em particular, a noção de espécies fixas –<br />
sugeri<strong>da</strong>s pela observação do mundo vegetal e animal – exercerá<br />
decisiva influência sobre a física e a metafísica aristotélicas, na<br />
medi<strong>da</strong> em que se reflete em sua doutrina do movimento.<br />
Apesar <strong>da</strong> estima que Alexandre sempre devotou a seu antigo<br />
mestre, uma barreira os distanciava. Aristóteles não concor<strong>da</strong>va com<br />
a fusão <strong>da</strong> civilização grega com a oriental. Segundo ele, gregos e<br />
orientais eram de naturezas distintas, com distintas potenciali<strong>da</strong>des<br />
e não deveriam coexistir sob o mesmo regime político.<br />
Depois <strong>da</strong> morte de Alexandre e 323 a.C., Aristóteles passou a<br />
ser hostilizado pela facção antimacedônica que o considerava<br />
politicamente suspeito. Acusado de impie<strong>da</strong>de, deixou Atenas e<br />
refugiou-se em Cálcis, na Eubéia onde morreu em 322 a.C.<br />
O que restou <strong>da</strong> grande obra<br />
Com base em suas próprias declarações, sabe-se que Aristóteles<br />
realizou dois tipos de composições, as endereça<strong>da</strong>s ao grande<br />
público, redigi<strong>da</strong>s em forma mais dialética do que demonstrativa, e<br />
os escritos ditos filosóficos ou científicos, que eram lições<br />
destina<strong>da</strong>s aos alunos do Liceu.<br />
Depois que deixou a Academia e durante o período em que<br />
esteve e Assos, Aristóteles escreveu o diálogo Sobre a Filosofia, no<br />
qual combate a teoria platônica <strong>da</strong>s idéias, particularmente a teoria<br />
dos números ideais, que caracterizava a última fase do platonismo.<br />
Como o Timeu de Platão, o Sobre a Filosofia apresenta uma<br />
concepção cosmológica de cunho finalista e teológico; mas, ao<br />
contrário do que propunha Platão, o universo é explicado não à<br />
semelhança de uma obra de arte, resultado <strong>da</strong> ação de um divino<br />
artesão, o demiurgo, e sim como um organismo que se desenvolve
97<br />
graças a um dinamismo interior, um princípio imanente que<br />
Aristóteles denomina physis (natureza).<br />
Os tratados de lógica, receberam em seu conjunto a<br />
denominação de Organon, uma vez que para Aristóteles a logica não<br />
seria parte integrante <strong>da</strong> ciência e <strong>da</strong> filosofia, mas apenas um<br />
instrumento (organon) que elas utilizariam em sua construção.<br />
Ao examinar um problema, Aristóteles parte <strong>da</strong>s soluções<br />
propostas por seus antecessores, vincula suas idéias à história e por<br />
isso é considerado o primeiro historiador <strong>da</strong> Filosofia.<br />
Para se atingir a ver<strong>da</strong>de científica e construir um conjunto de<br />
conhecimentos seguros, torna-se necessário, segundo Aristóteles,<br />
possuir normas de pensamento que permitam demonstrações<br />
corretas e, portanto, irretorquíveis. O estabelecimento dessas normas<br />
lhe confere o título de criador <strong>da</strong> lógica formal, entendi<strong>da</strong> como a<br />
parte <strong>da</strong> lógica que prescreve regras de raciocínio independentes do<br />
conteúdo dos pensamentos que esses raciocínios conjugam.<br />
Exemplo: partindo-se <strong>da</strong>s premissas “Todos os homens são mortais”<br />
e “Sócrates é homem” – conclui-se fatalmente que “Sócrates é<br />
mortal”. A conclusão resulta <strong>da</strong> simples colocação <strong>da</strong>s premissas,<br />
não deixando margem a qualquer opção, mas impondo-se com<br />
absoluta necessi<strong>da</strong>de.<br />
Poderia ser considerado, por outro lado, o raciocínio: ”Todos os<br />
homens são imortais”; “Sócrates é homem”; logo, “Sócrates é<br />
imortal”.<br />
Mas a ciência não pretende, segundo Aristóteles, ser dota<strong>da</strong><br />
apenas de coerência interna: ela precisa ser construí<strong>da</strong> pelo perfeito<br />
encadeamento lógico de ver<strong>da</strong>des. Assim, o silogismo que equivale<br />
à demonstração científica deverá ser um raciocínio formalmente<br />
rigoroso, mas que parta de premissas ver<strong>da</strong>deiras.<br />
Aristóteles e a matemática<br />
O papel principal de Aristóteles na matemática foi o <strong>da</strong> sua<br />
estruturação lógica. Não realizou trabalhos específicos de<br />
matemática. Introduziu os Postulados e Axiomas ou Noções<br />
Comuns. Postulados são proposições específicas de uma ciência,<br />
aceitas como ver<strong>da</strong>deiras sem prova. Axiomas ou Noções Comuns<br />
são proposições gerais que se aceitam como ver<strong>da</strong>deiras sem provas<br />
(não são específicas).<br />
98<br />
Exemplos de Noções Comuns:<br />
- princípio <strong>da</strong> não contradição: uma proposição não pode ser<br />
ver<strong>da</strong>deira e falsa ao mesmo tempo;<br />
- princípio do terceiro excluído: uma proposição ou é ver<strong>da</strong>deira ou<br />
é falsa e não há outra alternativa.<br />
Pode-se dizer, assim, que Aristóteles – sobretudo pela análise<br />
que fez do papel <strong>da</strong>s definições e hipóteses – contribuiu de modo<br />
decisivo para o desenvolvimento <strong>da</strong> matemática.<br />
EPICURO EPICURO (341 – 270 a.C.)<br />
Epicuro de Atenas teria acompanhado, dos quatorze aos dezoito<br />
anos, os ensinamentos do acadêmico Pânfilo. E, através de<br />
Nausífanes de Teo, discípulo de Demócrito, teria conhecido as<br />
doutrinas do grande atomista. Durante algum tempo ganhou a vi<strong>da</strong><br />
como professor de gramática e de filosofia até que, por volta de 306<br />
a.C., adquire uma pequena casa e abre uma escola de filosofia, que<br />
ficará conheci<strong>da</strong> como o Jardim de Epicuro.<br />
Os alunos não têm em Epicuro um mestre no estilho tradicional:<br />
na ver<strong>da</strong>de, formam um grupo de amigos para discutir filosofia.<br />
Epicuro exerce influência não só pelo ensino direto como pela<br />
extraordinária personali<strong>da</strong>de. É um homem bondoso, de natureza<br />
terna e amável, que apesar dos sofrimentos físicos impostos pela<br />
doença que o tortura e aos poucos o paralisa, cultiva as amizades,<br />
auxilia os irmãos e trata delica<strong>da</strong>mente os escravos. Por essa razão<br />
todos que o conhecem dificilmente deixam seu convívio.<br />
A mora<strong>da</strong> tão calma e tão luminosa seria a meta proposta pelo<br />
epicurismo: a mora<strong>da</strong> <strong>da</strong> sereni<strong>da</strong>de e do prazer. A filosofia, para<br />
Epicuro, deveria servir ao homem como instrumento de libertação e<br />
como via de acesso à ver<strong>da</strong>deira felici<strong>da</strong>de. Esta consistiria na<br />
sereni<strong>da</strong>de de espírito que advém <strong>da</strong> consciência de que é ao homem<br />
que compete conseguir o domínio de si mesmo.<br />
A teoria do conhecimento dos epicuristas (que eles chamavam<br />
de canônica) é empirista, isto é, reduz to<strong>da</strong> a origem do<br />
conhecimento à experiência sensível. As repeti<strong>da</strong>s experiências os<br />
sentidos, preserva<strong>da</strong>s pela memória, <strong>da</strong>riam nascimento à<br />
antecipação equivalente à noção geral ou conceito.
99<br />
Segundo a doutrina atomista, adota<strong>da</strong> por Epicuro, “todos os<br />
corpos, por mais compactos que sejam, possuem interstícios vazios<br />
dentro deles”. Esse juízo não é atestado diretamente pelos sentidos;<br />
mas, se não for admitido como ver<strong>da</strong>deiro, também não seria<br />
ver<strong>da</strong>de que “a água destila através <strong>da</strong>s rochas”, ou que “o calor e o<br />
frio passam através <strong>da</strong>s paredes”.<br />
Com efeito, se os sentidos atestam o movimento como uma<br />
evidência, seria ver<strong>da</strong>deira, graças ao critério <strong>da</strong> não-infirmaçao, a<br />
teoria atomista, que apresenta uma explicação racional para o<br />
movimento, afirmando que tudo é constituído de átomos (invisíveis)<br />
que se movem no vazio.<br />
Como os atomistas anteriores, Epicuro considera os átomos<br />
como infinitos em número, indivisíveis fisicamente e imensamente<br />
pequenos; além disso, seriam móveis por si mesmos, pois o vazio<br />
não ofereceria qualquer resistência à locomoção.<br />
E devido ao peso é que os átomos, num momento inicial, são<br />
imaginados por Epicuro como “caindo”; mas, situados dentro do<br />
vazio, teriam que desenvolver nessa “que<strong>da</strong>” trajetórias<br />
necessariamente paralelas. Isso significa que os átomos jamais se<br />
chocariam <strong>da</strong>ndo origem aos engates e aos torvelinhos<br />
indispensáveis à constituição <strong>da</strong>s coisas e dos mundos, se algum<br />
fator não viesse interferir naquele paralelismo <strong>da</strong>s trajetórias.<br />
Afastando o rígido mecanicismo <strong>da</strong> física dos primeiros<br />
atomistas, Epicuro introduziu, então, a noção de “desvio”: sem<br />
nenhuma razão mecânica, os átomos, em qualquer momento de suas<br />
trajetórias verticais, poderiam se desviar e se chocar.<br />
O “desvio” apareceria, assim, como a introdução do arbítrio e<br />
do imponderável num jogo de forças estritamente mecânico: é a<br />
ruptura <strong>da</strong> necessi<strong>da</strong>de, no plano <strong>da</strong> física, para acolher a<br />
contingência.<br />
Com sua concepção materialista <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de, Epicuro pretendia<br />
libertar o homem dos dois temores que o impediriam de encontrar a<br />
felici<strong>da</strong>de: o medo dos deuses e o temor <strong>da</strong> morte. Os deuses<br />
existem, dizia Epicuro, mas seriam seres perfeitos que não se<br />
misturam às imperfeições e às vicissitudes <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> humana. Quanto<br />
à morte, não há também porque temê-la. Ela não seria mais que a<br />
dissolução do aglomerado de átomos que constitui o corpo e a alma.<br />
A dor presente, ensinava Epicuro, pode se escapar por meio <strong>da</strong><br />
100<br />
lembrança dos prazeres passados ou pela expectativa de prazeres<br />
futuros.<br />
Epicuro – ele próprio um homem doente e vítima de terríveis<br />
sofrimentos físicos, um grego sem liber<strong>da</strong>de política – teria <strong>da</strong>do a<br />
demonstração dessa técnica interior, de evasão, capaz de permitir ao<br />
homem enfrentar serenamente as mais adversas circunstâncias. Seu<br />
hedonismo altamente espiritualizado, que fazia <strong>da</strong> contemplação<br />
intelectual e <strong>da</strong>s delícias <strong>da</strong> amizade os mais elevados prazeres,<br />
legou às éticas posteriores uma lição que nunca mais será esqueci<strong>da</strong>:<br />
a de que o homem pode se sustentar de recor<strong>da</strong>ções e de esperanças.<br />
Na mu<strong>da</strong>nça do período helênico para o helenístico – após a<br />
morte de Alexandre – pode-se observar alguns detalhes nas obras<br />
monumentais dos vultos, Platão e Aristóteles, que foram as<br />
predominantes na formação do pensamento ocidental.<br />
Predominaram, talvez, porque em linhas gerais, iam ao encontro dos<br />
interesses <strong>da</strong>s classes dominantes.<br />
Essas obras influentes por séculos e séculos, no fundo têm a<br />
preocupação de justificar cientificamente a socie<strong>da</strong>de grega com<br />
grandes desníveis sociais, uma socie<strong>da</strong>de onde a maior parte <strong>da</strong><br />
população não tinha os direitos dos ci<strong>da</strong>dãos na famosa democracia.<br />
Platão procurava um rei-filósofo para governar sua ci<strong>da</strong>de ideal,<br />
mas nunca pensou em abolir a escravidão; o Estado-ideal era<br />
formado por ci<strong>da</strong>dãos e escravos. Muito mais escravos que ci<strong>da</strong>dãos.<br />
Aristóteles justifica e defende, por exemplo, a escravidão. Do<br />
mesmo modo que o universo físico estaria constituído por uma<br />
hierarquia inalterável, segundo a qual ca<strong>da</strong> ser ocupa,<br />
definitivamente um lugar que lhe seria destinado pela natureza (e do<br />
qual ele só se afasta provisoriamente através de movimentos<br />
violentos), assim também o escravo teria seu lugar natural na<br />
condição de “ferramenta anima<strong>da</strong>”. Aristóteles chega mesmo a<br />
afirmar que o escravo é escravo porque tem alma de escravo, é<br />
essencialmente escravo, sendo destituído por completo de alma<br />
noética, a parte <strong>da</strong> alma capaz de fazer ciência e filosofia e que<br />
desven<strong>da</strong> o sentido e a finali<strong>da</strong>de última <strong>da</strong>s coisas.
Exercícios Exercícios<br />
Exercícios<br />
101<br />
1. Trace um ângulo de 60° e use a trissectriz de Hípias para dividi-lo<br />
em sete partes iguais.<br />
2. Usando apenas régua e compasso, construa o segmento x tal que<br />
ax = b², sendo que a e b são quaisquer segmentos <strong>da</strong>dos.<br />
3. Dados os segmentos a e b e usando régua e compasso apenas,<br />
construa x e y, tais que x + y = a e xy = b².<br />
4. Dados os segmentos a, b e c, construa x e y, tai que x – y = a e<br />
xy = bc.<br />
5. Resolva a equação x² + ax = b², construindo um segmento que<br />
satisfaça à condição <strong>da</strong><strong>da</strong>.<br />
102
A A CIÊNCIA CIÊNCIA HELENÍSTICA<br />
HELENÍSTICA<br />
“Nem mesmo para os reis existe uma estra<strong>da</strong> mais curta para a<br />
geometria” (Euclides)<br />
O O O MUSEU MUSEU DE DE DE ALEXANDRIA<br />
ALEXANDRIA<br />
ALEXANDRIA<br />
103<br />
Com a morte de Alexandre seu império foi retalhado e coube o<br />
Egito a um membro <strong>da</strong> sua corte, Ptolomeu. Fun<strong>da</strong>dor <strong>da</strong> dinastia<br />
ptolomaica (que reinou até 30 a.C., com quinze reis Ptolomeu), fez<br />
de Alexandria a capital, onde estabeleceu um museu e uma<br />
biblioteca.<br />
A ci<strong>da</strong>de tornou-se uma grande metrópole comercial, por ser<br />
um entreposto de localização privilegia<strong>da</strong> entre o Ocidente e o<br />
Oriente, e, principalmente a capital intelectual e artística do mundo<br />
helenístico, por ter se tornado ponto de confluência de diferentes<br />
culturas e ter atraído sábios de diferentes lugares.<br />
O Museu ou Casa <strong>da</strong>s Musas de Alexandria, que viria a ser mais<br />
tarde o maior centro de estudos <strong>da</strong> antigui<strong>da</strong>de, foi fun<strong>da</strong>do em 294<br />
a.C. por Demétrio de Falero, um discípulo de Aristóteles, eminente<br />
ci<strong>da</strong>dão e sábio de Atenas. Acompanharam-no alguns membros <strong>da</strong><br />
escola peripatética, interessados sobretudo nas ciências.<br />
Modelado pelas escolas atenienses e bem subsidiado pelo<br />
tesouro real, o Museu foi uma ver<strong>da</strong>deira universi<strong>da</strong>de de ciências<br />
gregas. Possuía como anexo, uma grande biblioteca, um refeitório e<br />
salões de conferencia para os professores. Foi ali que, durante 700<br />
anos, a ciência grega teve a sua principal mora<strong>da</strong>.<br />
Com tal rapidez aumentou a biblioteca que, por volta de 250<br />
a.C., continha mais de 400000 rolos, tanto mais valiosos pela razão<br />
de serem os textos clássicos fixados por sábios idôneos, com o<br />
aditamento de notas lingüísticas e históricas. O poeta e erudito<br />
Calímaco (cerca de 250 a.C.) organizou um catálogo de autores em<br />
120 volumes, com a relação completa <strong>da</strong>s obras e uma breve<br />
biografia de ca<strong>da</strong> autor. Dispondo dessas facili<strong>da</strong>des e de papiro a<br />
preço módico, tornou-se Alexandria o maior centro editorial que<br />
passou a exportar obras para to<strong>da</strong>s as partes do mundo grego.<br />
104<br />
Sua fama não tardou a superar a de Atenas e, inclusive, os<br />
romanos para ali se dirigiam, a fim de estu<strong>da</strong>r a arte terapêutica, a<br />
anatomia, a matemática, a geografia e a astronomia.<br />
EUCLIDES EUCLIDES (360 – 295 a.C.)<br />
Euclides de Alexandria floresceu por<br />
volta de 300 a.C. Ignora-se qual tenha<br />
sido a sua terra natal e até a sua etnia.<br />
Diz-se que era de natural pacífico e<br />
benévolo e que sabia avaliar devi<strong>da</strong>mente<br />
o mérito científico de seus predecessores.<br />
Conquanto não se saiba quase na<strong>da</strong> de<br />
sua vi<strong>da</strong> e personali<strong>da</strong>de, as obras de<br />
Euclides tiveram uma influência e uma<br />
vitali<strong>da</strong>de quase, senão inteiramente, sem<br />
paralelo. Prosseguindo a sua história dos<br />
matemáticos, escreve Proclo: “não muito<br />
depois destes (os <strong>da</strong> Academia) viveu<br />
Euclides - A Escola de Euclides, que escreveu os Elementos,<br />
Atenas sistematizou grande parte dos trabalhos<br />
de Eudoxo e demonstrou de maneira<br />
irrefutável certas proposições que os seus antecessores, tinham<br />
<strong>da</strong>do provas menos rigorosas”.<br />
Conta-se que o rei Ptolomeu lhe perguntou certa vez se não<br />
havia um caminho mais curto do que os Elementos para aprender<br />
geometria. Respondeu-lhe Euclides que em geometria não havia<br />
caminho aplainado para os reis.<br />
Os Elementos<br />
Euclides foi visivelmente influenciado pelos ideais <strong>da</strong> escola<br />
platônica e há fortes indícios de que tenha estu<strong>da</strong>do na Academia.<br />
Por esse motivo, os seus Elementos (Stoichia) têm por objetivo a<br />
construção dos chamados “corpos platônicos”, isto é, dos cinco<br />
poliedros regulares.<br />
Esse tratado, que durante 2000 anos serviu de base a quase todo<br />
ensino dito elementar, é a mais conheci<strong>da</strong> de suas obras e foi
105<br />
considera<strong>da</strong> no mundo grego como obra definitiva, realiza<strong>da</strong> após<br />
muitas tentativas e não podemos esquecer a de Hipócrates de Quios.<br />
Compreendia treze livros ou rolos dos quais apenas seis<br />
costumavam ser incluídos nas edições escolares, durante vários<br />
séculos passados. Em essência, a obra é uma introdução metódica à<br />
matemática grega e consiste, principalmente, num estudo<br />
comparativo <strong>da</strong>s proprie<strong>da</strong>des e relações <strong>da</strong>s figuras planas e dos<br />
sólidos geométricos que se podem construir e representar, mediante<br />
o uso de régua e compasso, apenas. A comparação de figuras levou<br />
a considerações aritméticas, inclusive a dos números irracionais<br />
correspondentes à linhas incomensuráveis.<br />
Os treze livros de Os Elementos estão assim distribuídos:<br />
Livro I: Construções elementares, teoremas de congruência, área de<br />
polígonos, teorema de Pitágoras;<br />
Livro II: Álgebra geométrica;<br />
Livro III: Geometria do círculo;<br />
Livro IV: Construção de certos polígonos regulares;<br />
Livro V: A teoria <strong>da</strong>s proporções de Eudoxo;<br />
Livro VI: Figuras semelhantes;<br />
Livros VII – IX: Teoria dos números;<br />
Livro X: Classificação de certos irracionais;<br />
Livro XI: Geometria no espaço, volumes simples;<br />
Livro XII: Áreas e volumes encontrados pelo “método <strong>da</strong> exaustão”<br />
de Eudoxo;<br />
Livro XIII: Construção dos cinco sólidos regulares.<br />
O procedimento de Euclides<br />
Quais são os traços característicos <strong>da</strong>s técnicas adota<strong>da</strong>s por<br />
Euclides? Em primeiro lugar, ele sempre enuncia as suas leis em<br />
forma universal. Não examina as proprie<strong>da</strong>des de uma determina<strong>da</strong><br />
linha ou figura realmente existente; examina, ao contrário, as<br />
proprie<strong>da</strong>des que to<strong>da</strong>s as linhas ou figuras de uma certa espécie<br />
devem ter. Não apenas isso, formula as leis de modo a torná-las<br />
rigorosas e absolutas – nunca são <strong>da</strong><strong>da</strong>s como simples<br />
aproximações. Diz, por exemplo, que a soma dos ângulos internos<br />
106<br />
de qualquer triângulo é sempre igual a dois ângulos retos; não diz<br />
tratar-se de um resultado aproximado ou usualmente ver<strong>da</strong>deiro –<br />
põe a asserção como algo rigoroso e absolutamente ver<strong>da</strong>deiro. E o<br />
que é mais importante, Euclides não se limita a enunciar um grande<br />
número de leis geométricas: demonstra-as.<br />
Na ver<strong>da</strong>de, o seu livro consiste em demonstrações coloca<strong>da</strong>s<br />
de maneira sistemática de acordo com as idéias de Aristóteles. As<br />
demonstrações não são de caráter indutivo, ao contrário dos antigos<br />
egípcios e mesopotâmios, que obtiveram vários princípios por<br />
intermédio <strong>da</strong> observação e <strong>da</strong> experimentação. Euclides não nos<br />
pede, jamais, que efetuemos medi<strong>da</strong>s de ângulos de triângulos reais<br />
a fim de verificar que a soma é igual a dois retos. Não se preocupa<br />
em momento algum, com experimentos ou observações desse<br />
gênero.<br />
Em vez disso, apresenta-nos demonstrações, de caráter<br />
dedutivo, por meio <strong>da</strong>s quais chegou as suas conclusões com o rigor<br />
<strong>da</strong> absoluta necessi<strong>da</strong>de lógica.<br />
A seguir, uma síntese dos treze livros de Os Elementos.<br />
Livro I<br />
Com 48 proposições, inicia-se com uma lista de 23 definições,<br />
dentre as quais destaca-se:<br />
Definições:<br />
1. Um ponto é aquilo que não tem partes;<br />
2. Uma linha é um comprimento sem largura;<br />
15. Um círculo é a figura plana fecha<strong>da</strong> por uma linha tal que todos<br />
os segmentos que sobre ela estejam e que passem por um ponto<br />
determinado do interior <strong>da</strong> figura sejam iguais entre si;<br />
23. Retas paralelas são linhas retas que, estando no mesmo plano,<br />
prolonga<strong>da</strong>s indefini<strong>da</strong>mente nos dois sentidos, não se cruzam.<br />
Após a lista de definições seguem-se cinco postulados e cinco<br />
axiomas; que conjuntamente, formam as hipóteses sobre as quais<br />
repousa a teoria.<br />
Postulados:<br />
1. Uma linha reta pode ser traça<strong>da</strong> de um para outro ponto qualquer;<br />
2. É possível prolongar arbitrariamente um segmento de reta;<br />
3. É possível traçar um círculo com qualquer centro e raio;<br />
4. Dois ângulos retos quaisquer são iguais entre si;
107<br />
5. Se uma reta, interceptando duas outras retas forma ângulos<br />
interiores do mesmo lado menores do que dois ângulos retos, então<br />
as duas retas,<br />
caso prolonga<strong>da</strong>s<br />
indefini<strong>da</strong>mente, se<br />
encontram do<br />
mesmo lado em que<br />
os ângulos são<br />
menores do que<br />
dois ângulos retos.<br />
Axiomas:<br />
1. Grandezas iguais a uma mesma grandeza são iguais entre si;<br />
2. Se a grandezas iguais forem adiciona<strong>da</strong>s grandezas iguais, as<br />
somas serão iguais;<br />
3. Se grandezas iguais forem subtraí<strong>da</strong>s de grandezas iguais, os<br />
resultados serão iguais;<br />
4. Grandezas que coincidem entre si são iguais;<br />
5. O todo é maior do que suas partes.<br />
Observação: os postulados são as hipóteses básicas relativas a um<br />
ramo específico do conhecimento, nesse caso a geometria, enquanto<br />
que os axiomas tratam <strong>da</strong> comparação de grandezas e são aceitos em<br />
to<strong>da</strong>s as áreas. Atualmente não se faz mais tal distinção e<br />
afirmações, que são aceitas sem demonstração, são chama<strong>da</strong>s<br />
indistintamente de axiomas ou postulados. As leis demonstráveis<br />
são os teoremas, ou, segundo a terminologia antiga, as proposições.<br />
Para termos uma idéia do método empregado por Euclides,<br />
examinemos o tratamento <strong>da</strong>do a algumas proposições:<br />
Proposição 1: Construir um triângulo eqüilátero, <strong>da</strong>do o seu lado.<br />
Dado o segmento AB, pedese<br />
um triângulo eqüilátero<br />
construído sobre AB. Traçase<br />
uma circunferência de<br />
centro A e distância (raio)<br />
AB; seja BCD essa<br />
circunferência (postulado 3)<br />
a<br />
b<br />
c<br />
108<br />
Repita-se o processo, tomando-se o centro B e a distância BA;<br />
obtém-se a circunferência ACE (postulado 3). Traça-se as retas CA e<br />
BC, unindo o ponto C, em que as circunferências se cortam, aos<br />
pontos A e B (postulado 1). Ora, sendo A o centro do círculo CDB,<br />
segue-se que AC é igual a AB (definição 15). De modo análogo,<br />
sendo B o centro de CAE, BC é igual a BA (definição 15). Mas já se<br />
mostrou que CA era igual a AB; logo, os segmentos CA e CB são<br />
também iguais a AB. Mas (axioma 1) CA é igual a CB. Em<br />
conseqüência, as linhas retilíneas CA, AB e BC são iguais entre si.<br />
Segue-se que o triângulo ABC é eqüilátero e foi construído sobre um<br />
segmento <strong>da</strong>do, AB.<br />
Proposição 2: Dois paralelogramos de bases e alturas<br />
respectivamente iguais, têm a mesma área.<br />
Proposição 47 (Teorema de Pitágoras): Em triângulos retângulos, o<br />
quadrado construído sobre o lado que subtende a ângulo reto (isto é,<br />
a hipotenusa) é igual à soma dos quadrados sobre os lados que<br />
contêm o ângulo reto.<br />
Sobre os três lados de<br />
um triângulo retângulo<br />
ABC (C = 90 °) são<br />
construídos quadrados.<br />
A altura CH a partir de<br />
C é traça<strong>da</strong> e<br />
prolonga<strong>da</strong> até F. São<br />
traçados os segmentos<br />
DB e CE. Observa-se,<br />
em primeiro lugar, que<br />
o triângulo DAB é<br />
congruente ao<br />
triângulo CAE. Para<br />
ver isso basta girar um<br />
deles de 90° em torno<br />
de A; um cobrirá<br />
exatamente o outro.<br />
Ora, o quadrado sobre<br />
AC é duas vezes o
109<br />
triângulo DAB, pois tem a mesma base, AD, e estão situados entre as<br />
mesmas retas paralelas. Esse é um caso particular <strong>da</strong> Proposição 2.<br />
“Se um paralelogramo e um triângulo têm a mesma base e estão<br />
situados entre duas paralelas <strong>da</strong><strong>da</strong>s, então o paralelogramo tem duas<br />
vezes a área do triângulo.”<br />
Do mesmo modo, vemos que o retângulo AEFH é duas vezes o<br />
triângulo CAE, pois tem também a mesma base, AE, e estão situados<br />
entre as mesmas retas paralelas. Como os dois triângulos são<br />
congruentes, o quadrado sobre AC é igual ao retângulo AEFH.<br />
Segue-se, exatamente <strong>da</strong> mesma maneira, que o quadrado sobre<br />
BC é igual ao retângulo sobre HB, e desta maneira a soma dos<br />
quadrados sobre AC e BC é igual à soma dos dois retângulos; que é<br />
exatamente o quadrado sobre AB.<br />
Além dessa demonstração elegante do Teorema de Pitágoras,<br />
Euclides demonstrou que em um triângulo retângulo o quadrado de<br />
um lado é igual ao produto <strong>da</strong>s projeções <strong>da</strong> hipotenusa sobre to<strong>da</strong> a<br />
hipotenusa.<br />
Proposição 48 (Recíproca do Teorema de Pitágoras): Se em um<br />
triângulo o quadrado de um dos lados é igual a soma dos quadrados<br />
dos outros dois, então o triângulo é retângulo.<br />
Livro II<br />
Com 14 proposições, quase to<strong>da</strong>s sobre álgebra geométrica,<br />
indica uma grande influência <strong>da</strong>s idéias de Eudoxo.<br />
Exemplos:<br />
• Proprie<strong>da</strong>de distributiva <strong>da</strong> multiplicação em relação à<br />
adição:<br />
a ( b + c ) = ab + ac<br />
110<br />
• Produtos notáveis<br />
• Equação do primeiro grau<br />
ax = b<br />
2<br />
( a + b ) = a + 2ab + b<br />
2<br />
2<br />
b a<br />
Proposição 11 (Segmento Áureo)<br />
Dividir uma linha reta em duas partes tais que o retângulo<br />
contido pelo todo e uma <strong>da</strong>s partes tenha área igual à do quadrado<br />
sobre a outra parte.<br />
Se o segmento <strong>da</strong>do é AB, deve-se determinar o ponto X desse<br />
segmento tal que o retângulo de lados AB = BC e XB tenha a mesma<br />
área do quadrado de lado AX.<br />
Indiquemos as medi<strong>da</strong>s de AB e AX por a e x respectivamente.<br />
Nessas condições a e x devem satisfazer a seguinte condição:<br />
2<br />
a ( a − x ) = x .<br />
b<br />
ab<br />
b 2<br />
a 1<br />
a 2<br />
ab<br />
b<br />
x<br />
a<br />
b
111<br />
Numa forma simplifica<strong>da</strong>, e em notação atual, a solução de<br />
Euclides compõe-se dos seguintes passos:<br />
• Construir o quadrado ABCD sobre o<br />
segmento <strong>da</strong>do AB;<br />
• Tomar o ponto médio, E, de DA;<br />
• Tomar F sobre o prolongamento de<br />
DA de maneira que EF=EB;<br />
• Construir o quadrado sobre o lado AF<br />
no mesmo semi-plano de BC.<br />
• O vértice X desse quadrado,<br />
pertencente ao segmento AB, é a<br />
solução do problema. De fato:<br />
1 1<br />
AE = AD = a . Assim no triângulo<br />
2 2<br />
2 2<br />
ABE tem-se<br />
2 )<br />
a a 5<br />
EB = a + ( = .<br />
2<br />
a 5 a a(<br />
−1<br />
+ 5)<br />
Daí, AX = AF = EF − EA = EB − EA = − =<br />
que,<br />
2 2 2<br />
como se pode verificar facilmente, é a raiz positiva de<br />
2<br />
a ( a − x ) = x .<br />
Livro III<br />
Com 39 proposições, provavelmente descobertas por<br />
Hipócrates, é dedicado à geometria do círculo, <strong>da</strong> circunferência e<br />
correlatos como arcos, segmentos, tangentes e cor<strong>da</strong>s.<br />
Livro IV<br />
Com 16 proposições, é dedicado à construção com régua e<br />
compasso de alguns polígonos regulares: triângulos, quadrados,<br />
pentágonos e hexágonos, inscritos e circunscritos em<br />
circunferências. Na última proposição, com base no triângulo e no<br />
pentágono regulares, constrói-se o polígono regular de 15 lados<br />
(pentadecágono).<br />
Livro V<br />
Com 25 proposições, é inteiramente aritmético, embora use<br />
segmentos de retas para representar números. É nele que Euclides<br />
112<br />
apresenta a teoria <strong>da</strong>s proporções de Eudoxo. Como exemplo temos<br />
a proposição 5: “Se um número divide dois outros, ele também<br />
divide a diferença entre ambos”.<br />
Livro VI<br />
Com 33 proposições, é a aplicação <strong>da</strong> Teoria <strong>da</strong>s Proporções às<br />
figuras semelhantes.<br />
Como exemplo, encontramos dois casos de construção, que,<br />
devi<strong>da</strong>mente interpretados, recaem na solução <strong>da</strong> equação do<br />
segundo grau.<br />
Proposição 28: Dividir um segmento de reta de modo que o<br />
retângulo contido por suas partes seja igual a um quadrado <strong>da</strong>do,<br />
não excedendo este o quadrado sobre metade do segmento de reta<br />
2<br />
2<br />
<strong>da</strong><strong>da</strong>. Em linguagem atual, x − px + q = 0 , em que p e q são<br />
segmentos <strong>da</strong>dos.<br />
q<br />
E<br />
AB<br />
Sejam q e AB dois segmentos de reta, q < .<br />
2<br />
2<br />
Divide-se AB com o ponto Q tal que ( AB )( QB ) = q .<br />
Para isso coloca-se PE = q, em que P é o ponto médio de AB.<br />
Com centro em E e PB como raio, marca-se em AB o ponto Q.<br />
2<br />
2<br />
2<br />
Nota-se que: q = ( PB ) − ( PQ ) = ( PB − PQ )( PB + PQ ) =<br />
= ( QB )( AQ ). Denotando agora o segmento AB por p conclui-se<br />
que a construção dá a solução <strong>da</strong> equação x − px + q = 0.<br />
De fato,<br />
se r e s são raízes dessa equação, tem-se p = r + s e q = rs.<br />
Mas isso acontece, pois, p = AQ + QB e q = ( AQ )( QB ) .<br />
Assim, AQ e QB representam as raízes r e s.<br />
q<br />
A P<br />
2<br />
2<br />
2<br />
2<br />
Q B
113<br />
Se for considerado os segmentos simétricos de AQ e QB tem-se<br />
2<br />
2<br />
as soluções <strong>da</strong> equação x + px + q = 0 .<br />
2<br />
Exemplo: x − 3x<br />
+ 1 = 0 .<br />
Na demonstração anterior, fazendo p = 3 e q = 1, tem-se:<br />
3 5<br />
3 + 5<br />
r = AQ = AP + PQ = + e s = QB = AB − AQ = 3 − .<br />
2 2<br />
2<br />
Proposição 29: Prolongue um <strong>da</strong>do segmento de reta de modo que o<br />
retângulo contido pelo segmento estendido e a extensão seja igual a<br />
2<br />
2<br />
um quadrado <strong>da</strong>do. Em linguagem atual, x − px − q = 0 .<br />
Toma-se novamente os segmentos q e AB. Encontra-se, assim, o<br />
2<br />
ponto Q tal que q = ( AQ )( QB ) . Por construção tem-se BE = q e<br />
PE = PQ, em que P é o ponto médio de AB.<br />
2 2<br />
2<br />
2<br />
Assim ( PB ) + q = ( PE ) = ( PQ ) , ou seja,<br />
2 2<br />
2<br />
,<br />
q = ( PQ ) − ( PB ) = ( PQ − PB )( PQ + PB ) = ( QB )( PQ + PA ) = ( QB )( AQ )<br />
em que AQ = r, QB = s e AB = p. Logo, r − s = p e<br />
2<br />
r( − s ) = −rs<br />
= −(<br />
AQ )( QB ) = −q<br />
. Portanto r e − s são raízes de<br />
2<br />
x − px − q = 0 .<br />
2<br />
q<br />
2<br />
Finalmente r = −r<br />
x + px − q = 0 .<br />
2<br />
2<br />
1 e s<br />
Exemplo: x −13x − 9 = 0 .<br />
A P<br />
r 2 = são as raízes <strong>da</strong> equação<br />
Na demonstração anterior, fazendo p =13 e q = 3, tem-se:<br />
q<br />
E<br />
B<br />
114<br />
13 + 205<br />
r = AQ = AB + BQ = AB − QB = 13 −<br />
2<br />
e<br />
13<br />
s = QB = PB − PE = +<br />
2<br />
205<br />
.<br />
2<br />
Livro VII<br />
Com 39 proposições, estu<strong>da</strong> as proprie<strong>da</strong>des dos números<br />
naturais e suas relações. Mesmo na teoria dos números o enfoque<br />
era geométrico. Pode-se observar isso, por exemplo, nas definições:<br />
Divisibili<strong>da</strong>de: um número é parte de outro, o menor do maior,<br />
quando ele mede o maior.<br />
Número primo: um número é primo quando é mensurável apenas<br />
pela uni<strong>da</strong>de.<br />
Proposição 2 (Algoritmo de Euclides): <strong>da</strong>dos a, b ∈ N ( b ≠ 0 ) ,<br />
existem q, r ∈ N tais que a = bq + r ( 0 ≤ r < b ) .<br />
Lema de Euclides: considere p, a,<br />
b ∈ N , p primo. Se p divide ab,<br />
então p divide a ou p divide b.<br />
Livro VIII<br />
Com 27 proposições, trata de proprie<strong>da</strong>des dos números em<br />
proporção continua<strong>da</strong>, hoje denomina<strong>da</strong> de progressão geométrica.<br />
Proposição 22: Se três números estão em proporção continua<strong>da</strong> e se<br />
o primeiro deles é um quadrado, então o terceiro também será um<br />
quadrado.<br />
Livro IX<br />
Com 36 proposições, apresenta resultados significativos para o<br />
desenvolvimento <strong>da</strong> atual teoria dos números.<br />
Proposição 20: Números primos são mais do que qualquer<br />
quanti<strong>da</strong>de fixa<strong>da</strong> de números primos.
115<br />
Na linguagem atual: ”o conjunto dos números primos é<br />
infinito”.<br />
A prova é indireta, pois mostra-se que a hipótese de haver só<br />
um número finito de primos leva a uma contradição.<br />
Seja P o produto de todos os primos, n p ... p , p1 2 , supostos em<br />
número finito, e consideremos o número = + 1 = 1 2 n + 1 p ... p p P N .<br />
N não pode ser primo, pois isso contradiria a hipótese de P ser o<br />
produto de todos os primos. Logo N é composto e deve ser medido<br />
por algum número p. Mas p não pode ser nenhum dos fatores primos<br />
que entram em P, senão seria um fator de 1. Logo p deve ser um<br />
primo diferente de todos os fatores de P; portanto, a hipótese de P<br />
ser o produto de todos os primos é falsa.<br />
Proposição 35 (soma <strong>da</strong> progressão geométrica): Se tantos números<br />
quantos se queira estão em proporção continua<strong>da</strong>, e se subtrair do<br />
segundo e último números iguais ao primeiro, então assim como o<br />
excesso do segundo está para o primeiro, o excesso do último estará<br />
para todos os que o procedem.<br />
Em outras palavras, temos:<br />
Se a 1 , a2<br />
,..., an+<br />
1 com 1 < 2 < < n+<br />
1 a ... a a estão em proporção<br />
a1<br />
a2<br />
an−<br />
1 an<br />
continua<strong>da</strong>, temos: = = ... = = .<br />
a a a a<br />
an+ 1 − an<br />
an<br />
− a<br />
Logo, =<br />
a a<br />
a<br />
n<br />
n<br />
an+<br />
1 − a1<br />
+ a + ... + a<br />
n−1<br />
2<br />
2<br />
+ a<br />
1<br />
n−1<br />
=<br />
3<br />
n−1<br />
a<br />
n<br />
a3<br />
− a<br />
= ... =<br />
a<br />
2 −<br />
No caso a 1 = a,<br />
a2<br />
= ar ..., tem-se<br />
r −1<br />
seja, Sn<br />
= a .<br />
r −1<br />
n<br />
a<br />
1<br />
a<br />
1<br />
.<br />
2<br />
2<br />
n+<br />
1<br />
=<br />
a2 − a<br />
a<br />
n<br />
1<br />
1<br />
e assim<br />
ar − a ar − a<br />
= , ou<br />
S a<br />
Proposição 36 (números perfeitos): Se tantos números quanto se<br />
queira, começando com uma uni<strong>da</strong>de, forem colocados<br />
continuamente em proporção dupla até que a soma de todos se torne<br />
n<br />
116<br />
um número primo, e se a soma for multiplica<strong>da</strong> pelo último, o<br />
produto será perfeito.<br />
2<br />
n−1<br />
n<br />
Em notações atuais: se 1+<br />
2 + 2 + ... + 2 = 2 −1<br />
é primo,<br />
então 2 ( 2 1)<br />
1 n−<br />
n<br />
− é perfeito.<br />
Exemplos:<br />
Para n = 2 tem-se 2 1 3<br />
2<br />
2<br />
− = , primo. Logo 2(<br />
2 − 1)<br />
= 6 é<br />
perfeito.<br />
Para n = 3 tem-se 2 1 7<br />
3<br />
3<br />
− = , primo. Logo 2(<br />
2 − 1)<br />
= 28 é<br />
perfeito.<br />
Vale lembrar que um número é perfeito se é igual à soma de<br />
seus divisores próprios.<br />
Livro X<br />
Com 115 proposições, o mais longo dos treze, classifica<br />
diversos tipos de grandezas incomensuráveis, produzi<strong>da</strong>s pela<br />
extração de raízes quadra<strong>da</strong>s.<br />
Dentre os incomensuráveis estu<strong>da</strong>dos, estão os dos tipos<br />
a ± b , a + b , a ± b , a + b , sendo que a e b são<br />
grandezas comensuráveis.<br />
Embora acredite-se que esse livro tenha sido quase todo<br />
produzido por Teetecto, sua primeira proposição é o famoso método<br />
de exaustão de Eudoxo, que já nos referimos anteriormente.<br />
A proposição 28 mostra como podem ser encontra<strong>da</strong>s as<br />
ternas pitagóricas, ou seja, os ternos de números inteiros positivos<br />
em que o quadrado de um é igual a soma dos quadrados dos outros<br />
dois.<br />
Livro XI<br />
Com 39 proposições, corresponde à passagem de Euclides do<br />
plano para o espaço. Pela primeira vez são trata<strong>da</strong>s as figuras<br />
sóli<strong>da</strong>s, defini<strong>da</strong>s como as que têm comprimento, largura e<br />
espessura. São defini<strong>da</strong>s figuras como ângulo sólido, pirâmide,<br />
prisma, paralelepípedo, cone, esfera e os cinco poliedros regulares.
117<br />
Livro XII<br />
Com 18 proposições, é dedicado ao estudo de áreas e volumes<br />
de figuras como círculos, cones, esferas e pirâmides.<br />
Proposição 1: Áreas de polígonos semelhantes inscritos em círculos<br />
estão entre si como os quadrados dos respectivos diâmetros.<br />
Proposição 2: As áreas dos círculos estão entre si como os<br />
quadrados dos respectivos diâmetros.<br />
Proposição 7: Qualquer prisma de base triangular pode ser dividido<br />
em três pirâmides de bases triangulares de iguais volumes.<br />
Proposição 10: O volume de qualquer cone é a terça parte do<br />
volume do cilindro de mesma base e mesma altura.<br />
Livro XIII<br />
Com 18 proposições, trata <strong>da</strong> construção, com régua e<br />
compasso, dos cinco poliedros regulares: tetraedro, cubo, octaedro,<br />
dodecaedro e icosaedro.<br />
Outras Obras de Euclides<br />
Euclides e os Elementos são freqüentemente considerados<br />
sinônimos, mas a reali<strong>da</strong>de é que escreveu cerca de uma dúzia de<br />
tratados, cobrindo tópicos variados, desde óptica, astronomia,<br />
música e mecânica e até um livro sobre secções cônicas.<br />
Do que Euclides escreveu mais <strong>da</strong> metade se perdeu, inclusive o<br />
tratado sobre cônicas.<br />
Cinco obras de Euclides sobreviveram até hoje: Os Elementos,<br />
Os Dados, Divisão de figuras, Os fenômenos e óptica.<br />
118<br />
ARISTARCO ARISTARCO (310 – 230 a.C.)<br />
Aristarco de Samos defendeu uma interessantíssima e<br />
significativa teoria astronômica, o heliocentrismo, contrariando<br />
to<strong>da</strong>s as teorias até então apresenta<strong>da</strong>s, desde os mesopotâmios.<br />
Autor de um tratado Das Dimensões e Distâncias do Sol e <strong>da</strong><br />
Lua, procurou determinar essas distâncias relativamente uma à<br />
outra, calculando a distância angular entre os dois astros quando a<br />
Lua<br />
87º<br />
Terra<br />
Lua estivesse no quarto crescente, isto é, quando as retas que unem<br />
o Sol à Lua e esta à Terra formam um ângulo reto na Lua.<br />
Aristarco desse modo deduziu que:<br />
1. A distância <strong>da</strong> Terra ao Sol é maior que 18 vezes e menor<br />
que 20 vezes a distância <strong>da</strong> Terra à Lua.<br />
2. Os diâmetros do Sol e <strong>da</strong> Lua têm a mesma razão que suas<br />
distâncias <strong>da</strong> Terra.<br />
3. A razão do diâmetro do Sol pelo diâmetro <strong>da</strong> Terra é maior<br />
do que 19/3 e menor do que 43/6.<br />
Os erros cometidos devem-se aos <strong>da</strong>dos usados, pois o<br />
raciocínio estava correto.<br />
São tão grandes as dificul<strong>da</strong>des desse processo, que foi<br />
impossível alcançar um alto grau de exatidão, e o resultado obtido<br />
por Aristarco (29/30 do ângulo reto, enquanto o ver<strong>da</strong>deiro é<br />
expresso pela fração 539/540) correspondia à razão de 1 para 19<br />
entre as duas distâncias. O resultado não era ruim considerando que<br />
Aristarco não dispunha de bons processos trigonométricos ou<br />
qualquer outro método para aplicar no problema.<br />
Não se pode afirmar com certeza se essa notável antecipação <strong>da</strong><br />
teoria de Copérnico era fruto de uma convicção ou simples<br />
3º<br />
Sol
119<br />
especulação feliz, mas de qualquer modo ela não foi aceita, e por<br />
isso não teve vi<strong>da</strong> longa. Arquimedes, por exemplo, comentou a<br />
teoria de Aristarco discor<strong>da</strong>ndo <strong>da</strong> essência do trabalho.<br />
É ver<strong>da</strong>de que no século seguinte, Seleuco, um astrônomo de<br />
origem Babilônia, ensinou que havia a rotação <strong>da</strong> Terra sobre o seu<br />
eixo e a revolução em torno do Sol, no entanto, essas ousa<strong>da</strong>s teorias<br />
não tornaram a ser formula<strong>da</strong>s senão 1700 anos depois. Seleuco teria<br />
observado também as marés, dizendo que “a revolução <strong>da</strong> Lua é<br />
oposta à rotação <strong>da</strong> Terra, mas o ar que se acha entre os dois astros,<br />
sendo arrastado para a frente, vem a cair no oceano e isso causa a<br />
perturbação do mar”.<br />
ARQUIMEDES ARQUIMEDES (287 – 212 a.C.)<br />
Arquimedes de Siracusa,<br />
considerado o maior sábio <strong>da</strong><br />
Antigui<strong>da</strong>de e um dos mais<br />
famosos de to<strong>da</strong> a história <strong>da</strong><br />
ciência é outro grande nome<br />
<strong>da</strong> escola alexandrina. Foi<br />
matemático,físico, astrônomo<br />
e engenheiro. Enriqueceu a<br />
geometria euclidiana, já<br />
altamente desenvolvi<strong>da</strong>,<br />
A morte de Arquimedes – Courtois introduziu importantes<br />
progressos na álgebra, lançou<br />
os fun<strong>da</strong>mentos <strong>da</strong> mecânica e até prenunciou o cálculo diferencial e<br />
integral. Ao <strong>da</strong>r continui<strong>da</strong>de, e grande avanço, aos trabalhos de<br />
Eudoxo, aperfeiçoou o método de exaustão que seria durante dois<br />
mil anos o único instrumento seguro para o cálculo de áreas e<br />
volumes.<br />
Passou a maior parte de sua vi<strong>da</strong> na ci<strong>da</strong>de natal, tendo, em<br />
certas conjunturas, prestado valiosos serviços como engenheiro<br />
militar. Tinha talento especial para inventar instrumentos práticos –<br />
catapultas para lançar pedras, cor<strong>da</strong>s, polias, ganchos para levantar<br />
navios e espelhos para causar incêndios.<br />
120<br />
Nessa época, Roma já estava em expansão, com muitas guerras<br />
de conquistas, dentre as quais são bem conheci<strong>da</strong>s as chama<strong>da</strong>s<br />
“guerras púnicas” contra Cartago. Esta ci<strong>da</strong>de ficava onde hoje é um<br />
subúrbio de Tunis, a capital <strong>da</strong> Tunísia.<br />
Cartago controlava uma extensa região que se estendia até a<br />
Espanha, constituindo-se numa incômo<strong>da</strong> rival de Roma. Na<br />
segun<strong>da</strong> <strong>da</strong>s guerras púnicas, Siracusa se aliara a Cartago, <strong>da</strong>í ter<br />
sofrido uma investi<strong>da</strong> fatal de Roma. Há indícios de que Siracusa<br />
resistiu bravamente aos ataques do general Marcelo, graças às<br />
máquinas de guerra idealiza<strong>da</strong>s por Arquimedes. Finalmente, depois<br />
de um longo cerco, acabou por sucumbir à superiori<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s tropas<br />
romanas. Há várias versões sobre a morte de Arquimedes; segundo<br />
uma delas, durante o saque <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de, em 212 a.C., ele foi morto por<br />
um sol<strong>da</strong>do romano, quando absorto, se ocupava com problemas<br />
matemáticos.<br />
Os trabalhos de Arquimedes (em ordem cronológica provável)<br />
Sobre o equilíbrio de figuras planas, I; A quadratura <strong>da</strong> parábola;<br />
Sobre o equilíbrio de figuras planas, II; Sobre a esfera e o cilindro,<br />
I, II; Sobre as espirais; Sobre os conóides e esferóides; Sobre os<br />
corpos flutuantes I, II; A medi<strong>da</strong> do círculo; O Contador de grãos<br />
de areia e A carta a Eratóstenes sobre o Método.<br />
Segue alguns comentários que consideramos importantes sobre<br />
algumas obras de Arquimedes.<br />
A Medi<strong>da</strong> do Círculo<br />
Neste trabalho, Arquimedes prova três proposições:<br />
1- Todo círculo é equivalente a um triângulo retângulo em que os<br />
catetos são iguais, respectivamente, ao raio e ao comprimento<br />
<strong>da</strong> circunferência do círculo.<br />
Prova:<br />
Sejam r o raio do círculo, c o comprimento <strong>da</strong> circunferência, C a<br />
área do círculo e T a área do triângulo retângulo.<br />
Temos que provar que C = T.
C<br />
r<br />
r<br />
121<br />
Suponha C > T. Seja A = C – T, A > 0. Considere um polígono<br />
regular inscrito de apótema m’, perímetro p’ e de área P’, tal que C –<br />
P’ < A.<br />
Assim, C – P’ < A = C – T, ou seja, P’>T<br />
Mas p'⋅m'<br />
P'<br />
= e<br />
c ⋅ r<br />
T ' = , logo, p’⋅m’> >c⋅r, o<br />
•<br />
m'<br />
2<br />
que é um absurdo, pois p’< c e m’
123<br />
ABC + 1 ABC + 1 ABC +...+ 1<br />
4 42<br />
4n ABC, (1)<br />
a qual, à medi<strong>da</strong> que n cresce, aproxima-se ca<strong>da</strong> vez mais de<br />
4<br />
ABC.<br />
3<br />
1<br />
A prova de que ADC = ABC faz-se como se segue, com a<br />
4<br />
notação e os segmentos construídos <strong>da</strong> figura. Da definição de<br />
parábola, AF = k(FD) 2 e AB = k(BC) 2 . Como FD = BM = 2 1 BC,<br />
1<br />
deduz-se que AF = HD = AB. Por semelhança de triângulos,<br />
4<br />
MC 1<br />
= =<br />
AB BC 2<br />
EM , de modo que EM = 2 1 AB. Daí<br />
1<br />
DE = AB – HD – EM = AB – AB – 1 1<br />
AB = AB.<br />
4 2 4<br />
1<br />
Assim, ADE e AEM têm a mesma altura AH e bases DE = AB<br />
4<br />
e EM = 1 AB, respectivamente. Logo, ADE = 1 AEM. Do<br />
2 2<br />
mesmo modo, DEC = 2 1 EMC; de maneira que, por adição, ADC =<br />
1 ACM. Além disso, ACM e AMB têm bases iguais (MC e BM) e<br />
2<br />
1<br />
mesma altura (AB), e assim ADC = ABC.<br />
4<br />
Analogamente, com o uso dos segmentos construídos<br />
1<br />
apresentados na figura, podemos provar que DD’C = DCE e<br />
4<br />
1 1<br />
AD”D = ADE, de forma que AD”D + DD’C = ADC =<br />
4<br />
4<br />
=<br />
1 ABC, completando assim a segun<strong>da</strong> etapa <strong>da</strong> prova.<br />
2<br />
4<br />
124<br />
Como decorrência <strong>da</strong> Quadratura <strong>da</strong> Parábola, realiza<strong>da</strong> por<br />
Arquimedes, surge provavelmente a primeira série infinita na<br />
<strong>Matemática</strong>, uma progressão geométrica de razão 1 .<br />
4<br />
Mostraremos a seguir o processo utilizado por Arquimedes para<br />
encontrar a soma dessa série, evitando fazer n→∞.<br />
Problema: Mostrar que 1 1 1 4 .<br />
Segundo Arquimedes,<br />
Isso segue do seguinte fato:<br />
1 + + + ... + + ... =<br />
2 n<br />
4 4 4 3<br />
1 1 1 1 1<br />
1+ + + ... + + ⋅<br />
2 n n<br />
4 4 4 3 4<br />
4<br />
= .<br />
3<br />
1<br />
k<br />
4<br />
1 1<br />
+ ⋅ k 3 4<br />
4<br />
= k<br />
3⋅<br />
4<br />
1 1<br />
= ⋅ k−<br />
3 4<br />
1 1<br />
Portanto, 1+ + 2 4 4<br />
⎛ 1<br />
+ ... + ⎜ n<br />
⎝ 4<br />
1 1 ⎞<br />
+ ⋅ ⎟ = n 3 4 ⎠<br />
1 1<br />
= 1+<br />
+<br />
2 4 4<br />
⎛ 1<br />
+ ... + ⎜ n−1<br />
⎝ 4<br />
1 1 ⎞<br />
+ ⋅ ⎟ = .. . . .=<br />
n−1<br />
3 4 ⎠<br />
⎛ 1 1 1 ⎞ 1 4<br />
1 + ⎜ + ⋅ ⎟ = 1+<br />
=<br />
⎝ 4 3 4 ⎠ 3 3<br />
A quadratura <strong>da</strong> parábola pelo Método <strong>da</strong> Alavanca<br />
O método que Arquimedes visualizou corretamente e que<br />
habilitaria seus contemporâneos e sucessores a fazer novas<br />
descobertas, consistia num esquema para equilibrar entre si os<br />
“elementos” de figuras geométricas.<br />
Foi na quadratura <strong>da</strong> parábola que aplicou, pela primeira vez o<br />
chamado método <strong>da</strong> alavanca, tendo equilibrando entre si os<br />
segmentos de reta que formam o triângulo com os correspondentes<br />
segmentos que formam o setor parabólico.<br />
Após ter descoberto uma certa proprie<strong>da</strong>de, por método <strong>da</strong><br />
alavanca, ele aplicava o método de exaustão para prová-las,<br />
ajustando-se assim aos padrões de rigor <strong>da</strong> época.<br />
1
125<br />
Seja s a região limita<strong>da</strong> por uma parábola p e uma cor<strong>da</strong> AB de<br />
ponto médio M. Seja t a tangente a p em A. Dos pontos B e M<br />
traçam se retas paralelas ao eixo, as quais interceptam t em D e E,<br />
respectivamente; suponha que ME intercepte p em C, ponto este<br />
chamado de vértice de s. Temos que C é o ponto médio de ME. Seja<br />
l a reta que contém AC e indiquemos por F sua intersecção com BD.<br />
Nessa altura Arquimedes compara o segmento parabólico s com<br />
o triângulo ABD. Seja O um ponto qualquer de AB. Suponha que a<br />
reta por O, paralela ao eixo de p intercepte p, t e l nos pontos P, Q e<br />
OP OB RF<br />
R, respectivamente. Assim, = = .Nesse ponto dá um<br />
OQ AB AF<br />
passo engenhoso: considera l como uma alavanca, com fulcro em F,<br />
e toma o ponto T em l de maneira que F seja o ponto médio de AT.<br />
Em T ele “pendura” um segmento UV, congruente a OP. Então, <strong>da</strong><br />
UV RF RF<br />
igual<strong>da</strong>de acima = = , ou UV⋅TF = OQ⋅RF.<br />
OQ AF TF<br />
Assim o segmento UV, suspenso pelo seu ponto médio T, está<br />
em equilíbrio com o segmento OQ, suspenso pelo seu ponto médio<br />
R.<br />
Arquimedes imagina agora o triângulo ABD como a união de<br />
todos os segmentos de reta como OQ, paralelos ao eixo. Ca<strong>da</strong> um<br />
deles tem um segmento correspondente OP congruente a um<br />
segmento UV, que se “pendura” em T. Dessa forma concebe o<br />
triângulo em equilíbrio com o segmento parabólico s, que se<br />
imagina suspenso em T. Além do mais, como se sabia previamente,<br />
pode-se considerar o triângulo suspenso pelo seu baricentro, que é o<br />
126<br />
1 1<br />
ponto G de l tal que FG = FA = FT. Portanto, s e o triângulo<br />
3 3<br />
ABD têm áreas cuja razão é 1:3. Finalmente, a área do triângulo<br />
ABD é o quádruplo de área do triângulo ABC, e temos a descoberta<br />
4<br />
de Arquimedes: a área do segmento parabólico é <strong>da</strong> área do<br />
3<br />
triângulo com a mesma base e mesmo vértice.<br />
O contador de grãos de areia<br />
Trata-se de uma contribuição de Arquimedes à logística<br />
(aritmética aplica<strong>da</strong>), em que mostrava, de maneira engenhosa,<br />
como escrever um número maior do que o número de grãos de areia<br />
necessários para encher o universo.<br />
Como quase todos os astrônomos <strong>da</strong> antigui<strong>da</strong>de, Arquimedes,<br />
concebia o universo na forma de uma enorme esfera, com centro na<br />
Terra (imóvel) e raio igual à distância <strong>da</strong> Terra ao Sol.<br />
Subestimando o tamanho de um grão de areia, Arquimedes<br />
admitiu que 10.000 desses grãos preenchessem o espaço ocupado<br />
por uma semente de papoula; e que 40 dessas sementes, justapostas<br />
lado a lado, excederiam a largura de um dedo. Daí concluiu (usando<br />
3<br />
π ⋅ d 3<br />
a relação V = < d , em que d seria o diâmetro e V o volume<br />
6<br />
de uma esfera) que uma esfera de diâmetro igual à largura de um<br />
dedo não conteria mais que 40 3 = 64.000 sementes de papoula e,<br />
portanto, nela não caberiam mais que 10.000×64.000 = 640 milhões<br />
de grãos de areia, seguramente, então, essa esfera comportaria<br />
menos de 1 bilhão, isto é, 10 9 de grãos de areia. A seguir<br />
Arquimedes introduziu em seu raciocínio o estádio (uni<strong>da</strong>de de<br />
medi<strong>da</strong> de comprimento equivalente a cerca de 160 m) que estimou<br />
em menos de 10 4 larguras de dedos. Como os volumes de duas<br />
esferas estão entre si na razão dos cubos de seus diâmetros, o<br />
número de grãos de areia necessário para preencher uma esfera de<br />
diâmetro igual a um estádio seria menor que ( ) 3 4<br />
9 21<br />
10 ⋅ 10 =10 .<br />
Por outro lado, usando <strong>da</strong>dos de medi<strong>da</strong>s astronômicas<br />
conheci<strong>da</strong>s em sua época, não lhe foi difícil estabelecer que o<br />
diâmetro do universo era inferior a 10 10 estádios. Então repetindo a
127<br />
argumentação anterior, concluiu que para preencher totalmente esse<br />
universo bastaria um número de grãos inferior a ( ) 3 10<br />
21 51<br />
10 ⋅ 10 =10 .<br />
Contar grãos de areia pode ter sido para Arquimedes apenas um<br />
exercício para por em prática um sistema de numeração, que criou,<br />
de base 10 8 , para exprimir números muito grandes, já que o sistema<br />
alfabético em uso na Grécia era deficiente quanto a este aspecto.<br />
Sobre as espirais<br />
Arquimedes, como seus predecessores, foi atraído pelos três<br />
problemas famosos de geometria, e a espiral por ele introduzi<strong>da</strong><br />
forneceu soluções para dois deles – driblando a exigência “apenas<br />
com régua e compasso”.<br />
A espiral é defini<strong>da</strong> como o lugar geométrico no plano de um<br />
ponto que se move, partindo <strong>da</strong> extremi<strong>da</strong>de de um raio ou semireta,<br />
uniformemente ao longo do raio enquanto esse, por sua vez,<br />
gira uniformemente em torno de sua origem. Em coordena<strong>da</strong>s<br />
polares a equação, em notação atual, é r = aθ<br />
.<br />
Da<strong>da</strong> uma tal espiral, a trissecção de um ângulo é possível. O<br />
ângulo é colocado de modo que seu vértice e primeiro lado<br />
coinci<strong>da</strong>m com o ponto inicial O <strong>da</strong> espiral e a posição inicial AO <strong>da</strong><br />
semi-reta. O segmento OP, sendo P o ponto em que o segundo lado<br />
do ângulo corta a espiral, é então dividido em três partes iguais pelos<br />
pontos R e S. Traça-se dois círculos com centro O e raios OR e OS<br />
que interceptam a espiral nos pontos U e V. Desse modo as retas OU<br />
e OV trissectam o ângulo AOP.<br />
R<br />
S<br />
P<br />
V<br />
U<br />
O A<br />
R<br />
O<br />
θ<br />
P<br />
ψ<br />
S<br />
Q<br />
128<br />
Arquimedes mostrou que a espiral também pode usa<strong>da</strong> para<br />
resolver o problema <strong>da</strong> quadratura do círculo. Fez isso por uma<br />
típica dupla reductio ad absurdum.<br />
Pensando num ponto sobre a espiral como sujeito a um duplo<br />
movimento – um movimento radial uniforme, afastando-se <strong>da</strong><br />
origem do sistema de coordena<strong>da</strong>s e um movimento circular<br />
uniforme em torno <strong>da</strong> origem – Arquimedes encontrou a direção do<br />
movimento, ou seja, <strong>da</strong> tangente à curva, determinando a resultante<br />
dos dois movimentos componentes. Parece ser esse o primeiro caso<br />
em que se determinou a tangente a uma curva que não era a<br />
circunferência.<br />
Entre as 28 proposições de Sobre espirais há várias que dizem<br />
respeito a áreas. Por exemplo, na proposição 24 mostrou que a área<br />
varri<strong>da</strong> pelo raio vetor em sua primeira rotação completa é um terço<br />
<strong>da</strong> área do primeiro círculo.<br />
A esfera e o cilindro<br />
Em seu importante tratado Da esfera e do cilindro, Arquimedes<br />
deduz três novas proposições:<br />
• A superfície <strong>da</strong> esfera é igual a quatro vezes a área do seu<br />
2<br />
círculo máximo, ou seja, A = 4π r .<br />
• A área convexa de uma calota esférica é igual à área do círculo<br />
que tem como raio a reta traça<strong>da</strong> do vértice a um ponto qualquer<br />
do perímetro <strong>da</strong> base.<br />
• O volume do cilindro que tem por base um círculo máximo e<br />
3<br />
por altura o diâmetro de uma mesma esfera, é igual a do<br />
2<br />
volume dessa esfera.<br />
Ao tentar resolver o problema de seccionar uma esfera por um<br />
plano de maneira que os volumes ou as superfícies <strong>da</strong>s duas calotas<br />
forma<strong>da</strong>s guar<strong>da</strong>ssem entre si determina<strong>da</strong> relação, Arquimedes<br />
obteve uma equação de terceiro grau. Parece ter <strong>da</strong>do a solução,<br />
indicando ao mesmo tempo as condições de existência de uma raiz<br />
positiva, mas a obra perdeu-se.<br />
Em Conóides e Esferóides, por meio de secções planas
129<br />
transversais, estu<strong>da</strong> os sólidos formados pela revolução <strong>da</strong> elipse, <strong>da</strong><br />
parábola e <strong>da</strong> hipérbole, e determina o volume desses corpos<br />
comparando com os cilindros inscrito e circunscrito à porção,<br />
compreendi<strong>da</strong> entre dois planos.<br />
A mecânica de Arquimedes<br />
Arquimedes foi o pioneiro em mecânica e deu as primeiras<br />
demonstrações matemáticas que se conhecem. Em seus dois livros<br />
sobre o Equilíbrio dos planos propõe-se determinar o centro de<br />
gravi<strong>da</strong>de de diversas figuras planas, inclusive do segmento<br />
parabólico. Escreveu um tratado sobre as alavancas e,<br />
provavelmente sobre máquinas em geral, mas esse livro perdeu-se,<br />
bem como outra obra sobre a construção de um globo celeste. Uma<br />
esfera estelar e um planetário construídos por ele foram conservados<br />
durante muito tempo em Roma.<br />
A alavanca e a cunha eram conheci<strong>da</strong>s desde remota<br />
antigui<strong>da</strong>de e Aristóteles mencionara a prática desonesta dos<br />
mercadores que desviavam o fulcro <strong>da</strong>s balanças, mas antes de<br />
Arquimedes não se conhece qualquer tentativa de estudo<br />
matemático do assunto.<br />
Admite ele como evidentes os princípios seguintes:<br />
• Grandezas de igual peso agindo a distâncias iguais do seu<br />
ponto de apoio equilibram-se.<br />
• Grandezas de igual peso agindo a distâncias desiguais de<br />
seu ponto de apoio não se equilibram, e aquela que age a<br />
maior distância supera a outra.<br />
• Grandezas comensuráveis ou incomensuráveis equilibramse<br />
quando são inversamente proporcionais às suas distâncias<br />
do ponto de apoio.<br />
Princípio de Arquimedes:<br />
Na obra sobre os Corpos flutuantes Arquimedes exprime entre<br />
vários resultados o seu conhecido princípio hidrostático: todo sólido<br />
mais leve que um fluido, se colocado nele ficará imerso o suficiente<br />
para que o seu peso seja igual ao do fluido deslocado. Por outro lado<br />
um sólido mais pesado que um fluido, se colocado nele, descerá até<br />
130<br />
o fundo do fluido, e o sólido, se pesado dentro do fluido, pesará<br />
menos do que seu peso real de um tanto igual ao peso do fluido<br />
deslocado.<br />
Arquimedes no banho, Gaultherus Rivius, Nuremberg, - 1574<br />
Sobre os Corpos Flutuantes (A Coroa do Rei)<br />
Arquimedes era bem relacionado com rei Hierão de Siracusa e<br />
talvez fosse seu parente. Conta-se que Hierão mandou fazer uma<br />
coroa de ouro e, desconfiado quanto a “pureza” do ouro <strong>da</strong> coroa,<br />
consultou o sábio para dirimir suas dúvi<strong>da</strong>s. Diz a len<strong>da</strong> que<br />
Arquimedes descobriu como resolver o problema enquanto tomava<br />
banho e refletia sobre o fato de que os corpos imersos na água –<br />
como seu próprio corpo – se tornam mais leves, exatamente pelo<br />
peso <strong>da</strong> água que deslocam. Esse fato lhe teria permitido idealizar<br />
um modo de resolver o problema <strong>da</strong> coroa, e de tão eufórico que<br />
ficou com a descoberta, saiu nu pelas ruas de Siracusa gritando<br />
“Eureka! Eureka”, ou seja, “Descobri! Descobri!”.<br />
Para resolver o problema <strong>da</strong> coroa utiliza-se, então, o princípio<br />
de Arquimedes e um pouco de proporções. Seja P o peso <strong>da</strong> coroa,<br />
que supõe-se composta de um peso x de ouro e um peso y de prata.<br />
Logo P = x + y .
131<br />
Suponha que a porção de ouro de peso x tenha peso x’ quando<br />
pesa<strong>da</strong> dentro d’água, e seja X’ o peso, dentro d’água, de uma<br />
porção de ouro de peso igual ao peso P <strong>da</strong> coroa. Ora, o peso do<br />
ouro dentro d’água é proporcional ao seu peso fora d’água (porque o<br />
volume é proporcional ao peso, devido à homogenei<strong>da</strong>de do<br />
x ' X'<br />
xX'<br />
material). Assim, = , ou seja, x ' = .<br />
x<br />
P<br />
De modo análogo, o peso <strong>da</strong> prata, quando pesa<strong>da</strong> dentro<br />
d’água, é proporcional ao seu peso fora d’água. Se y’ designa o<br />
peso, dentro d’água, <strong>da</strong> porção de prata de peso y, e Y’ o peso,<br />
dentro d’água, de uma porção de prata de peso igual ao peso P <strong>da</strong><br />
coroa, então tem-se, exatamente como no raciocínio anterior,<br />
yY'<br />
y ' = .<br />
P<br />
Seja P’ o peso <strong>da</strong> coroa quando pesa<strong>da</strong> dentro d’água.<br />
Como P’ = x’ + y’, analogamente chega-se a P’ = x’ + y’<br />
xX '+<br />
yY'<br />
x P'<br />
−Y'<br />
= , portanto, PP '= xX '+<br />
yY ' , ou ain<strong>da</strong>, = .<br />
P<br />
y X'<br />
−P'<br />
Faltam <strong>da</strong>dos específicos sobre a coroa ver<strong>da</strong>deira que o rei<br />
Hierão entregou a Arquimedes para ser investiga<strong>da</strong> mas pode-se<br />
muito bem imaginar uma situação concreta. Suponha que a coroa<br />
pesasse P = 894 g fora d’água e 834 g dentro d’água e também que<br />
X’ = 847,7 g e Y’ = 809 g. Substituindo esses valores nas respectivas<br />
x 834 − 809 25<br />
equações, encontramos = = ≅ 1,<br />
82 .<br />
y 847,<br />
7 − 834 13,<br />
7<br />
Então chega-se ao sistema de equações seguinte, para<br />
determinar x e y,<br />
x + y = 894, x = 1,82y, cuja solução é x ≅ 577 g e y ≅ 317 g.<br />
Portanto a coroa imaginária contém 577 g de ouro e 317 g de prata.<br />
Tendo em conta que o peso específico do ouro é 19,3 g/cm 3 e o<br />
<strong>da</strong> prata é 10,5 g/cm 3 , pode-se calcular as quanti<strong>da</strong>des volumétricas<br />
de ouro e prata usados na coroa. Trata-se, novamente, de um cálculo<br />
simples usando proporções. Sejam V0 e Vp, respectivamente, os<br />
volumes de ouro e prata empregados para fazer a coroa. Então,<br />
P<br />
132<br />
x 19,<br />
3 y 10, 5<br />
= e = , e substituindo x = 577 e y = 317 e<br />
V0<br />
1 V p 1<br />
resolvendo as equações resultantes encontramos<br />
577<br />
V0 = ≅ 29,<br />
9 cm<br />
19,<br />
3<br />
3 317<br />
e V p = ≅ 30,<br />
2 cm<br />
10,<br />
5<br />
3<br />
Nota-se, portanto, que o ourives usou praticamente as mesmas<br />
quanti<strong>da</strong>des volumétricas de ouro e prata, aproxima<strong>da</strong>mente 30 cm 3<br />
de ouro e 30 cm 3 de prata.<br />
Outras Obras<br />
No chamado Livro de Lemas encontra-se – na proposição 8 – a<br />
bem conheci<strong>da</strong> trissecção do ângulo de Arquimedes. Seja ABC o<br />
ângulo a ser trissectado.<br />
T<br />
S R B Q C<br />
Então com B como centro, traçar uma circunferência de qualquer<br />
raio, que cortará AB em P, e a reta r, por BC, em Q e R. A seguir<br />
traçar uma reta STP tal que S esteja em r e T sobre a circunferência<br />
tal que ST = BQ = BP = BT. Verifica-se sem dificul<strong>da</strong>de, uma vez<br />
que os triângulos STB e TBP são isósceles, que o ângulo BST é<br />
precisamente um terço do ângulo QBP, o ângulo a ser trissectado.<br />
Arquimedes e seus contemporâneos sabiam, é claro, que essa não<br />
era uma trissecção canônica no sentido platônico, pois envolve o que<br />
chamavam de neusis, isto é, a inserção de um comprimento <strong>da</strong>do, no<br />
caso ST = BQ, entre duas figuras, aqui a reta r e a circunferência.<br />
A Carta a Eratóstenes sobre o Método<br />
Foi descoberto em 1906, em Constantinopla, pelo filólogo<br />
dinamarquês J. L. Heiberg (1854–1928), uma importante obra de<br />
P<br />
A
133<br />
Arquimedes, conheci<strong>da</strong> como “O Método”, justamente porque<br />
nele o geômetra grego descreve um “método mecânico” para<br />
investigar questões matemáticas.<br />
Arquimedes freqüentemente enviava suas obras aos sábios de<br />
Alexandria, prefaciando-as com cartas esclarecedoras. Seu livro, “O<br />
Método”, contém como prefácio uma carta a Eratóstenes de<br />
Alexandria, a qual começava assim:<br />
Arquimedes a Eratóstenes,<br />
Sau<strong>da</strong>ções<br />
Enviei-lhe em outra ocasião alguns teoremas descobertos por mim,<br />
meramente os enunciados, deixando-lhe a tarefa de descobrir as<br />
demonstrações então omiti<strong>da</strong>s... Vendo em você um dedicado<br />
estudioso, de considerável iminência em Filosofia e um admirador<br />
<strong>da</strong> pesquisa matemática, julguei conveniente escrever-lhe para<br />
explicar as peculiari<strong>da</strong>des de um certo método pelo qual é possível<br />
investigar alguns problemas de <strong>Matemática</strong> por meios mecânicos...<br />
Certas coisas primeiro se tornaram claras para mim pelo método<br />
mecânico, embora depois tivessem de ser demonstra<strong>da</strong>s pela<br />
Geometria, já que sua investigação pelo referido método não<br />
conduzisse a provas aceitáveis. Certamente é mais fácil fazer as<br />
demonstrações quando temos previamente adquirido, pelo método,<br />
algum conhecimento <strong>da</strong>s questões do que sem esse conhecimento...<br />
Estou convencido de que será valioso para a <strong>Matemática</strong>, pois<br />
pressinto que outros investigadores <strong>da</strong> atuali<strong>da</strong>de ou do futuro<br />
descobrirão, pelo método aqui descrito, outras proposições que não<br />
me ocorreram.<br />
É oportuno observar, a propósito <strong>da</strong>s palavras finais <strong>da</strong> citação<br />
acima, que o chamado “método dos indivisíveis”, inventado no<br />
século XVII, e que impulsionou o Cálculo Diferencial e Integral, é<br />
muito parecido com o “método mecânico” de Arquimedes. Está<br />
certo que tanto um, quanto outro carecia de fun<strong>da</strong>mentação, mas<br />
possuíam ingredientes decisivos para grandes avanços <strong>da</strong><br />
matemática.<br />
134<br />
Arquimedes e Euclides<br />
Confrontando algumas limitações de Euclides com o vasto<br />
alcance <strong>da</strong> matemática grega, Félix Klein (1849-1925) caracterizou<br />
mais ou menos como segue a obra de Arquimedes:<br />
• Em perfeito contraste com o espírito dos Elementos de Euclides,<br />
Arquimedes possui um senso altamente desenvolvido do cálculo<br />
numérico. Um de seus grandes feitos foi o cômputo de π , pelo<br />
método aproximativo dos polígonos regulares. Em Euclides não há<br />
sinais de interesse por semelhantes resultados numéricos. O<br />
geômetra de Alexandria limitou-se a mencionar que as áreas de dois<br />
círculos são proporcionais aos quadrados dos raios e que duas<br />
circunferências são proporcionais aos raios respectivos, sem tomar<br />
em consideração o fator de proporcionali<strong>da</strong>de.<br />
• É característico de Arquimedes o amplo interesse por to<strong>da</strong> sorte de<br />
aplicações práticas, inclusive os mais variados problemas físicos e<br />
técnicos. Foi assim que descobriu os princípios hidrostáticos e<br />
construiu engenhos bélicos. Euclides, pelo contrário, compartilhou a<br />
opinião de certas escolas filosóficas antigas, ou seja, a de que as<br />
aplicações práticas <strong>da</strong>s ciências constituíam uma ocupação mecânica<br />
e inferior.<br />
• Finalmente, Arquimedes foi um grande investigador e precursor,<br />
e, ca<strong>da</strong> uma de suas obras representou um progresso para a ciência.<br />
ERATÓSTENES ERATÓSTENES (276 – 194 a.C.)<br />
Eratóstenes de Cirene, diretor <strong>da</strong> grande biblioteca de<br />
Alexandria por volta de 235 a.C., introduziu os fun<strong>da</strong>mentos <strong>da</strong><br />
geografia matemática, que permaneceu por longo tempo como uma<br />
<strong>da</strong>s principais obras de consulta na área. Após um estudo histórico,<br />
apresentou <strong>da</strong>dos numéricos sobre a terra habita<strong>da</strong>, que, segundo a<br />
sua estimativa, media 78.000 estádios de comprimento e 38.000 de<br />
largura (o estádio correspondia a cerca de 150 metros).<br />
Eratóstenes foi o primeiro geógrafo a traçar o seu mapa com<br />
linhas entrecruza<strong>da</strong>s que indicavam a latitude e a longitude. Em<br />
conexão com esse trabalho, procedeu a um cálculo notavelmente<br />
feliz <strong>da</strong> circunferência <strong>da</strong> Terra. Baseou-se na seguinte observação,<br />
encontra<strong>da</strong> num dos incontáveis papiros <strong>da</strong> Biblioteca: em Siene
135<br />
(atual Assuã), a 5.000 estádios (800 km) ao Sul de Alexandria,<br />
ao meio dia do solstício de verão (o mais longo dia do ano, 21 de<br />
junho no Hemisfério Norte), os raios solares incidiam no fundo de<br />
um comprido poço, ou seja, o Sol situava-se a prumo. Por outro lado<br />
isso não se verificava em Alexandria e havia, inclusive, uma<br />
estimativa para a distância zenital do Sol, ao meio dia que era de<br />
1/50 <strong>da</strong> circunferência terrestre.<br />
Considerando que as duas<br />
ci<strong>da</strong>des se situam,<br />
aproxima<strong>da</strong>mente, no<br />
mesmo meridiano,<br />
Eratóstenes concluiu que a<br />
circunferência terrestre<br />
devia medir 250.000<br />
estádios. Mais tarde<br />
corrigiu esta cifra para<br />
252.000, provavelmente<br />
para obter um número<br />
redondo, 700 estádios,<br />
para o comprimento do arco de um grau.<br />
Na figura, C é o centro <strong>da</strong> Terra; AS, distância de Alexandria a<br />
Siene (5,000 estádios); DS, eixo do poço; EA, vara vertical planta<strong>da</strong><br />
em Alexandria. Logo, por uma regra de três simples, temos:<br />
1°<br />
7<br />
5 360°<br />
1°<br />
= ⇒ x.<br />
7 = 360°<br />
. 5.<br />
000 ⇒ x = 250. 000<br />
5.<br />
000 x 5<br />
Esse resultado, um tanto incerto para nós em razão de não<br />
conhecermos o valor exato do estádio, foi uma excelente estimativa<br />
<strong>da</strong> circunferência terrestre com erro de 50 milhas, apenas. Também<br />
se atribui a Eratóstenes a medi<strong>da</strong> <strong>da</strong> obliqüi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> eclíptica, com<br />
um erro de sete minutos aproxima<strong>da</strong>mente.<br />
Versado que foi no estudo dos filósofos platônicos atenienses e<br />
dotado de extraordinária riqueza de aptidões, tais como, filólogo,<br />
matemático, filósofo e atleta, Eratóstenes escreveu sobre muitos<br />
assuntos.<br />
A chama<strong>da</strong> “peneira” (ou crivo) de Eratóstenes é um método<br />
para separar sistematicamente os números primos. Dispondo-se em<br />
C<br />
A<br />
S<br />
E<br />
D<br />
136<br />
ordem crescente a série dos números inteiros positivos e riscando-se<br />
em primeiro lugar todos os múltiplos de 2, maiores do que 2, depois<br />
os múltiplos de 3, maiores do que 3, os múltiplos de 5, maiores do<br />
que 5, etc. Finalmente restarão apenas os números primos 2, 3, 5, 7,<br />
11, 13, 17, etc.<br />
Grande amigo de Arquimedes e a quem o gênio de Siracusa<br />
enviava trabalhos sobre suas descobertas, em especial a famosa carta<br />
que ficou conheci<strong>da</strong> como O Método, porque divulgava os segredos<br />
de descobertas matemáticas através <strong>da</strong> mecânica.<br />
APOLÔNIO APOLÔNIO (262 – 200 a.C.)<br />
Apolônio de Perga, estudou em Alexandria e lá permaneceu por<br />
um bom tempo. A seguir foi para Pérgamo, onde foi cria<strong>da</strong> uma<br />
instituição mais ou menos como o Museu que, inclusive, foi<br />
considera<strong>da</strong> a segun<strong>da</strong> mais importante desse período.<br />
O grande geômetra – como é conhecido Apolônio – foi, ao lado<br />
de Euclides e Arquimedes, reconheci<strong>da</strong>mente um dos maiores<br />
matemáticos de todos os tempos. Tendo lançado os germes <strong>da</strong><br />
geometria analítica, deve sua reputação a uma importante obra sobre<br />
as secções cônicas.<br />
Assim como os Elementos de Euclides substituíram textos<br />
anteriores com proposta semelhante, o tratado sobre Cônicas de<br />
Apolônio superou todos os rivais nesse campo, inclusive as Cônicas<br />
de Euclides. Se a sobrevivência é uma medi<strong>da</strong> de quali<strong>da</strong>de, os<br />
Elementos de Euclides e as Cônicas de Apolônio foram claramente<br />
as melhores obras em seus campos.<br />
Quando Apolônio estava em Alexandria, foi procurado por um<br />
geômetra chamado Naucrates, e a seu pedido escreveu uma versão<br />
apressa<strong>da</strong> de as Cônicas em oito livros. Mais tarde, em Pérgamo<br />
reelaborou a obra e os livros IV e VII iniciam com sau<strong>da</strong>ções a<br />
Atalus, rei de Pérgamo.<br />
Apolônio inicia o Livro I de as Cônicas com uma exposição dos<br />
motivos que o levaram a escrever a obra e, a seguir, descreveu os<br />
quatro primeiros livros como se formassem uma introdução<br />
elementar ao assunto, com exceção de alguns teoremas de sua<br />
autoria no Livro III. Os quatro últimos livros ele descreveu como
137<br />
extensões além do fun<strong>da</strong>mental, e pode-se constatar que, de fato,<br />
nesses a teoria se expande em direções mais especializa<strong>da</strong>s.<br />
Antes de Apolônio, a elipse, a parábola e a hipérbole eram<br />
obti<strong>da</strong>s como secções de três tipos bem diferentes de cones (circular<br />
reto de uma folha), conforme o ângulo no vértice fosse agudo, reto<br />
ou obtuso. Apolônio mostrou sistematicamente que não era<br />
necessário tomar secções perpendiculares a um elemento do cone e<br />
que de um único cone (de duas folhas) poderiam ser obti<strong>da</strong>s as três<br />
curvas, simplesmente variando a inclinação do plano de secção.<br />
Outra generalização realiza<strong>da</strong> por Apolônio foi sua prova de que o<br />
cone não precisaria ser reto, isto é, um cone com eixo perpendicular<br />
à base circular, mas poderia também ser oblíquo ou escaleno.<br />
Ao considerar, no estudo, um<br />
cone com duas folhas,<br />
Apolônio introduziu as três<br />
curvas do modo como as<br />
conhecemos atualmente,<br />
inclusive os três nomes<br />
(elipse, parábola e hipérbole)<br />
e a hipérbole com dois ramos.<br />
No Livro II, por exemplo,<br />
abordou as proprie<strong>da</strong>des<br />
assimptóticas e provou<br />
algumas proposições relativas<br />
às hipérboles conjuga<strong>da</strong>s. O<br />
Livro III contém inúmeros teoremas sobre tangentes e secantes e<br />
introduziu os focos com esta definição: “foco é um ponto que divide<br />
138<br />
o eixo maior em duas partes cujo retângulo (produto) equivale à<br />
quarta parte do retângulo formado pelo latus rectum e pelo eixo<br />
maior” – ou ao quadrado que tem por lado o eixo menor. Apolônio,<br />
to<strong>da</strong>via, não considerou o foco <strong>da</strong> parábola e a diretriz de ca<strong>da</strong><br />
secção cônica – elementos esses que só seriam considerados por<br />
Papus no século III d.C.<br />
Um resultado importante provado por Apolônio é que a<br />
tangente às cônicas forma ângulos com os raios focais, no ponto de<br />
tangência, tais que a soma é constante para a elipse e a diferença é<br />
constante para a hipérbole.<br />
d2<br />
Apolônio, com outras notações é claro, chegou à classificação<br />
<strong>da</strong>s cônicas por y² = px + qx², sendo que para q = 0, teríamos uma<br />
parábola, para q < 0, uma elipse e para q > 0, uma hipérbole.<br />
O estudo de diâmetros conjugados, tangentes e o emprego de<br />
linhas paralelas aos eixos principais, foram primordiais para a<br />
introdução dos sistemas de coordena<strong>da</strong>s em geometria.<br />
Com as extensões introduzi<strong>da</strong>s por Apolônio e por ter provado<br />
mais de 400 proposições é que foi considerado, por muitos<br />
estudiosos do assunto, como o criador <strong>da</strong> geometria analítica. Se<br />
usou coordena<strong>da</strong>s, ou não, ain<strong>da</strong> não está claro, mas, o certo é que o<br />
seu trabalho(as Cônicas) está muito próximo dos cursos atuais dessa<br />
importante disciplina. Prova disso é que foi o ponto de parti<strong>da</strong> para<br />
os matemáticos do século XVII.<br />
É digno de nota que Fermat (1601-1665), um dos criadores <strong>da</strong><br />
geometria analítica, tenha sido levado a essa invenção pela tentativa<br />
de reconstituir certas demonstrações perdi<strong>da</strong>s de Apolônio sobre os<br />
lugares geométricos.<br />
d1<br />
d1 + d2 = c
Outras Obras<br />
Problema de Apolônio<br />
139<br />
Num tratado sobre Tangências, descrito por Papus, encontra-se<br />
o problema conhecido hoje como “Problema de Apolônio”: <strong>da</strong>dos<br />
três elementos, ca<strong>da</strong> um dos quais podendo ser um ponto, uma reta<br />
ou uma circunferência, traçar uma circunferência que é tangente,<br />
simultaneamente, aos três elementos (sendo que circunferência<br />
tangente a um ponto significa passar pelo ponto).<br />
Esse problema envolve dez casos, desde os dois mais fáceis, em<br />
que são considerados três pontos ou três retas, até o mais difícil<br />
quando são <strong>da</strong><strong>da</strong>s três circunferências. Os dois primeiros já<br />
apareceram em Os Elementos de Euclides em conexão com círculos<br />
inscrito e circunscrito a um triângulo; os outros seis foram tratados<br />
no Livro I de Tangências e os casos de duas retas e uma<br />
circunferência, e o de três<br />
circunferências ocupavam o Livro II.<br />
Como o trabalho de Apolônio se<br />
perdeu os estudiosos dos séculos XVI<br />
e XVII, em geral, chegaram a duvi<strong>da</strong>r<br />
de que Apolônio tivesse resolvido o<br />
último caso e por isso o consideravam<br />
como um desafio às suas capaci<strong>da</strong>des.<br />
Newton, por exemplo, o resolveu<br />
usando apenas régua e compasso.<br />
No campo <strong>da</strong> aritmética, diz-se que Apolônio obteve uma<br />
aproximação melhor do que a de Arquimedes para o valor de π ,<br />
talvez 3,1416 e que teria inventado um método abreviado de<br />
multiplicação e que empregou números grandes à maneira de<br />
Arquimedes.<br />
Havia, ain<strong>da</strong>, algumas outras obras <strong>da</strong>s quais só os títulos são<br />
conhecidos. Entre elas uma sobre os espelhos ustórios, outra sobre<br />
os estacionamentos e retrogra<strong>da</strong>ções dos planetas e uma terceira<br />
sobre a teoria e o emprego do parafuso. Em astronomia, ao que se<br />
supõe, sugeriu que os movimentos planetários fossem expressos por<br />
meio de combinações de movimentos circulares, uma idéia que seria<br />
desenvolvi<strong>da</strong> mais tarde por Hiparco e Ptolomeu.<br />
140<br />
Não se pode determinar, com exatidão, até que ponto eram<br />
inéditos os resultados obtidos por Apolônio e que partes, de sua<br />
obra, representam uma simples compilação de trabalhos alheios. O<br />
que se pode afirmar, no entanto, é que a proporção de trabalhos<br />
originais é considerável.<br />
HIPARCO HIPARCO HIPARCO (180 – 125 a.C.)<br />
Hiparco de Nicéia foi o maior astrônomo <strong>da</strong> antigui<strong>da</strong>de e é<br />
considerado o inventor <strong>da</strong> trigonometria. Construiu, especialmente<br />
para uso dos astrônomos, uma tabela de cor<strong>da</strong>s equivalente às atuais<br />
de senos. Forneceu também um método para resolver triângulos<br />
esféricos e foi o primeiro a indicar posições na superfície <strong>da</strong> Terra<br />
por meio <strong>da</strong> latitude e <strong>da</strong> longitude, o que constituiu o germe <strong>da</strong><br />
geometria analítica. Nas cartas celestes, empregava a projeção<br />
estereográfica e, no traçado de mapas, a ortográfica. Eratóstenes,<br />
como vimos anteriormente, limitara-se a <strong>da</strong>r a latitude por meio <strong>da</strong><br />
altura <strong>da</strong> estrela polar.<br />
Quase to<strong>da</strong>s as obras de Hiparco se perderam, não obstante,<br />
Ptolomeu, o seu grande sucessor, baseou-se fortemente em seus<br />
trabalhos para elaborar o Almajesto, uma obra que se tornou<br />
semelhante aos Elementos, no caso <strong>da</strong> astronomia.<br />
Tendo à sua disposição o primitivo catálogo estelar de Aristilo e<br />
Timocáride, Hiparco ficou profun<strong>da</strong>mente impressionado – como<br />
sucederia a Tycho Brahe séculos mais tarde – pelo aparecimento<br />
súbito no ano 134 a.C., de uma nova estrela de primeira grandeza no<br />
firmamento celeste, que se supunha imutável. Em conseqüência,<br />
impôs a si mesmo a dura tarefa de organizar, para a parte do céu que<br />
lhe era visível, um novo catálogo que, uma vez completo, abrangia<br />
mais de 1000 estrelas e, é importante que se diga, que esse catálogo<br />
permaneceu, com pequenas alterações, como modelo no gênero<br />
durante quase dezesseis séculos. Sua lista de constelações e sua<br />
classificação <strong>da</strong>s estrelas em seis “grandezas”, de acordo com o<br />
brilho, formam a base <strong>da</strong>s que existem atualmente.
A precessão dos equinócios<br />
141<br />
Comparando as posições de certas estrelas com as observa<strong>da</strong>s<br />
150 anos antes, Hiparco notou uma diferença na distância dessas ao<br />
ponto equinocial – o ponto de intersecção entre o equador celeste e a<br />
eclíptica (curva descrita aparentemente pelo Sol em torno <strong>da</strong> Terra)<br />
– diferença essa que, num dos casos observados alcançava 2 graus.<br />
Graças a uma inspiração genial, interpretou corretamente tal fato,<br />
atribuindo-o a um leve deslocamento dos pontos equinociais para<br />
frente, o qual correspondia a uma lenta rotação do eixo <strong>da</strong> Terra. Em<br />
virtude dessa rotação, o pólo celeste descreveria um círculo<br />
completo em muitos milhares de anos.<br />
Teoria planetária<br />
Atribui-se a Hiparco a melhoria de cálculos referentes a duração<br />
do dia, tamanho <strong>da</strong> Lua, duração do mês e ângulo <strong>da</strong> eclíptica.<br />
eclíptica<br />
equador celeste<br />
23º aproxima<strong>da</strong>mente<br />
A distância <strong>da</strong> Terra à Lua foi estima<strong>da</strong> por Hiparco em<br />
402.500 Km. O valor aceito atualmente é de 390.000 Km. Para<br />
efetuar esse cálculo procede-se <strong>da</strong> seguinte maneira: suponha a Lua<br />
no zênite de um observador num ponto Z. No mesmo instante um<br />
outro observador em H, na mesma longitude de Z, vê a Lua nascer.<br />
142<br />
O ângulo α é a diferença de latitude entre os dois observadores.<br />
Dessa forma, temos que:<br />
<strong>da</strong> Terra 6 400<br />
90 0 0163<br />
distância à Lua<br />
à Lua<br />
0 raio<br />
.<br />
sen ( − α ) =<br />
=<br />
= , ,<br />
distância<br />
0<br />
1<br />
sendo que α = 89 . Logo a distância à Lua é 392.638,04<br />
16<br />
Após esses estudos, a ordem aceita para os astros, de acordo<br />
com as distâncias à Terra passou a ser a seguinte: Lua, Mercúrio,<br />
Vênus, Sol, Marte, Júpiter, Saturno. Essa ordem, que já fora adota<strong>da</strong><br />
na Mesopotâmia alguns séculos antes de Hiparco, sofreria poucas<br />
modificações até os tempos de Copérnico.<br />
Principais conquistas de Hiparco<br />
Aproveitou eficazmente os conhecimentos obtidos por<br />
astrônomos mais antigos, submetendo-os a uma apreciação crítica;<br />
realizou uma longa e sistemática série de observações, servindo-se<br />
dos melhores instrumentos então disponíveis; elaborou uma teoria<br />
matemática dos movimentos dos corpos celestes, tão coerente<br />
quanto lhe permitiam os <strong>da</strong>dos que possuía; organizou um novo<br />
catálogo de 1080 estrelas, adotando a classificação por grandezas,<br />
ain<strong>da</strong> em uso; descobriu a precessão dos equinócios; estabeleceu as<br />
bases <strong>da</strong> trigonometria.<br />
Finalizando, deve-se lembrar que após Hiparco a astronomia, de<br />
certa forma, estacionou pelo espaço de dezesseis séculos. É<br />
interessante conjecturar sobre as conseqüências que teriam advindo<br />
se o gênio de Hiparco tivesse adotado as ousa<strong>da</strong>s teorias<br />
heliocêntricas de Aristarco, ao invés de se apegar às idéias<br />
geocêntricas tradicionais.<br />
Exercícios<br />
Exercícios<br />
1. Descreva as fontes que Euclides provavelmente usou ao escrever<br />
Os Elementos; justifique suas conjecturas.
143<br />
2. Quais dos treze livros de Os Elementos você considera os mais<br />
importantes e quais você julga mais dispensáveis? Justifique sua<br />
resposta.<br />
3. Use o algoritmo de Euclides para encontrar o máximo divisor<br />
comum de:<br />
a) 456 e 759 b) 567, 839 e 432<br />
4. O número 2 13 – 1 é primo. Use esse fato para achar o quinto<br />
número perfeito em ordem de grandeza.<br />
5. Prove a fórmula de Euclides para números perfeitos.<br />
6. Prove que os volumes de duas esferas estão entre si como os<br />
cubos dos diâmetros.<br />
7. Arquimedes é às vezes considerado o inventor do cálculo integral.<br />
Até que ponto você concor<strong>da</strong> ou discor<strong>da</strong> dessa opinião?<br />
8. Euclides se apoiou em várias obras de seus predecessores. Até<br />
que ponto o mesmo vale para Arquimedes e Apolônio?<br />
9. Em que sentido o tratado de Arquimedes, O Método, difere dos<br />
seus outros tratados?<br />
10. Encontre a área entre as porções <strong>da</strong> espiral r = aθ<br />
forma<strong>da</strong>s para<br />
0 ≤ θ ≤ 2π<br />
e para 2 π ≤ θ ≤ 4π<br />
.<br />
11. Você diria que Apolônio usou geometria analítica? Justifique<br />
sua resposta.<br />
12. Resolva o “problema de Apolônio” para:<br />
a) o caso de dois pontos e uma reta;<br />
b) o caso de duas retas e um ponto.<br />
13. Apolônio afirmava que a tangente a uma elipse ou hipérbole<br />
num ponto P sobre a curva faz ângulos iguais com os raios focais<br />
por P. Prove esse teorema.<br />
144
PERÍODO PERÍODO PERÍODO GRECO GRECOROMANO<br />
GRECO GRECO ROMANO<br />
“Em matemática os caminhos não levam a Roma”. ( o autor)<br />
ROMA<br />
ROMA<br />
145<br />
Desde o século III a.C., que Roma já governava a península<br />
itálica. Duzentos anos depois tornou-se uma potência e, de 147 a 30<br />
a.C., controlou quase todo o Mediterrâneo, inclusive o mundo grego.<br />
Estabeleceu um império que deveria prover um grau sem<br />
precedentes de paz, coesão e lei a uma região que se estendia do<br />
Egito à Bretanha.<br />
A uni<strong>da</strong>de cultural imposta por esse império, foi responsável<br />
pela transmissão de conhecimento do Mediterrâneo para as áreas<br />
anteriormente atrasa<strong>da</strong>s <strong>da</strong> Europa. Essa uni<strong>da</strong>de foi ameaça<strong>da</strong> no<br />
século III d.C. e o império dividido em dois, o oriental, com base<br />
em Bizâncio (que sobreviveria até o século XV) e ocidental, ain<strong>da</strong><br />
com base em Roma. O Ocidental ficou ca<strong>da</strong> vez mais sujeito a<br />
invasões bárbaras, mas a dominação cultural de Roma se manteve<br />
nas instituições <strong>da</strong> Igreja Cristã.<br />
Roma Roma e e a a ciência<br />
ciência<br />
Comparar o desenvolvimento científico e filosófico de<br />
civilizações distintas não é uma tarefa simples. No caso de Roma<br />
que é compara<strong>da</strong> com a Grécia há algumas ponderações<br />
interessantes. A ver<strong>da</strong>de, segundo parece, é que os romanos, embora<br />
altamente dotados na oratória, literatura e história, muito eficientes<br />
como advogados, sol<strong>da</strong>dos e administradores, não se interessavam<br />
pelos trabalhos científicos e filosóficos e, em conseqüência, não<br />
foram bem sucedidos nesses campos.<br />
Esse fato chega a intrigar quando se considera as complexas<br />
formulações do direito romano, o arrojo de sua arquitetura nos<br />
grandes aquedutos e basílicas, o seu gênio militar no domínio de<br />
146<br />
outros povos e na influência que exerceram. Mas é em vão que se<br />
procura um cientista ou filósofo romano <strong>da</strong> originali<strong>da</strong>de ou<br />
vastidão de conhecimentos de um Aristóteles ou Platão; um<br />
astrônomo comparável a Aristarco, Hiparco ou Ptolomeu; um<br />
filósofo naturalista <strong>da</strong> categoria de Demócrito ou Epicuro; um<br />
pioneiro <strong>da</strong> medicina como Hipócrates de Cos.<br />
Parece certo, então, que os romanos se apoderaram dos<br />
conhecimentos acumulados pelos gregos, sem enriquecê-los e devese<br />
ressaltar, ain<strong>da</strong>, o respeito e a profun<strong>da</strong> admiração que este povo<br />
tinha pelos gregos. Há uma máxima que diz que no primeiro século<br />
a.C. os romanos conquistaram os gregos e a cultura grega<br />
conquistou os romanos.<br />
Engenharia e arquitetura<br />
Há um traço característico <strong>da</strong> civilização romana, em que<br />
revelou extraordinária habili<strong>da</strong>de e alcançou grande primazia,<br />
mostrando-se superior a todos os seus predecessores. É o seu gênio<br />
para a engenharia, tanto militar como civil. Basta mencionar o que<br />
resta <strong>da</strong>s muralhas, fortalezas, estra<strong>da</strong>s, aquedutos, teatros,<br />
estabelecimento de banhos e pontes por eles construídos.<br />
Nunca, quer antes quer depois dos romanos, um império erigiu<br />
tantos e tão perduráveis monumentos para utili<strong>da</strong>de de seus povos<br />
na paz e na guerra. Os territórios <strong>da</strong> Europa Meridional, <strong>da</strong> Ásia<br />
Ocidental e do norte <strong>da</strong> África ain<strong>da</strong> se acham cobertos, após vinte<br />
séculos, de relíquias romanas que prometem resistir por outros dois<br />
mil anos à destruição e à ruína. A engenharia dos romanos é quase<br />
tão admirável quanto as suas leis.<br />
Os agrimensores formavam uma corporação bem organiza<strong>da</strong>,<br />
mas eram apenas os práticos de uma arte tradicional, perpetuando os<br />
erros de seus antigos predecessores egípcios, sem sonhar com novos<br />
descobrimentos e nem sequer comunicando os conhecimentos que<br />
possuíam, fora do âmbito <strong>da</strong> corporação.<br />
A mais famosa obra sobre construção e assuntos correlatos,<br />
inclusive os materiais de construção, é a De Architectura de<br />
Vitrúvio, arquiteto e engenheiro romano que a escreveu por volta do<br />
ano 14 a.C. Esse livro célebre era o único importante que se
147<br />
conhecia na I<strong>da</strong>de Média e no Renascimento sobre tal matéria,<br />
sendo o guia e manual dos construtores <strong>da</strong>queles períodos.<br />
A obra é, em parte, uma compilação de autores anteriores<br />
(gregos principalmente) e, em parte, original. Nos cálculos usava-se<br />
1<br />
3 , menos exato do que o de Arquimedes. Da vi<strong>da</strong><br />
para π o valor 8<br />
e demais trabalhos de Vitrúvio quase na<strong>da</strong> se sabe, mas nenhum<br />
outro tratado antigo, de caráter técnico como esse, exerceu em seu<br />
campo tão grande influência sobre a posteri<strong>da</strong>de.<br />
O Calendário Juliano<br />
Júlio César empreendeu pessoalmente a solução de dois grandes<br />
problemas de matemática prática: a reforma do calendário e o<br />
levantamento geográfico de todo o Império.<br />
A exemplo dos mesopotâmios e dos gregos, os romanos<br />
também dividiam o ano em doze meses lunares, ou seja, 355 dias,<br />
começando em março, com a intercalação de um mês adicional<br />
sempre que isso se tornasse necessário para o reajustamento <strong>da</strong>s<br />
estações.<br />
Como o senado, por motivos políticos, recusasse decretar meses<br />
intercalares, a diferença entre as <strong>da</strong>tas oficiais e as solares elevavase<br />
a cerca de 85 dias no ano 47 a.C. No Egito César obteve o auxílio<br />
de Sosígenes para a organização de um calendário que fosse<br />
independente <strong>da</strong> política. É provável que lhe tenham falado do ano<br />
egípcio de 365 dias e um quarto Resultou assim o decreto de 45<br />
a.C., prolongando esse ano com três meses a mais e estabelecendo o<br />
início de uma nova era, a primeiro de janeiro de 45 a.C.<br />
Esse calendário, chamado Juliano, fixava um ano de 365 dias<br />
dividido em doze meses, mais ou menos iguais, devendo o primeiro<br />
começar oito dias depois do solstício do inverno. Após quatro anos,<br />
um dia adicional (chamado bissextus) era interpolado antes de 24 de<br />
fevereiro (sexto dia antes do primeiro de março). O nascimento<br />
helíaco de Sírio correspondia ao dia 20 de julho, e era a partir dessa<br />
que se computavam to<strong>da</strong>s as <strong>da</strong>tas.<br />
148<br />
O levantamento geográfico, cujos resultados deveriam ser<br />
incorporados num grande mapa, mostrando as rotas de marcha dos<br />
exércitos romanos, só foi levado a efeito no reinado de Augusto.<br />
<strong>Matemática</strong> <strong>Matemática</strong> <strong>Matemática</strong> Greco Grecoromana<br />
Greco romana<br />
O declínio gradual <strong>da</strong> matemática grega nesse período, em<br />
geral, é atribuído ao pragmatismo dos romanos, interessados,<br />
apenas, nos assuntos de natureza prática, como a engenharia e o<br />
direito. O gosto grego pelas questões teóricas jamais o fascinaram e,<br />
na matemática, somente a aritmética elementar recebeu alguma<br />
atenção, por seu uso nas transações comerciais, na guerra, nas<br />
construções e na tributação.<br />
A aritmética comercial desdenha<strong>da</strong> pelos matemáticos gregos,<br />
passou a ocupar um lugar de honra. O sistema de numeração romano<br />
superou o alfabético dos gregos e era usado também um útil sistema<br />
de contagem pelos dedos, que complementava o hábil emprego do<br />
ábaco. Não havendo ábaco à mão, as linhas correspondentes eram<br />
rapi<strong>da</strong>mente traça<strong>da</strong>s na terra ou na areia e pedrinhas ou calculi<br />
serviam de uni<strong>da</strong>des.<br />
Alexandria, no período chamado greco-romano, continuaria<br />
sendo o centro <strong>da</strong> matemática e fonte de trabalhos originais, embora<br />
as compilações e os comentários se tornassem, ca<strong>da</strong> vez mais, a<br />
forma de ciência predominante.<br />
A influência de outras culturas seria observa<strong>da</strong> com freqüência<br />
nas obras dos principais matemáticos dessa época e a matemática de<br />
Alexandria, desse modo, não seria apenas a tradicional euclidianoplatônico.<br />
A aritmética computacional e mesmo a álgebra prática<br />
dos egípcios e mesopotâmios foram amplamente desenvolvi<strong>da</strong>s,<br />
lado a lado, com demonstrações geométricas abstratas.<br />
A despeito <strong>da</strong> decadência que se deu na matemática e filosofia<br />
com a expansão do Império Romano, alguns eruditos alimentaram a<br />
débil chama <strong>da</strong> sabedoria antiga. A seguir um pouco <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> e obra<br />
dos matemáticos mais importantes dessa época considera<strong>da</strong> “último<br />
suspiro” <strong>da</strong> matemática grega. Há o acréscimo de Lucrécio e Boécio<br />
que eram romanos, mas se inspiravam muito nos gregos.
LUCRÉCIO LUCRÉCIO (98 – 55 a.C.)<br />
149<br />
Foi praticamente no final do período helenístico que floresceu o<br />
maior filósofo romano, Tito Lucrécio Caro. Pouco se sabe sobre sua<br />
vi<strong>da</strong>, apenas que nasceu em Roma, onde foi educado e que era<br />
alguns anos mais moço do que os contemporâneos Cícero e Júlio<br />
César.<br />
Lucrécio é hoje considerado não só um grande poeta romano,<br />
mas também o mais perfeito expoente <strong>da</strong> escola atomista de grande<br />
importância para a filosofia. Foi continuador de Epicuro e estava<br />
familiarizado com as obras de Demócrito, Anaxágoras e muitos<br />
outros sábios gregos.<br />
Os dois primeiros e o quinto livro de sua obra De Rerum Natura<br />
(Da natureza <strong>da</strong>s coisas) apresentam interesse para o cientista <strong>da</strong><br />
atuali<strong>da</strong>de, por tratarem de problemas de permanente importância<br />
para a humani<strong>da</strong>de. O titulo desse famoso poema revela o interesse<br />
que votava à filosofia natural, e há indícios de ter sido também um<br />
mestre e um reformador. Combateu a superstição e propôs<br />
vigorosamente o racionalismo, sem ser contudo, irreverente.<br />
PTOLOMEU PTOLOMEU (85 – 165 d.C.)<br />
A obra mais importante de Cláudio<br />
Ptolomeu – Syntaxis mathematica<br />
(Coleção <strong>Matemática</strong>) – chama<strong>da</strong> mais<br />
tarde pelos árabes de Almagesto (o maior)<br />
em essência era um trabalho de<br />
trigonometria e astronomia que tinha por<br />
objetivo descrever matematicamente o<br />
movimento do sistema solar, usando a<br />
teoria geocêntrica.<br />
De forma resumi<strong>da</strong> tem-se, a seguir, o<br />
conteúdo dos treze livros que compõem a obra:<br />
- Livros I e II: Incluem preliminares ao sistema Ptolomaico, com<br />
explicações gerais sobre os diferentes corpos celestes em relação à<br />
Terra como centro, proposições sobre geometria esférica, assim<br />
como uma tábua de cor<strong>da</strong>s e seus métodos de cálculo.<br />
- Livro III: Traz informações sobre a duração do ano e o movimento<br />
do Sol.<br />
150<br />
- Livro IV: São focaliza<strong>da</strong>s as durações dos meses e uma teoria<br />
sobre a Lua.<br />
- Livro V: Contém a construção do astrolábio e mais materiais sobre<br />
a teoria <strong>da</strong> Lua.<br />
- Livro VI: Revela informações sobre conjunção e oposições do Sol<br />
e <strong>da</strong> Lua, eclipses solares e lunares e seus períodos.<br />
- Livros VII e VIII: catálogos de 1028 estrelas fixas.<br />
- Livros IX a XIII: São dedicados ao estudo do movimento dos<br />
cinco planetas.<br />
Trigonometria<br />
Ptolomeu construiu uma tabela ou tábua de cor<strong>da</strong>s, em notação<br />
sexagesimal dos mesopotâmios, variando o ângulo α de 0,5º em<br />
0,5º, de 0 a 180º. Dividiu a circunferência em 360 partes, o diâmetro<br />
em 120 partes e ca<strong>da</strong> uma dessas partes era dividi<strong>da</strong> em 60 partes<br />
chama<strong>da</strong>s partes minutae primae e ca<strong>da</strong> umas dessas era dividi<strong>da</strong> em<br />
60 partes chama<strong>da</strong>s partes minutae secun<strong>da</strong>e. Daí os nomes minutos<br />
e segundos ain<strong>da</strong> usados atualmente.<br />
Segue um roteiro de como Ptolomeu construiu a tabela de<br />
cor<strong>da</strong>s, porém com as notações atuais. Essa construção encontra-se<br />
no Livro I do Almagesto.<br />
Considera-se C n a cor<strong>da</strong> de<br />
°<br />
α =<br />
n<br />
360 , do círculo com raio 60, ou<br />
360 °<br />
seja, Cn = crd .<br />
n<br />
Teorema de Ptolomeu<br />
B<br />
A<br />
E<br />
C<br />
D<br />
Se ABCD é um quadrilátero inscrito numa<br />
circunferência de raio 60, então a soma dos<br />
produtos dos lados opostos é igual ao<br />
produto <strong>da</strong>s diagonais, ou seja,<br />
AB . CD + BC.<br />
AD = AC.<br />
BD .
151<br />
Para demonstrar esse fato, considera-se um ponto E sobre a diagonal<br />
AC de modo que o ângulo A BE<br />
)<br />
seja igual ao ângulo D BC<br />
)<br />
.<br />
Desse modo os triângulos BCE e BDA são semelhantes, pois os<br />
ângulosC BE<br />
)<br />
e A BD<br />
)<br />
são iguais (por construção) e os ângulos<br />
B CA<br />
) e B DA<br />
) são iguais (referem-se ao mesmo arco). Logo<br />
BC CE<br />
= ou AD . BC = CE.<br />
BD (i). De modo análogo os<br />
BD AD<br />
triângulos BAE e BDC são semelhantes, pois os ângulos assinalados<br />
em B são iguais e ain<strong>da</strong> os ângulos B AC<br />
)<br />
e B DC<br />
)<br />
também são<br />
iguais( referem-se ao mesmo arco).<br />
AB AE<br />
Logo = ⇒ AB . CD = AE.<br />
BD (ii).<br />
BD CD<br />
Somando (i) e (ii), tem-se: AD . BC + AB.<br />
CD = CE.<br />
BD + AE.<br />
BD =<br />
= ( CE + AE ). BD = AC.<br />
BD . Logo; AB . CD + BC.<br />
AD = AC.<br />
BD .<br />
Cor<strong>da</strong> <strong>da</strong> diferença<br />
Ptolomeu demonstrou a seguir que, <strong>da</strong>dos dois arcos e suas<br />
cor<strong>da</strong>s, pode-se encontrar a cor<strong>da</strong> do arco diferença em termos <strong>da</strong>s<br />
cor<strong>da</strong>s dos arcos <strong>da</strong>dos.<br />
Na figura são <strong>da</strong><strong>da</strong>s as cor<strong>da</strong>s DB e<br />
AC, e procura-se BC. Traçando o<br />
diâmetro AD, pode-se encontrar as<br />
cor<strong>da</strong>s suplementares pelo teorema de<br />
Pitágoras, e, o teorema de Ptolomeu<br />
garante que AB.CD + BC.AD = AC.BD.<br />
Como AD = 120, temos 120BC =<br />
AC.BD – AB.CD, que fornece BC pois,<br />
o segundo membro é conhecido.<br />
Chamando os arcos AB de α e AC de β tem-se BC = β - α .<br />
Assim 120 ( β − α)<br />
= crdβ.<br />
crd(<br />
180°<br />
− α)<br />
− crdα.<br />
crd ( 180°<br />
− β)<br />
crdβ.<br />
crd<br />
seja, ( )<br />
( 180° − α)<br />
crdα.<br />
crd(<br />
180°<br />
− β)<br />
crd β − α =<br />
−<br />
.<br />
crd , ou<br />
120<br />
120<br />
Como aplicação tem-se, por exemplo: crd72° = 70; 32 ,3 e<br />
crd60° = 60, logo crd12° = crd(72° – 60°) .<br />
152<br />
Analogamente, Ptolomeu deduziu as fórmulas para o cálculo de<br />
cor<strong>da</strong>s para o arco metade de um arco <strong>da</strong>do e <strong>da</strong> soma de dois arcos<br />
2 α<br />
<strong>da</strong>dos, ou seja, crd = 60.<br />
( 120 − crd(<br />
180 − α)<br />
) e<br />
2<br />
120 . crd 180°<br />
− α + β = crd 180 − α . crd 180 − β − crdα.<br />
crdβ<br />
( ( ) ) ( ) ( ) .<br />
Com os resultados anteriores, Ptolomeu construiu sua tábua de<br />
cor<strong>da</strong>s com bastante precisão, conforme cálculos relacionados<br />
abaixo:<br />
• cor<strong>da</strong> de 120º, usando os teoremas de Tales e de Pitágoras;<br />
• cor<strong>da</strong> de 60º, usando o raio do círculo;<br />
• cor<strong>da</strong>s de 72º e 36º, a partir <strong>da</strong> construção do pentágono e do<br />
decágono regulares, inscritos numa circunferência;<br />
• cor<strong>da</strong>s dos suplementares de 72º e 36º, usando os teoremas de<br />
Tales e de Pitágoras;<br />
• cor<strong>da</strong> de 12º = (72º-60º), utilizando-se <strong>da</strong> cor<strong>da</strong> <strong>da</strong> diferença;<br />
• cor<strong>da</strong>s de 6º, 3º, 1º30’ e 45º usando a fórmula do arco metade;<br />
• cor<strong>da</strong> de 1º, por interpolação linear.<br />
Sistema geocêntrico<br />
O sistema de<br />
Ptolomeu era uma<br />
representação<br />
geométrica dos<br />
movimentos<br />
celestes que não<br />
se preocupava em<br />
<strong>da</strong>r uma imagem<br />
exata do<br />
ver<strong>da</strong>deiro<br />
universo. Adotou<br />
o modelo geocêntrico e precisou conceber os chamados epiciclos<br />
para explicar o movimento aparente dos planetas entre as estrelas<br />
fixas.<br />
Tal modelo produzia resultados práticos, razoavelmente<br />
concor<strong>da</strong>ntes com as observações e isso ajudou a fazer do
153<br />
geocentrismo, até o trabalho de Copérnico, uma doutrina acima de<br />
qualquer contestação. Durante 1400 anos foi o guia <strong>da</strong> astronomia<br />
teórica e não importava quais fossem as opiniões de ca<strong>da</strong> um sobre a<br />
constituição do universo, o sistema de Ptolomeu era quase<br />
universalmente aceito.<br />
Ptolomeu aperfeiçoou muitos cálculos que fora destaque na<br />
obra de Hiparco: distâncias do Sol e <strong>da</strong> Lua, catálogo de 1028<br />
estrelas e um estudo sobre a precessão dos equinócios. As<br />
contribuições originais referem-se aos planetas e à construção de<br />
instrumentos de observações, tais como o astrolábio.<br />
Outros trabalhos de Ptolomeu<br />
Além de suas realizações científicas, Ptolomeu escreveu sobre<br />
vários outros assuntos, inclusive um minucioso tratado sobre<br />
astrologia. Numa obra perdi<strong>da</strong>, sobre geometria, realizou a primeira<br />
de uma interminável série de tentativas para provar o postulado<br />
154<br />
euclidiano <strong>da</strong>s paralelas, tentativa essa que, naturalmente estava<br />
predestina<strong>da</strong> ao fracasso.<br />
Num grande tratado de geografia, quase tão importante como o<br />
Almagesto, descreveu as regiões conheci<strong>da</strong>s <strong>da</strong> Terra indicando a<br />
latitude e a longitude de na<strong>da</strong> menos de 5.000 locali<strong>da</strong>des. Além <strong>da</strong><br />
posição, deu também a duração máxima do dia para 39 pontos <strong>da</strong><br />
Índia. Vários métodos de projeção, a estereográfica, por exemplo,<br />
foram por ele estu<strong>da</strong>dos ao resolver questões sobre o traçado de<br />
mapas.<br />
Escreveu também sobre acústica e óptica e nesse campo, tratou<br />
especialmente <strong>da</strong> refração, realizando o que foi chamado “o<br />
primeiro exemplo de uma série de experimentos fora do âmbito <strong>da</strong><br />
astronomia”, em que descobriu a lei do desvio dos raios luminosos<br />
em direção à perpendicular, ao passarem de um meio transparente<br />
menos denso para outro de maior densi<strong>da</strong>de.<br />
Inventou, ain<strong>da</strong>, um aparelho simples para medir os ângulos de<br />
incidência e de reflexão. Aceitou a idéia de Platão, de que a visão se<br />
deve ao encontro dos raios que partem do olho com os que<br />
procedem do objeto.<br />
HERON HERON HERON (75 – 150 d.C.)<br />
Heron de Alexandria é conhecido, sobretudo, pela fórmula<br />
K = p p − a p − b p − c que tem o seu nome e é usa<strong>da</strong> para<br />
( )( )( )<br />
encontrar a área de triângulos de lados a, b, c e perímetro<br />
2p = a + b + c.<br />
A demonstração dessa fórmula encontra-se em A Métrica, uma<br />
de suas obras mais importantes que, a exemplo de O Método de<br />
Arquimedes ficou perdi<strong>da</strong> durante muito tempo, até ser redescoberta<br />
em Constantinopla em 1896 num manuscrito de 1100.<br />
Embora atualmente seja, em geral, demonstra<strong>da</strong> por<br />
trigonometria, a fórmula de Heron é convencionalmente geométrica.<br />
Os trabalhos de Heron atestam que nem to<strong>da</strong> a matemática na<br />
Grécia era do tipo “clássico” como Os Elementos de Euclides ou As<br />
Cônicas de Apolônio. Influências de outras culturas são observa<strong>da</strong>s<br />
em vários aspectos, por exemplo, o uso de frações unitárias<br />
(egípcias) e a tabulação (mesopotâmia) <strong>da</strong>s áreas An dos polígonos
155<br />
regulares de n lados em termos do quadrado de um lado sn,<br />
13 2<br />
45 2<br />
começando com A 3 = s3<br />
e indo até A12<br />
= s12<br />
.<br />
30<br />
4<br />
Em A Geométrica Heron resolve alguns problemas sobre<br />
mensuração, inclusive envolvendo grandezas de naturezas<br />
diferentes, algo já discutido e suprimido por Eudoxo. Um problema,<br />
por exemplo, pede o diâmetro, o perímetro e a área de um círculo,<br />
<strong>da</strong><strong>da</strong> a soma dessas três grandezas. De um ponto de vista numérico<br />
não crítico, o problema faz sentido. Além disso, Heron não resolveu<br />
o problema em termos gerais; sua solução foi como as receitas<br />
antigas, em que só os passos, sem razoes, são <strong>da</strong>dos.<br />
Lei <strong>da</strong> Reflexão<br />
Heron se interessava por todo tipo de mensuração, em especial<br />
na óptica, na mecânica ou na geodésia. A lei de reflexão <strong>da</strong> luz já<br />
era conheci<strong>da</strong> por Euclides e Aristóteles (possivelmente também por<br />
Platão), mas foi Heron quem mostrou por um argumento geométrico<br />
simples, numa obra chama<strong>da</strong> Catóptrica (ou reflexão), que a<br />
igual<strong>da</strong>de dos ângulos de incidência e reflexão é uma conseqüência<br />
do princípio aristotélico que diz que a natureza na<strong>da</strong> faz do modo<br />
mais difícil. Isto é, se a luz deve ir de uma fonte S a um espelho<br />
MM’ e, então ao olho E de um observador, o caminho mais curto<br />
possível SPE é aquele em que os ângulos SPM e EPM’ são iguais.<br />
156<br />
A prova de que nenhum outro caminho SP’E pode ser mais<br />
curto que SPE fica claro, traçando-se a reta SQS’, perpendicular a<br />
MM’, com SQ = QS’, e comparando o caminho SPE com o caminho<br />
SP’E. Como os caminhos SPE e SP’E são de comprimentos iguais<br />
aos caminhos S’PE e S’P’E respectivamente, e como S’PE é uma<br />
reta (porque o ângulo M’PE é igual ao ângulo MPS), resulta que<br />
S’PE é o caminho mais curto.<br />
Heron é lembrado também como inventor de um tipo primitivo<br />
de máquina a vapor, descrita em Pneumática; de um precursor do<br />
termômetro e de vários brinquedos e engenhos mecânicos baseados<br />
nas proprie<strong>da</strong>des dos fluidos e em leis <strong>da</strong>s máquinas simples. Seu<br />
nome está ligado, ain<strong>da</strong>, ao “algoritmo de Heron” para encontrar<br />
raízes quadra<strong>da</strong>s, mas esse método de iteração era na ver<strong>da</strong>de devido<br />
aos mesopotâmios.<br />
Embora com claras influências dos mesopotâmios, Heron não<br />
adotou o sistema de base 60 e nem avaliou a importância do<br />
princípio posicional <strong>da</strong>s frações. As frações sexagesimais tinham se<br />
tornado o instrumento usual dos astrônomos e físicos, mas<br />
continuavam pouco familiares para o homem comum. Heron,<br />
escrevendo para o homem prático, parece ter preferido as frações<br />
unitárias egípcias. Ao dividir 25 por 13, deu a resposta como<br />
1 1 1<br />
1 + + + . Essa preferência por frações unitárias continuaria na<br />
2<br />
3<br />
78<br />
Europa pelo menos mil anos depois de Heron.<br />
Alguns métodos de Heron confirmam o seu conhecimento <strong>da</strong><br />
trigonometria de Hiparco e do princípio <strong>da</strong>s coordena<strong>da</strong>s. Calculava<br />
áreas de regiões irregulares somando as áreas de retângulos<br />
inscritos, processo esse, que correspondia ao atual emprego do papel<br />
quadriculado<br />
Problemas de torneiras.<br />
Encontra-se em Heron problemas veneráveis como os dos canos<br />
ou de torneiras. “Um recipiente é enchido por um cano no tempo t1<br />
e por outro no tempo t2. Quanto tempo será preciso para enchê-lo,<br />
estando os dois canos abertos?”
157<br />
Heron definiu, ain<strong>da</strong>, os triângulos esféricos e demonstrou<br />
teoremas simples a seu respeito: por exemplo, que a soma dos<br />
ângulos está compreendi<strong>da</strong> entre 180° e 540°. Determinou o volume<br />
de sólidos irregulares medindo a quanti<strong>da</strong>de de água por esses<br />
desloca<strong>da</strong>.<br />
Finalmente ficaria conhecido como o primeiro a usar números<br />
imaginários ao ter, por equívoco, introduzido num cálculo a<br />
quanti<strong>da</strong>de 63<br />
− e que habilmente trocou por 63 .<br />
DIOFANTO DIOFANTO (século III d.C.)<br />
Diofanto de Alexandria é freqüentemente chamado de o pai <strong>da</strong><br />
álgebra, mas veremos que tal designação não deve ser toma<strong>da</strong><br />
literalmente. Sua obra não é de modo algum o tipo de material que<br />
forma a base <strong>da</strong> álgebra elementar moderna; nem se assemelha à<br />
álgebra geométrica de Euclides.<br />
Pouco se sabe sobre a vi<strong>da</strong> de Diofanto e a sua principal obra é<br />
A Arithmética, tratado originalmente composto de treze livros, dos<br />
quais somente os seis primeiros se preservaram.<br />
A Arithmética era caracteriza<strong>da</strong> por um alto grau de habili<strong>da</strong>de e<br />
engenhosi<strong>da</strong>de matemáticas, que poderia ser equipara<strong>da</strong> aos grandes<br />
clássicos <strong>da</strong> I<strong>da</strong>de Alexandrina anterior. No entanto, quase na<strong>da</strong> tem<br />
em comum com esses ou, na ver<strong>da</strong>de, com qualquer matemática<br />
grega tradicional. Representou essencialmente um novo ramo e usou<br />
um método diferente.<br />
Como Diofanto se dedicou, em A Arithmética, à resolução de<br />
equações, tanto determina<strong>da</strong>s quanto indetermina<strong>da</strong>s e devido à<br />
ênfase <strong>da</strong><strong>da</strong> à solução de problemas indeterminados, o assunto, às<br />
vezes chamado análise indetermina<strong>da</strong>, tornou-se conhecido como<br />
análise diofantina.<br />
Como esse tipo de trabalho atualmente é parte integrante de<br />
disciplinas sobre teoria dos números e não de álgebra, faltam<br />
argumentos para considerar Diofanto como pai <strong>da</strong> álgebra.<br />
Considera-se em geral, que podem ser reconhecidos três<br />
estágios no desenvolvimento histórico <strong>da</strong> álgebra: o primitivo ou<br />
retórico, em que tudo é completamente escrito em palavras; um<br />
estágio intermediário, sincopado, em que são adota<strong>da</strong>s algumas<br />
158<br />
abreviações; e um estágio simbólico ou final. A Arithmética deve ser<br />
coloca<strong>da</strong> na segun<strong>da</strong> categoria.<br />
Nos seis livros preservados faz-se uso sistemático de<br />
abreviações para potências de números e para relações e operações.<br />
Um número desconhecido é representado por um símbolo parecido<br />
ν<br />
com a letra grega δ , o quadrado disso aparece como ∆ , o cubo<br />
ν<br />
como Κ , a quarta potência dita quadrado-quadrado como ∆ ∆<br />
ν<br />
, a<br />
ν<br />
quinta potência ou quadrado-cubo como ∆Κ e a sexta potência ou<br />
ν<br />
cubo-cubo como ΚΚ .<br />
Diofanto naturalmente conhecia regras de combinação<br />
equivalentes a nossas leis sobre expoentes e tinha nomes especiais<br />
para os recíprocos <strong>da</strong>s seis primeiras potências <strong>da</strong>s incógnitas,<br />
quanti<strong>da</strong>des equivalentes às potências negativas. Coeficientes<br />
numéricos eram escritos depois dos símbolos para as potências a que<br />
estavam associados: a adição era indica<strong>da</strong> por justaposição adequa<strong>da</strong><br />
dos símbolos para ca<strong>da</strong> termo e a subtração representa<strong>da</strong> por uma<br />
abreviação de uma só letra coloca<strong>da</strong> antes dos termos a serem<br />
subtraídos ou ain<strong>da</strong> o símbolo ↑ . Com essa notação Diofanto podia<br />
escrever polinômios numa incógnita quase concisamente quanto<br />
atualmente.<br />
4 3 2<br />
Exemplo: 3x<br />
+ 2x<br />
− 3x<br />
+ 4x<br />
−1<br />
se escrevia<br />
∆ ∆γ<br />
ν<br />
o<br />
ν ν<br />
K β ↑ ∆ γδδ ↑ M α sendo o<br />
M a uni<strong>da</strong>de.<br />
A Arithmética não fazia uma exposição sistemática sobre as<br />
operações algébricas ou funções algébricas, em vez disso,<br />
apresentava uma coleção de 150 problemas, todos enunciados em<br />
termos de exemplos numéricos específicos, embora, talvez,<br />
pretendendo conseguir generali<strong>da</strong>de de método.<br />
Nos problemas que requerem duas incógnitas, admitiu-se<br />
apenas uma de ca<strong>da</strong> vez e para equações do segundo grau, só<br />
encontrou uma raiz, mesmo quando as duas eram positivas. No seu<br />
modo de ver, os números negativos eram destituídos de reali<strong>da</strong>de.<br />
Evitou as quanti<strong>da</strong>des irracionais e admitiu, entretanto, os resultados<br />
fracionários e, com efeito, Diofanto foi o primeiro matemático na<br />
Grécia a considerar as frações como números e não uma razão entre<br />
duas grandezas.
159<br />
Exemplo de problema apresentado e resolvido por Diofanto:<br />
“Encontrar dois números tais que um deles somado ao quadrado do<br />
outro resultará um quadrado”.<br />
2 2<br />
Solução de Diofanto com notações atuais: x + y = z<br />
2<br />
2 3<br />
19<br />
x + ( 2x<br />
+ 1)<br />
= ( 2x<br />
− 2)<br />
⇒ x = , o outro número 2 x + 1 = .<br />
13<br />
13<br />
Quanto aos procedimentos empregados por Diofanto com<br />
relação às equações pode-se afirmar que:<br />
• Resolvia completamente as equações do primeiro grau com<br />
raízes positivas, mostrando notável habili<strong>da</strong>de na redução de<br />
equações simultâneas a uma única e de uma só incógnita;<br />
• Possuía um método geral para a solução <strong>da</strong>s equações do<br />
segundo grau, mas só o empregava para a obtenção de uma<br />
única raiz positiva;<br />
• Mais notáveis ain<strong>da</strong> que as próprias soluções foram os<br />
engenhosos métodos pelos quais evitou equações que sabia ser<br />
incapaz de resolver.<br />
Até onde vai a originali<strong>da</strong>de dos seus trabalhos não se pode<br />
determinar com exatidão, o certo é que Diofanto conseguiu separar a<br />
geometria <strong>da</strong> álgebra e merece o título de grande matemático. Um<br />
fato notável é que Fermat, no século XVII, foi levado ao seu célebre<br />
“grande” ou “último” teorema quando procurou generalizar um<br />
problema de A Arithmética de Diofanto: dividir um <strong>da</strong>do quadrado<br />
em dois quadrados.<br />
PAPUS PAPUS (século IV d.C.)<br />
Papus de Alexandria compôs uma obra chama<strong>da</strong> Synagoge<br />
(Coleção), por volta de 320 d.C., que tornou-se muito importante<br />
por várias razões. Em primeiro lugar fornece um registro histórico<br />
muito valioso de parte <strong>da</strong> matemática grega que, de outro modo, não<br />
seria conheci<strong>da</strong>. Por exemplo, é pelo Livro V <strong>da</strong> Coleção que se<br />
sabe <strong>da</strong> descoberta por Arquimedes dos treze poliedros semiregulares<br />
ou “sólidos arquimedianos”. Além disso, a Coleção<br />
contém novas provas e lemas suplementares para proposições <strong>da</strong>s<br />
160<br />
obras de Euclides, Arquimedes, Apolônio e Ptolomeu. Finalmente, o<br />
tratado contém descobertas e generalizações próprias.<br />
A Coleção era composta por oito livros, porém o primeiro livro<br />
e a primeira parte do segundo se perderam. O Livro III mostra que<br />
Papus compartilhava totalmente <strong>da</strong> clássica apreciação grega pelas<br />
sutilezas <strong>da</strong> precisão lógica em geometria. Fazia distinção clara<br />
entre problemas planos, sólidos e lineares – os primeiros sendo<br />
construtíveis com retas e círculos apenas, os segundos resolúveis por<br />
uso de secções cônicas e os terceiros exigindo outras curvas que não<br />
retas, círculos ou cônicas.<br />
A seguir, Papus descreveu algumas soluções dos três famosos<br />
problemas de construção, sendo que a duplicação do cubo e a<br />
trissecção do ângulo seriam problemas <strong>da</strong> segun<strong>da</strong> categoria, isto é,<br />
sólidos, e a quadratura do círculo um problema linear. Afirmou ser<br />
impossível resolver os problemas clássicos sob as condições<br />
platônicas, ou seja, com régua e compasso apenas, pois não estão<br />
entre os problemas planos. Papus não provou essa afirmação, mas<br />
percebeu a dificul<strong>da</strong>de dos problemas que só teriam provas rigorosas<br />
no século XIX.<br />
Trissecções propostas por Papus<br />
1. Seja AOB um ângulo, num círculo com centro O, cuja<br />
bissetriz é OC.<br />
O<br />
B<br />
.<br />
C<br />
T<br />
A<br />
Traça-se a hipérbole tendo A como um foco, OC como a diretriz<br />
correspondente e com excentrici<strong>da</strong>de igual a 2. Então um ramo<br />
dessa hipérbole cortará a circunferência do círculo num ponto T tal<br />
que o ângulo AOT é um terço do ângulo AOB.
161<br />
2. Seja o ângulo AOB cujo lado OB é uma diagonal do retângulo<br />
ABCO. Por A traça-se a hipérbole eqüilátera tendo BC e OC<br />
(prolongados) como assíntotas.<br />
Sendo A o centro e o<br />
raio duas vezes OB<br />
C B T<br />
traça-se um círculo que<br />
corta a hipérbole em P e<br />
Q<br />
P<br />
de P baixa-se a<br />
perpendicular PT a CB<br />
prolongado.<br />
O<br />
A<br />
Então, usando as<br />
proprie<strong>da</strong>des <strong>da</strong><br />
hipérbole, mostra-se<br />
que a reta que passa por<br />
O e T é paralela a AP e<br />
que o ângulo AOT é um<br />
terço do ângulo AOB.<br />
Extensão do teorema de Pitágoras<br />
Uma contribuição importante de Papus encontra-se no Livro IV <strong>da</strong><br />
Coleção. Trata-se <strong>da</strong> seguinte extensão do teorema de Pitágoras: Se<br />
ABC é um triângulo qualquer e se ABDE e CBGF são quaisquer<br />
paralelogramos construídos sobre dois dos lados, então pode-se<br />
E<br />
L<br />
D<br />
B<br />
A J<br />
H<br />
G<br />
K<br />
F<br />
162<br />
construir sobre o lado AC um terceiro paralelogramo ACKL com<br />
área igual a soma <strong>da</strong>s áreas dos dois anteriores.<br />
Isso se faz prolongando os lados FG e ED até se encontrarem em H,<br />
depois traçando HB e prolongando até encontrar o lado AC em J, e<br />
finalmente traçando AL e CK paralelos a HBJ.<br />
O Livro V <strong>da</strong> Coleção foi o favorito dos comentadores, porque<br />
levantava a questão <strong>da</strong> sagaci<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s abelhas. Tendo Papus<br />
mostrado que, de dois polígonos regulares de mesmo perímetro, o<br />
que tem maior número de lados tem maior área, ele concluiu que as<br />
abelhas provavam algum entendimento matemático, ao construir<br />
suas células como prismas hexagonais, em vez de quadrados ou<br />
triangulares. O livro examina outros problemas de isoperimetria,<br />
inclusive uma prova de que, para um perímetro <strong>da</strong>do, o círculo tem<br />
maior área que qualquer polígono regular.<br />
O livro VII contém o primeiro enunciado conhecido <strong>da</strong><br />
proprie<strong>da</strong>de foco-diretriz <strong>da</strong>s três secções cônicas. Apolônio<br />
conhecia as proprie<strong>da</strong>des focais para as cônicas, mas é possível que<br />
a proprie<strong>da</strong>de foco-diretriz não fosse conheci<strong>da</strong> antes de Papus.<br />
Outro teorema do livro VII que merece destaque, curiosamente<br />
recebe o nome de Paul Guldin, um matemático do século XVII: “se<br />
uma curva plana fecha<strong>da</strong> gira em torno de uma reta que não a corta,<br />
o volume do sólido gerado é obtido tomando o produto <strong>da</strong> área<br />
limita<strong>da</strong>, pela distância percorri<strong>da</strong> durante a revolução, pelo centro<br />
de gravi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> área”. Papus, com razão, se orgulhava desse<br />
teorema geral, que envolvia, simultaneamente, muitos tipos de<br />
curvas, superfícies e sólidos. E de fato esse foi o teorema mais geral,<br />
envolvendo o cálculo, encontrado na antigui<strong>da</strong>de.<br />
Papus provou também o teorema análogo ao anterior que diz<br />
que “a área <strong>da</strong> superfície gera<strong>da</strong> pela revolução de uma curva em<br />
torno de uma reta que não a corta é igual ao produto do<br />
comprimento <strong>da</strong> curva pela distância percorri<strong>da</strong> pelo centróide <strong>da</strong><br />
curva durante a revolução”.<br />
A Coleção de Papus foi o último tratado matemático antigo,<br />
realmente significativo. Obras matemáticas continuariam a ser<br />
escritas em grego por mais de mil anos, <strong>da</strong>ndo continui<strong>da</strong>de a uma<br />
influência inicia<strong>da</strong> há quase um milênio. Porém os autores que<br />
vieram depois de Papus jamais chegaram ao seu nível.
HIPATIA HIPATIA (370 – 415)<br />
163<br />
Hipatia de Alexandria, a primeira mulher matemática, era filha<br />
de Teon de Alexandria, autor de uma importante edição de os<br />
Elementos de Euclides e um Comentário, em onze livros, com a<br />
colaboração de Hipatia no segundo, sobre o Almagesto de Ptolomeu.<br />
Exímia professora, Hipatia lecionava matemática e filosofia.<br />
Suas aulas eram elogia<strong>da</strong>s e muito freqüenta<strong>da</strong>s. Os seus estudos<br />
incluíam, além de filosofia e matemática, astronomia, astrologia,<br />
geometria e medicina.<br />
Escreveu Comentários sobre seis dos trezes livros de A<br />
Arithmética de Diofanto, que só não se perderam por esse motivo. O<br />
mesmo se deu com As Cônicas de Apolônio, onde quatro dos oito<br />
livros tiveram seus Comentários. Teve uma morte trágica, envolvi<strong>da</strong><br />
em muito mistério. Consta que, por ser pagã, foi assassina<strong>da</strong> por<br />
cristãos.<br />
PROCLO PROCLO (410 – 485)<br />
Proclo de Alexandria, jovem estudioso de matemática e<br />
filosofia, foi para Atenas onde se tornou chefe <strong>da</strong> escola<br />
neoplatônica. Já destacamos a importância, como fonte histórica, de<br />
seu Comentário sobre o livro I de Os Elementos de Euclides.<br />
Enquanto o escrevia, Proclo certamente tinha à mão um exemplar <strong>da</strong><br />
<strong>História</strong> <strong>da</strong> Geometria de Eudemo, agora perdi<strong>da</strong>. A inclusão em<br />
seu Comentário de um sumário ou extrato substancial <strong>da</strong> <strong>História</strong> de<br />
Eudemo, chamado sumário eudemiano, foi considera<strong>da</strong> a sua<br />
principal contribuição à matemática.<br />
BOÉCIO BOÉCIO (475 – 524 d.C.)<br />
Boécio de Roma foi autor <strong>da</strong>s famosas Consolações <strong>da</strong><br />
Filosofia, a última obra <strong>da</strong> literatura romana. Escreveu também os<br />
livros Da Música e Da Aritmética, que por muito tempo foram os<br />
representantes <strong>da</strong> matemática grega no mundo medieval. Da Música<br />
foi usado como manual até o século XVIII e Da Aritmética<br />
considerado o padrão do ensino matemático.<br />
164<br />
Durante sua carreira de homem público, Boécio interessou-se<br />
pela reforma <strong>da</strong> moe<strong>da</strong> e pela introdução dos relógios de água e dos<br />
quadrantes solares. Sua geometria constava apenas de algumas <strong>da</strong>s<br />
proposições mais simples dos quatro primeiros livros de Euclides,<br />
com algumas demonstrações, e aplicações aos processos de<br />
medição.<br />
Assim começava Da Aritmética de Boécio: por todos os<br />
homens de reputação antiga que, emulando a fama de Pitágoras, se<br />
distinguiram pelo intelecto puro, foi sempre considerado coisa<br />
assente que ninguém poderá alcançar a suprema perfeição <strong>da</strong>s<br />
doutrinas filosóficas, se não buscar os píncaros do saber numa<br />
certa encruzilha<strong>da</strong> – o quadrívium.<br />
Para Boécio as coisas do universo seriam descontínuas (grupos)<br />
ou contínuas (grandezas). Os grupos são representados por números,<br />
e por suas relações com a música; as grandezas em repouso são<br />
estu<strong>da</strong><strong>da</strong>s pela geometria e as em movimento pela astronomia.<br />
Desse modo, as sete artes liberais seriam constituí<strong>da</strong>s por<br />
quadrívium (aritmética, música, geometria e astronomia) e trivium<br />
(gramática, dialética e retórica).<br />
Boécio traduziu para o latim obras de Ptolomeu, Nicômaco,<br />
Euclides, Arquimedes e Aristóteles, contribuindo assim com a<br />
divulgação <strong>da</strong> cultura grega na Europa Ocidental. Cristão pela fé e<br />
pagão pela cultura, Boécio tem sido chamado “a parte que une a<br />
antigui<strong>da</strong>de aos tempos modernos”, “o último dos romanos e o<br />
primeiro dos escolásticos”.<br />
Exercícios<br />
Exercícios<br />
1. Explique o fato de ser o período do desenvolvimento <strong>da</strong><br />
trigonometria grega um período de declínio <strong>da</strong> geometria grega?<br />
2. Por que os antigos preferiam um sistema astronômico geocêntrico<br />
a um heliocêntrico?<br />
3. Prove a fórmula de Heron para a área de um triângulo.<br />
4. Escreva em notação grega a cor<strong>da</strong> de 45°.
165<br />
5. Encontre, sem tabelas, o sen15° e usando isso, escreva em<br />
notação alfabética grega o valor de Ptolomeu para a cor<strong>da</strong> de 30°.<br />
6. Se você fosse um matemático vivendo em 500 d.C., escolheria<br />
Alexandria, Roma, Atenas ou Constantinopla para viver? Dê razões<br />
para sua escolha.<br />
7. Prove a extensão de Papus do teorema de Pitágoras.<br />
166
EUROPA EUROPA NA NA IDADE IDADE IDADE MÉDIA, MÉDIA,<br />
MÉDIA,<br />
CHINA, CHINA, CHINA, ÍNDIA ÍNDIA ÍNDIA E E E ARÁBIA ARÁBIA<br />
ARÁBIA<br />
“Durante a I<strong>da</strong>de Média o brilho estava no Oriente” (o autor)<br />
167<br />
Apesar dos que procuram reabilitar a I<strong>da</strong>de Média, quando o<br />
foco é a Europa Ocidental, ela continua sendo a i<strong>da</strong>de obscura, a<br />
i<strong>da</strong>de <strong>da</strong> ignorância e <strong>da</strong>s trevas, principalmente no período entre os<br />
séculos V e XII.<br />
Pelo fato de encontrarmos, de cem em cem anos, um Sto.<br />
Agostinho, um Sto. Anselmo, um Duns Scoto ou um Fibonacci, nem<br />
por isso deixa de ser a I<strong>da</strong>de Média um longo período de ver<strong>da</strong>deira<br />
passivi<strong>da</strong>de intelectual e absoluta ausência de qualquer idéia<br />
criadora.<br />
O cristianismo impregnara de sua essência mística e irreal todos<br />
os espíritos. A cultura universal desaparecera praticamente. Deus e a<br />
essência divina do Cristo eram o único objetivo digno de estudo.<br />
Nele sintetizaram to<strong>da</strong> a ciência e to<strong>da</strong> a filosofia.<br />
A natureza e o mundo haviam-se tornado irreais. Os homens<br />
viraram os olhos para dentro procurando Deus. O mundo era apenas<br />
um castigo, uma provação com que o homem se conformava e que<br />
devia durar o menos possível para mais depressa penetrar no céu.<br />
Na<strong>da</strong> poderia alterá-lo ou modificar sua marcha.<br />
Para compreender as razoes dessa ausência de espírito criador,<br />
quer na ciência, quer na filosofia e mesmo na literatura, será preciso<br />
penetrar no espírito desses longos séculos e, indo mais além, nas<br />
próprias raízes <strong>da</strong> I<strong>da</strong>de Média, que se encontram nos escombros do<br />
Império Romano.<br />
Confundindo-se com as ruínas do Império, encontra-se também,<br />
as raízes do cristianismo que, nascendo no seio de um pequeno povo<br />
<strong>da</strong> Ásia Menor quase sem papel na história, chegou a ter influência<br />
primordial quase absoluta no caráter econômico, político e espiritual<br />
<strong>da</strong> Europa inteira, durante cerca de mil anos.<br />
168<br />
A destruição do Império<br />
Não importa muito aqui analisar as causas <strong>da</strong> decadência e<br />
esfacelamento do Império, assunto tão polêmico. Destaca-se apenas,<br />
de passagem, que a invasão dos bárbaros, ou melhor, a vitória dos<br />
bárbaros sobre Roma com a vitória do cristianismo sobre o<br />
paganismo, a que se atribui freqüentemente a dissolução do Império,<br />
não foram senão suas causas imediatas.<br />
As ver<strong>da</strong>deiras causas encontravam-se dentro do próprio<br />
Império, e estavam, sem dúvi<strong>da</strong>, nas contradições econômicas e<br />
políticas características dos últimos três séculos de sua história.<br />
Entre essas contradições destacava-se a escravidão e as suas<br />
conseqüências. Os escravos romanos em na<strong>da</strong> se pareciam com os<br />
escravos negros <strong>da</strong> América. Eram, em geral, eram cultos e tinham<br />
consciência de sua condição e, por isso mesmo, não se<br />
conformavam com ela. Daí uma série de rebeliões (a de Espartacus,<br />
por exemplo) que tornavam inseguros e pouco produtivos os<br />
trabalhos do campo e <strong>da</strong> produção em geral.<br />
A existência <strong>da</strong> escravidão, por outro lado, tornava o trabalho<br />
indigno do homem livre. Lá, onde a escravidão é a forma<br />
dominante <strong>da</strong> produção, afirmava Engels, o trabalho torna-se<br />
ativi<strong>da</strong>de própria do escravo, desonroso para o homem livre.<br />
Graças a esse fato, fica excluí<strong>da</strong> qualquer possibili<strong>da</strong>de de<br />
abandonar tal modo de produção, enquanto que, por outro lado,<br />
sua supressão torna-se necessária a fim de que a escravidão deixe<br />
de ser um obstáculo no desenvolvimento <strong>da</strong> produção.<br />
Outra causa foi, sem dúvi<strong>da</strong>, a expansão demasiado rápi<strong>da</strong> do<br />
Império e <strong>da</strong>s dificul<strong>da</strong>des <strong>da</strong> administração e <strong>da</strong> manutenção de<br />
uma burocracia complica<strong>da</strong> e exigente. Com as dificul<strong>da</strong>des do<br />
trabalho escravo, os grandes proprietários abandonavam suas terras,<br />
na Itália, para viver <strong>da</strong> exploração dos países conquistados.<br />
Quando os germanos invadiram Roma, encontraram um povo<br />
empobrecido, escravos fugidos desocupados pelas ci<strong>da</strong>des,<br />
pequenos lavradores sobrecarregados de dívi<strong>da</strong>s e arruinados, um<br />
proletariado esfarrapado e faminto, todos ansiosos por uma nova<br />
ordem social, e que, por isso mesmo, não deviam estar muito<br />
interessados em repelir os bárbaros.
169<br />
O cristianismo<br />
Segundo Guingnebert, uma religião, qualquer que ela seja, não<br />
cai prontinha do céu, nasce de uma iniciativa particular ou de uma<br />
necessi<strong>da</strong>de geral. E quando deixa de corresponder aos interesses e<br />
às necessi<strong>da</strong>de de um povo, ele busca outra.<br />
O cristianismo levou alguns séculos para conquistar a Europa, e<br />
isso só se tornou possível quando o ambiente se tornou favorável.<br />
Os sol<strong>da</strong>dos, fartos de lutar, o povo, cansado de passar fome,<br />
buscaram uma saí<strong>da</strong> e encontraram consolo no cristianismo.<br />
Por outro lado, essa religião, pregando a submissão e a<br />
humil<strong>da</strong>de, serenando os ânimos do povo aflito e exaltado, viria do<br />
mesmo modo servir aos interesses dos novos senhores feu<strong>da</strong>is. Eis<br />
porque o cristianismo pode finalmente vencer as resistências que lhe<br />
opunha anteriormente um império em pleno florescimento.<br />
Espírito <strong>da</strong> I<strong>da</strong>de Média<br />
Esse misticismo a que se atirou o povo foi, ao mesmo tempo, a<br />
base e o conteúdo <strong>da</strong> filosofia medieval. O cristianismo foi, antes de<br />
tudo, um protesto contra um estado moral e social intolerável, mas<br />
um protesto, ao mesmo tempo, radical e ignorante.<br />
Em nome dos oprimidos, dos pobres, <strong>da</strong> massa sofredora, ele<br />
lançou seu desafio, não a esta ou àquela concepção filosófica, mas a<br />
to<strong>da</strong> a filosofia, não a uma socie<strong>da</strong>de mal organiza<strong>da</strong>, mas a to<strong>da</strong><br />
socie<strong>da</strong>de. Seria a negação absoluta <strong>da</strong> razão como <strong>da</strong> experiência e,<br />
de tal modo, envolveu os espíritos que se tornou a filosofia não só<br />
de um povo, mas de uma época.<br />
Esse espírito místico de abandono <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de e desprezo pelo<br />
mundo, evidencia-se muito bem nas palavras com que Sto.<br />
Agostinho procura justificar a casti<strong>da</strong>de. Respondendo à objeção,<br />
que alega ser a abstinência o fim do gênero humano, ele diz:<br />
Prouvera a Deus que todos estivessem de acordo: o mundo se<br />
acabaria mais depressa, e com a destruição <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de terrestre,<br />
mais depressa teríamos a ci<strong>da</strong>de celeste.<br />
Tem-se atribuído freqüentemente a Aristóteles a culpa <strong>da</strong><br />
ausência de qualquer progresso <strong>da</strong> ciência e <strong>da</strong> filosofia, desde que<br />
suas obras, traduzi<strong>da</strong>s por Boécio, foram sendo conheci<strong>da</strong>s,<br />
sobretudo a partir do século VII.<br />
170<br />
Mas a ver<strong>da</strong>de é que o grande filósofo não teve culpa de ter se<br />
tornado a Bíblia Cultural dos filósofos medievais. A causa real foi a<br />
estagnação completa <strong>da</strong> história, o estado <strong>da</strong>s relações sociais e<br />
econômicas, numa palavra, o feu<strong>da</strong>lismo, e o espírito místico que<br />
envolvera os homens.<br />
Não havia qualquer produção social e três classes principais<br />
vegetavam lentamente: os nobres, os camponeses e o clero. Os<br />
nobres, sem nenhuma aspiração social ou política, vivendo <strong>da</strong> sua<br />
proprie<strong>da</strong>de e para sua proprie<strong>da</strong>de, comiam embebe<strong>da</strong>vam-se e<br />
brigavam entre si. Apenas os camponeses trabalhavam e sua<br />
produção era individual, para sua família e para a família do senhor<br />
feu<strong>da</strong>l. Nenhum ideal, nenhum objetivo para além <strong>da</strong>s suas<br />
necessi<strong>da</strong>des imediatas, enquanto não chegava a hora de se juntar<br />
aos anjos do paraíso.<br />
Não havia preocupação com o saber, tanto que nobres e<br />
camponeses eram classes completamente incultas, pela<br />
desnecessi<strong>da</strong>de absoluta de qualquer instrução para o gênero de vi<strong>da</strong><br />
que levavam, nem mesmo do conhecimento <strong>da</strong> leitura. Os próprios<br />
reis (Carlos Magno, por exemplo) eram analfabetos. As ci<strong>da</strong>des,<br />
centros de vi<strong>da</strong>, de agitação, de cultura, haviam praticamente<br />
desaparecido.<br />
Somente o clero, sobretudo nos claustros e em particular os<br />
franciscanos e os dominicanos, estu<strong>da</strong>vam Aristóteles, Ptolomeu,<br />
Orígenes, Sto. Agostinho e Sto. Anselmo. Fora do terreno<br />
puramente metafísico e espiritual e <strong>da</strong> preocupação em torno de<br />
questões excessivamente transcendentais, o pouco que se sabia <strong>da</strong><br />
natureza vinha de Aristóteles ou dos árabes.<br />
A escolástica, que posteriormente se consolidou numa filosofia<br />
particular, oficial ou oficiosa <strong>da</strong> igreja, limitava-se então, ao ensino<br />
sistematizado, nas escolas, <strong>da</strong> teologia e <strong>da</strong>s chama<strong>da</strong>s sete artes<br />
liberais (ver Boécio).<br />
Carlos Magno (uma curiosa exceção)<br />
Embora o rei dos lombardos e dos francos fosse um homem de<br />
ação e de comportamento rude, <strong>da</strong>va muita importância ao<br />
desenvolvimento intelectual e ao enriquecimento <strong>da</strong> alma.<br />
Interessava-se pela música, pelas línguas e pela teologia, e seu
171<br />
interesse cresceu ain<strong>da</strong> mais quando ele se instalou em<br />
Aquisgrano, onde tinha mais tempo para se dedicar às ativi<strong>da</strong>des<br />
culturais.<br />
Com a aju<strong>da</strong> dos mestres, Carlos estudou retórica, dialética e<br />
astronomia. Tentou até mesmo aprender a escrever, mas, segundo<br />
diz seu biógrafo Eginardo, havia começado demasiado tarde e por<br />
isso obteve escassos resultados.<br />
Ansioso por difundir o conhecimento, fundou uma escola no<br />
palácio para a qual convidou os sábios de todo o reino. Embora a<br />
escola fosse freqüenta<strong>da</strong> principalmente pelos filhos dos nobres, as<br />
crianças de origem humilde também podiam se beneficiar, e muitas<br />
vezes até apresentavam os melhores resultados. Carlos, que sonhava<br />
poder um dia oferecer educação a todos em seu reino, aprovava a<br />
educação <strong>da</strong>s mulheres, atitude rara naquela época.<br />
A reputação <strong>da</strong> escola do palácio logo se espalhou, atraindo<br />
professores de to<strong>da</strong> a Europa. Entre eles, havia um que chamou a<br />
atenção do rei: era um monge inglês chamado Alcuin, de<br />
inteligência extraordinária. Carlos fez-lhe uma proposta irrecusável<br />
para morar no palácio e coordenar seu programa educacional.<br />
ALCUIN ALCUIN (735 – 804)<br />
Além de coordenar o programa de educação de Carlos Magno,<br />
Alcuin de York ensinava retórica, lógica, matemática e teologia. Em<br />
sua aritmética, por exemplo, havia problemas do tipo: se cem<br />
alqueires de trigo são distribuídos entre cem pessoas, de modo que<br />
ca<strong>da</strong> homem receba três alqueires, ca<strong>da</strong> mulher dois e ca<strong>da</strong> criança<br />
meio alqueire, quantos são os homens, as mulheres e as crianças?<br />
Das seis soluções possíveis, encontrou apenas uma.<br />
Alcuin escreveu livros escolares, em substituição aos usados<br />
anteriormente pelos francos, repletos de erros. Usou a própria escola<br />
do palácio para treinar professores, que iriam se estabelecer nas<br />
escolas fun<strong>da</strong><strong>da</strong>s nas muitas abadias que havia no reino.<br />
Essas abadias, residência e lugar de oração dos monges, eram<br />
também centros de cultura e conhecimento. A matemática ensina<strong>da</strong><br />
nessas escolas incluía naturalmente o uso do ábaco, a tábua de<br />
multiplicação, e a geometria de Boécio.<br />
Desse modo, o importante foi que sob a direção do monge<br />
erudito, o sonho do rei, de elevar o padrão educacional dos francos,<br />
172<br />
começou a se tornar reali<strong>da</strong>de. Quinze anos depois já havia<br />
educação acessível para todos os súditos.<br />
Esse foi um magnífico marco na história, ocorrido em plena<br />
I<strong>da</strong>de Média e, como já se sabe, o conhecimento intelectual era um<br />
privilégio dos religiosos. Para confirmar ain<strong>da</strong> mais esse fato, eis um<br />
matemático que se tornou Papa.<br />
GERBERT GERBERT GERBERT ( 940 – 1003)<br />
Gerbert de Aurillac na França foi outro sábio do chamado<br />
renascimento carolingiano e que consagrou à matemática uma parte<br />
de suas varia<strong>da</strong>s aptidões. Viveu alguns anos na Espanha, ensinou<br />
na escola monástica de Reims, na Alemanha e, de 999 até sua morte,<br />
foi o Papa Sivestre II.<br />
Construiu ábacos, globos terrestres e celestes, e reuniu uma<br />
valiosa biblioteca. Também lhe são atribuídos um relógio e um<br />
órgão acionado por vapor. Escreveu livros sobre o emprego do<br />
ábaco, sobre aritmética e sobre geometria. Esse ultimo contém a<br />
solução de um problema relativamente difícil: encontrar os catetos<br />
de um triângulo retângulo, <strong>da</strong><strong>da</strong>s a área e a hipotenusa.<br />
Foi o primeiro a expor os chamados “números de ghubar”<br />
(algarismos hispano-arábicos), que constituíam uma transição para<br />
os algarismos hindo-arábicos, introduzidos na Europa alguns séculos<br />
depois.<br />
Enquanto a Europa seguia o passo lento <strong>da</strong> I<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s Trevas,<br />
sob o domínio dos reis-papas, esperando o fim do mundo que,<br />
segundo crenças, ocorreria no ano 1000, no Oriente, livre <strong>da</strong><br />
repressão <strong>da</strong> Igreja, a ciência encontrou espaço para se desenvolver,<br />
principalmente na China, Índia e Arábia.<br />
CHINA CHINA<br />
CHINA<br />
Embora a civilização chinesa seja mais antiga que a grega, sua<br />
contribuição para a moderni<strong>da</strong>de não a superou. Vários fatores<br />
contribuíram para isso, inclusive as arbitrarie<strong>da</strong>des dos imperadores
173<br />
chineses, que pareciam deuses, e o isolamento cultual <strong>da</strong> China em<br />
relação à cultura ocidental.<br />
Consta que por volta do século II a.C., sob a dinastia Han, o<br />
imperador ordenou a destruição de todos os livros do país, bem<br />
como a execução, em praça pública, <strong>da</strong>queles que se diziam<br />
intelectuais. Isso por acreditar que se o gosto pela leitura se<br />
expandisse, em breve, não se teria mais ninguém para plantar arroz<br />
nas margens do rio Amarelo.<br />
O comércio <strong>da</strong> se<strong>da</strong> entre chineses e árabes só se tornaria<br />
freqüente no século VII <strong>da</strong> nossa era, enquanto o comércio de<br />
especiarias com os europeus só aconteceria no fim do século XIV.<br />
O primeiro documento matemático dos chineses é do século XII<br />
a.C.: Chow Pei Suang Ching (calendário <strong>da</strong>s horas solares), um<br />
pergaminho de dois metros e trinta que abor<strong>da</strong> diversos assuntos<br />
científicos sob a forma de diálogos entre o imperador e um de seus<br />
ministros. O autor, desconhecido, inicia sua obra afirmando ser o<br />
quadrado um símbolo <strong>da</strong> Terra e o círculo do Céu. Percebe-se dos<br />
escritos, que já nessa época conheciam as quatro operações, bem<br />
como as proprie<strong>da</strong>des dos triângulos eqüiláteros e retângulos. Pela<br />
igual<strong>da</strong>de obti<strong>da</strong> com os números 3, 4 e 5, isto é, 3 x 3 + 4 x 4 = 5 x<br />
5, notamos que já haviam descoberto o Teorema de Pitágoras.<br />
Desse documento conclui-se, também, que o conhecimento <strong>da</strong><br />
época era tutelado pelo imperador. É flagrante a preocupação do<br />
autor em agradá-lo, o que se depreende especialmente do método de<br />
somar duas frações, em que os exemplos são todos tirados <strong>da</strong>s<br />
medi<strong>da</strong>s dos corpos dos familiares do imperador. Outro fato curioso<br />
do livro são os temas aos quais aplicavam a matemática: i<strong>da</strong>des,<br />
censo populacional, colheitas, astrologia, medi<strong>da</strong>s de áreas e<br />
volumes, impostos e construção civil.<br />
Sistemas de numeração<br />
Na China, desde os tempos primitivos, dois sistemas de<br />
numeração estiveram em uso. Num predominava o princípio<br />
multiplicativo, no outro era usa<strong>da</strong> uma forma de notação posicional.<br />
No primeiro havia símbolos diferentes para os dígitos de um a dez e<br />
símbolos adicionais para as potências de dez, e nas formas escritas<br />
os dígitos em posições ímpares (<strong>da</strong> esquer<strong>da</strong> para a direita ou de<br />
174<br />
baixo para cima) eram multiplicados pelo seu sucessor. Assim o<br />
número 678 seria escrito como um seis seguido do símbolo para<br />
100, depois um sete seguido do símbolo para dez e, finalmente, o<br />
símbolo para oito.<br />
No sistema de “numerais em barras” os dígitos de um a nove<br />
apareciam como | || ||| |||| ||||| | || ||| ||||<br />
, e os nove primeiros<br />
múltiplos de dez como<br />
Usando esses dezoito símbolos alterna<strong>da</strong>mente em posições<br />
conta<strong>da</strong>s <strong>da</strong> direita para a esquer<strong>da</strong>, podiam ser escritos números tão<br />
grandes quanto se desejasse. Como na Mesopotâmia, só<br />
relativamente mais tarde é que apareceu um símbolo para uma<br />
posição vazia.<br />
A matemática em nove capítulos<br />
A obra mais importante <strong>da</strong> ciência chinesa é, sem dúvi<strong>da</strong>, o<br />
famoso Chui Chang Suan Shu (a matemática em nove capítulos) de<br />
Chuan Tsanom (200 a.C.), que traz 246 problemas resolvidos.<br />
Ao contrário <strong>da</strong> matemática grega, a chinesa, assim como a<br />
egípcia e mesopotâmia, também é caracteriza<strong>da</strong> pela ausência<br />
completa de teorias. O Chuí Chang Suan Shu mais parece um<br />
receituário para resolução de problemas específicos.<br />
Outra peculiari<strong>da</strong>de <strong>da</strong> obra são os estilos de apresentação dos<br />
exercícios, indicando que essa foi modifica<strong>da</strong> por vários escritores<br />
ao longo do tempo. Na apresentação verifica-se uma separação dos<br />
nove capítulos destinados a usuários específicos: aparentemente<br />
ministros e homens de confiança do imperador – cobradores de<br />
impostos, engenheiros, agrimensores e astrólogos.<br />
A seguir, um resumo dos nove capítulos.<br />
1º – Medi<strong>da</strong>s de Terras<br />
A preocupação fun<strong>da</strong>mental seria ensinar a medir terras,<br />
baseando a divisão <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de rural em retângulos e triângulos.<br />
A forma de calcular a área do círculo indica a característica de<br />
receituário <strong>da</strong> obra, bem como o valor de π , que conheciam como
175<br />
sendo 3: “multiplique o diâmetro pelo diâmetro do círculo e tome<br />
três quartos do valor encontrado...”<br />
2º – Cereais<br />
São comuns nessa segun<strong>da</strong> parte, problemas do tipo: “para vinte<br />
sacos de arroz, o imposto a ser pago é de dois sacos, enquanto para<br />
oitenta sacos são oito...”<br />
Tais problemas articulam regra de três simples, bem como<br />
proporções volumétricas.<br />
3º – População<br />
Foi com base nesse capítulo que muitos historiadores <strong>da</strong><br />
matemática afirmaram ser de autoria dos chineses o estudo de<br />
matrizes.<br />
4 9 2<br />
Exemplo: O quadrado<br />
3<br />
8<br />
5<br />
1<br />
7<br />
6<br />
foi supostamente trazido para os<br />
homens por uma tartaruga do Rio Lo nos dias do lendário imperador<br />
Yii, considerado um engenheiro hidráulico. A preocupação com tais<br />
diagramas levou o autor dos Nove Capítulos a resolver o sistema de<br />
3x<br />
+ 2y<br />
+ z = 39<br />
equações lineares simultâneas 2x<br />
+ 3y<br />
+ z = 34 efetuando operações<br />
sobre as colunas na matriz<br />
0<br />
0<br />
36<br />
99<br />
0<br />
5<br />
1<br />
24<br />
3<br />
2<br />
1<br />
39<br />
x + 2y<br />
+ 3z<br />
= 26<br />
1 2 3<br />
2<br />
3<br />
26<br />
3<br />
1<br />
34<br />
2<br />
1<br />
39<br />
para reduzi-la a<br />
176<br />
A segun<strong>da</strong> forma representava as equações 36 z = 99,<br />
5 y + z = 24 e 3 x + 2y<br />
+ z = 39,<br />
<strong>da</strong>s quais facilmente são calculados<br />
sucessivamente os valores de z, y e x.<br />
Além <strong>da</strong>s matrizes, dos sistemas de equações lineares, do<br />
método <strong>da</strong> soma de progressões aritméticas de n termos, destacamse,<br />
ain<strong>da</strong>, os quadrados mágicos.<br />
4º – Natureza<br />
Aparecem as raízes quadra<strong>da</strong> e cúbica, como sendo,<br />
respectivamente, o lado do quadrado e do cubo, a primeira usa<strong>da</strong> na<br />
medição de áreas de plantio e a segun<strong>da</strong> no cálculo de volumes de<br />
cereais, especificamente o arroz.<br />
5º – Trabalho<br />
São receitas de construção de casas, diques, canais, bem como<br />
de cálculo <strong>da</strong> quanti<strong>da</strong>de de homens necessários à execução do<br />
projeto. Verifica-se aqui o uso de tabelas que relacionavam tamanho<br />
e estilo arquitetônico com horas de trabalho.<br />
6º – Impostos<br />
Certamente o capítulo mais importante para o imperador, pois<br />
contém cálculos de proporcionali<strong>da</strong>de acompanhados de regra de<br />
três composta: “aquele que tem 10 áreas de plantio, 2 filhos e colheu<br />
20 sacos de arroz pagará um de imposto, enquanto aquele que tem<br />
20 áreas de plantio, 4 filhos e colheu 30 sacos de arroz, pagará?”<br />
7º – Ligas Metálicas<br />
Dos problemas aqui apresentados conclui-se, mais uma vez, que<br />
sabiam resolver sistemas de equações: “duas barras de ouro mais<br />
três de prata pesam 18 uni<strong>da</strong>des. Quanto pesará ca<strong>da</strong> uma se duas,<br />
uma de ouro e outra de prata, pesam 7?”<br />
Apesar <strong>da</strong> imprecisão do enunciado, o texto acima reflete uma<br />
matemática bastante evoluí<strong>da</strong>.
177<br />
8º – Tabelas<br />
Um capítulo destinado a registrar tabelas de números que<br />
aparentemente expressavam as uni<strong>da</strong>des de medi<strong>da</strong> <strong>da</strong>quele tempo,<br />
bem como <strong>da</strong>dos sobre meteorologia e astrologia.<br />
9º – Problemas de quadrados<br />
Um capítulo inteiro sobre o teorema de Pitágoras.<br />
2 2 2<br />
Aplica-se x + y = z a problemas relacionados com<br />
profundi<strong>da</strong>de de lagos, bambus quebrados, sombra de árvores,<br />
enfim, exercícios de triângulos e retângulos.<br />
“Um bambu de comprimento 10 é<br />
colocado em pé e quebrado a 6<br />
uni<strong>da</strong>des de altura. Sua ponta<br />
10<br />
6<br />
tocará o chão a que distância?”<br />
O capítulo 9 é concluído com<br />
soluções de equações do segundo<br />
?<br />
grau, através de uma receita<br />
conheci<strong>da</strong> no Brasil como fórmula de Bhaskara, deduzi<strong>da</strong><br />
empiricamente.<br />
Depois do Chuí Chang Suan Shu, duas outras obras destacariam<br />
o desenvolvimento <strong>da</strong> matemática chinesa: Suan hsüeh ch’i meng<br />
(Estudos iniciais sobre matemática) e Ssu Yüan Yüchien (Magnífico<br />
espelho de quatro imagens) escritos pelo lendário Chu Shih Chieh<br />
de Pequim e publicados por volta de 1300 <strong>da</strong> nossa era.<br />
No Suan Meng, a novi<strong>da</strong>de seria a descoberta <strong>da</strong> soma dos n<br />
2 2<br />
2<br />
primeiros números naturais quadrados, 1 + 2 + ...+ n :<br />
“multiplique o último número (n) por dois e some um (2n + 1); esse<br />
resultado deverá ser multiplicado por n(n + 1). Divi<strong>da</strong> tudo por<br />
seis”. Essa receita de Chu Shih Chieh, se escreve<br />
2 2<br />
2 n(<br />
n + 1)(<br />
2n<br />
+ 1)<br />
1 + 2 + ... + n =<br />
6<br />
A obra de Chu Chieh tornou-se um clássico <strong>da</strong> matemática<br />
oriental e pela primeira vez misturam-se filosofia, religião,<br />
matemática e física. O autor relaciona as raízes de uma equação do<br />
quarto grau com terra, céu, homem e tempo, buscando, a seu modo,<br />
interpretar a natureza.<br />
178<br />
Destaca-se nessa obra o triângulo atribuído a Pascal, conhecido<br />
dos chineses muitos anos antes, pois Chu Chieh o descreve com<br />
naturali<strong>da</strong>de, mostrando-o como mecanismo de construção dos<br />
coeficientes dos polinômios formados por ( ) n<br />
x + 1 em que<br />
n = 0,<br />
1,<br />
2,<br />
3,...<br />
Encontra-se também uma pesquisa extremamente curiosa sobre<br />
a descoberta de raízes positivas em equações que vão do grau dois<br />
ao quatorze. À técnica, embora semi-empírica, assemelha-se muito<br />
aos processos de Ruffini, descobertos no século XIX.<br />
2<br />
Exemplo: x − 2x<br />
− 3 = 0<br />
Arbitra-se um valor qualquer como solução; x = 2, por exemplo.<br />
Verifica-se, porém, que esse número não é solução, ou seja,<br />
2<br />
2<br />
x = 2 + d . Então ( 2 + d ) − 2(<br />
2 + d ) − 3 = 0 ou d + 2d<br />
= 3 e Chu<br />
3<br />
Chieh conclui que a solução é x = 2 + = 3 .<br />
1+<br />
2<br />
ÍNDIA<br />
ÍNDIA<br />
As extensas conquistas de Alexandre, o Grande, estimularam<br />
imensamente o intercâmbio de idéias entre o mundo mediterrâneo e<br />
a Ásia. O Oriente pôde, assim, fazer contribuições para a<br />
matemática, e isso no ponto em que os gregos eram relativamente<br />
mais fracos, ou seja, na aritmética (sistema de numeração), álgebra<br />
(resolução de equações) e trigonometria (tabelas de semi-cor<strong>da</strong>s<br />
bem próximas <strong>da</strong>s dos senos atuais).<br />
Alguns séculos antes <strong>da</strong> nossa era, o teorema de Pitágoras e o<br />
cálculo de raízes quadra<strong>da</strong>s com ótimas aproximações eram<br />
conhecidos na Índia em conexão com Sülvasütras, ou seja, as regras<br />
para construção de altares ou regras de cor<strong>da</strong>s.<br />
A mais importante contribuição <strong>da</strong> matemática hindu é,<br />
provavelmente, o nosso moderno sistema decimal de posição para os<br />
números, o qual implica na introdução de um sinal para o zero. Já<br />
séculos antes <strong>da</strong> era cristã, estavam os autores hindus acostumados a<br />
fazer cálculos com grandes números na notação decimal. Para ca<strong>da</strong>
179<br />
potência de dez usava-se um nome diferente, mas, uma vez<br />
conheci<strong>da</strong> a série completa, o valor de ca<strong>da</strong> uni<strong>da</strong>de era <strong>da</strong>do pela<br />
sua posição na ordem.<br />
Um sinal especial para os lugares vagos foi ocasionalmente<br />
usado na Grécia e na Mesopotâmia, mas foram os hindus que deram<br />
pleno desenvolvimento lógico a essa idéia e suas formas numéricas<br />
já adquiriam, então, grande semelhança com os algarismos atuais.<br />
A primeira menção positiva feita fora <strong>da</strong> Índia aos numerais<br />
hindus acha-se no livro de um bispo <strong>da</strong> Síria Ocidental de 662. No<br />
início do século IX os algarismos tornaram-se conhecidos pelos<br />
intelectuais árabes.<br />
A matemática hindu produziu, até o renascimento, grandes<br />
personagens, que muito a enriqueceram. Dentre os quais se<br />
destacaram Aryabhata, Brahamagupta, Sridhara e Bhaskara.<br />
ARYABHATA ARYABHATA (século VI d.C.)<br />
Aryabhata escreveu, em 499 d.C., um livro em quatro partes,<br />
tratando de astronomia, dos elementos <strong>da</strong> trigonometria esférica e<br />
enunciando várias regras de aritmética, álgebra e trigonometria<br />
plana.<br />
Alguns resultados dessa obra merecem destaque: Calculou a<br />
2 2<br />
2<br />
soma de ca<strong>da</strong> uma <strong>da</strong>s séries 1 + 2 + ... + n,<br />
1 + 2 + ... + n ,<br />
3<br />
3<br />
3<br />
1 + 2 + ... + n , resolveu equações do segundo grau, apresentou<br />
3<br />
uma tábua de semi-cor<strong>da</strong>s (senos) dos múltiplos sucessivos de 3<br />
4<br />
graus (isto é, dos vinte e quatro avos do ângulo reto) e usou para π ,<br />
177<br />
o bom resultado 3 = 3,<br />
1416 .<br />
1250<br />
O livro de Aryabhata, composto de 123 estrofes metrifica<strong>da</strong>s,<br />
era uma obra descritiva, sem nenhum espírito lógico ou de<br />
metodologia dedutiva. O que tinha de original e o que era apenas<br />
compilação é difícil decidir.<br />
Original, sem dúvi<strong>da</strong> alguma, é a presença pela primeira vez em<br />
livro do sistema decimal posicional. Não se sabe exatamente como<br />
Aryabhata efetuava seus cálculos, mas sua frase de lugar para lugar<br />
180<br />
ca<strong>da</strong> um vale dez vezes o precedente é uma indicação de que tinha<br />
em mente o princípio posicional. Com a introdução, na notação<br />
hindu, do décimo numeral, um ovo de ganso para o zero, o moderno<br />
sistema de numeração (chamado hindu) para os inteiros positivos<br />
estava completo.<br />
Essa numeração, na ver<strong>da</strong>de, combinou três princípios básicos<br />
de origem bem antiga: base decimal; uma notação posicional e uma<br />
forma cifra<strong>da</strong> para ca<strong>da</strong> um dos dez numerais. Nenhum desses<br />
princípios se deveu originalmente aos hindus, mas foi devido a eles<br />
que os três foram ligados, pela primeira vez, para formar o moderno<br />
sistema de numeração.<br />
BR BRAHMAGUPTA<br />
BR AHMAGUPTA (século VII d.C.)<br />
A matemática hindu ressentiu mais do que a grega a escassez de<br />
fontes históricas, pois os matemáticos raramente se referiam a seus<br />
predecessores e exibiam surpreendente independência em seus<br />
trabalhos. Assim é que Brahmagupta que viveu por volta de 628<br />
d.C. na Índia Central, um pouco mais de cem anos depois de<br />
Aryabhata, tem pouco em comum com seu predecessor, que tinha<br />
vivido no leste <strong>da</strong> Índia.<br />
Brahmagupta mencionou dois valores para π – o “valor<br />
prático” 3 e o “valor bom”<br />
preciso de Aryabhata.<br />
10 = 3,<br />
16 – mas não o valor mais<br />
Talvez o resultado mais significante na obra de Brahmagupta<br />
seja a generalização <strong>da</strong> “fórmula de Heron”, <strong>da</strong><strong>da</strong> por<br />
K = s − a s − . b s − c s − d , para encontrar a área de um<br />
( )( )( )( )<br />
quadrilátero, sendo a, b, c, d os lados e s o semi-perímetro. Há uma<br />
restrição, não observa<strong>da</strong> por Brahmagupta, de que a fórmula só é<br />
correta no caso de um quadrilátero inscrito num círculo.<br />
A fórmula correta para um quadrilátero arbitrário é<br />
2<br />
( s − a)(<br />
s − b)(<br />
s − c)<br />
− abcd cos ,<br />
K =<br />
α sendo que α é a metade <strong>da</strong><br />
soma de dois ângulos opostos.<br />
As contribuições de Brahmagupta à álgebra são superiores às<br />
suas regras de mensuração, pois são encontra<strong>da</strong>s soluções gerais de
181<br />
equações quadráticas, inclusive duas raízes, mesmo quando uma<br />
delas era negativa.<br />
A aritmética sistematiza<strong>da</strong> dos números negativos e do zero, na<br />
ver<strong>da</strong>de, apareceria pela primeira vez em sua obra. Regras sobre<br />
grandezas negativas já eram conheci<strong>da</strong>s através dos teoremas<br />
geométricos dos gregos, como por exemplo<br />
( a − b)(<br />
c − d ) = ac + bd − ad − bc , mas os hindus as converteram em<br />
regras numéricas sobre números negativos e positivos.<br />
Analogamente, foram os hindus os primeiros a interpretar o zero<br />
como número, assim como, as raízes irracionais como números e<br />
não como grandezas incomensuráveis.<br />
Brahmagupta afirmou que positivo dividido por positivo, ou<br />
negativo por negativo, é afirmativo; cifra dividi<strong>da</strong> por cifra é na<strong>da</strong><br />
(0 : 0 = 0); positivo dividido por negativo é negativo; negativo<br />
dividido por afirmativo é negativo e positivo ou negativo dividido<br />
por cifra é uma fração com esse denominador (a : 0 para a ≠ 0 ele<br />
não se comprometeu).<br />
Como muitos de seus conterrâneos, Brahmagupta, também se<br />
dedicava à matemática por ela mesma. Esse fato seria confirmado<br />
quando se soube que foi o primeiro a encontrar uma solução geral <strong>da</strong><br />
equação linear diofantina ax + by = c , em que a, b, c são inteiros.<br />
Para que essa equação tenha soluções inteiras, o máximo divisor<br />
comum de a e b deve dividir c; e Brahmagupta sabia que se a e b<br />
são primos entre si, to<strong>da</strong>s as soluções <strong>da</strong> equação são <strong>da</strong><strong>da</strong>s por<br />
x = p + mb,<br />
y = q − ma , sendo m um inteiro arbitrário. Deve-se<br />
lembrar que Diofanto só encontrou uma solução particular desse tipo<br />
de equação indetermina<strong>da</strong>.<br />
Brahmagupta sugeriu também uma equação diofantina<br />
2<br />
2<br />
quadrática x = 1+ py que erra<strong>da</strong>mente recebe o nome de John<br />
Pell (1611 – 1685) e que apareceu pela primeira vez no problema do<br />
gado de Arquimedes.<br />
Os exemplos a seguir ilustram as notações hindus para as<br />
equações:<br />
182<br />
Exemplo 1:<br />
.<br />
ya v 1 ya 10<br />
.<br />
ru 9<br />
2<br />
significa que x −10x = −9<br />
Passos <strong>da</strong> solução de Brahamagupta, em notação atual:<br />
•<br />
•<br />
− 9<br />
( − 9) . 4 = −36<br />
2 =<br />
• − 36 + ( −10)<br />
64<br />
• 64 = 8<br />
8 − −10<br />
=<br />
• ( ) 18<br />
• 18 : ( 2×<br />
1)<br />
= 9<br />
• A raiz é 9.<br />
Exemplo 2:<br />
.<br />
ya ka 7 bha k(<br />
a ) 12 ru 8<br />
significa que<br />
ya v 3 ya 10<br />
7xy<br />
+<br />
= 3x<br />
2 +<br />
12 − 8<br />
10x<br />
Nomenclatura:<br />
• ya (abreviação de yavattavat) é a primeira incógnita;<br />
• ka representa kalaka (“negro”) é a segun<strong>da</strong> incógnita;<br />
• v representa varga, que significa “quadrado”;<br />
• O ponto sobre um número indica que ele é negativo;<br />
• bha representa bhavita (“produto”);<br />
• k(a) representa karana (“irracional” ou “raiz”);<br />
• ru representa rupa (número “puro” ou “comum”).<br />
• O primeiro membro <strong>da</strong> equação é escrito em uma linha<br />
e o segundo membro abaixo;<br />
• Incógnitas adicionais seriam expressas mediante o uso<br />
de abreviações para cores adicionais, assim: ni para<br />
nilaca (“azul”), pi para pitaca (“amarelo”), pa para<br />
pandu (“branco”) e lo para lohita (“vermelho”).
BHASKARA BHASKARA (1114 – 1185)<br />
183<br />
Cinco séculos depois de Brahmagupta floresceu Bhaskara,<br />
conhecido como “o sábio”. Foi matemático, professor, astrólogo e<br />
astrônomo que preencheria lacunas deixa<strong>da</strong>s por seus antecessores,<br />
2<br />
2<br />
inclusive, <strong>da</strong>ndo a solução geral <strong>da</strong> equação x = 1+ py e de<br />
muitas outras equações diofantinas.<br />
Dos seus seis trabalhos conhecidos os mais importantes são<br />
Lilavati (nome de sua filha e que contém 278 versos) e Vija-Ganita,<br />
ambos com muitos problemas sobre os tópicos favoritos dos hindus:<br />
equações lineares e quadráticas (determina<strong>da</strong>s ou indetermina<strong>da</strong>s),<br />
mensuração, progressões aritméticas e geométricas, radicais, ternas<br />
pitagóricas, regra de três, etc.<br />
Bhaskara fez notáveis progressos na notação algébrica<br />
abrevia<strong>da</strong>, isso pode ser confirmado na solução do problema 2, a<br />
seguir. Segundo suas próprias palavras, ao resolver uma equação<br />
quadrática, aplicava o método de um conterrâneo, Sridhara, que<br />
viveu uns dois séculos antes. Isso vem contrariar o hábito, parece<br />
que só do Brasil, de chamar de “Bhaskara” a fórmula clássica de<br />
resolver equações de grau dois.<br />
Exemplos de problemas do Lilavati:<br />
Problema 1: O quadrado <strong>da</strong> quinta parte do número de macacos de<br />
um bando, subtraí<strong>da</strong> de 3 macacos, entra numa caverna; e um<br />
macaco fica fora pendurado numa árvore. Diga quantos são os<br />
macacos.<br />
1 2<br />
Em notação atual tem-se: ( x − 3 ) + 1 = x ou x − 55x<br />
= −250<br />
.<br />
5<br />
Problema 2: A raiz quadra<strong>da</strong> do número de abelhas de um enxame<br />
voou rumo a um jasmineiro, enquanto 8/9 do enxame permaneceu<br />
atrás; e uma abelha fêmea ficou voando em torno de um macho que<br />
se encontrava preso numa flor de lótus para a qual foi atraído à noite<br />
por seu doce odor. Diga-me adorável mulher, qual é o número de<br />
abelhas.<br />
Na coluna <strong>da</strong> esquer<strong>da</strong> a solução de Bhaskara e na <strong>da</strong> direita a<br />
tradução atual.<br />
2<br />
184<br />
Seja ya v 2 o número de Seja<br />
abelhas do enxame<br />
enxame<br />
A raiz quadra<strong>da</strong> <strong>da</strong> metade<br />
desse número é ya 1<br />
2x 2<br />
= x<br />
2<br />
Oito nonos de todo o enxame Oito nonos de todo o enxame é<br />
é<br />
16<br />
ya v<br />
9<br />
16 2<br />
( ) x<br />
9<br />
A soma <strong>da</strong> raiz quadra<strong>da</strong> com<br />
a fração e o casal de abelhas é<br />
igual à quanti<strong>da</strong>de de abelhas<br />
do enxame, isto é ya v 2<br />
Reduzindo-se ao mesmo<br />
16 2<br />
2<br />
x + ( ) x + 2 = 2x<br />
9<br />
denominador os dois<br />
membros <strong>da</strong> equação e<br />
eliminado o denominador, a<br />
equação transforma-se em<br />
ya v 18 ya 0 ru 0<br />
2<br />
2<br />
9x<br />
+ 16x<br />
+ 18 18x<br />
= ⇔<br />
9 9<br />
2 2<br />
18x<br />
= 16x<br />
+ 9x<br />
+ 18<br />
2<br />
2 x o número de abelhas do<br />
ya v 16 ya 9 ru 18<br />
Após a subtração a equação<br />
torna-se<br />
ya v 2 ya 9 ru 0<br />
2 2<br />
18x<br />
−16x<br />
− 9x<br />
=<br />
2<br />
16x<br />
+ 9x<br />
+ 18 −16x<br />
ya v 0 ya 0 ru 18<br />
2<br />
2x<br />
− 9x<br />
= 18<br />
Portanto ya é 6 Portanto x = 6<br />
Donde ya v 2 é 72 2<br />
Donde 2x<br />
2<br />
= 2.<br />
6 = 72 .<br />
2<br />
− 9x<br />
Bhaskara apresentou uma demonstração do teorema de<br />
Pitágoras de um modo curioso: desenhou a figura abaixo e escreveu<br />
simplesmente “Veja”.
185<br />
A matemática hindu, em comparação grega, ganhou em força e<br />
liber<strong>da</strong>de, à custa de certo sacrifício do rigor lógico. Entre os gregos,<br />
somente os maiores avaliaram a possibili<strong>da</strong>de e a importância de<br />
uma série infinita de números. Um feito notável dos hindus foi a<br />
introdução <strong>da</strong> idéia dos números negativos e a exemplificação <strong>da</strong>s<br />
quanti<strong>da</strong>des positivas e negativas por meio de débito e crédito, etc.<br />
Em conjunto, os hindus, que haviam recebido originalmente dos<br />
gregos uma parte <strong>da</strong> sua matemática, fizeram grandes contribuições<br />
nos campos <strong>da</strong> aritmética e <strong>da</strong> álgebra e sua influência na ciência<br />
européia, com a qual tiveram pouco ou nenhum contato direto,<br />
exerceu-se principalmente por intermédio dos árabes.<br />
ARÁBIA<br />
ARÁBIA<br />
Do outro lado do Mediterrâneo, um povo nômade e<br />
aparentemente inculto, que até meados do século VII vivera<br />
praticamente afastado <strong>da</strong> civilização, surgiu subitamente na história<br />
e, qual um cometa, quase em segui<strong>da</strong> desapareceu deixando,<br />
to<strong>da</strong>via, atrás de si, um rastro luminoso que iria resplandecer ain<strong>da</strong><br />
durante muitos séculos.<br />
Fenômeno ain<strong>da</strong> inexplicável, até hoje, de um pequeno povo de<br />
pastores e comerciantes, os árabes transformaram-se, a despeito <strong>da</strong>s<br />
lutas internas, numa nação organiza<strong>da</strong> e forte que em cem anos<br />
apenas, conquistaria metade do mundo conhecido, estendendo seu<br />
domínio pela Síria, Mesopotâmia, Pérsia e to<strong>da</strong> a Ásia Menor e, de<br />
outro lado, pelo Egito, to<strong>da</strong> a costa africana do Mediterrâneo,<br />
atravessando Gibraltar e atingindo a Espanha.<br />
E, fenômeno ain<strong>da</strong> mais surpreendente e contraditório, um povo<br />
dominado por uma idéia mística, que enveredou através <strong>da</strong> ciência e<br />
<strong>da</strong> filosofia, pelo caminho do materialismo, influindo<br />
poderosamente no desenvolvimento <strong>da</strong> cultura de to<strong>da</strong> a Europa com<br />
um formidável quadro de filósofos e pesquisadores. Não se<br />
consegue, facilmente, explicar um predomínio tão rápido e<br />
avassalador. A história dos árabes dá-nos a idéia de um homem que<br />
passasse longos anos dormindo e que, de repente, como que<br />
despertado por um sonho, se levantasse de um salto, largando a<br />
186<br />
correr pelo mundo até que, exausto, se deixasse cair novamente<br />
em seu antigo canto para prosseguir o seu sono tranqüilo.<br />
Os desertos <strong>da</strong> Arábia, secos e áridos, nunca foram muito<br />
propícios para o desenvolvimento de grandes civilizações e culturas.<br />
O espírito, ao mesmo tempo místico e combativo, de que se viram<br />
subitamente possuídos pelas revelações de Maomé, atiraram-nos a<br />
uma luta de conquista não só de almas e crentes, mas também de<br />
novos mundos e novos mercados.<br />
As ci<strong>da</strong>des <strong>da</strong> Arábia, por si mesmas improdutivas, só poderiam<br />
florescer como entrepostos, mercados, pontos de passagem de<br />
viajantes. Foi nesse sentido que se desenvolveu sua luta: os árabes<br />
transformaram ca<strong>da</strong> nova região conquista<strong>da</strong> num novo mercado,<br />
num novo entreposto.<br />
Hábeis comerciantes, traquejados no ambiente do deserto,<br />
capazes de vencer longas caminha<strong>da</strong>s para colocar sua mercadoria,<br />
de que, a princípio, eram apenas intermediários, não tar<strong>da</strong>ram em<br />
enriquecer. Os califas tornaram-se poderosos e ricos, dominando um<br />
povo possuído de fé cega e sem limites.<br />
As riquezas, as viagens, o contato com outros povos, outras<br />
línguas e outros costumes, permitiram aos árabes novos<br />
conhecimentos. A necessi<strong>da</strong>de de desenvolver o comércio e,<br />
ulteriormente, a agricultura e a indústria, que haviam criado nos<br />
países conquistados, exigiram a penetração <strong>da</strong> ciência, <strong>da</strong><br />
matemática.<br />
Foram os árabes os ver<strong>da</strong>deiros continuadores <strong>da</strong> cultura grega,<br />
embora não tivessem caracteres helenísticos e sim atributos<br />
particulares, derivados <strong>da</strong> grande diferença existente entre os dois<br />
povos e as duas épocas.<br />
Os árabes limitavam-se, a principio, a traduzir e reeditar as<br />
obras dos grandes pensadores e matemáticos gregos. Ao período de<br />
traduções seguiu-se a i<strong>da</strong>de áurea <strong>da</strong> ciência árabe,<br />
aproxima<strong>da</strong>mente de 900 a 1100. Era, to<strong>da</strong>via, “árabe” sobretudo na<br />
língua, pois relativamente poucos cientistas dessa época foram<br />
árabes, ou mesmo maometanos. Eram, na maior parte, sírios, persas<br />
e judeus com nomes árabes. Excetuando-se alguns notáveis<br />
progressos na matemática e na física, suas contribuições positivas<br />
para a ciência não foram grandes, mas prestaram enorme serviço<br />
conservando e coordenando a antiga cultura <strong>da</strong> Grécia, Pérsia e<br />
Índia e mantendo vivo o espírito <strong>da</strong>s ciências e <strong>da</strong>s artes civiliza<strong>da</strong>s,
187<br />
enquanto a Europa cristã se empenhava numa desespera<strong>da</strong> luta conta<br />
a barbárie.<br />
A A <strong>Matemática</strong> <strong>Matemática</strong> <strong>Matemática</strong> Árabe<br />
Árabe<br />
Pode-se aceitar como característica <strong>da</strong> primeira fase do Islã as<br />
palavras atribuí<strong>da</strong>s, pela tradição, ao califa Omar (634-644),<br />
segundo o qual tudo aquilo que, na biblioteca de Alexandria<br />
concor<strong>da</strong>va com o Alcorão, era supérfluo e, o que dele discor<strong>da</strong>va<br />
era inferior, e por conseguinte devia se destruir tudo.<br />
Se, por um lado, os árabes foram responsáveis pelo<br />
desaparecimento de parte do conhecimento ocidental, por outro lado<br />
contribuíram para sua preservação. O extermínio se deu, segundo<br />
consta, em 641 d.C. ao se cumprir as ordens de Omar. E a<br />
preservação foi devi<strong>da</strong> à atuação de três califas, considerados os<br />
grandes patronos <strong>da</strong> cultura: al-Mansur, Harum al-Rachid e al-<br />
Mamum, que durante seus reinados foram responsáveis pela<br />
tradução, do grego para o árabe, dos mais importantes escritos<br />
científicos e filosóficos conhecidos. Al-Rachid, a propósito, foi o<br />
célebre califa imortalizado na literatura pelos “contos <strong>da</strong>s mil e uma<br />
noites”.<br />
AL ALKHOWARIZMI<br />
AL KHOWARIZMI<br />
KHOWARIZMI ( século IX d. C.)<br />
Foi durante o califado de al-Mamum (809 – 833) que os árabes<br />
se entregaram totalmente à sua paixão por tradução. Diz-se que o<br />
califa teve um sonho em que apareceu Aristóteles, e em<br />
conseqüência decidiu que deveria fazer versões árabes de to<strong>da</strong>s as<br />
obras gregas em que conseguisse ter às mãos. Não poderiam faltar,<br />
evidentemente, o Almajesto de Ptolomeu e uma versão completa de<br />
Os Elementos de Euclides.<br />
Al-Mamum estabeleceu em Bagdá uma “Casa <strong>da</strong> Sabedoria”<br />
comparável ao antigo Museu de Alexandria. Entre os mestres havia<br />
um matemático e astrônomo persa, Mohammed ibn-Musa alkhowarizmi<br />
(Maomé, filho de Moisés, de Khowarizmi), que, como<br />
Euclides, iria se tornar muito conhecido na Europa Ocidental.<br />
Esse sábio, que morreu algum tempo antes de 850, escreveu<br />
mais de meia dúzia de obras de astronomia e matemática, <strong>da</strong>s quais<br />
188<br />
as mais antigas provavelmente se baseavam em trabalhos <strong>da</strong> Índia.<br />
Além de tabelas astronômicas e tratados sobre o astrolábio e relógio<br />
de sol, al-Khowarizmi escreveu dois livros sobre aritmética e<br />
álgebra que tiveram papéis decisivos no desenvolvimento <strong>da</strong><br />
matemática.<br />
A monumental Hisab al-jabr w’al muqãbalah (ciência <strong>da</strong><br />
restauração e de redução ou ciência <strong>da</strong>s equações) escrita por volta<br />
de 825, baseava-se em fontes muito mais antigas, talvez hindus ou<br />
mesopotâmias. Essa obra tornou-se básica para muitos tratados<br />
posteriores, sendo que do seu título derivou-se a palavra álgebra, e<br />
do nome do autor os vocábulos algoritmo e algarismo.<br />
A obra era composta de 79 páginas sobre casos de herança; 16<br />
páginas de problemas de medi<strong>da</strong>s e 70 páginas de álgebra. No início<br />
o autor faz uma breve recapitulação de valor relativo na base 10.<br />
A seguir um exemplo do procedimento de al-Khowarizmi para<br />
os casos al-jabr e muqãbalah. Da<strong>da</strong> a equação<br />
2<br />
3<br />
2<br />
3<br />
x + 5x<br />
+ 4 = 5x<br />
− 2x<br />
+ 4 , por al-jabr tem-se x + 7x<br />
+ 4 = 5x<br />
+ 4<br />
2<br />
e por muqãbalah tem-se x + 7x = 5x<br />
.<br />
A álgebra de al-Khowarizmi, era retórica e, na ver<strong>da</strong>de, uma<br />
espécie de cálculo aplicado, em que os conceitos eram seguidos de<br />
numerosos exemplos. O primeiro livro contém uma discussão de<br />
cinco tipos de equações do 2º grau:<br />
2<br />
2<br />
ax = bx,<br />
ax = c,<br />
2<br />
2<br />
2<br />
ax + bx = c,<br />
ax + c = bx,<br />
ax = bx + c . Somente as raízes<br />
positivas foram considera<strong>da</strong>s, apesar de ter admitido a existência de<br />
duas raízes. Apresentou também para essas equações uma<br />
comprovação geométrica denomina<strong>da</strong> “método de completar<br />
quadrados”.<br />
Exemplo: Resolver a equação:<br />
2<br />
x + 12x<br />
= 64 .<br />
Solução geométrica de al-<br />
Khowarizmi: na figura acima<br />
considera-se que AB = BC = x e<br />
que AH = CF = 6 . Logo a área do<br />
quadrado ABCD é <strong>da</strong><strong>da</strong> por: Aq = x 2<br />
e a área dos retângulos HKBA e<br />
BGFC é <strong>da</strong><strong>da</strong> por: Ar = 6x. A soma<br />
3
189<br />
dessas áreas é x 2 + 12x. Completando-se o quadrado HEFD,<br />
pelo acréscimo aos dois retângulos anteriores do quadrado KEGB,<br />
cuja área é 36, tem-se que a área do quadrado HEFD é <strong>da</strong><strong>da</strong> por:<br />
2 2<br />
( x + 6)<br />
= x + 12x<br />
+ 36 = 64 + 36 = 100 , ou seja, x + 6 = 10 ,o que<br />
resulta x = 4.<br />
A aritmética de al-Khowarizmi teve uma tradução latina De<br />
número hindorum, no século XII, muito importante para a<br />
introdução na Europa do sistema hindu de numeração.<br />
ABU’L ABU’LWEFA<br />
ABU’L WEFA (940 – 988)<br />
Abu’l-Wefa foi um competente algebrista, no entanto, suas<br />
contribuições mais importantes foram na trigonometria. Comentou a<br />
álgebra de al-Khowarizmi e traduziu do grego um dos últimos<br />
grandes clássicos – a Arithmética de Diofanto.<br />
Nos cálculos astronômicos houve, a princípio, entre os árabes<br />
dois tipos de trigonometria – a geométrica grega <strong>da</strong>s cor<strong>da</strong>s, como é<br />
encontra<strong>da</strong> no Almajesto, e as tabelas hindus de semi-cor<strong>da</strong>s (senos).<br />
Talvez pela pratici<strong>da</strong>de do sistema hindu não demorou muito para<br />
que quase to<strong>da</strong> a trigonometria árabe se baseasse na função seno. Na<br />
ver<strong>da</strong>de, foi também através dos árabes, e não diretamente dos<br />
hindus, que essa trigonometria chegou à Europa.<br />
Abu’l-Wefa produziu tabelas de senos para arcos, variando de<br />
dez em dez minutos, introduziu o conceito de tangente de um ângulo<br />
e, provavelmente, os de secante e co-secante.<br />
Essas novas funções, ao contrário <strong>da</strong> função seno hindu, em<br />
geral, eram considera<strong>da</strong>s em círculos unitários. Com Abu’l-Wefa a<br />
trigonometria assumiu uma forma mais sistemática em que são<br />
provados teoremas tais como as fórmulas para ângulos duplo e<br />
metade.<br />
OMAR OMAR KHAYYAM KHAYYAM (1043 – 1131)<br />
O persa Omar Khayyam, de Naishapur, conhecido no Ocidente<br />
como o grande poeta, autor dos Rubáiyát, foi o mais ousado dos<br />
matemáticos “árabes”, por se dedicar a problemas fun<strong>da</strong>mentais para<br />
no desenvolvimento <strong>da</strong> matemática.<br />
190<br />
Considerado o descobridor do teorema do binômio, resolveu<br />
equações cúbicas de forma geométrica e também tentou, em vão,<br />
provar o postulado <strong>da</strong>s paralelas de Euclides. Acreditava na<br />
possibili<strong>da</strong>de de se aplicar a razão ao mundo real para refazê-lo mais<br />
de acordo com os desejos do coração.<br />
Em sua álgebra, Omar Khayyam escreveu que, em outra obra,<br />
tinha descoberto uma regra, para encontrar as potências quarta,<br />
quinta, sexta e mais altas de um binômio. Essa obra se perdeu, mas<br />
presume-se que ele se referia ao arranjo do triângulo de Pascal, que<br />
teria surgido, ao mesmo tempo, também na China. Não é fácil<br />
explicar tal coincidência, mas enquanto não for encontra<strong>da</strong> nova<br />
evidência, deve-se presumir a independência <strong>da</strong>s descobertas.<br />
É nessa obra sobre álgebra, que se encontra uma discussão <strong>da</strong>s<br />
equações cúbicas, resolvi<strong>da</strong>s mediante construções geométricas.<br />
Khayyam obteve uma raiz fazendo a intersecção de duas secções<br />
cônicas. Rejeitava as raízes negativas e não encontrava to<strong>da</strong>s as<br />
positivas. Essa obra, no entanto, foi uma notável realização, pois foi<br />
o primeiro a propor a si mesmo o seguinte problema: como pode ser<br />
resolvi<strong>da</strong> uma equação cúbica com coeficientes numéricos?<br />
Os árabes claramente se sentiam mais atraídos pela álgebra e<br />
pela trigonometria do que pela geometria, mas um aspecto <strong>da</strong><br />
geometria tinha um fascínio especial para eles – a prova do quinto<br />
postulado de Euclides. Mesmo entre os gregos a tentativa de provar<br />
o postulado tinha-se transformado virtualmente num “quarto<br />
problema de geometria” e vários matemáticos muçulmanos<br />
continuaram o esforço.<br />
Omar Khayyam partiu de um quadrilátero com dois lados<br />
iguais, ambos perpendiculares à base (usualmente chamado de<br />
quadrilátero de Saccheri) e perguntou como seriam os outros<br />
ângulos (os superiores) do quadrilátero, que são necessariamente<br />
iguais um ao outro. Novamente chegou a um enunciado equivalente<br />
ao postulado <strong>da</strong>s paralelas de Euclides.<br />
Finalmente, confirmando a ousadia, Khayyam afirmou a<br />
impossibili<strong>da</strong>de de se encontrarem dois cubos cuja soma fosse um<br />
cubo. Esse problema foi generalizado muitos anos depois por<br />
Fermat, tornou-se famoso como “o último teorema” e a sua prova,<br />
que desafiou a mente humana, só foi consegui<strong>da</strong> em 1993, após 358<br />
anos, pelo matemático inglês Andrew Willes.
AL ALTUSI AL TUSI (1201 – 1274)<br />
191<br />
Astrônomo de Hulagu Khan, neto do conquistador Gengis Khan<br />
continuou os esforços para provar o postulado <strong>da</strong>s paralelas,<br />
partindo <strong>da</strong>s hipóteses usuais sobre um quadrilátero de Saccheri. Os<br />
escritos de Nasir Eddin Al-Tusi foram traduzidos e publicados por<br />
Wallis no século XVII e pode ter sido essa obra o ponto de parti<strong>da</strong><br />
para os estudos de Saccheri no início de século XVIII.<br />
Nasir Eddin tinha os interesses característicos dos árabes; por<br />
isso fez contribuições também à trigonometria e à astronomia.<br />
Dando continui<strong>da</strong>de à obra de Abu’l-Wefa, foi responsável pelo<br />
primeiro tratado sistemático sobre trigonometria plana e esférica,<br />
tornando o assunto independente <strong>da</strong> astronomia.<br />
Já operando, normalmente, com as seis funções trigonométricas<br />
usa<strong>da</strong>s atualmente, Nasir Eddin desenvolveu regras para resolver os<br />
vários casos de triângulos planos e esféricos. Trata-se de uma obra<br />
rica com influência limita<strong>da</strong>, talvez, por não ter sido bem conheci<strong>da</strong><br />
na Europa. Em astronomia, no entanto, suas contribuições foram<br />
importantes para o trabalho de Copérnico.<br />
AL ALKASHI AL KASHI (1369 -1436)<br />
Com numerosas obras, escritas em persa e em árabe, al-Kashi<br />
contribuiu para a matemática e a astronomia. Talvez na China tenha<br />
aprendido a usar frações decimais e, sentindo a importância de sua<br />
contribuição ao assunto, passou a se considerar o inventor <strong>da</strong>s<br />
frações decimais.<br />
Al-Kashi era aficionado por cálculos longos e se orgulhava,<br />
com razão, de sua aproximação para π , que era a melhor de<br />
quaisquer <strong>da</strong>s aproximações forneci<strong>da</strong>s por seus predecessores; 2π<br />
era <strong>da</strong>do por 6,2831853071795865.<br />
Nenhum outro matemático, até o final do século XVI, se<br />
aproximou <strong>da</strong> precisão dessa “garra” computacional. Com al-Kashi<br />
o teorema binomial sob a forma do triângulo de Pascal, apareceria<br />
novamente, quase um século depois de sua publicação na China e<br />
cerca de um século antes de ser impresso em livros europeus.<br />
192<br />
Com a morte de al-Kashi encerrou-se a contribuição <strong>da</strong><br />
matemática árabe na I<strong>da</strong>de Média, pois o colapso cultural do mundo<br />
muçulmano acompanhou a desintegração política do Império.<br />
Sistema de numeração indo-arábico<br />
Exercícios<br />
Exercícios<br />
1. Que contribuição matemática teve maior influência no<br />
pensamento moderno, a chinesa ou a hindu?<br />
2. Há alguma evidência de influência grega na matemática hindu? E<br />
a recíproca, é ver<strong>da</strong>deira?<br />
3. Descreva alguns pontos em que a álgebra hindu diferia<br />
marca<strong>da</strong>mente <strong>da</strong> grega.<br />
4. Escreva o número 7.384.679 em numerais chineses em barra.<br />
5. Use um esquema em gelosia para achar o produto de 345 por 256.
6. Divi<strong>da</strong> 56.789 por 273 usando o método do “galeão”.<br />
193<br />
7. Da fórmula de Brahmagupta para a área deduza a de Heron como<br />
caso especial.<br />
8. Mostre que 21x +14y = 3 não tem solução em inteiros.<br />
9. Comparar, quanto ao seu efeito sobre a cultura, a conquista árabe<br />
nas terras vizinhas com as conquistas anteriores de Alexandre, O<br />
Grande, e com as conquistas dos romanos.<br />
10. Mencione algumas partes <strong>da</strong> matemática grega que se teriam<br />
perdido sem a aju<strong>da</strong> árabe.<br />
11. Compare a matemática árabe e a hindu quanto a forma,<br />
conteúdo, nível e influência.<br />
12. Usando um diagrama geométrico como o de al-Khowarizmi,<br />
2<br />
resolva a equação x + 10x<br />
= 39<br />
194
AURORA AURORA DO DO RENASCIMENTO<br />
RENASCIMENTO<br />
“O homem não passa de um caniço, o mais fraco <strong>da</strong> natureza, mas é um<br />
caniço pensante.” (Pascal)<br />
195<br />
Depois de algumas páginas pelo Oriente (China, Índia e<br />
Arábia), volta-se o foco para a Europa, que viveu uma época<br />
sombria, onde a vi<strong>da</strong> se resumia aos feudos e a cultura aos claustros<br />
e conventos.<br />
Houve um oásis incrível nas escolas de Carlos Magno, mas o<br />
predomínio foi <strong>da</strong> escuridão e do silêncio. Apesar disso, o mundo<br />
não se acabou no ano 1000, contrariando a previsão e, o saber que<br />
passou por uma certa agonia, não morreu. Prova disso foi que na<br />
Europa dos séculos XII e XIII pairaram algumas novi<strong>da</strong>des:<br />
1. Foram fun<strong>da</strong><strong>da</strong>s as primeiras universi<strong>da</strong>des – Bolonha<br />
(1088), Paris (1200), Oxford (1214) e Cambridge (1231) – pela<br />
evolução gradual <strong>da</strong>s escolas dos mosteiros e catedrais. E não há<br />
dúvi<strong>da</strong>s de que as universi<strong>da</strong>des sempre desempenharam um papel<br />
primordial no desenvolvimento <strong>da</strong> cultura e <strong>da</strong> ciência;<br />
2. O pequeno regato <strong>da</strong> ciência clássica deriva<strong>da</strong> diretamente<br />
<strong>da</strong>s fontes gregas e romanas misturou-se às águas <strong>da</strong> torrente que<br />
abriu caminho através do norte <strong>da</strong> África e <strong>da</strong> Espanha, sob os<br />
mouros. A obra rudimentar de Boécio foi supera<strong>da</strong> e antes de 1400<br />
os primeiros cinco livros de Euclides já eram ensinados em muitas<br />
universi<strong>da</strong>des. A linguagem corrente <strong>da</strong> ciência ain<strong>da</strong> era o árabe,<br />
mas as principais obras gregas como o Almagesto de Ptolomeu, por<br />
exemplo, foram traduzi<strong>da</strong>s para o latim na segun<strong>da</strong> metade do<br />
século XII, provavelmente com o uso dos algarismos indo-arábicos;<br />
3. Com a formação e crescimento <strong>da</strong>s ci<strong>da</strong>des – inexistentes na<br />
I<strong>da</strong>de Média – o poder dos nobres feu<strong>da</strong>is viu-se terrivelmente<br />
ameaçado, com o fortalecimento acentuado do poder dos reis.<br />
Nessas ci<strong>da</strong>des, intensificou-se o comércio, foram fun<strong>da</strong><strong>da</strong>s algumas<br />
indústrias e uma nova classe começou a germinar: a burguesia. Uma<br />
classe em ascensão é sempre progressista, quer se beneficiar dos<br />
bens materiais, explorar os bens naturais e se interessa pelo<br />
196<br />
progresso <strong>da</strong> ciência. Enfim, faz tudo que for possível para criar<br />
condições de assumir o poder.<br />
A A matemática matemática nos nos séculos séculos séculos XII, XII, XIII XIII e e XIV<br />
XIV<br />
Nesse período a crescente ativi<strong>da</strong>de no campo <strong>da</strong> ciência,<br />
deveu-se em grande parte a Fibonacci na Itália, a Jor<strong>da</strong>nus<br />
Nemorarius na Saxônia, a Roger Bacon na Inglaterra e a Nicole<br />
Oresme na França.<br />
FIBONACCI FIBONACCI (1175 – 1250)<br />
Leonardo de Pisa, ou Fibonacci foi educado no<br />
norte <strong>da</strong> África, onde seu pai era agente<br />
comercial, e desse modo se familiarizou com a<br />
álgebra de al-Khowarizmi e com o sistema<br />
numérico dos árabes (que era hindu). Soube<br />
avaliar as vantagens de ambos e, ao voltar para<br />
a Itália, publicou o seu Líber Abaci em 1202<br />
(revisto em 1228), o qual se propunha divulgálos<br />
na Europa “a fim de que a raça latina já não<br />
se mostre deficiente desse gênero de conhecimentos”. Como obraprima<br />
<strong>da</strong> matemática medieval, esse livro foi considerado um<br />
modelo durante mais de dois séculos. A álgebra de Fibonacci era<br />
retórica, mas empregava muitos métodos geométricos.<br />
Tratava <strong>da</strong>s operações fun<strong>da</strong>mentais com números inteiros e<br />
frações, usando o traço de divisão tal como o empregamos<br />
atualmente. As frações são decompostas em somas de frações<br />
unitárias, como no antigo Egito. Por intermédio dos árabes,<br />
Leonardo recebeu em herança as tradições egípcias não menos que<br />
as gregas, como por exemplo esse tipo de frações, as raízes<br />
quadra<strong>da</strong>s e cúbicas, as progressões e o método de falsa posição. O<br />
livro compreendia também as regras de três e de socie<strong>da</strong>de, as<br />
potências e raízes e solução de equações.<br />
As palavras iniciais do Líber Abaci indicavam muito do<br />
conteúdo de uma obra que, aparentemente, se propunha abor<strong>da</strong>r a<br />
prática do ábaco: Estes são os nove símbolos dos hindus 9, 8, 7, 6, 5,<br />
4, 3, 2, 1. Com esses símbolos e com o sinal 0, que os árabes
197<br />
chamam de zéfiro, qualquer número pode ser escrito. Importante<br />
registrar que a palavra zero vem de hindu sunya que significa vazio<br />
ou vácuo. Em árabe se transformou em sifr que Fibonacci latinizou<br />
para zéfiro.<br />
No Líber Abaci encontramos também a chama<strong>da</strong> sequência de<br />
Fibonacdi: 1, 1, 2, 3, 5, 8, 13, 21, ... u n...<br />
em que ca<strong>da</strong> termo é a<br />
soma dos dois precedentes (isto é − 1 −2<br />
+ = u n un<br />
un<br />
). Essa seqüência<br />
pode ter sido inspira<strong>da</strong> na observação <strong>da</strong> ramificação de certas<br />
árvores (filotaxia) ou mais provavelmente como resposta ao<br />
problema: quantos casais de coelhos se originarão de um único<br />
casal, supondo-se que ca<strong>da</strong> casal procria um novo casal todos os<br />
meses, que ca<strong>da</strong> novo casal começa a multiplicar-se a partir do<br />
segundo mês e que nenhum dos animais morre?<br />
Verificou-se que essa seqüência tem muitas proprie<strong>da</strong>des<br />
significativas. Por exemplo, pode-se provar que dois termos<br />
un−1<br />
consecutivos quaisquer são primos entre si e que lim é o<br />
número áureo φ =<br />
5 − 1<br />
.<br />
2<br />
n→∞ un<br />
Leonardo escreveu ain<strong>da</strong> dois outros livros, um Liber<br />
Quadratorum (1220) e uma Practica Geométrica (1225). O<br />
primeiro era uma obra original sobre análise indetermina<strong>da</strong> que lhe<br />
conferiu um lugar entre Diofanto, Brahmagupta, Bhaskara e Fermat.<br />
O segundo livro contém vasto material de trigonometria e<br />
geometria, talvez derivado, em parte, de fontes gregas atualmente<br />
perdi<strong>da</strong>s.<br />
Em 1225, o imperador <strong>da</strong> Sicília Frederico II, impressionado<br />
pelo que se contava dos talentos de Leonardo, organizou um torneio<br />
de matemática cujas questões foram conserva<strong>da</strong>s, e que em<br />
linguagem atual são:<br />
1. Encontrar um número cujo quadrado, quer acrescido, quer<br />
diminuído de 5, permanece um quadrado;<br />
2. Encontrar, pelos métodos empregados no décimo livro de<br />
Euclides, uma linha cujo comprimento satisfaça a equação<br />
2 10 20<br />
2 3<br />
x + x + x = ; 3. Três homens, A, B e C possuem uma<br />
198<br />
quantia u, guar<strong>da</strong>ndo suas partes entre si as relações de 3:2:1. A tira<br />
x, guar<strong>da</strong> metade e deposita o restante com D; B tira y, guar<strong>da</strong> dois<br />
terços e deposita o restante com D; C tira tudo que resta, a saber z,<br />
guar<strong>da</strong> cinco sextos e deposita o restante com D. Comparados os<br />
três depósitos, verifica-se que são iguais. Encontrar u, x, y e z.<br />
Leonardo deu a solução correta do primeiro e do terceiro<br />
problemas, bem como uma raiz <strong>da</strong> equação cúbica,<br />
x = 1, 3688081075 , com a aproximação de nove casas decimais.<br />
NEMORARIUS NEMORARIUS (1178 – 1237)<br />
Jor<strong>da</strong>nus Nemorarius escreveu importantes obras em latim<br />
sobre a aritmética, geometria e astronomia. De Triangulis, a mais<br />
importante de to<strong>da</strong>s, consta de quatro livros que não só tratam dos<br />
triângulos, mas também dos polígonos e dos círculos. Em geral faz<br />
uso dos algarismos arábicos, indicando por meio de letras, as<br />
quanti<strong>da</strong>des conheci<strong>da</strong>s e desconheci<strong>da</strong>s.<br />
Resolveu o problema de encontrar dois números cuja soma e<br />
produtos são <strong>da</strong>dos, recorrendo a um método equivalente ao <strong>da</strong><br />
álgebra atual. Foi essa, praticamente, a primeira álgebra de notação<br />
sincopa<strong>da</strong> que se publicou na Europa, mas parece ter sido tão pouco<br />
conheci<strong>da</strong> que não lhe seria possível alcançar grandes resultados,<br />
numa época ain<strong>da</strong> não prepara<strong>da</strong> para tais invenções.<br />
Há também de Nemorarius o livro Dos Pesos, contendo<br />
elementos de mecânica.<br />
SACROBOSCO SACROBOSCO (1200 – 1256)<br />
John de Halifax também conhecido por Sacrobosco lecionava<br />
aritmética e álgebra em Oxford, tendo ensinado também em Paris.<br />
Sua obra algorismus vulgaris era uma exposição prática de<br />
cálculo, em que <strong>da</strong>va as regras mas não as provas, contribuiu muito<br />
para divulgar os numerais indo-arábicos, sendo inclusive, a mais<br />
popular fonte de informações no assunto.<br />
O seu Sphaera, uma obra sobre astronomia, foi usado para o<br />
ensino durante todo o final <strong>da</strong> I<strong>da</strong>de Média. Sua apresentação fez
199<br />
desse tratado <strong>da</strong> esfera uma obra que, posteriormente, mereceu mais<br />
de sessenta edições.<br />
BACON BACON (1214 – 1294)<br />
Roger Bacon, membro <strong>da</strong> ordem franciscana, nascido em<br />
Ilchester, na Inglaterra, foi seguramente o mais importante homem<br />
de ciência de sua época. Foi aluno de Robert Grosseteste, que se<br />
dedicava especialmente à matemática e à ciência experimental,<br />
tendo estu<strong>da</strong>do as obras dos autores árabes.<br />
Bacon estudou também na Universi<strong>da</strong>de de Paris, centro <strong>da</strong><br />
cultura européia, onde se doutorou em teologia e também,<br />
provavelmente, se fez frade franciscano.<br />
Lecionou em Oxford, onde tinha uma espécie de laboratório<br />
para experimentos de alquimia. Foi, sem dúvi<strong>da</strong>, por isso que ele se<br />
tornou célebre como cultor <strong>da</strong> “magia” e <strong>da</strong>s “artes negras”, pois em<br />
1257 foi proibido de ensinar pelo superior <strong>da</strong> sua ordem e man<strong>da</strong>do<br />
para Paris, onde passou grandes privações.<br />
Em 1266 o Papa Clemente IV convidou-o a preparar e enviarlhe<br />
um tratado sobre as ciências. No espaço de dezoito meses, Bacon<br />
escreveu e enviou três importantes obras – o Opus Majus, o Opus<br />
Minus e o Opus Tertium. Em 1268 voltou para Oxford, onde<br />
compôs vários outros livros, mas suas obras foram condena<strong>da</strong>s por<br />
um papa posterior e o autor lançado à prisão, onde permaneceu até<br />
um ano antes de sua morte.<br />
Em Paris, Bacon dedicou-se em particular à física e à<br />
matemática. O Opus Majus (1267) na<strong>da</strong> mais é que uma súmula <strong>da</strong><br />
física e uma filosofia <strong>da</strong>s ciências basea<strong>da</strong> nos autores gregos,<br />
romanos e árabes. Acentuava que as ciências naturais, necessitavam<br />
de um fun<strong>da</strong>mento experimental e que a astronomia e as ciências<br />
físicas deviam basear-se na matemática, “o abecê de to<strong>da</strong> filosofia”.<br />
No que diz respeito à mágica, Bacon observou que o ímã, por<br />
exemplo, deve parecer mágico ao ignorante: Como se explica o<br />
maravilhoso poder <strong>da</strong>s palavras? Desde o começo do mundo, por<br />
assim dizer, todos os milagres têm sido realizados por palavras... A<br />
questão <strong>da</strong>s ciências mágicas devia ser profun<strong>da</strong>mente investiga<strong>da</strong><br />
por homens competentes, providos de uma licença especial do<br />
Papa....<br />
200<br />
Bacon enunciou os princípios essenciais <strong>da</strong> reforma do<br />
calendário, reconhecendo que o ano adotado de 365 dias e um<br />
quarto criava um erro de um dia em 130 anos. Submeteu a uma<br />
crítica penetrante as hipóteses arbitrárias e a complexi<strong>da</strong>de artificial<br />
<strong>da</strong> astronomia ptolomaica; discutiu a reflexão e a refração, a<br />
aberração esférica, o arco-íris, os vidros de aumento e as estrelas<br />
cadentes. Atribuiu às marés a ação dos raios lunares. Num capítulo<br />
sobre geografia, pressupondo a forma redon<strong>da</strong> <strong>da</strong> Terra, chegou à<br />
conclusão de que o oceano situado entre a Europa e a costa oriental<br />
<strong>da</strong> Ásia não era muito largo. Isso foi citado por Colombo em 1498:<br />
É grato notar que o perseguido monge inglês, morto havia já dois<br />
séculos, pode prestar um poderoso auxílio na ampliação dos<br />
horizontes humanos.<br />
A maior parte dessa notável obra – que só foi impressa quase<br />
500 anos mais tarde – levava tal adiantamento sobre a sua época<br />
que, além de não ser compreendi<strong>da</strong>, expôs o autor a acusações de<br />
magia e até à prisão. A despeito de suas numerosas conquistas<br />
intelectuais acreditava na astrologia, na doutrina <strong>da</strong>s “signaturas”,<br />
segundo o qual a forma e a cor <strong>da</strong>s folhas e flores correspondiam à<br />
finali<strong>da</strong>de especial a que ca<strong>da</strong> uma delas era destina<strong>da</strong> pelo Criador.<br />
Acreditava também na pedra filosofal e que a quadratura do círculo<br />
já fora consegui<strong>da</strong>. Profetizou a invenção de navios movidos por<br />
meios mecânicos e de carruagens sem cavalos.<br />
Segundo Roger Bacon, nenhum conhecimento poderia ser<br />
adquirido fora <strong>da</strong> experiência e havia quatro grandes obstáculos para<br />
se conhecer a ver<strong>da</strong>de: a autori<strong>da</strong>de frágil e indigna; o costume; a<br />
opinião do vulgo não instruído e o ocultamento <strong>da</strong> própria<br />
ignorância, com uma vã ostentação <strong>da</strong> sabedoria aparente. Roger<br />
Bacon pode ser considerado o fun<strong>da</strong>dor do método experimental.<br />
DANTE DANTE (1265 – 1321)<br />
Dante Alighieri, o maior gênio poético <strong>da</strong> I<strong>da</strong>de Média, merece<br />
atenção não só por causa <strong>da</strong> sua influência, despertando e<br />
estimulando as inteligências <strong>da</strong> sua época e de tempos posteriores,<br />
mas também como autor de um trabalho Da Água e <strong>da</strong> Terra (De<br />
Aqua Et Terra) que, como ele próprio o diz, foi apresentado em<br />
Mântua no ano de 1320, como contribuição ao problema, então
201<br />
muito discutido, de “se em alguma parte <strong>da</strong> superfície <strong>da</strong> Terra a<br />
água é mais alta do que o solo”.<br />
Em a Divina Comédia, o maior dos poemas medievais, Dante<br />
incorpora a astronomia geocêntrica e a astrologia do seu tempo. Em<br />
todo o mundo físico ou espiritual quase não há assunto importante<br />
que ele não tenha aprofun<strong>da</strong>do e em que suas opiniões não sejam as<br />
mais autoriza<strong>da</strong>s <strong>da</strong> época.<br />
ORESME ORESME (1323 – 1382)<br />
As séries infinitas eram<br />
conheci<strong>da</strong>s desde a antigüi<strong>da</strong>de,<br />
e a primeira a ocorrer, como já<br />
vimos, foi uma série<br />
geométrica de razão ¼, que<br />
apareceu em a quadratura <strong>da</strong><br />
parábola de Arquimedes.<br />
Depois dessa ocorrência as<br />
séries infinitas só apareceriam,<br />
cerca de 1500 anos mais tarde,<br />
no estudo de cinemática<br />
realizado por um grupo de<br />
matemáticos <strong>da</strong> universi<strong>da</strong>de de Oxford e de outros centros.<br />
Na universi<strong>da</strong>de de Paris, em particular, havia o professor Nicole<br />
Oresme, um destacado intelectual em vários ramos do conhecimento<br />
tais como filosofia, matemática, astronomia, ciências físicas e<br />
naturais. Além de professor, Oresme era conselheiro do rei,<br />
principalmente na área de finanças públicas; e nessa função revelouse<br />
um homem de larga visão, recomen<strong>da</strong>ndo medi<strong>da</strong>s monetárias<br />
que tiveram grande sucesso na prática.<br />
Foi ain<strong>da</strong>, deão <strong>da</strong> Catedral de Rouen e mais tarde, bispo de<br />
Lisieux, na Normandia. Traduziu Aristóteles, denunciou a astrologia<br />
como pseudo-ciência e seu ardente discurso sobre a reforma <strong>da</strong><br />
Igreja foi útil aos protestantes 200 anos depois.<br />
202<br />
Oresme mantinha contato com o grupo de pesquisadores de<br />
Oxford e contribuiu no estudo de várias séries infinitas estu<strong>da</strong><strong>da</strong>s<br />
nessa época. Uma dessas, ∑ ∞<br />
n<br />
S = , foi considera<strong>da</strong>, por volta de<br />
n<br />
n=<br />
1 2<br />
1350, por Richard Suiseth, mais conhecido em Oxford como<br />
Calculator.<br />
A série surge a propósito de um movimento que se desenvolve<br />
durante o intervalo de tempo [0,1], <strong>da</strong> seguinte maneira: a<br />
veloci<strong>da</strong>de permanece constante e igual a 1 durante a primeira<br />
metade do intervalo; dobra de valor no segundo subintervalo (de<br />
duração 1/4); triplica no terceiro subintervalo (de duração 1/8);<br />
quadruplica no quarto subintervalo (de duração 1/16), etc. Como se<br />
vê, a soma <strong>da</strong> série assim construí<strong>da</strong> é a soma dos produtos <strong>da</strong><br />
veloci<strong>da</strong>de pelo tempo em ca<strong>da</strong> um dos sucessivos subintervalos de<br />
tempo e representa o espaço total percorrido pelo móvel.<br />
v<br />
4 4<br />
3 3<br />
2 2<br />
1 1<br />
½ ¾ 1 t 1<br />
Calculator encontrou o valor 2 para a soma através de um longo<br />
e complicado argumento verbal. Oresme, por outro lado, deu uma<br />
explicação geométrica bastante interessante ao observar que essa<br />
soma é igual a área forma<strong>da</strong> com uma infini<strong>da</strong>de de retângulos<br />
verticais (ver figuras acima).<br />
O raciocínio de Calculator combinado com a interpretação<br />
geométrica de Oresme, traduz-se no seguinte: a soma <strong>da</strong>s áreas dos
203<br />
retângulos verticais é igual a soma <strong>da</strong>s áreas dos retângulos<br />
horizontais. Isso é o mesmo que substituir o movimento original por<br />
uma sucessão infinita de movimentos, todos com veloci<strong>da</strong>de igual a<br />
1: o primeiro no intervalo de tempo [0,1]; o segundo em [1/2,1]; o<br />
terceiro em [3/4,1], etc. Vê-se assim que o espaço percorrido (soma<br />
<strong>da</strong>s áreas dos retângulos) é <strong>da</strong>do pela série geométrica ∑ ∞<br />
1<br />
S = ,<br />
cuja soma é 2.<br />
A seguir alguns resultados inéditos de Oresme:<br />
n<br />
n=<br />
0 2<br />
• expoente racional<br />
Em De proportionibus proportionum, escrito por volta de 1360,<br />
Oresme generalizou as notações de Bradwardine incluindo qualquer<br />
potência de expoente racional e regras para combinar proporções<br />
que são equivalentes às leis sobre expoentes, atualmente expressas<br />
m n m+n<br />
m<br />
como . x = x e ( x )<br />
n<br />
mn<br />
x = x . Sugeriu, ain<strong>da</strong>, a<br />
possibili<strong>da</strong>de de proporções irracionais e<br />
2<br />
x (que ele se esforçou<br />
para definir) pode ser a primeira sugestão de uma função<br />
transcendente.<br />
• gráfico de funções<br />
Um pouco antes de 1361, ocorre a Oresme a seguinte questão:<br />
por que não traçar uma figura ou gráfico <strong>da</strong> maneira pela qual<br />
variam as coisas? Trata-se de uma sugestão antiga do que viria ser<br />
representação gráfica de funções. Tudo que é mensurável, escreveu<br />
ele, é imaginável na forma de quanti<strong>da</strong>de contínua; por isso traçou<br />
um gráfico veloci<strong>da</strong>de-tempo para um corpo que se move com<br />
aceleração constante. Chamou o eixo horizontal (do tempo) de<br />
longitude e o vertical (<strong>da</strong>s veloci<strong>da</strong>des) de latitude.<br />
C<br />
A M B<br />
204<br />
Como a área do triângulo ABC representa a distância percorri<strong>da</strong><br />
por um móvel, Oresme forneceu, assim, uma verificação geométrica<br />
para a regra: veloci<strong>da</strong>de média é a média aritmética entre as<br />
veloci<strong>da</strong>des inicial e final. Do diagrama resulta, claramente, que a<br />
área na primeira metade do intervalo de tempo está para a área na<br />
segun<strong>da</strong> metade na razão de 1 para 3. Se subdividirmos o tempo em<br />
três partes iguais as distâncias cobertas (<strong>da</strong><strong>da</strong>s pelas áreas) estão na<br />
razão 1:3:5. De modo geral, como Galileu mais tarde observou, as<br />
distâncias estão entre si como os números ímpares; e como a soma<br />
dos n primeiros números ímpares consecutivos é o quadrado de lado<br />
n, a distância total percorri<strong>da</strong> varia como o quadrado do tempo e<br />
essa é a lei de Galileu para os corpos que caem.<br />
• geometria analítica<br />
Os termos latitude e longitude que Oresme usou, são equivalentes,<br />
num sentido amplo, às atuais ordena<strong>da</strong> e abscissa, e sua<br />
representação gráfica assemelha-se à geometria analítica, tendo se<br />
antecipado, portanto, a Descartes e Fermat na criação dessa<br />
disciplina. Parece que ele percebeu o princípio fun<strong>da</strong>mental de se<br />
representar uma função de uma variável como uma curva, mas não<br />
soube usar, eficazmente, essa observação, a não ser no caso de<br />
função linear.<br />
• teorema fun<strong>da</strong>mental do cálculo<br />
Oresme se interessava pelos seguintes aspectos do cálculo:<br />
o modo pelo qual a função varia (isto é, a equação diferencial <strong>da</strong><br />
curva) e o modo pelo qual varia a área sob a curva (isto é, a integral<br />
<strong>da</strong> função).<br />
Desse modo antecipa-se também ao famoso teorema fun<strong>da</strong>mental do<br />
cálculo, atribuído a Newton e Leibniz.<br />
• A série harmônica<br />
Entre outras contribuições de Oresme às séries infinitas encontra-se<br />
a sua prova de que a série harmônica é divergente. Tratava-se de um<br />
feito inédito e definitivo. Atualmente ain<strong>da</strong> é usado exatamente o<br />
seu método. Em síntese, Oresme observou que:
1 1 1 1 2 1<br />
+ > + = =<br />
3 4 4 4 4 2<br />
1 1 1 1 1 1 1 1 4 1<br />
+ + + > + + + = =<br />
5 6 7 8 8 8 8 8 8 2<br />
1 1 1 1 1 8 1<br />
+ + ... + > + ... + = =<br />
9 10 16 16 16 16 2<br />
∑ ∞<br />
n=<br />
1<br />
205<br />
1 1 1 1 1 1<br />
Desse modo, = 1+<br />
+ + + ... > 1+<br />
+ + ...<br />
n 2 3 4 2 2<br />
Como a soma de um número infinito de parcelas iguais a<br />
1<br />
cresce indefini<strong>da</strong>mente, a série harmônica diverge.<br />
2<br />
Essa prova mostrou como é decisivo o papel do raciocínio<br />
lógico para se estabelecer uma ver<strong>da</strong>de que jamais seria descoberta<br />
de outra maneira.<br />
Na obra Tractatus de figuratione potentiarum et mensuararum,<br />
Oresme chegou a sugerir uma extensão a três dimensões de sua<br />
“latitude de formas” em que uma função de duas variáveis<br />
independentes era representa<strong>da</strong> como um volume formado de to<strong>da</strong>s<br />
as ordena<strong>da</strong>s erigi<strong>da</strong>s segundo uma regra, <strong>da</strong><strong>da</strong> em pontos numa<br />
parte do plano de referência. Encontra-se até uma insinuação de uma<br />
geometria de quatro dimensões.<br />
Os matemáticos durante o século XIV tinham imaginação e<br />
precisão de pensamento, porém, faltava-lhes técnicas algébrica e<br />
geométrica. Ao contrário dos gregos que tinham horror infiniti, os<br />
filósofos escolásticos do fim <strong>da</strong> I<strong>da</strong>de Média se referiam<br />
freqüentemente ao infinito, tanto como potenciali<strong>da</strong>de, quanto como<br />
uma reali<strong>da</strong>de.<br />
Situação Situação <strong>da</strong> <strong>da</strong> <strong>da</strong> matemática matemática matemática no no final final do do século século XIV<br />
XIV<br />
As expectativas de progresso no século XIV foram frustra<strong>da</strong>s<br />
por duas calami<strong>da</strong>des: a guerra dos cem anos (1337 – 1453), entre<br />
França e Inglaterra, e a peste negra, que começou em 1334 e, em 20<br />
anos, ceifou quase a metade <strong>da</strong> população <strong>da</strong> Europa. Assim, a<br />
produção matemática foi pequena e só se salvou devido à produção<br />
de alguns sábios, dentre os quais o grande destaque ficou com<br />
Nicole Oresme, como foi visto anteriormente.<br />
206<br />
Durante o século XIV verificou-se uma disseminação gradual e<br />
ininterrupta <strong>da</strong> erudição árabe, em grande parte por meio de<br />
almanaques e calendários, de maneira que se tornaram amplamente<br />
conhecidos o cômputo árabe, a geometria euclidiana e a astronomia<br />
ptolomaica. Alguns desses calendários tinham caráter<br />
predominantemente religioso, <strong>da</strong>ndo a incidência <strong>da</strong>s festas <strong>da</strong> Igreja<br />
para uma série de anos; outros se especializavam em astrologia,<br />
medicina ou astronomia.<br />
As principais aplicações <strong>da</strong> matemática relacionavam-se,<br />
portanto, com as necessi<strong>da</strong>des bastante simples do comércio, <strong>da</strong><br />
contabili<strong>da</strong>de e do calendário e para isso eram comuns as<br />
construções gráficas do arquiteto e do engenheiro militar ou, ain<strong>da</strong>,<br />
os senos e tangentes do astrônomo e do navegador.<br />
Para fins eclesiásticos os numerais romanos eram preferidos,<br />
mas, em geral, essas publicações incluíam pelo menos uma<br />
explicação dos novos algarismos árabes e do seu uso. A aritmética<br />
árabe, ou algoritmo, basea<strong>da</strong> no Liber Abaci de Fibonacci,<br />
empregando a escala decimal e incluindo os elementos <strong>da</strong> álgebra,<br />
entrou em uso generalizado entre os mercadores italianos nos<br />
séculos XIII e XIV, embora encontrasse séria oposição.<br />
Fora <strong>da</strong> Itália, entretanto, a contabili<strong>da</strong>de continuou ain<strong>da</strong> por<br />
muito tempo – até o século XVI – a ser feita em números romanos, e<br />
nas instituições religiosas e educacionais mais conservadoras, por<br />
mais cem anos depois disso. Em tais casos o cálculo propriamente<br />
dito era feito com o ábaco e o resultado expresso em numerais<br />
romanos. Os numerais indo-arábicos permitiam dispensar o ábaco.<br />
O estagio <strong>da</strong> matemática nas universi<strong>da</strong>des nessa época pode<br />
ser deduzido nos estudos que se exigiam para o grau de bacharel em<br />
Praga (1384) e Viena (1389), por exemplo. Com poucas diferenças,<br />
em ambas eram estu<strong>da</strong>dos a Esfera de Sacrobosco, os livros de I a<br />
VI de os Elementos de Euclides, aritmética, óptica, hidrostática,<br />
teoria de alavancas, perspectiva, divisão em partes proporcionais,<br />
astrologia, medições e uma versão atualiza<strong>da</strong> do Almajesto.de<br />
Ptolomeu.
Exercícios Exercícios<br />
Exercícios<br />
207<br />
1. De que maneiras é provável que as cruza<strong>da</strong>s tenham aju<strong>da</strong>do<br />
ou prejudicado a transmissão <strong>da</strong> matemática do Islã para o<br />
mundo cristão?<br />
2. A Europa Ocidental em 1150 tinha contatos mais fortes com<br />
o mundo árabe ou grego? Qual tinha relativamente mais a<br />
oferecer em matemática? Dê razões para suas respostas.<br />
3. Considere os matemáticos: Euclides, Arquimedes,<br />
Apolônio, Diofanto, Boécio e al-Khowarizmi. Quais os três<br />
mais influentes na Europa de 1250? Dê razões.<br />
4. Prove que a cúbica de Fibonacci x<br />
tem raiz racional.<br />
+ x + 10x<br />
= 20 não<br />
3<br />
2 2<br />
5. Prove que a equação do exercício 4 não tem raiz <strong>da</strong> forma<br />
a + b em que a e b são racionais.<br />
6. Prove para uma subdivisão do intervalo de tempo em três<br />
partes iguais que a razão 1:3:5 de Oresme, para as distâncias<br />
percorri<strong>da</strong>s está correta.<br />
7. Verifique os processos de Calculator e Oresme para<br />
∞ ∞<br />
n 3n<br />
encontrar a soma de ca<strong>da</strong> uma <strong>da</strong>s séries: ∑ e∑<br />
.<br />
n n<br />
2 4<br />
n=<br />
1 n=<br />
1<br />
8. Prove, usando o método de Oresme, que a série<br />
1 1 1 1<br />
1+<br />
+ + + ⋅⋅<br />
⋅ + + ⋅⋅<br />
⋅ é divergente.<br />
3 5 7 2n<br />
−1<br />
208
O O RENASCIMENTO<br />
RENASCIMENTO<br />
“Foi uma época que exigia gigantes e forjou gigantes pela força do<br />
pensamento, pela paixão e caráter, pela universali<strong>da</strong>de e erudição.”<br />
(Engels)<br />
209<br />
O renascimento foi caracterizado por profun<strong>da</strong>s transformações<br />
ocorri<strong>da</strong>s na vi<strong>da</strong> e na visão de mundo do homem europeu. Os<br />
horizontes geográficos alargaram-se com o desenvolvimento <strong>da</strong> arte<br />
<strong>da</strong> navegação e as conseqüentes descobertas do caminho marítimo<br />
para as Índias, do continente americano e do circuito para uma volta<br />
completa pelo mundo.<br />
A burguesia floresceu, as ci<strong>da</strong>des dedica<strong>da</strong>s ao comércio<br />
internacional enriqueceram e a economia européia deixou de<br />
gravitar dentro <strong>da</strong>s limitações dos feudos medievais. A<br />
personali<strong>da</strong>de individual despertou e os artistas encontraram novos<br />
meios de expressão. Os pintores não mais representavam as<br />
principais personagens do drama humano, descarna<strong>da</strong>s e inseri<strong>da</strong>s<br />
dentro de um mesmo pano de fundo dourado como no estilo<br />
bizantino <strong>da</strong> I<strong>da</strong>de Média. Os grandes <strong>da</strong> época passaram a ser<br />
retratados com feições de homens de carne e osso e integrados em<br />
paisagens naturais, cheias de montanhas, rios, árvores e flores.<br />
A natureza, revaloriza<strong>da</strong>, era mostra<strong>da</strong> como fonte de vi<strong>da</strong> e<br />
beleza e não mais como o perigoso mundo material, ocasião de<br />
pecado. Os músicos substituíam os sons monocórdicos do cantochão<br />
religioso pelas novas tonali<strong>da</strong>des do madrigal amoroso e cortesão,<br />
prenunciando a polifonia barroca<br />
Paralelamente, as regas <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> cristã estavam enfraqueci<strong>da</strong>s e<br />
os rigores <strong>da</strong> moral agostiniana não eram mais obedecidos com tanta<br />
severi<strong>da</strong>de. A ver<strong>da</strong>de é que os homens estavam se relacionando<br />
dentro de novas coordena<strong>da</strong>s e a visão do mundo não mais poderia<br />
seguir a orientação teocêntrica, que prevalecera durante séculos na<br />
I<strong>da</strong>de Média. Como conseqüência, engendraram-se transformações<br />
significativas no pensamento científico e filosófico. Maquiavel<br />
(1469 – 1527) fundou uma nova ciência dos assuntos políticos,<br />
desvinculando-a de preocupações morais e religiosas. Erasmo<br />
(1465 – 1536), Thomas More (1478 – 1535) e outros humanistas<br />
210<br />
renovaram o estudo dos textos antigos e defenderam o homem como<br />
ser capaz de criar seu próprio projeto de vi<strong>da</strong>.<br />
Montaigne (1533 – 1592) expressou o advento do<br />
individualismo do homem moderno e desenvolveu uma atitude<br />
cética diante do mundo. O retorno à antigui<strong>da</strong>de faz ressurgir<br />
filosofias esqueci<strong>da</strong>s, quando não condena<strong>da</strong>s, como o estoicismo, o<br />
materialismo e o neoplatonismo. Uma nova orientação foi <strong>da</strong><strong>da</strong> ao<br />
estudo de Aristóteles.<br />
A religião sofreu abalos profundos e ca<strong>da</strong> vez mais se<br />
questionava a possibili<strong>da</strong>de de fun<strong>da</strong>mentá-la racionalmente através<br />
<strong>da</strong> estrutura conceitual aristotélica. Surgiram as filosofias místicoreligiosas<br />
de Agrippa Von Nettesheim (1468 – 1535), Paracelso<br />
(1493 – 1541) e Jakob Bohme (1575 – 1624) e eclodiu a reforma de<br />
Lutero (1483 – 1546) e Calvino (1509 – 1564).<br />
A revalorização do humano e <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> natural e presente incluía<br />
o interesse pela natureza: o que antes era visto como mero local de<br />
tentações para uma alma que aspirasse a recompensas noutro<br />
mundo, torna-se objeto de conhecimento científico. Em<br />
conseqüência, desenvolveram-se tentativas de estudo experimental<br />
dos fenômenos – esboça<strong>da</strong>s desde o século XIII nas Universi<strong>da</strong>des<br />
de Paris e Oxford (ver Roger Bacon). Esse tipo de investigação<br />
ganharia contornos definidos com os trabalhos científicos de<br />
Leonardo <strong>da</strong> Vinci e de outros pensadores, a prenunciar a física de<br />
Galileu e Newton, desenvolvi<strong>da</strong>s no século XVII. Copérnico<br />
formulou a célebre teoria heliocêntrica, Tycho Brahe fez<br />
observações precisas sobre o movimento dos astros e Kepler<br />
preparou o caminho para a descoberta <strong>da</strong> lei <strong>da</strong> gravitação universal<br />
de Newton.<br />
To<strong>da</strong>s essas transformações não se fizeram sem conflitos<br />
profundos, pois significavam, de maneiras diversas, a derroca<strong>da</strong> de<br />
uma ordem espiritual, social e econômica, que há séculos constituía<br />
o cerne <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> européia. Os setores tradicionais ameaçados, a Igreja<br />
por exemplo, reagiram e enfrentaram as inovações, às vezes com<br />
violência, condenando e levando até à morte alguns representantes<br />
<strong>da</strong> nova mentali<strong>da</strong>de. Foi o que aconteceu, só para citar os mais<br />
famosos, com Roger Bacon, Gior<strong>da</strong>no Bruno e Galileu.
O O renascimento renascimento científico<br />
científico<br />
211<br />
Como já foi visto anteriormente o desenvolvimento de uma<br />
classe social em ascensão – no caso a burguesia – gera necessi<strong>da</strong>des<br />
materiais e espirituais, que somente podem ser satisfeitos pela<br />
ativi<strong>da</strong>de prática e não apenas pela especulação abstrata ou pelas<br />
divagações epistemológicas. O prodigioso desenvolvimento <strong>da</strong>s<br />
ciências foi a característica dos séculos do renascimento.<br />
Essa ativi<strong>da</strong>de prática manifestou-se em particular, no domínio<br />
<strong>da</strong>s invenções e descobertas científicas, na física, na química, na<br />
astronomia e no estudo <strong>da</strong> anatomia e fisiologia humanas. No<br />
terreno <strong>da</strong>s invenções <strong>da</strong> época, tem-se o astrolábio, a bússola, os<br />
relógios, o aperfeiçoamento <strong>da</strong>s cartas geográficas, a pólvora e,<br />
finalmente, o microscópio.<br />
Na astronomia, não encontramos apenas um progresso, mas<br />
uma ver<strong>da</strong>deira revolução de extraordinário alcance científico e<br />
filosófico.<br />
NICOLAU NICOLAU DE DE CUSA CUSA (1401 – 1464)<br />
Nicolau de Cusa, bispo de Brixen, escreveu De docta<br />
ignorantia, em que afirmava que sendo o Universo, infinito em<br />
extensão, não poderia possuir centro e que a Terra seria anima<strong>da</strong> de<br />
um movimento de rotação diurna: É hoje evidente que a Terra na<br />
ver<strong>da</strong>de se move, embora não o notemos imediatamente, pois só<br />
podemos perceber o movimento pela comparação com algo que<br />
permanece imóvel.<br />
Na matemática seguia a orientação de Euclides e Arquimedes,<br />
colaborando na tradução desse último do grego para o latim e<br />
tratando <strong>da</strong> quadratura do círculo. Tentou construir com régua e<br />
compasso um círculo de área igual a um quadrado <strong>da</strong>do,<br />
encontrando para π diversos valores pouco exatos.<br />
Nicolau organizou um mapa do mundo então conhecido,<br />
empregando a projeção central. Diz-se que ele determinava áreas de<br />
perímetro irregular pelo método, então novo, de recortá-las num<br />
mapa de cartão para depois pesá-las.<br />
Foi um dos primeiros a salientar a importância <strong>da</strong><br />
experimentação em to<strong>da</strong>s as investigações. Revelava um<br />
212<br />
pensamento independente, mas suas teorias astronômicas eram<br />
tão pouco desenvolvi<strong>da</strong>s – e tão especulativas – que não podiam<br />
constituir ver<strong>da</strong>deiro progresso numa época ain<strong>da</strong> não prepara<strong>da</strong><br />
para recebê-las.<br />
PEURBACH PEURBACH (1423 – 1461)<br />
George Von Peurbach ou Purbach, que em sua moci<strong>da</strong>de<br />
conhecera Nicolau de Cusa em Roma, tornou-se professor de<br />
astronomia e matemática em Viena e tem sido chamado “o<br />
fun<strong>da</strong>dor, no Ocidente, <strong>da</strong> astronomia matemática basea<strong>da</strong> na<br />
observação”.<br />
Reconhecendo a imperfeição <strong>da</strong>s “tabelas” em uso, publicou<br />
uma nova edição do Almajesto com tábuas de senos naturais ao<br />
invés de cor<strong>da</strong>, calculados com diferenças de dez minutos. Suas<br />
principais fontes eram, no entanto, imperfeitas traduções árabes.<br />
REGIOMONTANUS<br />
REGIOMONTANUS REGIOMONTANUS (1436 – 1476)<br />
O mais eminente discípulo e sucessor de Purbach, Johann<br />
Müller de Königsberg, na Baviera, conhecido como Regiomontanus,<br />
foi o mais ilustre homem de ciência <strong>da</strong> sua época. Quanto ao seu<br />
nome, basta observar que a tradução latina de Königsberg é<br />
Regiomontanus, ou seja, montanha do rei.<br />
Após a que<strong>da</strong> de Constantinopla, foi o primeiro a valer-se <strong>da</strong><br />
oportuni<strong>da</strong>de para buscar conhecimento, mais diretamente, nas obras<br />
de Arquimedes, Apolônio e Diofanto. Suas tábuas, publica<strong>da</strong>s em<br />
1475, revestiram-se de importância não só para a astronomia, mas<br />
para as viagens de descobrimentos de Vasco <strong>da</strong> Gama, Vespúcio e<br />
Colombo.<br />
Essas tábuas abrangiam o período de 1473 a 1560, <strong>da</strong>ndo os<br />
senos de ca<strong>da</strong> minuto de arco, as longitudes do sol e <strong>da</strong> lua, as<br />
latitudes <strong>da</strong> lua e uma lista de eclipses previstos para o período 1475<br />
– 1530. Uma outra obra, que tratava de astrologia, possuía uma<br />
tábua de tangentes naturais para ca<strong>da</strong> grau.<br />
O seu De Triangulis foi o primeiro tratado moderno de<br />
trigonometria. Dos cinco livros que o constituíam, quatro são<br />
consagrados à trigonometria plana e o restante à esférica. Resolveu
213<br />
triângulos mediante três <strong>da</strong>dos, fazendo uso de senos e cossenos<br />
e empregando com êxito as equações do segundo grau e algumas de<br />
suas soluções. Um dos problemas colocados por Regiomontanus foi<br />
o seguinte: determinar um triângulo sendo <strong>da</strong><strong>da</strong>s a diferença entre<br />
dois lados, a perpendicular à base e a diferença dos dois segmentos<br />
em que essa é dividi<strong>da</strong>; isto é: sendo conhecidos<br />
a − b,<br />
asenB e acos<br />
B − bcos<br />
A encontrar a, b, c, A, B, C. Outro<br />
problema pede para construir, partindo de quatro retas <strong>da</strong><strong>da</strong>s, um<br />
quadrilátero que possa ser inscrito num círculo. Sua notação,<br />
to<strong>da</strong>via, deixava um pouco a desejar.<br />
Um rico mercador de Nuremberg construiu para<br />
Regiomontanus, um observatório muito bem aparelhado e com o<br />
prelo que ali se fun<strong>da</strong>ra há pouco tempo, tornou-se o mais<br />
importante <strong>da</strong> Alemanha. No entanto, tendo aceito um convite para<br />
ir a Roma, tratar <strong>da</strong> reforma do calendário, acabou morrendo na<br />
ci<strong>da</strong>de eterna aos quarenta anos.<br />
Condições Condições necessárias necessárias ao ao progresso<br />
progresso<br />
Os gênios de Hiparco e de Ptolomeu levaram ao apogeu a<br />
astronomia grega. Embora aqui e além, a hipótese heliocêntrica<br />
tenha sido adota<strong>da</strong>, não havia mais condições de progresso enquanto<br />
não se cumprissem três importantes requisitos.<br />
Em primeiro lugar, dependia-se de melhores instrumentos<br />
astronômicos e de observações mais exatas, abrangendo longos<br />
períodos. Segundo, necessitava-se aperfeiçoar os métodos de cálculo<br />
para corrigir e interpretar essas observações. Terceiro, cumpria que<br />
as idéias sobre os fatos fun<strong>da</strong>mentais e as leis do movimento se<br />
tornassem muito mais claras.<br />
Essas condições foram preenchi<strong>da</strong>s uma após outra durante os<br />
séculos XVI e XVII, por uma extraordinária plêiade de homens de<br />
gênio, entre os quais sobressaíram Copérnico,Tycho Brahe, Kepler,<br />
Galileu e Newton.<br />
Copérnico e Kepler interessaram-se mais pelo aspecto<br />
matemático e teórico, Tycho Brahe foi um grande observador e<br />
Galileu uniu a habili<strong>da</strong>de de observador e experimentador e fez uma<br />
nova apreciação <strong>da</strong>s leis físicas.<br />
214<br />
Newton, edificando sobre os alicerces lançados pelos<br />
outros, realizou uma síntese magnífica dos resultados por eles<br />
alcançados, criando uma teoria matemática racional e coerente do<br />
sistema solar.<br />
COPÉRNICO COPÉRNICO (1473 – 1543)<br />
Nicolau Copérnico nasceu em Thorn na<br />
Polônia, às margens do Vístula, e, como<br />
tivesse parentes na Igreja, preparou-se para<br />
seguir a carreira eclesiástica. Isso o<br />
conduziu, após estudos de medicina feitos<br />
em Cracóvia, à universi<strong>da</strong>de de Viena e<br />
posteriormente às principais universi<strong>da</strong>des<br />
italianas, Bolonha, Pádua, Ferrara e Roma,<br />
onde teve ocasião de cultivar o seu talento<br />
para a matemática e de assimilar tudo o que<br />
então se sabia de astronomia Em 1497<br />
tornou-se cônego em Frauenburg, no seu país natal e de 1512 até a<br />
sua morte, ali viveu desempenhando vários cargos públicos e<br />
exercendo gratuitamente, quando necessário, a arte médica que<br />
também aprendera.<br />
Apesar disso tudo, ain<strong>da</strong> encontrava tempo para se dedicar aos<br />
estudos astronômicos.<br />
Estu<strong>da</strong>ndo os autores clássicos, soube que certos filósofos<br />
pitagóricos explicavam o fenômeno do dia e <strong>da</strong> noite, bem como os<br />
movimentos anuais dos corpos celestes, supondo que a Terra girava<br />
em torno do seu eixo ao mesmo tempo que possuía um movimento<br />
de translação.<br />
Na apresentação de sua grande obra, De Revolutionibus Orbium<br />
Coelestium (As revoluções dos corpos celestes), dedica<strong>da</strong> ao Papa,<br />
diz ele: empreendi a tarefa de reler todos os livros de grandes<br />
filósofos a que pudesse deitar a mão para ver se alguém sustentara<br />
a opinião de que os movimentos dos corpos celestes fossem outros<br />
que não os postulados por aqueles que ensinavam matemática nas<br />
escolas. E, com efeito, descobri primeiro, em Cícero, que Hicetas<br />
acreditara no movimento <strong>da</strong> Terra; e mais tarde, em Plutarco,<br />
verifiquei que alguns outros eram dessa mesma opinião...
215<br />
Partindo <strong>da</strong>í, comecei a considerar a mobili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> Terra; e,<br />
embora a idéia parecesse absur<strong>da</strong>, como eu soubesse que antes de<br />
mim fora concedi<strong>da</strong> a liber<strong>da</strong>de de imaginarem to<strong>da</strong> sorte de<br />
pequenos círculos para explicar os fenômenos <strong>da</strong>s estrelas,<br />
pareceu-me que talvez me fosse permitido, pela suposição de que a<br />
Terra fosse dota<strong>da</strong> de algum movimento, tentar alcançar conclusões<br />
mais fun<strong>da</strong>menta<strong>da</strong>s que as de meus antecessores com respeito às<br />
revoluções dos corpos celestes.<br />
Copérnico não foi um grande observador astronômico. Seus<br />
instrumentos eram medíocres, não tinha bons olhos e na região onde<br />
trabalhava não eram comuns as noites de céu claro. Foram poucas as<br />
observações que registrou, dizendo respeito, sobretudo, a eclipses e<br />
oposições de planetas, sem acusarem um grau elevado de exatidão.<br />
Seus interesses e seu gênio dirigiam-se antes à análise profun<strong>da</strong><br />
e à cui<strong>da</strong>dosa revisão matemática <strong>da</strong> teoria geocêntrica corrente, que<br />
permanecera praticamente inaltera<strong>da</strong> desde a sua formulação por<br />
Ptolomeu, treze séculos antes.<br />
As condições <strong>da</strong> época não permitiam que se desse publici<strong>da</strong>de<br />
a uma inovação tão radical como a teoria heliocêntrica do sistema<br />
planetário; nem estava Copérnico muito interessado em publicar os<br />
resultados a que chegara, pois era ao mesmo tempo indiferente à<br />
fama e inimigo de controvérsias. Na mesma dedicatória diz ele: o<br />
desdém que eu tinha a recear, devido à novi<strong>da</strong>de e a aparente<br />
absurdi<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s minhas idéias, quase me levou a abandonar de<br />
todo a obra inicia<strong>da</strong>.<br />
Sentia, além disso, a inutili<strong>da</strong>de de publicar as suas teorias<br />
revolucionárias enquanto não tivesse um modelo de sistema<br />
planetário, tão perfeitamente organizado, que se tornasse evidente<br />
sua superiori<strong>da</strong>de em relação ao sistema ptolomaico, entrincheirado<br />
na tradição milenar.<br />
Um trabalho hercúleo, conquanto agradável, e foi assim que<br />
elaborou, pouco a pouco, o sistema em manuscrito, e em 1529<br />
publicou um Commentariolus em que <strong>da</strong>va um esboço <strong>da</strong> sua teoria,<br />
que assim foi gradualmente tornando-se conheci<strong>da</strong> pelos homens de<br />
ciência, embora de forma bastante vaga.<br />
Dez anos depois, George Joachim Rheticus (1514 – 1573), jovem<br />
professor de matemática <strong>da</strong> universi<strong>da</strong>de luterana de Wittenberg,<br />
visitou Copérnico, ávido de conhecer melhor a nova doutrina. A<br />
216<br />
igreja luterana não era mais tolerante do que a católica para com as<br />
novi<strong>da</strong>des científicas, e o próprio Lutero qualificava Copérnico de<br />
imbecil.<br />
De Revolutionibus foi publica<strong>da</strong> em 1543, sendo que antes, em<br />
1540, apareceu a Narratio Prima de Rheticus, com muita mistura de<br />
astrologia. Segundo se diz, um exemplar foi ter às mãos de<br />
Copérnico quando se achava em seu leito de morte.<br />
Copérnico iniciou o livro com alguns postulados; primeiro que<br />
o Universo era esférico; segundo que a Terra também era esférica;<br />
terceiro, que os movimentos dos corpos celestes são movimentos<br />
circulares uniformes ou compostos de tais movimentos. Deu<br />
fun<strong>da</strong>mental importância ao caráter relativo dos movimentos<br />
implicados.<br />
Assim, a revolução diária do Sol, <strong>da</strong> Lua e <strong>da</strong>s estrelas em torno<br />
de uma Terra fixa, teria o mesmo efeito aparente que a rotação <strong>da</strong><br />
Terra no sentido oposto, em volta do seu eixo, e o movimento anual
217<br />
aparente do Sol em redor <strong>da</strong> Terra equivale a um movimento de<br />
translação dessa, segundo uma órbita determina<strong>da</strong>.<br />
Não teve receio, pois, de afirmar que a Terra, com a Lua a<br />
rodeá-la, percorria um grande círculo em seu movimento anual entre<br />
os planetas, em torno do Sol. O Universo, contudo, seria tão vasto<br />
que as distâncias dos planetas ao Sol se tornariam insignificantes<br />
quando compara<strong>da</strong>s à esfera <strong>da</strong>s estrelas. Copérnico afirmou ser isso<br />
muito mais fácil de compreender do que <strong>da</strong> outra forma, com a Terra<br />
no centro do Universo.<br />
Sua adesão à hipótese grega do movimento circular uniforme o<br />
fez conservar um complexo sistema de epiciclos, chegando a 34,<br />
contra os 79 de Ptolomeu, que foi suficiente para explicar to<strong>da</strong> a<br />
arquitetura do Universo e a <strong>da</strong>nça dos planetas.<br />
Copérnico fez <strong>da</strong> trigonometria todo o uso que sua obra requer,<br />
procedendo também a uma revisão do catálogo estelar de Ptolomeu.<br />
Fez um cálculo bastante exato <strong>da</strong> precessão dos equinócios e a<br />
interpretou corretamente, como devi<strong>da</strong> a um lento movimento<br />
cônico do eixo <strong>da</strong> Terra, como o de um pião quando começa a parar.<br />
Estimou, ain<strong>da</strong>, os tamanhos relativos <strong>da</strong> Lua, <strong>da</strong> Terra e do Sol<br />
como de 1 : 43 : 6937, e a distância <strong>da</strong> Terra ao Sol (segundo o<br />
método de Aristarco) em 1200 raios terrestres, isto é, mais ou menos<br />
1/20 <strong>da</strong> ver<strong>da</strong>deira distância.<br />
Por mais revolucionárias que fossem as teorias de Copérnico,<br />
não surgiam revesti<strong>da</strong>s de uma forma suficientemente popular, para<br />
provocarem controvérsias imediatas ou generaliza<strong>da</strong>s. Dedicando<br />
sua obra ao Papa, diz Copérnico: a matemática é escrita para os<br />
matemáticos, a quem, se minha opinião não me ilude, nossos<br />
trabalhos parecerão contribuir de certo modo para o ministério<br />
eclesiástico, cujo posto supremo Vossa Santi<strong>da</strong>de ocupa<br />
atualmente; pois não há muito, sob Leão X, a questão de rever o<br />
calendário eclesiástico foi discuti<strong>da</strong> e continuou sem solução,<br />
simplesmente porque se considerava que a duração dos anos e dos<br />
meses e os movimentos do Sol e <strong>da</strong> Lua ain<strong>da</strong> não se achavam<br />
suficientemente determinados... Mas, quanto ao que eu possa ter<br />
realizado aqui, deixo-o ao julgamento de Vossa Santi<strong>da</strong>de em<br />
particular, assim como ao de todos os outros sábios matemáticos...<br />
218<br />
Influência de Copérnico<br />
A publicação <strong>da</strong> De Revolutionibus era, naturalmente, um<br />
poderoso estímulo para os estudos matemáticos e astronômicos.<br />
Assim Rheticus, cujas relações com Copérnico tinha sido tão<br />
fecun<strong>da</strong>s, organizou uma nova e rica coleção de tábuas matemáticas,<br />
enquanto Erasmo Reinhold (1511 – 1553), que sau<strong>da</strong>ra Copérnico<br />
como um novo Ptolomeu, publicou em 1551, baseando-se na obra<br />
de Copérnico, algumas tábuas astronômicas – as chama<strong>da</strong>s<br />
“prutênicas” ou “prussianas” – superiores às que estavam em vigor.<br />
Antes que a nova doutrina pudesse ser completamente<br />
demonstra<strong>da</strong> ou refuta<strong>da</strong> seria necessário esclarecer certos conceitos<br />
de mecânica e reunir sistematicamente <strong>da</strong>dos de observação mais<br />
exatos.<br />
GIORDANO GIORDANO BRUNO BRUNO (1548 – 1600)<br />
Gior<strong>da</strong>no Bruno, nascido em Nola perto de<br />
Nápoles, não foi certamente um astrônomo,<br />
nem tampouco um físico ou um matemático.<br />
Mas, nessa época, a astronomia apresentavase<br />
solidária com a física e ambas vinculavamse<br />
estreitamente à cosmologia. Por uma<br />
intuição genial, antecipando-se às descobertas<br />
telescópicas de Galileu, Bruno apreende o<br />
infinitismo essencial <strong>da</strong> nova astronomia e<br />
opõe-se à visão medieval de um cosmo<br />
ordenado e finito, visão essa que, embora<br />
modifica<strong>da</strong>, domina ain<strong>da</strong> o pensamento de um Copérnico e mesmo<br />
de um Kepler. Em suas obras De l’infinito universo e mondi<br />
(universo infinito) de 1584 e De innumerabili, immenso e<br />
infigurabili (imenso e não inumerável) de 1591, expõe as famosas<br />
teses de que o cosmo estaria povoado de uma infini<strong>da</strong>de de<br />
“mundos” semelhantes ao nosso.<br />
Foi essa visão, acompanha<strong>da</strong> de uma violenta critica ao<br />
aristotelismo, que ele pregou através <strong>da</strong> Europa com o ardor de um<br />
apóstolo e foi por ela que pagou com a própria vi<strong>da</strong>.
219<br />
Em 1584, Bruno já apresentou uma exposição e uma defesa <strong>da</strong><br />
astronomia copernicana, onde enriqueceu e transformou as idéias de<br />
seu mestre, aplicando de forma notavelmente inteligente as noções<br />
elabora<strong>da</strong>s pela nova física.<br />
No mundo de Bruno ou, mais exatamente, no seu universo, não<br />
podem existir lugares privilegiados nem direção determina<strong>da</strong> em si<br />
própria. O alto e o baixo são apenas noções relativas; e quanto ao<br />
“centro do mundo”, esse carecia de algum sentido: o centro está em<br />
to<strong>da</strong> parte, e não está em parte alguma. Por isso os habitantes dos<br />
outros astros têm tanto direito quanto nós de se considerarem no<br />
centro.<br />
O próprio Sol perdeu seu lugar e seu papel privilegiado, não<br />
passando, o centro de nossa “máquina”, de uma estrela entre outras<br />
inumeráveis estrelas que são sóis análogos ao nosso. Bruno via o<br />
universo como um sistema em permanente transformação, no qual,<br />
como já afirmava Heráclito de Éfeso, to<strong>da</strong>s as coisas são e não são<br />
ao mesmo tempo.<br />
O mundo não era, como pretendia o aristotelismo, uma estrutura<br />
hierarquiza<strong>da</strong> na qual o movimento seria coman<strong>da</strong>do, em última<br />
instância, pelo estático. Ao contrário, o universo seria um todo no<br />
qual na<strong>da</strong> é imóvel, nem mesmo a Terra e Copérnico confirmara<br />
com o seu heliocentrismo.<br />
O movimento de to<strong>da</strong>s as coisas, contudo, não seria de natureza<br />
puramente mecânica, como se o mundo fosse um jogo de partículas<br />
móveis, cujo deslocamento e cujos entrechoques resultariam de um<br />
movimento inicial comunicado por um ser superior. O movimento,<br />
para Bruno, seria <strong>da</strong> natureza dos seres vivos e to<strong>da</strong>s as coisas<br />
possuiriam um princípio anímico, que as colocariam em permanente<br />
transformação.<br />
Gior<strong>da</strong>no Bruno, doutor em teologia, clérigo dominicano,<br />
passou por várias universi<strong>da</strong>des européias – Oxford, Sorbone, etc –<br />
divulgando suas várias obras e ensinando astronomia, técnicas de<br />
memorização, filosofia, magia e metafísica. Nunca permanecia<br />
muito tempo num lugar, devido à grande disputa que travava com os<br />
doutores dessas instituições.<br />
A perseguição de Bruno pela Igreja começou muito cedo, já no<br />
convento de Nápoles. Viveu um longo exílio até que regressou à<br />
220<br />
Itália com esperança de reintegrar-se à igreja, mas em maio de 1592,<br />
foi preso e entregue ao tribunal do santo ofício em Veneza.<br />
Iniciado o processo, em 03 de julho de 1592, Bruno declarou<br />
estar arrependido de todos os erros que porventura tivesse cometido<br />
e pronto para reorientar to<strong>da</strong> sua vi<strong>da</strong>. Nesse ponto o processo<br />
poderia ter-se encerrado com a absolvição, mas o papa não o<br />
permitiu e fez com que o processo passasse ao tribunal do santo<br />
ofício em Roma.<br />
Em janeiro de 1593, Bruno foi entregue às autori<strong>da</strong>des romanas<br />
e encarcerado durante sete anos, ao fim dos quais foi condenado à<br />
morte na fogueira, juntamente com suas obras considera<strong>da</strong>s<br />
heréticas. No dia 17 de fevereiro de 1600, Gior<strong>da</strong>no Bruno foi<br />
executado no campo <strong>da</strong>s flores. Desse modo, o final do século XVI<br />
foi iluminado pelas chamas do martírio.<br />
Ain<strong>da</strong> hoje fica-se perplexo em face <strong>da</strong> ousadia e do<br />
radicalismo do pensamento de Bruno que, em to<strong>da</strong> a parte, opõe o<br />
infinitismo do intelecto ao finitismo <strong>da</strong> razão aristotélica e que<br />
operou uma transformação revolucionária na imagem tradicional do<br />
mundo e <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de física.<br />
Infini<strong>da</strong>de do universo, uni<strong>da</strong>de <strong>da</strong> natureza, geometrização do<br />
espaço, levariam em seu séquito à relativi<strong>da</strong>de do movimento; o<br />
cosmo medieval não mais existia, explodiu e sumiu no vazio,<br />
arrastando consigo a física de Aristóteles e deixando o lugar livre<br />
para a nova ciência de Galileu, Descartes e Newton.<br />
TYCHO TYCHO BRAHE BRAHE (1546 – 1601)<br />
Tycho Brahe, de uma família de nobres<br />
dinamarqueses, dedicou-se à primeira grande<br />
necessi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> nova astronomia copernicana,<br />
ou seja, obter <strong>da</strong>dos adequados e exatos.<br />
Enquanto estu<strong>da</strong>va na universi<strong>da</strong>de de<br />
Copenhague o interesse pela astronomia foilhe<br />
despertado por um eclipse e mais tarde,<br />
em Leipzig, deu continui<strong>da</strong>de à sua nova<br />
vocação o tempo que, segundo as idéias <strong>da</strong><br />
época, deveria consagrar a outros assuntos
221<br />
mais dignos de um homem rico e bem-nascido.<br />
Ali também iniciou o trabalho de to<strong>da</strong> a sua vi<strong>da</strong>, que consistiu<br />
em obter e aperfeiçoar os melhores instrumentos para observações<br />
astronômicas, ao mesmo tempo que lhes verificava e corrigia os<br />
erros.<br />
Regressando à Dinamarca de suas viagens pela Alemanha, a<br />
predileção que nutria pela astronomia, foi poderosamente estimula<strong>da</strong><br />
pelo aparecimento, na constelação de Cassiopéia, em novembro de<br />
1572, de uma brilhante estrela nova que se manteve visível durante<br />
16 meses. A grande importância atribuí<strong>da</strong> a esse fenômeno por<br />
Tycho e seus contemporâneos deveu-se ao fato de construir ele uma<br />
prova contra a doutrina aristotélica <strong>da</strong> imutabili<strong>da</strong>de dos céus, pois<br />
suas meticulosas observações demonstravam de maneira cabal que a<br />
estrela estava mais distante do que a Lua e não participava dos<br />
movimentos planetários.<br />
Em 1575, durante uma viagem, Tycho obteve um exemplar do<br />
Commentariolus de Copérnico e no ano seguinte recebeu do rei<br />
Frederico II a ilha de Hveen, com recursos para a manutenção de um<br />
observatório. Quanto àquele pequeno livro, sua opinião era que o<br />
sistema de Ptolomeu é complicado demais e o novo sistema<br />
proposto por Copérnico, seguindo as pega<strong>da</strong>s de Aristarco de<br />
Samos, embora na<strong>da</strong> houvesse de contrário aos princípios<br />
matemáticos, achava-se em oposição aos físicos, pois a Terra pesa<strong>da</strong><br />
e lenta seria incapaz de mover-se e o sistema desmentia até a<br />
autori<strong>da</strong>de <strong>da</strong> Escritura”.<br />
Uraniborg<br />
O observatório de Uraniborg em Hveen – o castelo dos céus –<br />
era um estabelecimento extraordinário. Num amplo recinto de forma<br />
quadra<strong>da</strong>, orientado segundo os pontos cardeais, foram reunidos<br />
vários observatórios, uma biblioteca, um laboratório, salas de<br />
repouso e, mais tarde, oficinas, uma fábrica de papel, um prelo e até<br />
observatórios subterrâneos. Tudo isso era administrado com pródiga<br />
extravagância, não sendo Tycho nem muito zeloso <strong>da</strong>s suas<br />
obrigações nem isento de certa arrogância arbitrária em suas<br />
relações pessoais ou de serviço.<br />
A despeito dessas dificul<strong>da</strong>des, durante na<strong>da</strong> menos de 21 anos<br />
levou avante uma série magnífica de observações, que muito<br />
222<br />
transcendia em extensão e exatidão tudo quanto fora realizado pelos<br />
seus antecessores.<br />
Empenhado como estava em alcançar a maior exatidão possível,<br />
Tycho construiu instrumentos de grandes dimensões como, por<br />
exemplo, um quadrante de madeira para uso ao ar livre com uma<br />
escala de bronze de cerca de três metros de raios, permitindo a<br />
leitura de frações de minuto.<br />
Um quadrante azimutal de bronze, menor, porém mais<br />
prestimoso, <strong>da</strong>va os ângulos com aproximação de um minuto.<br />
Possuía também um globo de cobre, construído com grande<br />
dispêndio, que tinha cui<strong>da</strong>dosamente marca<strong>da</strong>s na sua superfície as<br />
posições de cerca de um milhar de estrelas.<br />
Em 1577, Tycho Brahe pode observar um brilhante cometa,<br />
fazendo importantes deduções teóricas, isto é, que ao invés de ser<br />
um fenômeno atmosférico, o cometa se encontrava pelo menos três<br />
vezes mais afastado que a Lua e girava em torno do Sol. Foi até<br />
levado, na discussão <strong>da</strong>s aparentes irregulari<strong>da</strong>des do seu<br />
movimento, a insinuar que ele poderia mover-se numa órbita oval –<br />
prenunciando assim um dos grandes descobrimentos de Kepler.<br />
De acordo com a opinião corrente <strong>da</strong> época, os cometas eram<br />
formados pelos pecados e pela mal<strong>da</strong>de humana que subiam <strong>da</strong><br />
Terra, se condensavam sob a forma de uma espécie de gás que a<br />
cólera divina inflamava. Essa matéria venenosa torna a cair sobre as<br />
cabeças dos homens, causando to<strong>da</strong> a sorte de malefícios, como a<br />
peste, os franceses (!?), a morte súbita, o mau tempo, etc.<br />
Onze anos depois, Tycho publicou um volume sobre o cometa,<br />
como parte de um extenso tratado astronômico que, entretanto,<br />
jamais se completou. Em 1599 aceitou o convite do Imperador<br />
Rodolfo para que se estabelecesse em Praga. Ali tornou a organizar<br />
um corpo de auxiliares, incluindo, com grande vantagem para ele e<br />
para a sua ciência, o jovem Kepler – mas o progresso dos trabalhos<br />
foi prematuramente cerceado pela sua morte aos 55 anos.<br />
Os principais serviços prestados por Tycho ao avanço <strong>da</strong><br />
astronomia consistiram, em primeiro lugar, na superior exatidão dos<br />
seus instrumentos e observações, repeti<strong>da</strong>s várias vezes, acresci<strong>da</strong><br />
<strong>da</strong> correção sistemática dos erros; segundo, pelo prolongamento<br />
dessas observações durante muitos anos.
KEPLER KEPLER (1571 – 1630)<br />
223<br />
Johannes Kepler nasceu em Weilderstadt de<br />
pais protestantes cuja situação econômica era<br />
aflitiva, aliás, to<strong>da</strong> a sua existência foi uma<br />
luta com a pobreza, a má saúde e a<br />
adversi<strong>da</strong>de. Em 1594, abandonou o estudo<br />
de teologia, embora com certa hesitação,<br />
pois sua aceitação <strong>da</strong> nova hipótese de<br />
Copérnico o desqualificava para isso, e foi<br />
nomeado livre-docente de matemática em<br />
Gratz. Eram poucos os alunos e entre seus<br />
deveres estava incluí<strong>da</strong> a confecção de um<br />
almanaque que deveria conter, além <strong>da</strong> matéria comum dos<br />
almanaques, previsão do tempo e informações astrológicas. A mãe<br />
astronomia, dizia ele, passaria fome fatalmente se a filha astrologia<br />
não ganhasse o sustento de ambas.<br />
Tendo tomado grande interesse pela astronomia, houve três<br />
coisas em particular que submeteu a diligentes pesquisas, a saber, o<br />
número, o tamanho e o movimento dos corpos celestes, procurando<br />
as razões de serem elas como eram e não de outro modo.<br />
O primeiro resultado que lhe pareceu importante, foi uma<br />
espécie de tosca correspondência entre as órbitas planetárias e os<br />
cinco sólidos regulares, publica<strong>da</strong> em 1596 sob um título que pode<br />
ser abreviado em Mistério Cosmográfico.<br />
Kepler, devido à sua difícil situação como protestante em Gratz,<br />
aceitou o cargo de assistente de Tycho Brahe, em Praga, e quando<br />
esse morreu, em 1601, herdou a grande massa de <strong>da</strong>dos brutos, por<br />
eles obtidos, sobre as posições dos planetas em vários intervalos de<br />
tempo. Kepler trabalhou incessantemente sobre esse material por 20<br />
anos, e finalmente conseguiu com brilho ímpar tirar deles suas três<br />
leis do movimento planetário. Essas leis constituem o clímax de<br />
milhares de anos de astronomia puramente empírica:<br />
• A órbita de ca<strong>da</strong> planeta é uma elipse, sendo que o Sol está num<br />
dos focos.<br />
• A linha que une um planeta ao Sol<br />
varre áreas iguais em tempos iguais.<br />
Sol<br />
224<br />
• O quadrado do período de revolução de um planeta é proporcional<br />
ao cubo do semi-eixo maior <strong>da</strong> órbita elíptica do planeta. Isto é, se T<br />
é o tempo que um planeta gasta para completar uma revolução ao<br />
redor do Sol, a é o semi-eixo maior mostrado na figura, a razão<br />
2<br />
T<br />
é a mesma para todos os planetas do sistema solar.<br />
a<br />
3<br />
Esses resultados foram publicados em 1609, como parte dos<br />
Comentários sobre os movimentos de Marte. O que deve ser<br />
observado é que essas leis são conseqüências dos estudos de Kepler<br />
referentes à Terra e Marte e que depois generalizou para os outros<br />
planetas.<br />
As leis de Kepler eram empíricas que se ajustavam aos <strong>da</strong>dos de<br />
observações reais; porém ele não tinha idéia se eram<br />
matematicamente ver<strong>da</strong>deiras e se poderiam estar relaciona<strong>da</strong>s entre<br />
si. Em poucas palavras, não havia uma teoria, a priori, para fornecer<br />
um contexto em que essas leis pudessem ser compreendi<strong>da</strong>s.<br />
O grande passo que restava <strong>da</strong>r seria mostrar que as três leis não<br />
são independentes e empíricas, e sim, conseqüências matemáticas de<br />
uma só lei mecânica, mas esse passo estava reservado ao gênio de<br />
Newton.<br />
As idéias de Kepler com respeito à força e ao movimento eram<br />
ain<strong>da</strong> bastante simples. Reconhecia a necessi<strong>da</strong>de de uma força<br />
exerci<strong>da</strong> pelo Sol, mas supunha-a inversamente proporcional, não ao<br />
quadrado, mas à própria distância do Sol ao outro astro considerado.<br />
Retomando mais tarde a orientação do seu Mistério<br />
Cosmográfico, publicou em 1619 a harmonia do mundo, em que se<br />
encontrava a terceira lei vista anteriormente.<br />
A última obra importante publica<strong>da</strong> por Kepler em 1627, as<br />
suas Tábuas Rodolfinas, trazia as suas próprias conclusões e as<br />
alcança<strong>da</strong>s, um pouco antes, por Tycho Brahe. Esse livro foi um<br />
clássico por mais de cem anos. É digno de nota que durante os seus<br />
trabalhos, na confecção dessas tábuas, estava ocorrendo uma<br />
revolução nos métodos de cálculo graças à introdução dos<br />
logaritmos por Napier e Bürgi.<br />
Foi um dos mais diligentes incentivadores <strong>da</strong> novel arte de<br />
calcular por meio de logaritmos. Causou-lhe profun<strong>da</strong> impressão a<br />
obra de Napier, que veio a ter às suas mãos em 1619. Outra
225<br />
contribuição para a matemática foram os seus trabalhos sobre as<br />
grandezas harmônicas considera<strong>da</strong>s em relação com a geometria<br />
plana e espacial, o que conduziu ao estudo de polígonos e poliedros<br />
estrelados.<br />
Kepler deve ser lembrado também, por seu Dioptrice (1611),<br />
contendo um estudo matemático <strong>da</strong> refração e <strong>da</strong>s diferentes formas<br />
do recém-inventado telescópio. Em seu conjunto, esse livro formou<br />
a base <strong>da</strong> óptica moderna. Desenvolveu o autor a primeira teoria<br />
correta <strong>da</strong> visão: ver significa sentir a estimulação <strong>da</strong> retina, que é<br />
tingi<strong>da</strong> com raios coloridos do mundo visível. O quadro deve ser,<br />
pois transmitido ao cérebro por uma corrente mental e deposto na<br />
sede <strong>da</strong> facul<strong>da</strong>de visual. Supôs que a cor dependia <strong>da</strong> densi<strong>da</strong>de e<br />
<strong>da</strong> transparência e que a refração se devia à maior resistência dos<br />
meios densos. Admitiu também que a veloci<strong>da</strong>de <strong>da</strong> luz era infinita.<br />
Procurando resolver as dificul<strong>da</strong>des com a hipótese <strong>da</strong>s órbitas<br />
elípticas, Kepler viu-se logo às voltas com o problema de determinar<br />
o comprimento de uma elipse. Deu a aproximação π ( a + b ) , em<br />
que a e b são os semi-eixos. Isso é certo para o círculo, em que<br />
a = b, e bastante aproximado quando a e b são quase iguais, o que<br />
sucedia com a maioria <strong>da</strong>s órbitas planetárias.<br />
Interessando-se pelos métodos em uso para medir a capaci<strong>da</strong>de<br />
dos tonéis de vinho, publicou em 1615 a sua nova Stereometria<br />
Doliorum Vinariorum (medi<strong>da</strong>s de volumes de barris de vinho) em<br />
que determinava o volume de muitos sólidos limitados por<br />
superfícies de revolução. Distinguiu 93 diferentes sólidos de<br />
revolução, <strong>da</strong>ndo nomes de frutas a alguns deles: maçã, pera, limão,<br />
etc.<br />
Kepler, rompeu com o rigor arquimediano, não utilizando o<br />
método de exaustão. Dividia a sua figura plana ou o seu sólido em<br />
secções indivisíveis, determinava a área de ca<strong>da</strong> secção e depois<br />
encontrava a soma. O círculo, por exemplo, compunha-se de uma<br />
infini<strong>da</strong>de de triângulos com um vértice no centro e os outros dois<br />
sobre a circunferência; analogamente, a esfera consistia numa<br />
infini<strong>da</strong>de de pirâmides.<br />
Foram encontrados nos seus livros vários exemplos de<br />
integração e somas de séries infinitas, no entanto carecia de um<br />
sistema adequado de coordena<strong>da</strong>s, de um conceito bem definido de<br />
limite e de um método eficaz de somar os termos de uma série. Em<br />
226<br />
face, porém, <strong>da</strong>s dificul<strong>da</strong>des intrínsecas dos problemas que tentou<br />
resolver foi notável o êxito por ele alcançado.<br />
Em 1628, após várias tentativas de receber seus honorários<br />
atrasados de matemático imperial, chegou a ponto de unir-se a<br />
Wallestein na quali<strong>da</strong>de de astrólogo, mas veio a morrer um pouco<br />
depois em Regensburg.<br />
GALILEU GALILEU GALILEU (1564 – 1642)<br />
Galileu Galilei nasceu em Pisa três dias<br />
após a morte de Miguel Ângelo e no<br />
mesmo ano em que Shakespeare veio ao<br />
mundo. Exerceu poderosa influência<br />
sobre o desenvolvimento científico em<br />
muitos campos, em especial assentou as<br />
bases <strong>da</strong> dinâmica moderna. É um fato<br />
notável que a astronomia tenha sido<br />
cultiva<strong>da</strong>, ao mesmo tempo, por três<br />
homens tão ilustres quanto Tycho, Kepler<br />
e Galileu. Enquanto Tycho, com 54 anos,<br />
observava o céu em Praga, Kepler, com apenas 30 anos, aplicava o<br />
seu gênio impulsivo à determinação <strong>da</strong> órbita de Marte, e Galileu,<br />
com 36, dispunha-se a assentar o telescópio para as regiões<br />
inexplora<strong>da</strong>s do espaço.<br />
Tendo nascido numa Europa ain<strong>da</strong> domina<strong>da</strong> pela tradição<br />
aristotélica, Galileu sente-se perplexo diante do conflito entre as<br />
suas próprias observações e as teorias aceitas, mas, firme e<br />
destemido nas suas convicções, investe ardentemente contra as<br />
velhas idéias, ganhando com isso inimigos e também mais<br />
discípulos.<br />
Em to<strong>da</strong>s as suas atitudes e hábitos mentais, Galileu encarnava<br />
o espírito <strong>da</strong> ciência moderna. Era vivo e arguto no observar, no<br />
analisar e no raciocinar sobre os fenômenos naturais. Ardoroso e<br />
convincente nas suas exposições (principalmente nas suas aulas <strong>da</strong><br />
universi<strong>da</strong>de), céptico e intolerante em face <strong>da</strong> mera autori<strong>da</strong>de,<br />
quer na ciência, quer na filosofia ou na teologia.<br />
Ain<strong>da</strong> jovem, descobriu a regulari<strong>da</strong>de dos movimentos<br />
pendulares ao observar lentas oscilações <strong>da</strong> lâmpa<strong>da</strong> <strong>da</strong> catedral
227<br />
de Pisa em. Não atingira ain<strong>da</strong> os 25 anos quando publicou, em<br />
1586, um trabalho sobre a balança hidrostática e sobre o centro de<br />
gravi<strong>da</strong>de dos sólidos.<br />
Muitos anos depois em 1638 mostrou que a hipótese <strong>da</strong><br />
aceleração uniforme explicava devi<strong>da</strong>mente as relações observa<strong>da</strong>s<br />
entre o espaço, o tempo e a veloci<strong>da</strong>de, e que a trajetória descrita<br />
pelos projéteis era uma parábola.<br />
Comportando-se como um sábio típico de renascimento, Galileu<br />
aliou à teoria a solução de vários problemas técnicos. Inventou uma<br />
bomba para fazer subir água, um compasso geométrico militar que<br />
produziu em larga escala, escreveu um tratado sobre fortificações de<br />
ci<strong>da</strong>des além de manter uma oficina para a construção de aparelhos<br />
especiais (bússolas, compassos simples, quadrantes, etc.).<br />
Sabendo <strong>da</strong> invenção do telescópio na Holan<strong>da</strong>, procurou saber<br />
detalhes e logo pode construir para si um desses instrumentos,<br />
graças ao qual descobriu manchas no Sol, montanhas na Lua, os<br />
satélites de Júpiter, os anéis de Saturno e as fases de Vênus. As<br />
descobertas de Galileu no tocante à superfície <strong>da</strong> Lua, foram<br />
naturalmente desagradáveis aos aristotélicos <strong>da</strong> época, para quem<br />
esse astro possuía uma forma perfeitamente esférica e lisa, com<br />
adornos que a tornavam tão varia<strong>da</strong> e tão bela.<br />
Era inevitável que um homem como Galileu aceitasse a<br />
hipótese de Copérnico. Em 1597 escreveu a Kepler: considero-me<br />
feliz por ter encontrado tão grande aliado na busca <strong>da</strong> ver<strong>da</strong>de. É<br />
realmente lamentável que haja tão poucos que pugnem pela ver<strong>da</strong>de<br />
e estejam prontos a abandonar as falsas filosofias. Mas esse não é o<br />
lugar para lamentar as misérias do nosso tempo, ao invés de<br />
desejar-vos êxito em vossas esplêndi<strong>da</strong>s investigações. Faço-o de<br />
tanto melhor grado por ser, desde muitos anos, um adepto <strong>da</strong> teoria<br />
de Copérnico. Ela me aponta a causa de muitos fenômenos que são<br />
completamente ininteligíveis sob a teoria geralmente aceita. Reuni<br />
muitos argumentos para refutar essa última, mas não me atrevo a<br />
publicá-los...”<br />
Conquanto nenhum dos descobrimentos astronômicos de<br />
Galileu fosse necessário ou suficiente para confirmar a teoria<br />
copernicana, o apoio que a essa prestavam, era de extrema<br />
importância.<br />
228<br />
Em 1632 publicou o famoso Diálogo sobre os dois principais<br />
sistemas do mundo, o de Ptolomeu e o de Copérnico, obra<br />
comparável em grandeza e importância às Revoluções de Copérnico.<br />
Na primeira <strong>da</strong>s quatro conversações em que se divide a obra, a<br />
teoria aristotélica do caráter especial dos corpos celestes é submeti<strong>da</strong><br />
a uma crítica demolidora, <strong>da</strong>ndo-se relevo a fenômenos tais como o<br />
aparecimento de estrelas novas, os cometas, as manchas solares, as<br />
irregulari<strong>da</strong>des <strong>da</strong> superfície <strong>da</strong> Lua, as fases de Vênus, os satélites<br />
de Júpiter, etc.<br />
Argumentando não só com as próprias manchas solares, mas<br />
com a própria variação. Insiste ele que o universo não é rígido e<br />
imutável, mas se modifica constantemente, ou então, passa por fases<br />
consecutivas e relaciona<strong>da</strong>s entre si, isto é, evoluciona. É com maior<br />
repugnância que me resigno a escutar quando o atributo <strong>da</strong><br />
imutabili<strong>da</strong>de é defendido como algo de preeminente importância e<br />
em completo contraste com a variabili<strong>da</strong>de. Considero a Terra<br />
sobretudo notável justamente pelas transformações que nela<br />
ocorrem.<br />
Repentinamente, em agosto de 1632, cinco meses após a<br />
publicação do Diálogo, chegou uma ordem <strong>da</strong> inquisição romana<br />
para suspender to<strong>da</strong>s as ven<strong>da</strong>s do livro e, Galileu foi intimado a<br />
comparecer diante do tribunal em Roma. Doente, quase cego, com<br />
70 anos, em pleno inverno, Galileu foi conduzido de Florença a<br />
Roma por estra<strong>da</strong>s difíceis e regiões inteiras isola<strong>da</strong>s por<br />
quarentenas de peste. Foi a Roma para ser humilhado.<br />
O julgamento do tribunal, em quatro sessões, era em síntese o<br />
seguinte: a proposição de que o Sol se acha no centro do mundo e<br />
não pode ser movido do seu lugar é absur<strong>da</strong>, filosoficamente falsa e<br />
formalmente herética, pois é extremamente contrária às santas<br />
escrituras...<br />
No dia 22 de junho de 1633 foi pronuncia<strong>da</strong> a sentença e<br />
Galileu obrigado a recitar publicamente e assinar a abjuração, com<br />
vestes de penitente, no convento de Santa Maria sobre Minerva: Eu,<br />
Galileu Galilei, abjuro, maldigo e renuncio a todos os erros e<br />
heresias mencionados (...) contra a santa igreja.<br />
A len<strong>da</strong> Eppur si muove!...(no entanto a Terra se move!) foi<br />
uma dedução dos estudiosos com base na postura e personali<strong>da</strong>de de<br />
Galileu. Ele pode ter pensado, mas não disse. Um pouco antes do
229<br />
julgamento, teria também confidenciado a alguns amigos: Se é uma<br />
confissão o que eles querem, confessarei até que sou uma lagartixa.<br />
Mesmo após ter sido condenado pela inquisição, enfermo e<br />
cego como estava, não esmoreceu o ardor científico de Galileu. Em<br />
1638, publicou em Leyden uma obra sobre mecânica com o título<br />
Conversações e Demonstrações <strong>Matemática</strong>s sobre dois novos<br />
ramos <strong>da</strong> ciência. Esse livro representava o mais notável progresso<br />
realizado na mecânica desde os tempos de Arquimedes.<br />
Em to<strong>da</strong> a extensão <strong>da</strong> obra, Galileu baseia-se mais em<br />
resultados de experimentos do que na simples especulação, e em<br />
medi<strong>da</strong>s tão exatas quanto lho permitiam os seus instrumentos.<br />
Galileu fez contribuições notáveis a quase todos os ramos <strong>da</strong> física:<br />
dinâmica, estática, hidrostática, termometria, acústica, etc. Presume<br />
que a luz possua uma veloci<strong>da</strong>de finita, mas não consegue medi-la.<br />
Embora o principal objeto do seu interesse não fosse a<br />
matemática, acentua Galileu a dependência <strong>da</strong>s outras ciências em<br />
relação a essa. Fez um estudo sutil <strong>da</strong>s quanti<strong>da</strong>des infinitas,<br />
infinitesimais e contínuas.<br />
Foi o primeiro a propor uma correspondência biunívoca entre<br />
quanti<strong>da</strong>des infinitas e para ele tratava-se de um paradoxo,<br />
considerando o axioma euclidiano: o todo é sempre maior que<br />
qualquer de suas partes. Galileu afirmou categoricamente que o<br />
conjunto dos números inteiros positivos e o conjunto dos números<br />
quadrados perfeitos estão em correspondência um a um. Desse<br />
modo enfrentou a proprie<strong>da</strong>de fun<strong>da</strong>mental dos conjuntos infinitos,<br />
ou seja, uma parte poderia ser equivalente ao conjunto todo.<br />
Pode-se garantir, sem dúvi<strong>da</strong>, que a grande contribuição de<br />
Galileu para a revolução científica que viria após os seus trabalhos<br />
foi o seu moderno método: observação, experimentação e<br />
formalização matemática.<br />
A filosofia está escrita neste livro enorme que continuamente se<br />
acha aberto diante dos nossos olhos (eu digo o universo); mas não<br />
se pode entendê-lo se, antes, não se aprender a língua e conhecer os<br />
caracteres com os quais ele está escrito. O universo está escrito em<br />
linguagem matemática; seus caracteres são triângulos, círculos e<br />
outras figuras geométricas; sem estes meios, é impossível entender<br />
sequer uma palavra, sem eles, equivale a vagar inutilmente, por um<br />
escuro labirinto.<br />
230<br />
A A A matemática matemática matemática no no Renascimento<br />
Renascimento<br />
O período compreendido entre a invenção <strong>da</strong> imprensa, por<br />
volta de 1450, e o início do século XVII foi de grande importância<br />
para a matemática e a mecânica, bem como para a astronomia. No<br />
seu começo, embora os números “arábicos” já fossem conhecidos, a<br />
matemática <strong>da</strong>s universi<strong>da</strong>des quase não ia além dos primeiros livros<br />
de Euclides e <strong>da</strong> solução de equações simples do segundo grau sob a<br />
forma retórica. No fim do período, os fun<strong>da</strong>mentos <strong>da</strong> matemática e<br />
<strong>da</strong> mecânica modernas tinham sido soli<strong>da</strong>mente lançados.<br />
Nesse período os matemáticos se tornaram uma classe de sábios<br />
especializa<strong>da</strong>, os compêndios tomaram forma e a matemática ia<br />
sendo ca<strong>da</strong> vez mais cultiva<strong>da</strong> por si mesma.<br />
As maiores realizações e tendências foram as seguintes: na<br />
aritmética, foram introduzi<strong>da</strong>s as frações decimais e os logaritmos,<br />
simplificando imensamente os cálculos e desenvolveu-se uma teoria<br />
geral dos números; na álgebra, criou-se um sistema compacto e<br />
adequado de símbolos, incluindo o uso de sinais + , ÷ , × , -, =, ( ),<br />
e dos expoentes; equações do terceiro e do quarto graus foram<br />
resolvi<strong>da</strong>s, aceitando-se as raízes negativas e imaginárias, e muitos<br />
teoremas <strong>da</strong> nossa moderna teoria <strong>da</strong>s equações foram descobertos.<br />
Na geometria, o cálculo do π foi feito com aproximação de<br />
muitas decimais, deu-se início à geometria descritiva e desenvolveuse<br />
o chamado método dos indivisíveis. Na trigonometria plana e<br />
esférica deduziram-se teoremas e processos atualmente em uso além<br />
de extensas tábuas.<br />
Na mecânica, pouco a pouco foram adquirindo clareza os<br />
conceitos de força e movimento, de equilíbrio e centro de gravi<strong>da</strong>de.<br />
Na base de alguns desses novos desenvolvimentos encontramse<br />
os conceitos fun<strong>da</strong>mentais que começam a se formar: função,<br />
continui<strong>da</strong>de, limite, deriva<strong>da</strong>, quanti<strong>da</strong>de infinitesimal, sobre os<br />
quais se construiu a matemática moderna.<br />
PAC PACIOLI PAC IOLI (1445 – 1514 )<br />
Luca Pacioli, monge franciscano natural de Toscana, foi o<br />
primeiro matemático a ter um livro impresso sobre a aritmética,
231<br />
publicado em Veneza em 1494. Nele são <strong>da</strong><strong>da</strong>s regras para as quatro<br />
operações fun<strong>da</strong>mentais e para a extração de raízes quadra<strong>da</strong>s. A<br />
aritmética comercial é trata<strong>da</strong> com bastante detalhe pelos novos<br />
métodos algorítmicos ou arábicos. O método <strong>da</strong>s suposições<br />
arbitrárias corrigi<strong>da</strong>s pela proporção (<strong>da</strong> falsa posição), era usado<br />
com bons resultados, por exemplo: “Achar o primitivo capital de um<br />
negociante que gastou a quarta parte do mesmo em Pisa e um quinto<br />
em Veneza, havendo recebido nessas transações 180 ducados e<br />
tendo atualmente em mão 224 ducados. Supondo-se que o capital<br />
primitivo fosse de 100 ducados, o restante seria 100 – 25 – 20 = 55.<br />
Isso, porém, são os 5/4 do ver<strong>da</strong>deiro resto (224 – 180); logo, o<br />
capital primitivo equivale aos 4/5 de 100 = 80 ducados”.<br />
Alguns desses problemas comerciais de Pacioli eram<br />
extremamente complicados. Resolvia equações numéricas do<br />
primeiro e do segundo graus, mas só admitia raízes positivas e<br />
considerava impossível a solução <strong>da</strong>s equações do terceiro grau,<br />
bem como a quadratura do círculo. A adição era indica<strong>da</strong> por p ou<br />
p , abreviação do latim plus, a igual<strong>da</strong>de algumas vezes por ae .<br />
Iniciava-se a álgebra sincopa<strong>da</strong> que teria também a introdução dos<br />
radicais com índices, 2 , 3 , bem como dos sinais + e -.<br />
Pacioli em 1509 fez duas tentativas no campo <strong>da</strong> geometria,<br />
publicando uma edição de Euclides e a De Divina Proportione. Essa<br />
diz respeito a polígonos regulares, a sólidos e à razão mais tarde<br />
chama<strong>da</strong> de “secção áurea”. O trabalho é destacado pela excelência<br />
<strong>da</strong>s figuras que por isso têm sido atribuí<strong>da</strong>s a Leonardo <strong>da</strong> Vinci.<br />
A A geometria geometria <strong>da</strong> <strong>da</strong> arte<br />
arte<br />
Considerado o mais notável movimento artístico e literário <strong>da</strong><br />
cultura ocidental, o renascimento produziu ver<strong>da</strong>deiros gênios na<br />
pintura, na Itália por exemplo, pode-se citar: Leonardo <strong>da</strong> Vinci,<br />
Michelangelo Buonarroti (1475 – 1564) e Rafael Sanzio.<br />
Leonardo rompeu com as limitações <strong>da</strong> arte tradicional e<br />
introduziu o conceito de claro-escuro no espaço pictórico.<br />
Michelangelo reviveu admiravelmente a concepção helênica de luta<br />
do homem com o universo. Rafael, por sua vez, promoveu uma doce<br />
232<br />
revolução, muito mais compatível com seu caráter sereno:<br />
introduziu na arte a tendência à beleza ideal, inspira<strong>da</strong> nos conceitos<br />
artísticos <strong>da</strong> Antigui<strong>da</strong>de clássica.<br />
Os três artistas citados além de outros <strong>da</strong> mesma época,<br />
nota<strong>da</strong>mente Albrecht Dürer (1471–1528), de Nuremberg,<br />
desenvolveram a teoria geométrica <strong>da</strong> perspectiva. A fim de<br />
representar exatamente a cabeça humana, Dürer fazia uso tanto dos<br />
planos como <strong>da</strong> projeção vertical.<br />
LEONARDO LEONARDO DA DA VINCI VINCI (1452 – 1519)<br />
Leonardo <strong>da</strong> Vinci, um dos gigantes<br />
intelectuais do renascimento, igualmente<br />
grande na arte, na ciência e na engenharia,<br />
foi o primeiro a <strong>da</strong>r explicação correta <strong>da</strong><br />
iluminação parcial <strong>da</strong> parte escura do disco<br />
lunar, como sendo devi<strong>da</strong> à luz <strong>da</strong> Terra.<br />
Seus cadernos de notas revelavam<br />
observações muito exatas sobre fenômenos<br />
ópticos causados por um estreito feixe de luz<br />
numa câmara escura. Chamou a mecânica de<br />
paraíso <strong>da</strong>s ciências matemáticas, porque<br />
nela se colhem pela primeira vez os frutos dessas ciências. Negou a<br />
possibili<strong>da</strong>de do movimento perpétuo, dizendo: a força é a causa do<br />
movimento e o movimento é a causa <strong>da</strong> força. Discutiu a alavanca, a<br />
ro<strong>da</strong> e o eixo, os corpos que caem livremente ou sobre planos<br />
inclinados. Antecipou-se assim a Galileu.<br />
Todo aquele que apela para a autori<strong>da</strong>de, dizia ele, não aplica<br />
o intelecto e sim a memória. Ao passo que a natureza começa pela<br />
causa e termina pela experiência, nós devemos seguir o plano<br />
contrário, começando pelo experimento e por meio deste investigar<br />
a causa. Nenhuma pesquisa humana pode aspirar ao nome de<br />
ver<strong>da</strong>deira ciência se não passar pela demonstração matemática e<br />
aquele que desdenha a certeza <strong>da</strong> matemática não conseguirá impor<br />
silêncio a teorias sofísticas que só podem terminar em guerras de<br />
palavras.<br />
Dizia, ain<strong>da</strong>, Leonardo que A felici<strong>da</strong>de está na ativi<strong>da</strong>de e,<br />
convenhamos, ele foi muito feliz. Artista, físico, geômetra, músico,
233<br />
engenheiro, biólogo, atleta e filósofo. Certa vez, ao passar diante de<br />
um açougue, Leonardo apontou, desgostoso, a carcaças de vitelas,<br />
carneiros, bois e suínos, e disse a um dos seus discípulos: - Sim, não<br />
há dúvi<strong>da</strong>, o homem é o rei dos animais, ou para dizê-lo de outra<br />
maneira, é o rei <strong>da</strong>s feras, pois a sua feroci<strong>da</strong>de é, positivamente,<br />
<strong>da</strong>s maiores. E, após breve silêncio, acrescentou, com tristeza: -<br />
Criamos a nossa vi<strong>da</strong> <strong>da</strong> morte dos outros seres. Os homens e as<br />
feras não são mais do que eternos cemitérios ambulantes, túmulos<br />
uns para os outros...<br />
Leonardo <strong>da</strong> Vinci é um caso que segundo suas próprias<br />
palavras quanto mais se conhece, mais se aprecia.<br />
RAFAEL RAFAEL (1483 – 1520)<br />
Rafael Sanzio nasceu em Urbino num ambiente artisticamente<br />
receptivo e estimulante. Seu pai era um pintor muito estimado pela<br />
corte local. Não era, efetivamente, um pintor dotado de quali<strong>da</strong>des<br />
incomuns; mas foi suficiente para incentivar na escolha <strong>da</strong> profissão<br />
do filho.<br />
Depois de viver algum tempo em Florença e em outras ci<strong>da</strong>des,<br />
foi em Roma que Rafael, juntamente com outros artistas, teve<br />
oportuni<strong>da</strong>de de participar <strong>da</strong> decoração <strong>da</strong> nova residência do papa<br />
Júlio II. Em 1509 foi nomeado pintor oficial <strong>da</strong> corte papal. Chegou<br />
a ser arquiteto-chefe na decoração do Vaticano, especialmente <strong>da</strong><br />
Basílica de São Pedro. Tornou-se, então, a principal figura <strong>da</strong><br />
arquitetura romana.<br />
Aceitou também o desafio de pintar um enorme afresco para a<br />
Stanza della Segnatura (sala utiliza<strong>da</strong> pela Igreja para a assinatura de<br />
documentos importantes). E realizou a Disputa do Sacramento, A<br />
Escola de Atenas e O Parnaso. Tal empreendimento, que constituiu<br />
um marco em sua carreira, colocou-o como rival direto de<br />
Michelangelo, que havia pintado os maravilhosos afrescos <strong>da</strong> Capela<br />
Sistina.A Escola de Atenas constitui-se um sumário <strong>da</strong> história <strong>da</strong><br />
matemática grega além de ser um precioso documento para se saber<br />
como os italianos <strong>da</strong> renascença concebiam a vi<strong>da</strong> intelectual <strong>da</strong><br />
Grécia Antiga.<br />
Os filósofos e matemáticos, ca<strong>da</strong> um com as características que<br />
marcaram suas vi<strong>da</strong>s e obras, estão espalhados, com muita simetria,<br />
234<br />
pela sala. Platão e Aristóteles, por exemplo, são as figuras centrais,<br />
com Platão indicando o céu para expressar que sua filosofia situava<br />
a ver<strong>da</strong>deira reali<strong>da</strong>de num plano supra-sensível: o mundo <strong>da</strong>s<br />
idéias, modelos eternos e imutáveis <strong>da</strong>s coisas concretas e<br />
perecíveis. Aristóteles, por sua vez, aponta para baixo, exprimindo<br />
seu pensamento realista, que afirma ser real o mundo concreto e<br />
sensível, a partir do qual o intelecto humano realiza abstrações.<br />
Rafael colocou nos integrantes <strong>da</strong> obra rostos de pessoas<br />
conheci<strong>da</strong>s do seu tempo. Por exemplo, Platão aparece com o rosto<br />
de Leonardo <strong>da</strong> Vinci, Euclides com o de Bramonte, outro grande<br />
arquiteto do Vaticano. O próprio autor se inclui, talvez, como uma<br />
espécie de assinatura.<br />
Sem ser tão inovador como Leonardo ou revolucionário como<br />
Michelangelo, pode-se dizer que Rafael superou a ambos no que se<br />
refere à perfeição <strong>da</strong>s linhas, beleza do colorido e harmonia <strong>da</strong>s<br />
composições.<br />
STIFEL STIFEL STIFEL (1487 – 1567)<br />
Michael Stifel, ministro luterano alemão, ex-monge<br />
agostiniano, publicou em 1544, importante tratado com o título de<br />
Arithmetica Integra. Esse livro, que apareceu com um prefácio de<br />
Melanchton, contém muitos acréscimos originais. Apresentou Stifel<br />
um amplo estudo dos coeficientes binomiais (já sem o caráter
235<br />
místico dos números triangulares neopitagóricos, etc.), trazendo<br />
também o chamado “triângulo de Pascal”. Está muito próximo de<br />
conceber a idéia de logaritmo e foi um dos primeiros a introduzir os<br />
números negativos em seus trabalhos. Também introduziu alguns<br />
melhoramentos na notação em uso.<br />
RECORDE RECORDE (1510 – 1558)<br />
Robert Recorde, “a estrela matutina <strong>da</strong> literatura matemática<br />
inglesa”, estudou em Oxford e graduou-se em medicina por<br />
Cambridge em 1545, tornando-se mais tarde “físico régio”.<br />
Sua obra The Grounde of Artes, ou Aritmética, de 1540, foi um<br />
dos primeiros livros sobre matemática publicados em inglês e que<br />
teve mais de 27 edições exercendo grande influência sobre a<br />
educação na Inglaterra.<br />
Recorde empregou o símbolo +, que indica demasiado, assim<br />
como essa linha -, simples e sem ser cruza<strong>da</strong> por outra, indica<br />
demasiado pouco.<br />
Em 1557 publicou uma álgebra sob o título sedutor de<br />
Whetstone of Witte (pedra de afiar o espírito), usando para a<br />
igual<strong>da</strong>de o sinal =, que diz ter escolhido porque não pode haver<br />
duas coisas mais iguais do que duas retas paralelas.<br />
Equações Equações algébricas algébricas algébricas de de de grau grau superior superior<br />
superior<br />
O maior feito dos matemáticos italianos do século XVI foi<br />
resolver equações do terceiro e, mais tarde, do quarto grau. Grande<br />
parte dos trabalhos iniciais foi realiza<strong>da</strong> na Universi<strong>da</strong>de de Bolonha<br />
onde Scipione del Ferro resolveu, por volta de 1515, a equação<br />
3<br />
x + mx = n , sem publicar o resultado. Por volta de 1535, Tartaglia<br />
descobriu a solução de Ferro, bem como a <strong>da</strong> equação x + px = n .<br />
Havia grande interesse por essas especulações matemáticas e foram<br />
realizados até concursos em público para a solução <strong>da</strong>s equações do<br />
terceiro grau.<br />
3<br />
2<br />
236<br />
TARTAGLIA TARTAGLIA (1500 – 1557)<br />
Niccolò Fontana (Tartaglia), cuja origem era <strong>da</strong>s mais humildes,<br />
lecionou em Verona e Veneza e começou a ganhar fama por ter<br />
respondido com êxito ao desafio de resolver certos problemas<br />
matemáticos que envolviam equações cúbicas.<br />
Na sua obra Nova Scienza, de1537, Tartaglia discutiu a que<strong>da</strong><br />
dos corpos e muitos problemas de engenharia militar e fortificação<br />
tais com o alcance dos projéteis, os meios de pôr a nado galeras<br />
afun<strong>da</strong><strong>da</strong>s, etc.. A página de rosto era ocupa<strong>da</strong> por uma grande<br />
estampa que representava a corte <strong>da</strong> filosofia. Euclides era o porteiro<br />
e Aristóteles e Platão os mestres de uma corte interna, na qual está<br />
entroniza<strong>da</strong> a filosofia, sendo que Platão declara, por meio de um<br />
dístico, que não permitirá a entra<strong>da</strong> de ninguém que não compreen<strong>da</strong><br />
geometria...<br />
A sua solução <strong>da</strong> equação cúbica encontrava-se no livro<br />
Invenzioni enquanto que no Tratado dos Números e <strong>da</strong>s Medi<strong>da</strong>s, de<br />
1556, aparecia um método para encontrar os coeficientes no<br />
desenvolvimento de ( ) n<br />
1 + x , para n de 2 até 6.<br />
Apresentava, também, grande varie<strong>da</strong>de de problemas de<br />
aritmética comercial e uma coleção de enigmas matemáticos. Um<br />
exemplo de tais enigmas tornou-se famoso: “Três belas jovens são<br />
casa<strong>da</strong>s com três moços simpáticos e galantes, mas ciumentos.<br />
An<strong>da</strong>m os seis em viagem e vão ter à margem de um rio. Para<br />
atravessar o qual só dispõem de um botezinho com lugar para duas<br />
pessoas no máximo. Como passarão o rio, ficando entendido que, a<br />
fim de evitar um escân<strong>da</strong>lo, nenhuma <strong>da</strong>s mulheres poderá<br />
permanecer em companhia de um homem a não ser que o seu<br />
marido esteja também presente?”.<br />
Não há outro tratado que contenha tantas informações sobre a<br />
aritmética do século XVI, tanto no que diz respeito à teoria como às<br />
aplicações práticas. A vi<strong>da</strong> do povo, os costumes dos mercadores, as<br />
lutas pelo aperfeiçoamento <strong>da</strong> aritmética, tudo isso foi exposto por<br />
Tartaglia de maneira prolixa, mas interessante.<br />
Antecipando-se a Galileu, ensinou Tartaglia que os corpos de<br />
pesos diferentes percorrem, ao cair, distâncias iguais em intervalos
237<br />
de tempos iguais e que um corpo a que se imprime um movimento<br />
circular, uma vez solto tomará a direção <strong>da</strong> tangente.<br />
CARDANO CARDANO (1501 – 1576)<br />
Girolamo Car<strong>da</strong>no teve uma vi<strong>da</strong> de aventuras, mais ou menos<br />
indecorosas, em estranha combinação com várias formas de<br />
ativi<strong>da</strong>des científicas ou semi-científicas, em especial o exercício <strong>da</strong><br />
medicina e <strong>da</strong> astrologia. Estudou em Pavia e Pádua, viajou pela<br />
França, pela Inglaterra e foi professor em Milão e Pavia.<br />
Sua obra prima Ars Magna, publica<strong>da</strong> em 1545, contém a<br />
solução <strong>da</strong> equação cúbica, fraudulentamente obti<strong>da</strong> do seu rival<br />
Tartaglia. Após a publicação do livro, o afrontado Tartaglia desafiou<br />
Car<strong>da</strong>no para um duelo matemático que acabou se realizando em<br />
Milão a 10 de agosto de 1548. Car<strong>da</strong>no, entretanto, não compareceu<br />
tendo enviado seu discípulo Ludovico Ferrari (1522–1565) para<br />
substituí-lo.<br />
Nesse confronto tumultuado Tartaglia não se saiu bem e Ferrari,<br />
demonstrando superiori<strong>da</strong>de conseguiu apresentar, inclusive, uma<br />
fórmula geral para resolver a equação do quarto grau.<br />
Duelos à parte, o importante foi o avanço do estudo <strong>da</strong>s<br />
equações algébricas. Para as de quinto grau ou maiores, somente no<br />
século XIX se demonstrou que a solução, em geral, não pode ser<br />
expressa do modo que se faz para os graus de 1 a 4.<br />
Como jogador inveterado Car<strong>da</strong>no forjou, talvez com o baralho,<br />
uma <strong>da</strong>s contribuições mais importantes para as ciências ao <strong>da</strong>r<br />
início ao estudo <strong>da</strong> teoria <strong>da</strong>s probabili<strong>da</strong>des.<br />
Equações Equações de de 3º 3º e e 4º 4º graus<br />
graus<br />
Car<strong>da</strong>no procedia como um ver<strong>da</strong>deiro discípulo de al-<br />
Khowarizmi, e pensava em suas equações, com coeficientes<br />
numéricos específicos, como sendo representantes de categorias<br />
gerais. Por exemplo, quando escrevia, cubus p 6 rebus aequalis 20<br />
3<br />
(seja o cubo e seis vezes o lado igual a 20), ou seja, x + 6x<br />
= 20 ,<br />
ele pensava nessa equação como típica de to<strong>da</strong>s as que têm um cubo<br />
3<br />
e coisa igual a um número, isto é, <strong>da</strong> forma x + px = q .<br />
238<br />
A solução dessa equação ocupava algumas páginas de retórica<br />
que em notação atual se traduz por: substitua-se x por u − v e<br />
suponha-se u e v relacionados de modo que seu produto (pensado<br />
como área) seja um terço do coeficiente de x , isto é, uv = 2 .<br />
Substituindo na equação <strong>da</strong><strong>da</strong>, chega-se a u − v = 20 ; e eliminado<br />
6<br />
v , tem-se u = u + 8,<br />
uma equação quadrática em<br />
20 3<br />
3<br />
3<br />
3<br />
u . Logo<br />
3<br />
u ,<br />
como é sabido, vale 108 + 10 . Da relação u − v = 20 tem-se que<br />
3<br />
v = 108 −10<br />
; e assim, de x = u − v , conclui-se que<br />
3<br />
3<br />
x = 108 + 10 − 108 −10<br />
.<br />
Tendo efetuado todos os cálculos para esse caso específico,<br />
Car<strong>da</strong>no, de forma verbal, <strong>da</strong>va uma regra equivalente à atual<br />
3<br />
solução de x + px = q , ou seja, a fórmula<br />
3 2<br />
3 2<br />
p q q p q<br />
x 3 + + − 3 + −<br />
q<br />
= , que é chama<strong>da</strong> de<br />
27 4 2 27 2 2<br />
Car<strong>da</strong>no-Tartaglia.<br />
A seguir, Car<strong>da</strong>no passava então a outros casos, tais como cubo<br />
igual a coisa e número. Nesse caso usa-se a substituição x = u + v<br />
em vez de x = u − v , e procede-se de modo análogo ao anterior.<br />
Nesse caso, porém, há uma dificul<strong>da</strong>de. Quando se aplicava a regra<br />
3<br />
a x = 15x<br />
+ 4 , por exemplo, o resultado seria<br />
3<br />
3<br />
x = 2 + −121<br />
+ 2 − −121<br />
.<br />
Car<strong>da</strong>no, acreditando não existir raiz quadra<strong>da</strong> de número<br />
negativo, e, no entanto, sabendo que x = 4 era uma raiz <strong>da</strong> equação<br />
proposta, não conseguiu entender como sua regra faria sentido em<br />
tal situação. Noutra ocasião já ocorrera situação semelhante ao<br />
resolver o problema de dividir 10 em duas partes tais que o produto<br />
fosse 40. As regras usuais levaram às respostas 5 + −15<br />
e<br />
5 − −15<br />
para as partes ou, em sua notação, 5p:Rm:15 e<br />
5m:Rm:15). Car<strong>da</strong>no se referia a essas raízes quadra<strong>da</strong>s de números<br />
negativos como “sofísticas” e concluía que o resultado nesse caso<br />
era “tão sutil quanto inútil”.<br />
3<br />
3
239<br />
Estudiosos posteriores mostrariam que tais manipulações eram<br />
de fato sutis mas na<strong>da</strong> inúteis. Foi um mérito de Car<strong>da</strong>no que, ao<br />
menos, refletiu quanto a essa intrigante situação.<br />
Sobre a regra para resolver equações de grau 4, Car<strong>da</strong>no<br />
escreveu na Ars Magna que era devi<strong>da</strong> a Ferrari, que a inventou a<br />
seu pedido. Novamente, as equações foram resolvi<strong>da</strong>s em casos<br />
separados, num total de vinte.<br />
Como ilustração tem-se o caso: Seja quadrado-quadrado e<br />
quadrado e número igual ao lado, ou seja, x 6x 36 60x<br />
2 4<br />
+ + = .<br />
Car<strong>da</strong>no (ou Ferrari) sabia eliminar o termo cúbico de uma<br />
equação do quarto grau, somando ou subtraindo <strong>da</strong>s raízes um<br />
quarto do coeficiente do termo cúbico. Então os passos para a<br />
resolução desse exemplo são descritos como segue:<br />
1. Somar suficientes quadrados e números a ambos os membros <strong>da</strong><br />
equação para que o primeiro fique um quadrado perfeito, nesse caso<br />
4<br />
2<br />
2 2 ( x 6)<br />
.<br />
x + 12 x + 36 ou +<br />
2. Somar a ambos os membros termos envolvendo uma nova<br />
incógnita y de modo que o primeiro membro permaneça quadrado<br />
2<br />
2<br />
perfeito, como ( x + 6 + y)<br />
= 6x<br />
+ 60x<br />
+ y + 12y<br />
+ 2yx<br />
=<br />
2<br />
2<br />
= ( 2y<br />
+ 6)<br />
x + 60x<br />
+ ( y + 12y<br />
) .<br />
3. Escolher y de modo que o trinômio no segundo membro fique um<br />
quadrado perfeito. Isso se faz igualando a zero o discriminante –<br />
uma regra antiga e bem conheci<strong>da</strong> que nesse caso leva a<br />
2<br />
2<br />
60 − 4(<br />
2y<br />
+ 6)(<br />
y + 12y<br />
) = 0.<br />
4. Do passo 3 resulta uma equação cúbica em y,<br />
15 36 450<br />
2<br />
3<br />
y + y + y = , chama<strong>da</strong> a “cúbica resolvente” <strong>da</strong> equação<br />
quártica <strong>da</strong><strong>da</strong>. Essa é resolvi<strong>da</strong> em relação a y pelas regras<br />
previamente <strong>da</strong><strong>da</strong>s para resolução de equações cúbicas, sendo o<br />
resultado<br />
1 1 1 1<br />
y = 3 287 + 80449 + 3 287 − 80449 − 5 .<br />
2 4 2 4<br />
5. Substituir o valor de y obtido em 4 na equação para x do passo 2 e<br />
extrair a raiz quadra<strong>da</strong> de ambos os membros.<br />
2<br />
2<br />
2<br />
240<br />
6. O resultado do passo 5 é uma equação quadrática, que deve agora<br />
ser resolvi<strong>da</strong> para se encontrar o valor de x desejado.<br />
O mais importante resultado <strong>da</strong>s descobertas publica<strong>da</strong>s na Ars<br />
Magna foi o enorme impulso <strong>da</strong>do à pesquisa em álgebra em várias<br />
direções. Era natural que o estudo fosse generalizado de modo a<br />
incluir equações polinomiais de qualquer ordem e que, em<br />
particular, se procurasse resolver a de quinto grau. Porém, os<br />
matemáticos dos dois séculos seguintes enfrentariam um problema<br />
algébrico insolúvel, comparável aos problemas geométricos<br />
clássicos <strong>da</strong> antigui<strong>da</strong>de. Resultou muito boa matemática, mas<br />
somente uma conclusão negativa.<br />
Outro resultado imediato <strong>da</strong> resolução <strong>da</strong> cúbica, foi a primeira<br />
observação significativa dos números negativos. Os números<br />
irracionais já tinham sido aceitos nessa época, pois eram<br />
aproximáveis por números racionais. Os números negativos<br />
causavam dificul<strong>da</strong>des maiores porque não são aproximáveis por<br />
números positivos e só se tornaram mais plausíveis com a noção de<br />
sentido sobre uma reta.<br />
Um fato interessante foi que no momento em que os números<br />
negativos passaram a ser aceitos, houve necessi<strong>da</strong>de, com a solução<br />
<strong>da</strong> cúbica, de se considerar os números imaginários ou impossíveis.<br />
BOMBELLI BOMBELLI (1526 – 1573)<br />
Rafael Bombelli teve o que chamou “idéia louca”, pois to<strong>da</strong> a<br />
questão dos números imaginários parecia apoiar-se em sofismas. Os<br />
dois radicandos <strong>da</strong>s raízes cúbicas que resultavam na fórmula de<br />
Car<strong>da</strong>no-Tartaglia, diferiam apenas por um sinal. Como já foi visto,<br />
3<br />
a solução de x = 15x<br />
+ 4 , pela fórmula, leva a<br />
3<br />
3<br />
x = 2 + −121<br />
+ 2 − −121<br />
, embora se saiba, por substituição<br />
direta, que x = 4 é a única raiz positiva dessa equação.<br />
Bombelli teve a feliz idéia de que os próprios radicais (as duas<br />
raízes cúbicas) poderiam ser relacionados de modo análogo aos<br />
radicandos que, como se diz atualmente, seriam complexos<br />
conjugados cuja soma é 4.<br />
Para que a soma <strong>da</strong>s partes reais fosse 4, então, raciocinou<br />
Bombelli, a parte real de ca<strong>da</strong> uma seria 2; e para que um número <strong>da</strong>
241<br />
forma 2 + b −1<br />
fosse uma raiz cúbica de 2 + 11 −1<br />
, então b teria<br />
que ser 1. Logo x = 2 + −1<br />
+ 2 − −1<br />
= 4.<br />
Com seu engenhoso raciocínio Bombelli mostrou o papel<br />
importante que os números complexos conjugados viriam<br />
desempenhar; mas na época, a observação não ajudou na operação<br />
efetiva de resolver equações cúbicas, pois ele precisava saber<br />
antecipa<strong>da</strong>mente o valor de uma <strong>da</strong>s raízes. Mas então a equação já<br />
estaria resolvi<strong>da</strong>, e não haveria necessi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> fórmula. Sem tal<br />
conhecimento prévio, seu método falhava e o caso era considerado<br />
irredutível.<br />
Bombelli escreveu sua Álgebra por volta de 1560, mas essa só<br />
foi impressa, em parte, em 1572, cerca de um ano antes de sua<br />
morte. Um dos aspectos significativos desse livro é que contém um<br />
interessante simbolismo. Bombelli escrevia às vezes, 1Zp.5Rm.4 –<br />
2<br />
isto é, 1 zenus plus 5 res minus 4 – para x + 5x<br />
− 4.<br />
Mas usava<br />
também outra forma em que a potência <strong>da</strong> incógnita é representa<strong>da</strong><br />
simplesmente como um número arábico acima de um pequeno arco<br />
2 3<br />
de círculo, de modo que, por exemplo, x , x , x apareciam<br />
respectivamente como 1 2 3 . A álgebra de Bombelli,<br />
naturalmente, usava os símbolos italianos p e m para adição e<br />
subtração, mas ele ain<strong>da</strong> não tinha um símbolo para a igual<strong>da</strong>de. O<br />
sinal de igual<strong>da</strong>de atual, como já foi visto, fora publicado em 1557,<br />
na Inglaterra, por Robert Recorde.<br />
VIÈ VIÈTE VIÈ TE (1540 – 1603)<br />
François Viète não foi matemático profissional,<br />
tendo na sua juventude estu<strong>da</strong>do e praticado<br />
direito, tornando-se membro do parlamento <strong>da</strong><br />
Bretanha. Mais tarde tornou-se membro do<br />
conselho do rei, servindo primeiro sob Henrique<br />
III depois sob Henrique IV ou de Navarra. Foi<br />
na ocasião em que servia a Navarra, que teve<br />
grande sucesso ao decifrar as mensagens em<br />
código dos espanhóis que o acusaram de ter um<br />
pacto com o demônio.<br />
242<br />
Só o tempo de lazer de Viète era dedicado à matemática, no<br />
entanto, fez contribuições à aritmética, álgebra, trigonometria e<br />
geometria. Na aritmética ele deve ser lembrado por seu apelo em<br />
favor do uso de frações decimais em vez de sexagesimais.<br />
Viète conquistou a simpatia de Henrique IV ao resolver um<br />
complicado problema proposto e 1593, pelo matemático belga<br />
Adriaen van Roomen, segundo o costume <strong>da</strong> época de desafiar o<br />
mundo científico. Esse problema envolvia a equação de grau 45,<br />
45 43 41<br />
39<br />
3<br />
x − 45x<br />
+ 945x<br />
−12300x<br />
+ ... − 3795x<br />
+ 45x<br />
= A,<br />
cuja<br />
solução Viète conseguiu encontrar por um método trigonométrico,<br />
observando que a equação resulta de exprimir A = sen45θ<br />
em<br />
termos de x = 2 senθ<br />
. Com o uso de tabelas que dispunha, encontrou<br />
as soluções positivas.<br />
A sua obra In Artem Analyticam Isagoge (introdução a arte<br />
analítica) de 1571, é a mais antiga sobre a álgebra simbólica. Nela,<br />
as quanti<strong>da</strong>des conheci<strong>da</strong>s eram indica<strong>da</strong>s por consoantes e as<br />
incógnitas por vogais, fazendo clara distinção entre incógnita e<br />
parâmetro; recomen<strong>da</strong>va-se o uso de equações homogêneas,<br />
encontrava-se as seis primeiras potências do binômio, além de<br />
introduzir uma notação exponencial especial.<br />
Viète já usava os símbolos + e -, com o sentido atual; as<br />
2 3<br />
potências x, x e x indicava, por A, A quadratum, A cubum, e<br />
posteriormente por A, Aq, Ac,, respectivamente. Assim, nessa<br />
3 3 2 2 3<br />
notação a identi<strong>da</strong>de ( a + b ) = a + 3a b + 3ab<br />
+ b apareceria<br />
como a cubus+ b in a quadratum 3+ a in b quadratum 3+ b cubus<br />
aequalis a + b cubus, em que in era multiplicação e o traço sobre<br />
a + b tinha o significado dos parênteses atuais.<br />
Viète mostrou que os famosos problemas clássicos <strong>da</strong> trissecção<br />
de um ângulo <strong>da</strong>do e <strong>da</strong> duplicação do cubo envolviam a solução de<br />
uma equação cúbica e com isso fez importantes descobertas na<br />
teoria geral <strong>da</strong>s equações, como por exemplo, decompor polinômios<br />
em fatores do primeiro grau e derivar de uma <strong>da</strong><strong>da</strong> equação outras<br />
equações cujas raízes difiram <strong>da</strong>s <strong>da</strong> primeira por uma constante ou<br />
por um fator <strong>da</strong>do.<br />
Resolveu o famoso problema de Apolônio, que consistia em<br />
determinar um círculo tangente a três círculos <strong>da</strong>dos. Seguindo o
243<br />
método de Arquimedes dos polígonos inscritos e circunscritos, Viète<br />
expressou π por uma série infinita. Criou métodos sistemáticos para<br />
a solução de triângulos esféricos.<br />
Ao aplicar a trigonometria a problemas algébricos e aritméticos,<br />
Viète ampliava o alcance do assunto. Foi provavelmente sua<br />
reticência quanto aos números negativos que o impediu – como<br />
impediu seus contemporâneos – de progredir ain<strong>da</strong> mais. O<br />
aperfeiçoamento <strong>da</strong> notação feito por Viète foi seguido, um pouco<br />
mais tarde, pelas aplicações <strong>da</strong> álgebra à geometria, feitas por<br />
Descartes.<br />
2<br />
Para resolver a equação x + 2ax<br />
= b , Viète propõe uma<br />
substituição de variáveis, o que implica na transformação <strong>da</strong><br />
equação inicial em uma equação incompleta. Os passos por ele<br />
utilizados, em nossa linguagem atual, são: seja x + a = u , então<br />
2<br />
2<br />
2<br />
u = x + 2ax + a ; pela equação <strong>da</strong><strong>da</strong> x + 2ax<br />
= b , temos<br />
2<br />
2<br />
2 2 2<br />
= b a . Logo ( x a)<br />
= u = b + a<br />
u +<br />
+ e x = b + a − a .<br />
Para uma equação geral <strong>da</strong> forma ax<br />
Viète seria:<br />
+ bx + c = 0 , o método de<br />
Seja x = u + z . Substituindo em<br />
2<br />
ax + bx + c = 0 , resulta<br />
2 ( u + z)<br />
+ b(<br />
u + z)<br />
+ c = 0<br />
a , ou ( 2az<br />
b)<br />
u ( az bz ) 0<br />
2<br />
2<br />
2<br />
au + + + + + c = .<br />
− b<br />
− b<br />
Considerando 2 az + b = 0 , tem-se z = . Substituindo z = em<br />
2a<br />
2a<br />
2<br />
2<br />
2<br />
2 b − 4ac<br />
au + ( 2az<br />
+ b)<br />
u + ( az + bz + c)<br />
= 0 , resulta au = , ou<br />
4a<br />
2 −<br />
b 4ac<br />
u = ± . Finalmente, substituindo os valores<br />
4a<br />
2 −<br />
b 4ac<br />
u = ± em x = u + z , tem-se<br />
4a<br />
− b ± b 4ac<br />
x = .<br />
2a<br />
2<br />
2<br />
2 −<br />
− b<br />
z = e<br />
2a<br />
Desenvolvimento <strong>da</strong> trigonometria<br />
Muitas circunstâncias se combinaram para promover o<br />
desenvolvimento <strong>da</strong> trigonometria nesse período. Necessitavam dela<br />
244<br />
o engenheiro militar, o construtor de estra<strong>da</strong>s o astrônomo, o<br />
navegador e o cartógrafo, cujo trabalho dependia de todos os outros.<br />
Rethicus, conhecido como colaborador de Copérnico, organizou<br />
uma tábua de senos naturais de 10 em 10 segundos com quinze<br />
casas decimais. A ele devemos nossas fórmulas usuais para sen2 x e<br />
sen3 x.<br />
A notação sen, tg, etc., bem como a determinação <strong>da</strong> área do<br />
triângulo esférico são desse período.<br />
MERCATOR<br />
MERCATOR MERCATOR (1512 -1594)<br />
Gerhard Kremer, conhecido como Mercator dedicou-se à<br />
geografia matemática, primeiro em Lovaina e posteriormente em<br />
Duisburg, fazendo mapas, globos e instrumentos astronômicos como<br />
meio de vi<strong>da</strong>. Mais tarde, acrescentou o ensino a essas ocupações.<br />
Seu grande mapa-mundi, completado em 1569, marcou uma<br />
época na cartografia. Mercator submeteu a uma análise matemática<br />
os princípios que serviram de base à projeção de uma superfície<br />
esférica num plano, por meio <strong>da</strong> qual os meridianos e os paralelos<br />
são transformados, em duas séries de retas paralelas que se cortam<br />
em ângulos retos.<br />
Os ângulos se conservam inalterados, mas as áreas afasta<strong>da</strong>s do<br />
equador expandem-se desmedi<strong>da</strong>mente. Essa projeção de Mercator<br />
constituiu, junto com a projeção estereográfica conheci<strong>da</strong> de<br />
Ptolomeu, um dos mais importantes métodos cartográficos.<br />
O calendário Gregoriano<br />
Até 1582 vigorou o calendário Juliano com o ano de 365 dias e<br />
um quarto e um erro que crescia gradualmente, e por essa época já<br />
estava próximo de 10 dias.<br />
Sob a tutela do papa Gregório XIII, foram suprimidos os dias,<br />
entre 4 e 15 de outubro de 1852 e, o número de anos bissextos em<br />
ca<strong>da</strong> período de 4 séculos, foi diminuído de 100 para 97.<br />
A rivali<strong>da</strong>de religiosa impediu durante um século que essa<br />
reforma fosse adota<strong>da</strong> na Alemanha protestante, enquanto que a<br />
Inglaterra adiou a adoção até o ano de 1752.
NAPIER NAPIER (1550 – 1617)<br />
Os Os Os Logaritmos ogaritmos<br />
245<br />
Muitos matemáticos do século XVI tentaram coordenar<br />
progressões aritméticas e geométricas, principalmente no que diz<br />
respeito a facilitar o trabalho com as complica<strong>da</strong>s tabelas<br />
trigonométricas.<br />
Uma importante contribuição<br />
para esse objetivo foi<br />
empreendi<strong>da</strong> por um<br />
matemático e proprietário de<br />
terras escocês, John Napier (ou<br />
Neper), que em 1614 publicou<br />
em Edimburgo, a Merifici<br />
logarithmorum canonis<br />
descriptio (uma descrição <strong>da</strong><br />
maravilhosa regra dos<br />
logaritmos). A sua idéia<br />
principal foi construir duas<br />
seqüências de números, de tal<br />
modo relaciona<strong>da</strong>s, que o<br />
crescimento de uma em<br />
progressão aritmética implicaria<br />
no decrescimento <strong>da</strong> outra em<br />
progressão geométrica. Como o<br />
produto de dois números na segun<strong>da</strong> tem uma relação simples com a<br />
soma dos números correspondentes na primeira, a multiplicação<br />
poderia ser reduzi<strong>da</strong> à adição.<br />
Napier, segundo consta, dedicou-se por vinte anos antes <strong>da</strong><br />
publicação desse sistema que viria facilitar consideravelmente os<br />
cálculos com senos na astronomia.<br />
Sua definição do logaritmo (logos que é razão e arithmos que é<br />
número) repousa sobre a seguinte base cinemática:<br />
Sejam <strong>da</strong>dos um<br />
segmento de reta AB e<br />
uma semi-reta CDE.<br />
Suponha que um ponto<br />
246<br />
P parta de A e se mova ao longo de AB com veloci<strong>da</strong>de variável,<br />
decrescendo em proporção com sua distância a B; durante o mesmo<br />
tempo, suponha que um ponto Q parta de C e se mova ao longo de<br />
CDE com veloci<strong>da</strong>de uniforme, igual à veloci<strong>da</strong>de inicial de P.<br />
Napier chamava a distância CQ de logaritmo <strong>da</strong> distância PB.<br />
Usando notações atuais sejam PB = x e CQ = y. Napier<br />
considerou AB= 7 1<br />
10 , b = 1 − (um número bem próximo de 1), as<br />
7<br />
10<br />
7 1 L<br />
potências inteiras de b e a expressão N = 10 ( 1−<br />
) . Foi então<br />
7<br />
10<br />
7<br />
que chamou L de logaritmo de N. Assim, seu logaritmo de 10 era<br />
7 1<br />
0, de 10 ( 1 − ) era 1, etc.<br />
7<br />
10<br />
Deve-se lembrar que Napier não tinha o conceito de base de um<br />
sistema de logaritmos, mas pode-se verificar que os seus <strong>da</strong>dos<br />
−1<br />
levariam a um sistema de base e e, para isso, bastaria dividir as<br />
distâncias PB e CQ por<br />
7<br />
10 .<br />
De fato, com uma veloci<strong>da</strong>de inicial de<br />
7<br />
10 , ou seja,<br />
dx<br />
= −x<br />
e<br />
dt<br />
dy 7<br />
= 10 , x0<br />
dt<br />
7<br />
= 10 , y0<br />
= 0 tem-se<br />
dy −10<br />
=<br />
dx x<br />
ou<br />
7<br />
7<br />
y = −10<br />
lncx<br />
e <strong>da</strong>s condições iniciais encontra-se c = 10 . Logo,<br />
7 x y x<br />
y = −10<br />
ln ( ) ou = log ( ).<br />
7<br />
7<br />
7<br />
10 10<br />
−1<br />
e 10<br />
Outras tábuas análogas foram calcula<strong>da</strong>s independentemente<br />
pelo astrônomo e relojoeiro suíço Jobst Bürgi e publica<strong>da</strong>s em Praga<br />
em 1620. Os métodos de Bürgi são essencialmente os mesmos de<br />
Napier.<br />
BRIGGS BRIGGS (1561 – 1631)<br />
Henry Briggs, professor de geometria em Oxford, foi um dos<br />
admiradores mais entusiásticos de Napier, tanto que o visitou na<br />
Escócia em 1615 pouco depois de ter escrito: espero vê-lo neste<br />
7
247<br />
verão, se Deus quiser, porque nunca encontrei um livro que mais<br />
me agra<strong>da</strong>sse ou me despertasse maior admiração.<br />
Durante a visita discutiram possíveis modificações no método<br />
dos logaritmos, Briggs propôs o uso de potências de dez, e Napier<br />
disse que tinha pensado nisso e concor<strong>da</strong>va. Perceberam também<br />
que uma grande simplificação resultaria de se fazer<br />
log 1 = 0 , log10<br />
= 1 e abandonando a restrição dos logaritmos às<br />
quanti<strong>da</strong>des inteiras e fazendo assim com que a parte decimal de<br />
todos os logaritmos dependesse unicamente <strong>da</strong> seqüência dos<br />
algarismos que formam ca<strong>da</strong> número.<br />
Com a morte de Napier, em 1617, coube a Briggs a tarefa de<br />
construir a primeira tabela de logaritmos decimais ou comuns.<br />
Iniciando com log 10 = 1 , encontrou outros logaritmos tomando<br />
raízes quadra<strong>da</strong>s sucessivas. Uma vez que 10 = 3,<br />
162277 , Briggs<br />
encontrou log 3 , 162277 = 0,<br />
5 ; como10 3162277<br />
5 623413<br />
4 = , = , ,<br />
então log 5 , 623413 = 0,<br />
75 . Continuando assim calculou os<br />
logaritmos de 1 a 1000, com 14 casas decimais, tendo publicado os<br />
resultados nesse mesmo ano.<br />
Napier, devido ao interesse pelas aplicações trigonométricas,<br />
construiu sua tábua, com logaritmos <strong>da</strong>s funções trigonométricas<br />
para ca<strong>da</strong> minuto, com 7 decimais e não com logaritmos de números<br />
abstratos. Em conexão com essa mu<strong>da</strong>nça para a base 10,<br />
desenvolveu Briggs interessantes métodos de interpolação, bem<br />
como verificou a exatidão dos logaritmos.<br />
Em 1624, em Arithmetica logarithmica, Briggs ampliou sua<br />
tabela incluindo logaritmos comuns dos números de 1 a 20.000 e de<br />
90.000 a 100.000, com 14 decimais. Organizou também tábuas<br />
trigonométricas com 10 decimais e um intervalo angular de 10<br />
segundos.<br />
Pode-se observar que a revolução causa<strong>da</strong> pelo aparecimento<br />
dos logaritmos estava no fato de que suas proprie<strong>da</strong>des<br />
b<br />
log a bc = log a b + log a c,<br />
log a = log a b − log a c e<br />
c<br />
c<br />
log a b = clog<br />
a b transformavam, com auxílio de tabelas, produto<br />
3<br />
248<br />
em soma, quociente em diferença e potência em produto. Foi por<br />
isso que astrônomos como Kepler, por exemplo, reconheceram<br />
imediatamente a enorme importância do novo método logaritmo.<br />
As tábuas que causaram revolução no cálculo atualmente são<br />
artigos curiosos de museus, mas os logaritmos ou, então, as funções<br />
logarítmicas fazem parte do dia a dia <strong>da</strong> matemática, pura ou<br />
aplica<strong>da</strong>, e de muitos outros ramos <strong>da</strong> ciência.<br />
STEVIN STEVIN STEVIN (1548 – 1620)<br />
Simon Stevin de Bruges, Países Baixos tornou-se engenheiro no<br />
exército do príncipe Maurício de Nassau no qual serviu como<br />
comissário de obras públicas e, durante algum tempo, ensinou<br />
matemática ao príncipe.<br />
O livro de Stevin com o título flamengo De Thiende (O<br />
décimo), publicado e Leyden em 1585, teve uma versão francesa,<br />
bem mais divulga<strong>da</strong>, como La Disme, publica<strong>da</strong> no mesmo ano.<br />
Com ele Stevin introduziu as frações decimais, como parte de um<br />
projeto para unificar o sistema de medições numa base decimal. Seu<br />
empenho nesse sentido foi maior, ain<strong>da</strong>, do que o de Viète.<br />
É claro que Stevin não foi em nenhum sentido o inventor <strong>da</strong>s<br />
frações decimais, nem o primeiro a usá-las sistematicamente. Na<br />
China antiga encontrava-se um uso mais do que incidental dessas<br />
frações, como também na Arábia. Quando Viète as recomendou<br />
diretamente em 1579, elas já eram geralmente aceitas pelos<br />
matemáticos na Europa.<br />
Entre o povo em geral, no entanto, e mesmo entre praticantes de<br />
matemática, as frações decimais só se tornaram amplamente<br />
conheci<strong>da</strong>s quando Stevin se dispôs a explicar o sistema de modo<br />
elementar e completo. Ele queria ensinar a todos como efetuar, com<br />
facili<strong>da</strong>de nunca vista, to<strong>da</strong>s as computações necessárias entre os<br />
homens por meio de inteiros e frações.<br />
Embora Stevin fosse um grande admirador dos tratados teóricos<br />
de Arquimedes, em sua obra notou-se um veio prático que é mais<br />
característico do renascimento do que <strong>da</strong> antigui<strong>da</strong>de clássica. Prova<br />
disso que foi o maior responsável pela introdução no seu país do<br />
sistema de contabili<strong>da</strong>de inspirado no de Pacioli, introduzido na<br />
Itália quase um século antes.
249<br />
De influência muito mais ampla do que outros sábios de sua<br />
época, na prática comercial, na engenharia e na notação matemática,<br />
Stevin recomendou também a adoção de um sistema decimal de<br />
pesos e medi<strong>da</strong>s.<br />
Não escrevia suas expressões decimais com um denominador,<br />
como o fazia Viète; em vez disso, num círculo acima ou depois de<br />
ca<strong>da</strong> dígito, ele escrevia a potência de dez assumi<strong>da</strong> como divisor.<br />
Assim o valor aproximado de π aparecia como 3 0 1 1 4 2 1<br />
3 6 4 ou<br />
3 1 4 1 6.<br />
Homem de idéias independentes, no que dizia respeito aos<br />
problemas <strong>da</strong> mecânica, foi um pioneiro nessa ciência. Realizou<br />
importantes discussões do plano inclinado mediante uma cadeia sem<br />
fim, a pender livremente de um triângulo de lados desiguais.<br />
Realizou também experiências sobre que<strong>da</strong> livre, mas o seu relato<br />
publicado em flamengo e 1586 recebeu muito menor atenção que<br />
uma experiência semelhante, mas posterior, atribuí<strong>da</strong>s a Galileu.<br />
Simon Stevin foi um matemático típico de seu tempo no fato de<br />
gostar <strong>da</strong>s aplicações elementares de ca<strong>da</strong> assunto.<br />
Exercícios<br />
Exercícios<br />
0 1 2 3 4<br />
1. Quais dos fatores seguintes foram importantes para o<br />
desenvolvimento <strong>da</strong> matemática no renascimento. Explique.<br />
a) a que<strong>da</strong> de Constantinopla;<br />
b) a reforma protestante;<br />
c) o surgimento do humanismo;<br />
d) a invenção <strong>da</strong> imprensa;<br />
e) a emergência <strong>da</strong> classe mercantil.<br />
2. Como você explica o fato de a álgebra e a trigonometria terem se<br />
desenvolvido mais rapi<strong>da</strong>mente que a geometria durante o<br />
renascimento?<br />
3. Por que a resolução <strong>da</strong> equação cúbica foi tão importante para o<br />
desenvolvimento dos números complexos?<br />
250<br />
4. Que países lideraram, durante o renascimento, o desenvolvimento<br />
<strong>da</strong> álgebra, trigonometria e geometria? Mencione contribuições<br />
específicas em ca<strong>da</strong> caso.<br />
5. Obtenha uma solução <strong>da</strong> equação de Bombelli x = 15x<br />
+ 4 como<br />
uma soma ou diferença de raízes cúbicas de números complexos.<br />
6. Reduza a resolução <strong>da</strong> quártica de Ferrari x<br />
resolução de uma equação cúbica.<br />
+ x + 36 = 60x<br />
à<br />
4<br />
3<br />
6 2<br />
7. Resolva o problema de Car<strong>da</strong>no de dividir 10 em duas partes cujo<br />
produto seja 40.<br />
8. Usando o sistema de logaritmos de Napier, qual é a relação entre<br />
x<br />
log x,<br />
log y , log( xy ) e log ? Justifique.<br />
y<br />
9. Que vantagens têm as frações decimais sobre as sexagesimais?<br />
Que razões pode <strong>da</strong>r para o seu tardio aparecimento na Europa?
INÍCIOS INÍCIOS DA DA MATEMÁTICA MATEMÁTICA MODERNA<br />
MODERNA<br />
(Século (Século (Século XVII)<br />
XVII)<br />
251<br />
“Há algum ramo do conhecimento que realmente oferece segurança?”<br />
(Descartes)<br />
O O progresso progresso <strong>da</strong> <strong>da</strong> ciência ciência no no no século século século XVII<br />
XVII<br />
O século XVII de grandes realizações, de ver<strong>da</strong>deiras<br />
revoluções na matemática, foi um século de crises profun<strong>da</strong>s na<br />
Europa. Foi a última fase <strong>da</strong> transição geral <strong>da</strong> economia feu<strong>da</strong>l para<br />
a capitalista.<br />
Com a destruição dos feudos onde os trabalhadores eram<br />
servos, houve um deslocamento desses para as ci<strong>da</strong>des à procura de<br />
emprego nas indústrias que surgiam. Tais indústrias exigiam um<br />
grau mínimo de instrução e não havia lugar para todos. O<br />
capitalismo surgiu como um sistema moderno, eficiente, de<br />
produção, mas trazia consigo uma contradição – o desemprego nas<br />
ci<strong>da</strong>des.<br />
Foi nesse século que se verificou a maior parte <strong>da</strong>s conquistas,<br />
senão to<strong>da</strong>s, que marcam a transição do renascimento para a era <strong>da</strong><br />
ciência moderna. Tiveram importância primordial a formulação <strong>da</strong>s<br />
leis matemáticas <strong>da</strong> gravitação, a criação <strong>da</strong> geometria analítica e o<br />
desenvolvimento do cálculo infinitesimal, o descobrimento <strong>da</strong>s leis<br />
do movimento, <strong>da</strong>s leis do pêndulo e <strong>da</strong> pressão atmosférica.<br />
A demonstração <strong>da</strong> circulação do sangue marcou o início <strong>da</strong><br />
fisiologia moderna. Não foi menos importante para a química e a<br />
biologia a descoberta de que a combustão e a vi<strong>da</strong> dependiam de<br />
uma mesma substância, encontra<strong>da</strong> no ar. Foi fun<strong>da</strong>mental, na<br />
biologia, o descobrimento de uni<strong>da</strong>des estruturais, as células, nos<br />
tecidos <strong>da</strong>s plantas e animais, a prova experimental <strong>da</strong> função sexual<br />
<strong>da</strong>s plantas, tal qual nos animais, e a demonstração de que a antiga<br />
crença na geração espontânea de certas espécies de animais era<br />
falsa. O alicerce <strong>da</strong> classificação sistemática dos animais e <strong>da</strong>s<br />
plantas foi lançado pela definição de “espécie”.<br />
252<br />
O progresso <strong>da</strong> ciência basea<strong>da</strong> na observação e na experiêcia<br />
foi acelerado pela invenção de instrumentos tais como a bomba<br />
aspirante, o telescópio de reflexão, os microscópios – simples e<br />
composto – o barômetro, o termômetro e o relógio de pêndulo.<br />
A época, portanto, foi de profun<strong>da</strong>s transformações científicas e<br />
tecnológicas, razão pela qual impunha-se uma matemática mais<br />
integra<strong>da</strong> e operacional. As invenções <strong>da</strong> geometria analítica e do<br />
cálculo diferencial e integral responderam, muito bem, a essa<br />
exigência, tanto que podem ser considera<strong>da</strong>s como o ver<strong>da</strong>deiro<br />
início <strong>da</strong> matemática moderna.<br />
DESCARTES DESCARTES (1596 – 1650)<br />
René Descartes, nasceu em La Haye,<br />
atual Descartes, pequena ci<strong>da</strong>de<br />
situa<strong>da</strong> a 300 km de Paris na<br />
província de Touraine na França.<br />
Matriculou-se aos 8 anos no Colégio<br />
jesuíta de La Flèche, na época<br />
considerado o melhor <strong>da</strong> Europa. Lá<br />
eram ministrados dois tipos de<br />
conhecimentos: as ciências “práticas”,<br />
úteis a um oficial (matemática,<br />
geografia, noções de máquinas e<br />
fortificações, hidrografia, etc.); e as<br />
“letras”, ou conhecimentos humanísticos (gramática, história,<br />
poesia, retórica, filosofia e moral).<br />
Como sempre teve saúde frágil não lhe era cobra<strong>da</strong> no colégio a<br />
regulari<strong>da</strong>de <strong>da</strong> freqüência às aulas e foi nessa época que adquiriu o<br />
hábito de permanecer na cama de manhã, para leituras e meditações.<br />
Às vezes chegava a sonhar e tomava decisões a partir dos sonhos.<br />
Anos mais tarde, diria que seus melhores pensamentos filosóficos e<br />
matemáticos surgiram pela manhã, deitado e em estado de<br />
meditação.<br />
Aos 20 anos graduou-se em Direito pela Universi<strong>da</strong>de de<br />
Poitiers e estabeleceu-se em Paris a fim de iniciar-se na vi<strong>da</strong><br />
mun<strong>da</strong>na, como convinha a alguém <strong>da</strong> sua posição. Mas<br />
reencontrou-se com Marin Mersenne (1588-1648) que conhecera em
253<br />
La Flèche e por dois anos dedicaram-se à matemática com to<strong>da</strong>s as<br />
suas forças.<br />
Integrando-se, curiosamente, ao exército holandês em Bre<strong>da</strong>,<br />
esteve sob o comando do príncipe Maurício de Nassau. O príncipe<br />
logo percebeu que o jovem Descartes não tinha hábitos de um<br />
sol<strong>da</strong>do comum: lia livros complicados, falava de uma forma erudita<br />
e, principalmente, não queria na<strong>da</strong> com as batalhas. Adoecia no<br />
início de ca<strong>da</strong> combate, melhorava depois e, nas raras vezes em que<br />
pegava uma arma (chegou a espa<strong>da</strong>chim), limitava-se a aborrecer os<br />
outros sol<strong>da</strong>dos com perguntas sobre as razões que os levariam a<br />
matar seus semelhantes.<br />
Depois de viver vinte anos na Holan<strong>da</strong>, Descartes foi convi<strong>da</strong>do<br />
pela jovem rainha Cristina <strong>da</strong> Suécia para fazer parte de sua Corte.<br />
A rainha decidiu tomar lições de matemática e filosofia, às cinco<br />
horas <strong>da</strong>s manhãs géli<strong>da</strong>s de Estocolmo. Devido à sua saúde sempre<br />
muito frágil, não resistiu ao frio excessivo, vindo a falecer de<br />
pneumonia aos 54 anos de i<strong>da</strong>de.<br />
A rainha ordenou que lhe decepassem a cabeça, para conservála<br />
no mel. O corpo foi enviado à França, onde o enterraram. A<br />
cabeça de Descartes só voltaria à sua terra natal em março de 1809,<br />
quando os suecos homenagearam o filósofo.<br />
O Discurso do Método<br />
Em 1637 Descartes publicou na Holan<strong>da</strong>, em francês, seu<br />
grandioso Discours de la Méthode pour bien conduire la raison e<br />
chercher la vérité <strong>da</strong>ns les sciences (Discurso sobre o método para<br />
bem conduzir a própria razão e procurar a ver<strong>da</strong>de nas ciências),<br />
conhecido como O Discurso do Método.<br />
O bom senso é a coisa do mundo mais bem distribuí<strong>da</strong>, porque<br />
ca<strong>da</strong> qual pensa ser tão bem provido dele que mesmo os mais<br />
difíceis de contentar noutras coisas não costumam desejar mais do<br />
que o que têm. E não é verossímil que todos se enganem a tal<br />
respeito; antes isso mostra que o poder de bem julgar e distinguir o<br />
ver<strong>da</strong>deiro do falso, que é propriamente que se chama bom senso ou<br />
razão, é naturalmente igual em todos os homens; e que assim a<br />
diversi<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s opiniões não resulta de serem uns mais racionais<br />
do que os outros, mas somente de que conduzimos os nossos<br />
254<br />
pensamentos por caminhos diversos e não consideramos as mesmas<br />
coisas.<br />
Descartes iniciou essa obra com uma nota prefacial: se este<br />
discurso parecer longo demais para ser lido de uma só vez, poderse-á<br />
dividi-lo em seis partes: considerações sobre as ciências; as<br />
principais regras do seu método; algumas regras de moral que<br />
deduziu do método; os raciocínios com que prova a existência de<br />
Deus e <strong>da</strong> alma humana; questões de física, movimento do coração<br />
e a diferença entre a alma humana e a dos brutos; e, o que é<br />
necessário para que sejam feitos, na investigação <strong>da</strong> natureza,<br />
progressos ain<strong>da</strong> maiores do que os realizados até então.<br />
As quatro regras básicas de o método:<br />
• clareza e distinção: só se deve acolher como ver<strong>da</strong>deiro o que se<br />
apresente ao espírito de forma tão clara e distinta que não tenha<br />
como duvi<strong>da</strong>r;<br />
• análise: em presença de dificul<strong>da</strong>des no conhecimento, deve-se<br />
dividi-las em tantas parcelas quantas forem necessárias para se<br />
chegar a partes claras e distintas e, assim, solucionar o<br />
problema;<br />
• ordem: deve-se conduzir os pensamentos por ordem, começando<br />
pelos mais simples e prosseguindo na direção dos mais<br />
complexos ou compostos;<br />
• enumeração: proceder a revisões e enumerações completas, para<br />
ter a certeza de que todos os elementos foram considerados, ou<br />
seja, verificar o resultado final.<br />
O Discurso do Método trazia também, três importantes<br />
apêndices: Les Météores (Os Meteoros), estudo dos corpos celestes;<br />
La dioptrique (A Dióptrica), estudo <strong>da</strong> refração <strong>da</strong> luz e La<br />
Géométrie (A Geometria), primeiros ensaios <strong>da</strong> geometria analítica,<br />
em que mostrou como a geometria poderia ser estu<strong>da</strong><strong>da</strong> por meio <strong>da</strong><br />
álgebra.<br />
Os objetivos de La Géométrie ficam claros logo na primeira<br />
frase do trabalho: todo problema de geometria pode ser facilmente<br />
reduzido a termos tais que o conhecimento dos comprimentos de<br />
certos segmentos basta para construir a solução.<br />
Ao realizar um estudo criterioso sobre equações algébricas,<br />
Descartes apresentou algumas inovações importantes com respeito
255<br />
às notações e que ain<strong>da</strong> são usa<strong>da</strong>s atualmente. Introduziu o uso<br />
sistemático <strong>da</strong>s letras a, b, e c para as quanti<strong>da</strong>des conheci<strong>da</strong>s e de x,<br />
y e z para incógnitas. Apresentou uma regra de sinais para estu<strong>da</strong>r o<br />
número de raízes positivas e negativas (que chamava de falsas) de<br />
uma <strong>da</strong><strong>da</strong> equação. Imaginou até ter encontrado um método para<br />
resolver equações de qualquer grau, mas isso não se concretizou.<br />
2<br />
2<br />
Resolveu equações do tipo: x = bx + c , x = c − bx<br />
2 2<br />
e<br />
2<br />
2<br />
x = bx − c , sempre com b e c positivos.<br />
Por exemplo, para resolver a equação x = bx + c , usou o<br />
seguinte método: Traça-se um segmento LM, de comprimento c, e,<br />
b<br />
em L, levanta-se um segmento NL igual a e perpendicular a LM.<br />
2<br />
Com centro em N, constrói-se<br />
b<br />
um círculo de raio e traça-<br />
2<br />
se a reta por M e N que corta<br />
o círculo em O e P. Então a<br />
raiz procura<strong>da</strong> é o segmento<br />
OM.<br />
Com efeito, no triângulo<br />
MLN, e se OM = x , tem-se:<br />
b 2 b 2 2<br />
2<br />
2<br />
( x − ) = ( ) + c e <strong>da</strong>í: x − bx = c .<br />
2 2<br />
Para encontrar a reta tangente a uma curva, Descartes<br />
desenvolveu um método de construção que era algebricamente<br />
melhor do que os métodos infinitesimais, utilizados até então.<br />
P<br />
f(x) r<br />
x v<br />
y = f(x)<br />
Para encontrar a tangente à curva y = f ( x ) no ponto<br />
P = ( x,<br />
f ( x )) era preciso primeiro localizar o ponto C = ( v,<br />
0 ) de<br />
2<br />
2<br />
256<br />
intersecção <strong>da</strong> reta normal à curva em P, com o eixo x. A tangente<br />
pode então ser toma<strong>da</strong> como a perpendicular à reta normal em P.<br />
Em geral, uma circunferência com centro C = ( v,<br />
0 ) e raio<br />
r = CP intercepta a curva y = f ( x ) em um segundo ponto próximo<br />
de P. Logo<br />
2<br />
2<br />
y + ( x − v)<br />
2<br />
= r . Supondo que [ ( ) ] 2<br />
x<br />
2<br />
polinômio tem-se que a equação: [ f ( x)<br />
] 2 ( v − x)<br />
2<br />
= r<br />
f seja um<br />
+ (com v e r<br />
fixados) terá a coordena<strong>da</strong> x de P como raiz dupla, uma imposição<br />
+ − − = − c e x r x v x f<br />
2<br />
2 2<br />
2<br />
. Essa<br />
de Descartes. ou seja, [ ( ) ] ( ) ( ) ∑<br />
equação em potência de x foi resolvi<strong>da</strong> para v em termos <strong>da</strong> raiz<br />
( v − x)<br />
x = e . A inclinação <strong>da</strong> reta tangente em P seria então e a<br />
f ( x)<br />
recíproca negativa <strong>da</strong> inclinação <strong>da</strong> tangente seria<br />
inclinação <strong>da</strong> normal CP.<br />
f ( x )<br />
− ,<br />
v − x<br />
Por exemplo, considere a parábola<br />
2<br />
y = kx . Então,<br />
2 2 ( v − x)<br />
− = 0<br />
kx + r . Como essa equação é de grau 2, o lado direito<br />
será um polinômio de grau 2. Assim, ( ) ( ) 2<br />
2 2<br />
kx v − x − r = x − e<br />
seja, ( k 2v<br />
+ 2e)<br />
x + v − r − e = 0.<br />
2<br />
2<br />
2<br />
i<br />
i x<br />
+ , ou<br />
− Finalmente, por igual<strong>da</strong>de<br />
1<br />
de polinômios, temos v = e + k , e para e = x, a subnormal<br />
2<br />
1<br />
, e a inclinação <strong>da</strong> reta tangente à parábola ( , kx )<br />
v − x = k<br />
x é<br />
2<br />
k<br />
v − x 1 k<br />
=<br />
2<br />
= .<br />
f ( x ) kx 2 x<br />
Considerado o primeiro filósofo moderno, Descartes tentou<br />
explicar em suas obras, todo o Universo material como uma<br />
máquina. Todos os fenômenos naturais seriam causados por simples<br />
movimentos internos <strong>da</strong> matéria que compõe os corpos, tudo seria<br />
extensão e movimento, o resto aparência. A primeira coisa a fazer,<br />
portanto, seria estu<strong>da</strong>r o movimento.
257<br />
Essa explicação incluía os fenômenos <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> corpórea, que<br />
acreditava ocorrer de acordo com uma necessi<strong>da</strong>de matemática, sem<br />
a intervenção de qualquer espécie de força espiritual, conquanto a<br />
idéia de Deus ocupasse um lugar central na sua filosofia e afirmasse<br />
a imortali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> alma humana, evitando ofender a Igreja.<br />
A propósito apresentou o seguinte teorema: Deus existe. Para<br />
Descartes a idéia de Deus é uma idéia perfeita. Ora, o ser humano<br />
sendo imperfeito, não tem idéias perfeitas. Se o homem é um ser<br />
imperfeito e tem uma idéia perfeita, que é a idéia de Deus, esta idéia<br />
só pode existir no homem <strong>da</strong><strong>da</strong> a ele por Deus. Então, Deus existe.<br />
Sua posição racionalista, numa época em que o espírito<br />
dominante era o do conhecimento pela fé foi, para o seu tempo,<br />
quase revolucionária. Quando alguns contemporâneos diziam que a<br />
ver<strong>da</strong>de estava na fé, na crença cega, pura e simples, seu método era<br />
submeter todos os <strong>da</strong>dos dos sentidos – os fenômenos – ao exame <strong>da</strong><br />
razão.<br />
Outras obras de destaque de Descartes são: Regras para direção<br />
do espírito; Meditações metafísicas; Princípios de filosofia; O<br />
tratado <strong>da</strong>s paixões <strong>da</strong> alma.<br />
O matemático holandês Frans van Schooten (1615-1660)<br />
publicou uma versão para o latim de La Géométrie, em homenagem<br />
a Descartes em 1649. Posteriormente em novas edições, acrescentou<br />
comentários importantes. Assim, pode-se dizer, que Descartes<br />
introduziu a geometria analítica e Schooten a tornou conheci<strong>da</strong>.<br />
Leibniz, por sua vez, foi o primeiro a usar o termo cartesiano de<br />
Cartesius ( Descartes em Latim).<br />
CAVALIERI<br />
CAVALIERI CAVALIERI (1598 – 1647)<br />
Enquanto Descartes lançava, por assim<br />
dizer, os fun<strong>da</strong>mentos <strong>da</strong> moderna<br />
geometria analítica, seu contemporâneo<br />
italiano, Bonaventura Cavalieri prestava<br />
um serviço semelhante ao cálculo integral<br />
com a sua teoria dos indivisíveis. O<br />
argumento em que se baseava o livro<br />
Geometria indivisibilibus continuorum,<br />
publicado em 1635 era essencialmente o<br />
258<br />
sugerido por Kepler e Galileu – que uma área poderia ser pensa<strong>da</strong><br />
como sendo forma<strong>da</strong> de segmentos ou indivisíveis e que um volume<br />
poderia ser considerado como composto de áreas que são volumes<br />
indivisíveis ou quase-atômicos.<br />
Embora Cavalieri na época não tenha percebido, estava<br />
seguindo pega<strong>da</strong>s realmente muito respeitáveis, pois esse é<br />
exatamente o tipo de raciocínio que Arquimedes usou em O método.<br />
Não havia no método de Cavalieri qualquer processo de<br />
aproximação contínua, nem omissão de termos, pois ele usava uma<br />
estrita correspondência um a um dos elementos em duas<br />
configurações. Nenhum elemento era descartado, qualquer que fosse<br />
a dimensão.<br />
Princípio de Cavalieri<br />
“Se dois sólidos têm alturas iguais, e se secções feitas por<br />
planos paralelos às bases e a distâncias iguais dessas estão sempre<br />
numa <strong>da</strong><strong>da</strong> razão, então os volumes dos sólidos estão também nessa<br />
razão”.<br />
Cavalieri se concentrou num teorema geométrico extremamente<br />
a<br />
n+<br />
1<br />
n a<br />
útil, equivalente à afirmação atual ∫ x dx = . O enunciado e a<br />
0 n + 1<br />
prova do teorema são muito diferentes <strong>da</strong>s usa<strong>da</strong>s atualmente, pois<br />
Cavalieri comparava potências dos segmentos, num paralelogramo,<br />
paralelos à base com as potências correspondentes de segmentos em<br />
qualquer dos dois triângulos em que uma diagonal divide o<br />
paralelogramo.<br />
Seja o paralelogramo<br />
A<br />
F<br />
AFDC, dividido em dois<br />
triângulos pela diagonal<br />
H E CF e seja HE um<br />
B<br />
indivisível do triângulo<br />
M<br />
CDF que é paralelo à<br />
C<br />
D<br />
base CD. Então tomando<br />
BC = FE e traçando BM<br />
paralelo a CD é fácil mostrar que o indivisível BM no triângulo ACF<br />
será igual a HE. Assim podemos estabelecer uma correspondência
259<br />
entre todos os indivisíveis do triângulo CDF e os indivisíveis iguais<br />
do triângulo ACF e, portanto, os triângulos são iguais.<br />
Como o paralelogramo é a soma dos indivisíveis nos dois<br />
triângulos, é claro que a soma <strong>da</strong>s primeiras potências dos<br />
segmentos em um dos triângulos é metade <strong>da</strong> soma <strong>da</strong>s primeiras<br />
a<br />
2<br />
a<br />
potências dos segmentos no paralelogramo; ou seja, ∫ xdx =<br />
0 2 .<br />
Com argumentos semelhantes mas consideravelmente mais<br />
elaborado, Cavalieri mostrava que a soma dos quadrados dos<br />
segmentos no triângulo era um terço <strong>da</strong> soma dos quadrados dos<br />
segmentos no paralelogramo. Para os cubos dos segmentos ele<br />
1<br />
encontrou a razão . Mais tarde estudou a demonstração a<br />
4<br />
potências superiores e a importante generalização diz que para<br />
1<br />
potências enésimas a razão é .<br />
n + 1<br />
Outra contribuição importante de Cavalieri se refere à<br />
2<br />
comparação de uma parábola, x = ay e a espiral<br />
de Arquimedes, r = aθ<br />
, na ver<strong>da</strong>de pensou em<br />
comparar indivisíveis segmentos de reta com<br />
indivisíveis curvilíneos. Se, por exemplo, se<br />
2<br />
enrolar a parábola x = ay como uma mola de<br />
relógio de modo que o vértice O permaneça fixo,<br />
enquanto que o ponto P vai sobre o ponto P’,<br />
então as coordena<strong>da</strong>s <strong>da</strong> parábola podem ser pensa<strong>da</strong>s como<br />
transformando-se em raios vetores através <strong>da</strong>s relações x = r e<br />
y = rθ<br />
. Os pontos sobre a parábola vão então cair sobre a espiral.<br />
Cavalieri observou ain<strong>da</strong> que se PP’ for tomado igual à<br />
circunferência do círculo de raio OP’, a área dentro <strong>da</strong> primeira<br />
volta <strong>da</strong> espiral é exatamente igual a área entre o arco parabólico OP<br />
e o raio vetor OP. Tem-se assim um típico problema de geometria<br />
analítica e cálculo, que Cavalieri resolveu com o seu método, às<br />
vezes criticado.<br />
Os indivisíveis careciam de rigor, mas anunciavam um dos<br />
processos mais interessantes e importantes <strong>da</strong> matemática moderna<br />
– a integração como soma.<br />
260<br />
FERMAT FERMAT (1601 – 1665)<br />
Pierre de Fermat não era de nenhum modo um<br />
matemático profissional e a exemplo de<br />
Descartes nunca teve problemas financeiros.<br />
Estudou direito em Toulouse, onde serviu no<br />
parlamento local, primeiro como advogado,<br />
mais tarde como conselheiro. Era um homem<br />
ocupado, no entanto, teve tempo para dedicarse<br />
à literatura clássica, inclusive à ciência e à<br />
matemática, por prazer. O resultado foi que em<br />
1629 começou a fazer descobertas de<br />
importância capital em matemática,<br />
especialmente na restauração de obras perdi<strong>da</strong>s<br />
<strong>da</strong> antigui<strong>da</strong>de, com base em informações<br />
encontra<strong>da</strong>s nos tratados clássicos preservados.<br />
Fermat se propôs a reconstruir a obra Lugares Planos de Apolônio,<br />
com base em alusões conti<strong>da</strong>s na Coleção matemática de Papus.<br />
Foi nessa ativi<strong>da</strong>de que Fermat descobriu o princípio<br />
fun<strong>da</strong>mental <strong>da</strong> geometria analítica: “sempre que numa equação<br />
final encontram-se duas quanti<strong>da</strong>des incógnitas, tem-se um lugar<br />
geométrico, a extremi<strong>da</strong>de de uma delas descrevendo uma linha, reta<br />
ou curva”.<br />
É possível que Fermat desde 1629 tivesse concluído sua<br />
geometria analítica, pois por essa época, fez duas descobertas<br />
significativas que se relacionam com o seu trabalho Sobre Lugares,<br />
publicado somente em 1679.<br />
A mais importante dessas descobertas foi descrita alguns anos<br />
depois em um tratado chamado Método para achar máximos e<br />
mínimos, basicamente de curvas polinomiais, que hoje são chama<strong>da</strong>s<br />
parábolas e hipérboles de Fermat.<br />
A seguir os passos importantes para se aplicar o método, que<br />
atualmente se chama diferenciação, também abor<strong>da</strong>do por Descartes<br />
e Barrow.<br />
Fermat considerava a diferença f ( A + E ) - f ( A ) em que<br />
f ( A ) e f ( A + E ) são as imagens dos pontos vizinhos A e A+E<br />
pela função f. Após, dividir essa diferença pelo acréscimo E,
261<br />
tornava-o igual a zero e finalmente igualava o resultado final<br />
também a zero. Com a resolução dessa igual<strong>da</strong>de obtinha-se o ponto<br />
de máximo ou de mínimo. Resumi<strong>da</strong>mente tem-se:<br />
y<br />
f (<br />
A + E ) −<br />
E<br />
f ( A )<br />
E=<br />
0<br />
= 0<br />
Exemplo: Dividir um número n > 0 em duas partes, A e B, de modo<br />
que o produto seja máximo.<br />
2<br />
Solução: A + B = n e P = AB = A(<br />
n − A ) = nA − A . Seja f a<br />
2<br />
função <strong>da</strong><strong>da</strong> por f ( A ) = nA − A<br />
Assim,<br />
.<br />
2<br />
f ( A + E ) = n(<br />
A + E ) − ( A + E )<br />
2<br />
2<br />
= nA + nE − A − 2AE − E ⇒<br />
f ( A + E ) − f ( A ) = nE − 2AE − E ⇒<br />
f ( A + E ) − f ( A )<br />
= n − 2A<br />
− E ⇒<br />
E<br />
f ( A + E ) − f ( A )<br />
⇒<br />
= n − 2A<br />
=<br />
E<br />
E=<br />
0<br />
2<br />
f(A+E)<br />
n<br />
0 ⇒ A = e<br />
2<br />
A A+E<br />
n n<br />
B = n − A = n − = .<br />
2 2<br />
Desse modo tem-se o produto máximo quando as duas partes<br />
são iguais à metade do número n.<br />
Por volta de 1636, Fermat descobriu um método para<br />
n<br />
determinar a área sob a curva y = x , de 0 até a >0, que tanto vale<br />
para expoentes inteiros como fracionários. Esse método seria o<br />
germe <strong>da</strong> idéia atualmente usa<strong>da</strong> no cálculo integral para esse tipo<br />
de problema.<br />
f(A)<br />
x<br />
262<br />
Fermat dividiu o intervalo [0,a] por meio dos pontos<br />
2<br />
a,<br />
ar,<br />
ar ,... , em que 0 < r < 1. Tomando como bases os<br />
subintervalos assim formados, construiu então a sequência de<br />
n n n n 2n<br />
retângulos de alturas a , a r , a r ,..., e portanto de áreas<br />
a<br />
n+<br />
1<br />
n+<br />
1 n+<br />
1<br />
n+<br />
1 2(<br />
n+<br />
1 )<br />
( 1−<br />
r)<br />
, a r ( 1−<br />
r)<br />
, a r ( 1−<br />
r),...<br />
n+<br />
1<br />
, respectivamente.<br />
a<br />
A soma dessas áreas é , cujo limite, quando<br />
2 n<br />
1+<br />
r + r + ... + r<br />
a n+<br />
1<br />
h →1<br />
, é a área pretendi<strong>da</strong>. Esse limite é . esse resultado em<br />
n + 1<br />
a<br />
n+<br />
1<br />
n a<br />
notação atual, se traduz na igual<strong>da</strong>de ∫ x dx = .<br />
0 n + 1<br />
Os exemplos anteriores colocaram Fermat em condições de ser<br />
considerado um dos criadores do cálculo diferencial e integral.
263<br />
Porém, a exemplo de outros contemporâneos não percebeu a<br />
relação fun<strong>da</strong>mental entre a diferenciação e a integração.<br />
Passando aos fenômenos físicos de máximos e mínimos, Fermat<br />
enunciou o princípio: a Natureza, a grande obreira que não<br />
necessita de nossos instrumentos e máquinas, faz tudo acontecer<br />
com um mínimo de dispêndio – idéia essa que não era estranha a<br />
alguns pensadores gregos. As leis de reflexão e refração dos raios<br />
luminosos são por ele considera<strong>da</strong>s, com razão, como casos<br />
particulares do princípio de economia.<br />
O trabalho de Fermat sobre a teoria <strong>da</strong>s probabili<strong>da</strong>des foi<br />
fun<strong>da</strong>mental. Examinou o caso de dois jogadores, A e B, em que A<br />
precisa de dois pontos para ganhar e B precisa de três. Chegou à<br />
conclusão de que o jogo se decidirá necessariamente no máximo em<br />
quatro lances.<br />
Considerando-se as letras a e b tem-se um total de 16 arranjos<br />
que podem ser formados com quatro letras, a saber: aaaa, aaab,<br />
aaba, aabb, abaa, abab, abba, abbb, baaa, baab, baba, babb, bbaa,<br />
bbab, bbba, bbbb. Pois bem, ca<strong>da</strong> arranjo em que a aparece duas ou<br />
mais vezes representa uma probabili<strong>da</strong>de favorável a A, e todo<br />
arranjo em que b aparece três vezes ou mais, representa uma<br />
probabili<strong>da</strong>de favorável a B. Contando-os, verifica-se que há onze<br />
favoráveis a A e cinco a B, e visto como todos esses casos são<br />
igualmente prováveis, a possibili<strong>da</strong>de de A ganhar o jogo está para a<br />
de B, como onze está para cinco.<br />
Além de suas investigações em geometria, óptica e<br />
probabili<strong>da</strong>de, Fermat produziu uma extraordinária obra sobre teoria<br />
dos números, sendo considerado o fun<strong>da</strong>dor desta disciplina, que<br />
atualmente ain<strong>da</strong> é um campo super-ativo de pesquisas.<br />
Como Fermat se dedicava à matemática em suas horas vagas,<br />
tinha o costume de anotar nas margens dos livros que lia, os<br />
teoremas e demonstrações que ia descobrindo. O chamado “último<br />
n n n<br />
teorema de Fermat” diz o seguinte: a equação x + y = z não tem<br />
solução com x, y, z e n, números inteiros positivos, para n ≥ 3.<br />
Fermat enunciou esse teorema com a seguinte observação: tenho<br />
uma prova ver<strong>da</strong>deiramente notável, mas a margem aqui é<br />
demasiado pequena para contê-la.<br />
264<br />
Essa conjectura, aparentemente simples, ao menos o enunciado,<br />
ocupou as melhores mentes matemáticas do mundo durante três<br />
séculos e meio, até que, finalmente foi demonstra<strong>da</strong>, em 1993, pelo<br />
matemático inglês Andrew Wiles.<br />
Acredita-se que a “prova” que Fermat dizia possuir não era<br />
correta, pois a de Wiles é de tal forma complexa e envolve técnicas<br />
tão avança<strong>da</strong>s que é pouco provável que um matemático do século<br />
XVII pudesse ter solucionado a questão. Mas a dúvi<strong>da</strong> sempre<br />
permanecerá...<br />
Fermat foi ver<strong>da</strong>deiramente “o príncipe dos matemáticos<br />
amadores”. Nenhum profissional de seu tempo fez maiores<br />
descobertas ou contribuiu mais para o assunto; no entanto, era tão<br />
modesto que quase na<strong>da</strong> publicou. Cópias manuscritas de seus<br />
trabalhos circulavam nas mãos de seus seguidores e amigos.<br />
Entretanto, seu filho Clement reuniu algumas de suas brilhantes<br />
descobertas e as publicou em 1679 num livro chamado Varia Opera<br />
Mathematica.<br />
PASCAL PASCAL PASCAL (1623 – 1662)<br />
Blaise Pascal, filósofo, matemático e físico,<br />
nasceu em Clermont Ferrand, França. Seu<br />
pai, Étienne era advogado e um talentoso<br />
matemático amador, integrante do círculo<br />
de correspondentes do padre Marin<br />
Mersenne. Sua vi<strong>da</strong>, curta e turbulenta, foi<br />
marca<strong>da</strong> pela geniali<strong>da</strong>de nas ciências<br />
exatas, pelo misticismo religioso, pela<br />
profundi<strong>da</strong>de filosófica, pela doença e por<br />
intensos sofrimentos físicos. Como<br />
Descartes e Fermat, Pascal não dedicou à<br />
matemática mais do que uma fração do seu<br />
grande talento. Tendo aprendido geometria às escondi<strong>da</strong>s, com 12<br />
anos, aos 16 escreveu um ensaio sobre as Secções Cônicas e aos 19<br />
construiu a primeira máquina de calcular.<br />
Embora a segun<strong>da</strong> parte <strong>da</strong> sua vi<strong>da</strong> fosse dedica<strong>da</strong><br />
principalmente à religião, teologia e literatura, realizou uma grande
265<br />
varie<strong>da</strong>de de experimentos de física e fez importantes<br />
contribuições para a teoria dos números e <strong>da</strong>s probabili<strong>da</strong>des –<br />
teoria então nova – além de uma discussão <strong>da</strong> ciclóide.<br />
O ensaio juvenil sobre<br />
Cônicas contém o belo<br />
teorema, que traz o seu<br />
nome, e que diz: as três<br />
intersecções dos lados<br />
opostos de um hexágono,<br />
inscrito numa secção<br />
cônica, estão em linha<br />
reta.<br />
Sobre a geometria e a<br />
lógica diz Pascal: a lógica<br />
tomou de empréstimo as regras <strong>da</strong> geometria sem lhes compreender<br />
o poder... Estou longe de colocar os lógicos ao lado dos geômetras<br />
que ensinam o ver<strong>da</strong>deiro modo de orientar a razão ... O método de<br />
evitar o erro é buscado por todos. Os lógicos pretendem guiar os<br />
demais nessa procura, mas só os geômetras alcançam a meta, e fora<br />
<strong>da</strong> sua ciência não há ver<strong>da</strong>deira demonstração.<br />
O seu trabalho sobre as probabili<strong>da</strong>des relacionava-se com o<br />
problema dos dois jogadores, ambos igualmente hábeis, que<br />
desejavam encerrar a sua parti<strong>da</strong> – problema que Fermat deu uma<br />
solução, e que foi vista anteriormente. Por um raciocínio<br />
semelhante, Pascal mostrou que, se o primeiro jogador ganhar dois<br />
pontos e o segundo nenhum, as partes de ca<strong>da</strong> um seriam 56 e 8; e,<br />
se o primeiro jogador tiver ganho um ponto e o segundo nenhum,<br />
caberiam àquele 44 e a este 20.<br />
Relacionando ao estudo <strong>da</strong>s probabili<strong>da</strong>des, Pascal criou seu<br />
“triângulo aritmético” em 1654, em que as diagonais sucessivas<br />
contêm os coeficientes do desenvolvimento do binômio cujo<br />
teorema Newton, brevemente, iria generalizar:<br />
1 1 1 1 1 1<br />
1 2 3 4 5 6<br />
1 3 6 10 15<br />
1 4 10 20<br />
1 5 15<br />
1 6<br />
1<br />
266<br />
Esse triângulo, que tem o nome de Pascal, não era entretanto,<br />
nenhuma novi<strong>da</strong>de. Encontramo-lo já em Stifel em 1543 e a idéia<br />
remonta a Pitágoras. Foi nessas pesquisas que utilizou e popularizou<br />
o método <strong>da</strong> indução finita, ferramenta às vezes indispensável na<br />
demonstração de certos teoremas.<br />
É interessante lembrar que em 1645 Pascal deu publici<strong>da</strong>de à<br />
sua idéia de uma máquina de calcular, escrevendo a um chanceler:<br />
meu senhor: se alguma vantagem advier ao público do invento que<br />
acabo de fazer para realizar to<strong>da</strong> sorte de operações aritméticas de<br />
uma forma tão nova quanto vantajosa, ficará ele devendo ain<strong>da</strong><br />
mais a Vossa Alteza do que aos meus modestos esforços, pois eu só<br />
poderei ufanar-me de o ter concebido, ao passo que ele deve o se<br />
nascimento exclusivamente à vossa honrosa determinação. A<br />
demora e a dificul<strong>da</strong>de dos meios geralmente em uso, levaram-me a<br />
pensar num auxiliar mais rápido para facilitar-me os grandes<br />
cálculos com que estive ocupado durante vários anos, em certos<br />
assuntos que dependem dos encargos com que vos aprove honrar<br />
meu pai, no serviço de Sua Majestade na Normandia. Nessa<br />
investigação empreguei todos os conhecimentos que tinha<br />
inclinação e meus laboriosos estudos iniciais de matemática me<br />
permitiram adquirir, e depois de profun<strong>da</strong>s reflexões verifiquei que<br />
não era impossível encontrar esse meio auxiliar.<br />
Pascal foi autor de algumas obras literárias, especialmente os<br />
Pensées (Pensamentos), muito divulga<strong>da</strong>s e que traz alguns<br />
exemplos quase que incorporados à linguagem comum: Nossa<br />
natureza está no movimento, o inteiro repouso é a morte; O coração<br />
tem suas razões que a razão não conhece; O homem não passa de<br />
um caniço, o mais fraco <strong>da</strong> natureza, mas é um caniço pensante.<br />
Não é preciso que o universo inteiro se arme para esmagá-lo: um<br />
vapor, uma gota de água, bastam para matá-lo. Mas, mesmo que o<br />
universo o esmagasse, o homem seria ain<strong>da</strong> mais nobre do que<br />
quem o mata, porque sabe que morre e sabe <strong>da</strong> vantagem que o<br />
universo tem sobre ele, o universo no entanto, desconhece tudo isso.
WALLIS WALLIS (1616 – 1703)<br />
267<br />
Professor em Oxford, John Wallis desenvolveu<br />
com proficiência as idéias de Cavalieri sobre a<br />
integração, empregando na sua Aritmética dos<br />
infinitos de 1655 a nova geometria cartesiana e<br />
um processo equivalente à integração, em casos<br />
algébricos simples. Em especial, explicou os<br />
expoentes negativos e fracionários, passando<br />
depois a procurar a área delimita<strong>da</strong> por OX, a<br />
m<br />
curva y = ax e<br />
qualquer abscissa y<br />
x = h, ou seja, integrar a função<br />
m<br />
y = ax . Desenvolveu engenhosos<br />
métodos de interpolação e conseguiu<br />
expressar π sob a forma de um produto<br />
π 2 2 4 4 6 6 8 O<br />
infinito:<br />
h x<br />
= ⋅ ⋅ ⋅ ⋅ ⋅ ⋅ ⋅⋅<br />
⋅<br />
2 1 3 3 5 5 7 7<br />
Isso assinalou um momento importante na história <strong>da</strong><br />
quadratura do círculo. Antes de se conhecer a obra de Wallis, a<br />
única maneira de determinar π era por meio de perímetros<br />
poligonais.<br />
No seu Tratado de álgebra, disse: é para mim indiscutível que<br />
os antigos possuíam qualquer coisa de natureza semelhante à nossa<br />
álgebra; <strong>da</strong>í derivam muitas de suas prolixas e complica<strong>da</strong>s<br />
demonstrações... Mas essa arte de invenção dos antigos, parecem<br />
tê-la ocultado cui<strong>da</strong>dosamente, contentando-se com demonstrações<br />
apagógicas (isto é, reduzindo ao absurdo a negação) sem nos<br />
mostrarem o método com a aju<strong>da</strong> do qual conseguiram formular<br />
essas proposições, que eles assim provam de outras maneiras...”<br />
Wallis formulou as idéias do espaço e do tempo absolutos, mais<br />
tarde adota<strong>da</strong>s por Newton. Acreditava que o espaço e o tempo eram<br />
absolutos e eternos. Também escreveu uma Exposição Sumária...<strong>da</strong>s<br />
Leis Gerais do Movimento, enunciando as fórmulas <strong>da</strong> veloci<strong>da</strong>de<br />
após o choque recíproco <strong>da</strong>s massas m1 e m 2 , anima<strong>da</strong>s,<br />
v1m1<br />
+ v2m2<br />
respectivamente, com veloci<strong>da</strong>des v1 e v 2 : v =<br />
.<br />
m + m<br />
1<br />
2<br />
268<br />
Em sua obra analítica Secções Cônicas de1655, tornou muito<br />
mais inteligíveis as idéias geométricas de Descartes e a sua Álgebra<br />
de 1685, marcou um importante passo à frente no uso sistemático<br />
<strong>da</strong>s fórmulas.<br />
Wallis concebeu a análise, não mais basea<strong>da</strong> na geometria,<br />
utilizou os produtos infinitos e as séries num momento que não<br />
havia qualquer estudo de convergência. Ficou claro, pelos resultados<br />
que chegou, que era dotado de intuição e imaginação<br />
extraordinárias.<br />
A seguir um exemplo que esclarece, muito bem, o<br />
procedimento de Wallis no cálculo de integrais em sua Arithmetica<br />
Infinitorum de 1655. O resultado fora provado pela geometria dos<br />
indivisíveis de Cavalieri, mas o autor introduziu uma aritmetização<br />
que tornou o cálculo mais operacional.<br />
Por exemplo, Wallis mostrou que<br />
1<br />
2 1<br />
∫ x dx = . Para isso<br />
3<br />
formulou a razão entre as somas dos quadrados de ordena<strong>da</strong>s<br />
2<br />
igualmente espaça<strong>da</strong>s sob a curva y = x e a soma dos quadrados<br />
<strong>da</strong>s ordena<strong>da</strong>s correspondentes sob y = 1. Considerando-se só as<br />
2 2<br />
0 + 1 1 1 1<br />
ordena<strong>da</strong>s em x = 0 e x = 1, a razão é = = + .<br />
2 2<br />
1 + 1 2 3 6<br />
Subdividindo-se o intervalo entre x = 0 e x = 1 em duas partes iguais<br />
e imaginando ca<strong>da</strong> parte como um intervalo unitário, a razão entre<br />
2 2 2<br />
0 + 1 + 2 5 1 1<br />
as somas dos quadrados torna-se<br />
= = + .<br />
2 2 2<br />
2 + 2 + 2 12 3 12<br />
Analogamente, dividindo-se o intervalo de x =0 a x =1 em três<br />
subintervalos iguais e considerando-se ca<strong>da</strong> um deles como um<br />
segmento unitário, a razão torna-se<br />
2 2 2 2<br />
0 + 1 + 2 + 3 7 1 1<br />
= = + .<br />
2 2 2 2<br />
3 + 3 + 3 + 3 18 3 18<br />
Para Wallis ficou claro, através de indução, que a razão<br />
2 2 2 2<br />
2<br />
0 + 1 + 2 + 3 + ... + n 1 1<br />
chegaria a<br />
= + e, que se<br />
2 2 2 2<br />
2<br />
n + n + n + n + ... + n 3 6 ⋅ n<br />
0
1<br />
aproximava ca<strong>da</strong> vez mais de , com o crescimento indefinido<br />
3<br />
269<br />
1<br />
de n, de modo que para n = ∞ a razão seria , o valor <strong>da</strong> integral<br />
3<br />
proposta.<br />
BARROW BARROW (1630 – 1677)<br />
Isaac Barrow, foi por algum tempo<br />
professor em Cambridge e um grande<br />
admirador dos sábios <strong>da</strong> antigui<strong>da</strong>de, tendo<br />
editado as obras de Euclides, Apolônio e<br />
Arquimedes. Publicou as suas próprias<br />
Lectiones: ópticas de 1669 e geometriae de<br />
1670, já com a colaboração de Newton.<br />
Essas Lectiones sobre óptica e geometria<br />
continham uma notável discussão do<br />
problema <strong>da</strong>s tangentes e do que ele<br />
denominou triângulo diferencial, tão<br />
importante na maneira atual de tratar o cálculo diferencial.<br />
O método era semelhante ao de Fermat, mas usava duas<br />
quanti<strong>da</strong>des, em vez <strong>da</strong> letra E única de Fermat, quanti<strong>da</strong>des<br />
equivalentes aos atuais x e y. Barrow explicou sua regra de tangentes<br />
essencialmente do seguinte modo: considere uma curva <strong>da</strong><strong>da</strong> por<br />
uma equação polinomial f ( x,<br />
y ) = 0 e a seguir troque as variáveis x<br />
e y, respectivamente, por x + e e y + a em f ( x,<br />
y ) = 0 . Depois na<br />
equação resultante despreze todos os termos não contendo a ou e e<br />
todos os termos de grau maior do<br />
que um em a e em e. Finalmente<br />
encontre a razão de a por e, que é a<br />
inclinação <strong>da</strong> reta tangente à curva<br />
<strong>da</strong><strong>da</strong>.<br />
Dessa maneira Barrow<br />
impregava o conceito de triângulo<br />
característico, essencialmente a<br />
idéia de reta tangente como a<br />
posição limite <strong>da</strong> reta secante com<br />
a e e, aproxima<strong>da</strong>mente nulos.<br />
y<br />
M<br />
m<br />
N<br />
e R<br />
a<br />
A T t P Q x<br />
270<br />
2<br />
2<br />
Exemplo1: y = x ⇔ f ( x,<br />
y ) = y − x = 0 ⇒<br />
2<br />
⇒ f ( x + e,<br />
y + a ) = ( y + a ) − ( x + e ) = 0 ⇒<br />
2<br />
2<br />
2 a<br />
⇒ y + a − x − 2xe<br />
− e = 0 ⇒ a - 2xe<br />
− e = 0 ⇒ = 2x<br />
e<br />
2 2 2<br />
Exemplo2: f ( x,<br />
y ) = x + y − r = 0 ⇒<br />
2<br />
2 2<br />
⇒ f ( x + e,<br />
y + a ) = ( x + e ) + ( y + a ) − r = 0 ⇒<br />
2<br />
2 2<br />
2 2<br />
⇒ x + 2xe<br />
+ e + y + 2ya<br />
+ a − r = 0 ⇒<br />
2<br />
2<br />
a - x<br />
⇒ 2xe<br />
+ e + 2ya<br />
+ a = 0 ⇒ 2ya<br />
= −2xe<br />
⇒ = .<br />
e y<br />
De todos os matemáticos que anteciparam partes do cálculo<br />
diferencial e integral, nenhum chegou tão perto quanto Barrow, que<br />
reconheceu claramente a relação inversa entre os problemas de<br />
tangentes e de quadraturas.<br />
Mas sua conservadora adesão a métodos geométricos impediu-o<br />
de usar, de forma eficaz, essa relação e, assim, por não apresentar<br />
um senso de universali<strong>da</strong>de nas regras, seus trabalhos tornaram-se<br />
difíceis para se entender.<br />
Barrow em 1669 foi chamado a Londres para ser capelão de<br />
Charles II e assim seu ex-aluno Newton, por sugestão do próprio<br />
Barrow, sucedeu-o na cadeira Lucasiana em Cambridge. Sucessão<br />
essa considera<strong>da</strong> como um acontecimento muito feliz.<br />
NEWTON NEWTON (1642 – 1727)<br />
Isaac Newton nasceu menos de um ano<br />
após a morte de Galileu, em 24 de<br />
dezembro de 1642, pelo calendário<br />
Juliano, ou então, 04 de janeiro de 1643,<br />
pelo calendário gregoriano, em<br />
Woolsthorpe, Lincolnshire, numa<br />
proprie<strong>da</strong>de rural. Com uma infância<br />
melancólica, divertia-se construindo seus<br />
próprios brinquedos - lanternas, ro<strong>da</strong>s<br />
d’água, alavancas, pipas, relógios de sol –
271<br />
corria no temporal a favor ou contra o vento. Na escola <strong>da</strong> vila (que<br />
entrou aos 12 anos) era muito tímido e na<strong>da</strong> indicava sua<br />
geniali<strong>da</strong>de. O tio William o incentivou a estu<strong>da</strong>r em Cambridge.<br />
Newton matriculou-se no Trinity College em 1661, aos 18 anos<br />
como “aluno-servente”.<br />
Em 1665 tornou-se Bacharel em Artes; em l668 doutorou-se e,<br />
um ano depois assumia a cátedra de matemática, com apenas 26<br />
anos, substituindo Isaac Barrow (mestre, amigo e protetor). Foi<br />
Barrow que, como professor de matemática, reconheceu que<br />
Newton estava além <strong>da</strong> normali<strong>da</strong>de e estimulou-o a desenvolver<br />
suas aptidões.<br />
No período de 1665-1666, com a universi<strong>da</strong>de fecha<strong>da</strong> em<br />
virtude <strong>da</strong> peste bubônica que matou 1/10 <strong>da</strong> população <strong>da</strong> Europa,<br />
Newton refugiou-se em sua casa no campo. Nesse período<br />
desenvolveu o teorema do binômio; o método <strong>da</strong>s fluxões; uma<br />
teoria sobre a natureza <strong>da</strong> luz e as primeiras idéias sobre atração<br />
gravitacional.<br />
Newton esteve sempre ligado à universi<strong>da</strong>de de Cambridge,<br />
deixando a cátedra somente em 1701, aos 58 anos, quando passou a<br />
exercer funções públicas de alto nível.<br />
Primeiro foi representante <strong>da</strong> universi<strong>da</strong>de no Parlamento, a<br />
seguir, em 1699, foi nomeado master of mint (diretor <strong>da</strong> casa <strong>da</strong><br />
moe<strong>da</strong>). Nesse cargo demonstrou brilhante capaci<strong>da</strong>de<br />
administrativa, tendo coordenado a fabricação de moe<strong>da</strong>s à prova de<br />
falsificação. Em 1703 foi eleito presidente <strong>da</strong> royal society<br />
(socie<strong>da</strong>de real) tendo ficado até a morte.<br />
Principais Obras:<br />
• De Analysi per aequationes numero terminorum infinitas (Sobre<br />
a análise de equações com um número ilimitado de termos).<br />
Nesse trabalho Newton estudou o método <strong>da</strong>s “séries infinitas”, o<br />
qual foi indispensável para a quadratura <strong>da</strong>s curvas e a retificação<br />
dos arcos; mediante a expansão em séries, foi capaz de resolver a<br />
integral de expressões que envolviam raízes, integrando-as termo a<br />
272<br />
m<br />
termo. Por exemplo, se a área sob uma curva é <strong>da</strong><strong>da</strong> por z = ax , m<br />
1<br />
racional, então a equação <strong>da</strong> curva é max − m<br />
y = .<br />
Newton usou basicamente o procedimento de Barrow que ao<br />
considerar uma curva nas variáveis x e z, <strong>da</strong><strong>da</strong> pela equção<br />
f ( x,<br />
z ) = 0 , trocou x por x + o e z por<br />
z + vo. A seguir, na nova equação<br />
considerou o fato que f ( x,<br />
z ) = 0 e<br />
desprezou potências de o maior do<br />
que um. Finalmente fez v = y para se<br />
chegar ao resultado.<br />
2<br />
x<br />
Exemplo 1: Para z = tem-se y = x.<br />
2<br />
x o<br />
y<br />
v<br />
y<br />
z<br />
x<br />
2<br />
x<br />
De fato, z =<br />
2<br />
e<br />
( x + o )<br />
z + vo =<br />
2<br />
x<br />
=<br />
+ 2xo<br />
+ o<br />
2<br />
, logo<br />
2<br />
2<br />
x o<br />
z + vo = + xo + ou<br />
2 2<br />
o<br />
v = x + . Portanto, y = x.<br />
2<br />
seja,<br />
2<br />
o<br />
vo = xo +<br />
2<br />
e finalmente,<br />
Exemplo2:Para a curva z = 1 + x , primeiro escrevia<br />
2 3<br />
x x x<br />
1+<br />
x = 1+<br />
− + + ... e a seguir adotava o procedimento<br />
2 8 16<br />
do exemplo anterior.<br />
• Methodus fluxionum et serierum infinitorum (O método de<br />
fluxões e séries infinitas<br />
Escrito em 1671, porém publicado apenas em 1742. Newton<br />
representou por v, x, y, z as quanti<strong>da</strong>des fluentes (que aumentam ou<br />
diminuem); por v& , x&<br />
, y&<br />
, z&<br />
as fluxões ou fluxos; por v& & , &x<br />
&,<br />
&y<br />
&,<br />
&z<br />
& os<br />
fluxos dos fluxos; e x + x&<br />
o representando o momento de um fluente<br />
com variação infinitamente pequena “o” do tempo.<br />
2<br />
2<br />
2
273<br />
Problema: Da<strong>da</strong> uma relação entre dois fluentes, encontrar a relação<br />
entre seus fluxos e vice-versa.<br />
2<br />
Exemplo: Da<strong>da</strong> a equação x − axy = 0 , Newton substituía x por<br />
x + x&<br />
o e y por y + y&<br />
o , obtendo-se<br />
2<br />
2<br />
( x + x&<br />
o ) − ( x + x&<br />
o ) − a(<br />
x + x&<br />
o )( y + y&<br />
o ) = o , então<br />
2<br />
2<br />
x + 2xx&<br />
o + ( x&<br />
o ) − axy − axy&<br />
o − ax&<br />
oy − ax&<br />
oy&<br />
o = 0 , ou seja<br />
2<br />
axx& + x&<br />
o − axy&<br />
− ax&<br />
y − ax&<br />
y&<br />
o = 0 e, finalmente<br />
2 xx& − a(<br />
xy&<br />
+ x&<br />
y ) = 0.<br />
A descoberta <strong>da</strong> “fluxões” por Newton estava intimamente<br />
liga<strong>da</strong> aos seus estudos sobre séries infinitas através <strong>da</strong> Arithmetica<br />
de Wallis. Isso levou--o a estender o teorema do binômio a<br />
expoentes fracionários e negativos e, assim, à descoberta <strong>da</strong>s séries<br />
binomiais. Esse fato ajudou-o a estabelecer a sua teoria para to<strong>da</strong>s as<br />
funções algébricas ou transcendetes.<br />
• Tractus de Quadratura Curvarum (Um tratado sobre a<br />
quadratura de curvas).<br />
Escrito em 1676, foi a 3ª abor<strong>da</strong>gem <strong>da</strong> deriva<strong>da</strong> denomina<strong>da</strong><br />
primeiras e últimas razões.<br />
“Por razão última <strong>da</strong>s quanti<strong>da</strong>des evanescentes deve-se<br />
entender a razão <strong>da</strong>s quanti<strong>da</strong>des, nem antes nem depois de elas<br />
desaparecerem, mas a razão com a qual elas desapareceram”.<br />
2<br />
Exemplo: y = x<br />
Newton encontrou a deriva<strong>da</strong> de<br />
( x<br />
x + o − x<br />
+ o )<br />
2<br />
− x<br />
2<br />
o<br />
=<br />
2xo<br />
+ o<br />
2<br />
2<br />
y = x do seguinte modo:<br />
1 1<br />
= = . Para ele 2x era o resultado<br />
2x<br />
+ o 2x<br />
1<br />
procurado e era chama<strong>da</strong> de a última razão dos incrementos<br />
2x<br />
evanescentes.<br />
• Philosophiae Naturalis Principia Mathematica (Princípios<br />
matemáticos <strong>da</strong> filosofia natural, ou os Principia).<br />
274<br />
Publicado em 1687.<br />
Por insistência do amigo Edmond Halley (1656 -1742), Newton<br />
reuniu numa só obra seus tratados sobre a gravitação e as leis <strong>da</strong><br />
mecânica. O compêndio era formado por 3 livros: 1. Princípios <strong>da</strong><br />
mecânica e lei <strong>da</strong> gravitação; 2. Mecânica dos fluidos; 3. Órbitas dos<br />
planetas, movimento <strong>da</strong>s marés e cálculo <strong>da</strong>s massas <strong>da</strong> Lua e do<br />
Sol. Inspirado em os Elementos de Euclides, Newton iniciou o<br />
trabalho com uma série de definições, como por exemplo:<br />
Definição I: a quanti<strong>da</strong>de de matéria é a sua medi<strong>da</strong>, obti<strong>da</strong><br />
conjuntamente a partir de sua densi<strong>da</strong>de e volume.<br />
Definição II: a quanti<strong>da</strong>de de movimento é a sua medi<strong>da</strong>, obti<strong>da</strong><br />
conjuntamente a partir <strong>da</strong> veloci<strong>da</strong>de e quanti<strong>da</strong>de de matéria.<br />
A seguir introduziu os axiomas ou leis do movimento:<br />
Lei I: todo corpo continua em seu estado de repouso ou de<br />
movimento uniforme, em uma linha reta, a menos que seja forçado a<br />
mu<strong>da</strong>r aquele estado por forças a ele aplica<strong>da</strong>s.<br />
Lei II: a mu<strong>da</strong>nça de movimento é proporcional à força motora<br />
aplica<strong>da</strong> e é produzi<strong>da</strong> na direção <strong>da</strong> linha reta na qual aquela força é<br />
aplica<strong>da</strong>.<br />
Lei III: a to<strong>da</strong> ação há sempre oposta uma reação igual, ou, as ações<br />
mútuas de dois corpos um sobre o outro são sempre iguais e<br />
dirigi<strong>da</strong>s em sentidos opostos.<br />
A partir dessas definições e dessas leis, as ver<strong>da</strong>des <strong>da</strong><br />
mecânica foram deduzi<strong>da</strong>s como teoremas encadeados entre si. São<br />
192 proposições, quase sempre de difícil compreensão porque<br />
Newton procurou demonstrá-las utilizando a geometria de Euclides<br />
e isso resultou soluções sofistica<strong>da</strong>s, concebi<strong>da</strong>s, caso a caso.<br />
Curioso foi que Newton, com suspeitas de não ser<br />
compreendido, não utilizou as “deriva<strong>da</strong>s” nos Principia; apenas a<br />
noção intuitiva de limite foi emprega<strong>da</strong>.<br />
• Opticks (Óptica ou tratado <strong>da</strong>s reflexões, refrações, inflexões e<br />
cores <strong>da</strong> luz).
275<br />
Publica<strong>da</strong> em 1704.<br />
Aplicando-se ao aperfeiçoamento do telescópio, Newton<br />
conseguiu eliminar a incômo<strong>da</strong> aberração cromática, devi<strong>da</strong> à<br />
refração desigual <strong>da</strong>s diferentes cores, construindo um telescópio<br />
refletor munido de um espelho côncavo em vez de uma lente<br />
convexa.<br />
Negando qualquer intenção de formular hipóteses especulativas,<br />
Newton discutiu os fenômenos observados <strong>da</strong> luz refrata<strong>da</strong>,<br />
mencionando a sua descoberta <strong>da</strong> diferente refrangilibili<strong>da</strong>de de<br />
raios luminosos o que foi, talvez, a mais importante até então, sobre<br />
as maneiras por que opera a natureza. Embora não insistisse nesse<br />
ponto, parece sempre partir <strong>da</strong> suposição de que a luz consistia em<br />
minúsculas partículas, cujo grau de pequenez correspondia à cor.<br />
Graças à grande autori<strong>da</strong>de que exercia sobre os seus adeptos,<br />
essa teoria corpuscular persistiu, em oposição à teoria ondulatória de<br />
Christiaan Huygens (1629 – 1695), até o século XIX. Nos<br />
experimentos em que se baseava essa obra, Newton não só<br />
decompôs a luz por meio de um prisma ou série de prismas<br />
refratores, mas também conseguiu reunir as cores componentes,<br />
reproduzindo o branco primitivo e, assim, resolvendo finalmente o<br />
problema do arco-íris.<br />
• Enumeratio linearum tertii ordinis.<br />
Publica<strong>da</strong> em 1704.<br />
Newton classificou as cúbicas em vinte e duas espécies,<br />
baseando-se no seu teorema que afirma que qualquer cúbica pode<br />
2 3 2<br />
ser obti<strong>da</strong> de uma parábola divergente y = ax + bx + cx + d<br />
através de uma projeção central de um plano sobre o outro. Esse foi<br />
o primeiro resultado novo importante pela aplicação <strong>da</strong> álgebra à<br />
geometria. Todos os trabalhos anteriores, de outros autores, eram<br />
simplesmente traduções de Apolônio para uma linguagem algébrica.<br />
Outra contribuição de Newton foi o método para encontrar<br />
aproximações de raízes de equações numéricas, que ele explicou<br />
com o exemplo 2 5 0<br />
2 3<br />
x − x − = , econtrando x = 2,09455147. O<br />
método de Newton consiste em encontrar as raízes de uma equação<br />
f ( an<br />
)<br />
f ( x ) = 0 pela fórmula recorrente an+1<br />
= an<br />
− Esse<br />
f ' a<br />
( ) .<br />
n<br />
276<br />
processo pode ser aplicado iterativamente para obter uma<br />
aproximação a n tão precisa quanto se queira.<br />
A demora de Newton para publicar as suas teorias mais<br />
revolucionárias foi, em grande parte, atribuí<strong>da</strong> à sua aversão por<br />
controvérsias. Apesar disso foi envolvido em algumas,<br />
especialmente quanto a questões de priori<strong>da</strong>de de descobertas, a do<br />
cálculo talvez seja a mais famosa.<br />
No campo filosófico recebeu alguns ataques, mas o de maior<br />
repercução foi após a sua morte e que, assim, foram dirigidos aos<br />
seus correligionários. A índole de alguns desses ataques pode ser<br />
ilustra<strong>da</strong> pelas seguintes passagens de um eminente crítico, o bispo<br />
George Berkeley em 1734: quem é capaz de digerir uma segun<strong>da</strong> ou<br />
terceira fluxão, uma segun<strong>da</strong> ou terceira diferença, não tem,<br />
segundo me parece, o direito de se mostrar exigente sobre qualquer<br />
ponto de teologia. E que vem a ser essas fluxões? As veloci<strong>da</strong>des de<br />
acréscimos evanescentes? E que são esses tais acréscimos<br />
evanecentes? Não são nem quanti<strong>da</strong>des finitas, nem quanti<strong>da</strong>des<br />
infinitamente pequenas e tampouco são o na<strong>da</strong>. Não poderíamos<br />
chamá-los os fantasmas de quanti<strong>da</strong>des defuntas?”<br />
Com referência à controvérsia entre os amigos de Newton e os<br />
de Leibniz, sobre a priori<strong>da</strong>de na invenção do cálculo, disse o<br />
próprio Newton num escólio famoso: a troca de correspondência<br />
que se verificou cerca de dez anos atrás entre esse habilíssimo<br />
geômetra, G. W. Leibniz, e a minha pessoa, quando lhe anunciei que<br />
possuía um método para determinar máximos e mínimos, traçar<br />
tangentes e realizar operações semelhantes, método que era<br />
igualmente aplicável às quanti<strong>da</strong>des sur<strong>da</strong>s e às racionais, e ocultei<br />
o mesmo por meio de letras transpostas, formando esta frase – <strong>da</strong>ta<br />
aequatione quotcunque fluentes quantitates involvente, fluxiones<br />
invenire, et vice versaI – esse homem ilustre respondeu que também<br />
havia deparado com um método <strong>da</strong> mesma espécie e comunicou-me<br />
o seu método, que muito pouco diferia do meu, a não ser nas formas<br />
<strong>da</strong>s palavras e na notação (também na concepção de como se<br />
geravam as quanti<strong>da</strong>des).<br />
O fenômeno Isaac Newton foi sempre alvo de elogios,<br />
ba<strong>da</strong>lações, algumas críticas e até ciúmes. Nota-se isso nas palavras<br />
de Voltaire (François-Marie Arouet) (1694 – 1778) que assistiu aos
277<br />
seus funerais: eu vi um professor de matemática, só porque era<br />
grande em sua vocação, ser enterrado como um rei que tivesse feito<br />
bem a seus súditos.<br />
Voltaire não estava errado em sua afirmação; de fato Newton<br />
foi festejadíssimo durante a sua existência, tanto na Inglaterra como<br />
no estrangeiro. Foi decretado luto oficial por ocasião de sua morte e<br />
o sepultamento deu-se na Abadia de Westminster, onde se sepultam<br />
os reis.<br />
Quanto à sua atitude pessoal, essa foi suficientemente<br />
idealiza<strong>da</strong> e resumi<strong>da</strong> pelas palavras: ignoro o que eu possa<br />
aparentar para o mundo, mas aos meus próprios olhos pareço ter<br />
sido apenas um menino a brincar na praia e a entreter-se de tempos<br />
a tempos com o encontro de um seixo mais liso ou uma concha mais<br />
bonita do que os outros, enquanto o grande oceano <strong>da</strong> ver<strong>da</strong>de jazia<br />
inexplorado diante de mim. Se vi mais longe que Descartes, foi<br />
porque estava colocado sobre ombros de gigantes.<br />
LEIBNIZ LEIBNIZ (1646 – 1716)<br />
Gottfried Wilhelm Leibniz nasceu em<br />
Leipzig e passou a maior parte <strong>da</strong> sua vi<strong>da</strong><br />
na corte de Hanôver, foi diplomata por 40<br />
anos a serviço dos duques, um dos quais se<br />
tornou rei <strong>da</strong> Inglaterra. Desde muito<br />
jovem ficou marcante o seu interesse por<br />
história, teologia, lingüística, biologia,<br />
geologia, matemática, diplomacia e a arte<br />
de inventar. Em Londres conheceu<br />
Ondenburg, através do qual manteve<br />
contato com Newton numa série de cartas, e tornou-se sócio <strong>da</strong><br />
Royal Society numa reunião que teve ocasião de exibir sua máquina<br />
de calcular. Foi um dos primeiros, depois de Pascal, a inventar uma<br />
máquina de calcular. Imaginou máquinas a vapor, estudou filosofia<br />
chinesa e tentou promover a uni<strong>da</strong>de <strong>da</strong> Alemanha.<br />
O principal objetivo <strong>da</strong> sua vi<strong>da</strong> foi a procura de um método<br />
universal, através do qual pudesse obter conhecimentos, fazer<br />
invenções e compreender a uni<strong>da</strong>de essencial do universo.<br />
A scientia generalis, que pretendia construir, levou Leibniz a<br />
descobertas em várias áreas, enquanto que a procura por uma<br />
278<br />
characteristica generalis levou-o às permutações, combinações e à<br />
lógica simbólica. De arte combinatória, sua tese de doutorado de<br />
1666, propunha a criar uma espécie de método geral do raciocínio.<br />
O sonho de uma língua universalis, na qual todos os erros de<br />
raciocínio pudessem aparecer como erros computacionais, levou-o<br />
não só à lógica, mas também a muitas inovações na notação<br />
matemática. Leibniz foi um dos maiores inventores de símbolos<br />
matemáticos.<br />
Poucos entenderam tão bem a uni<strong>da</strong>de <strong>da</strong> forma e do conteúdo,<br />
tanto que sua invenção do cálculo deve ser entendi<strong>da</strong> com base<br />
filosófica, ou seja, foi o resultado <strong>da</strong> procura de uma língua<br />
universalis <strong>da</strong> mu<strong>da</strong>nça e do movimento em particular.<br />
Leibniz elaborou o seu cálculo entre 1673 e 1676, em Paris, sob<br />
a influência pessoal de Huygens e pelo estudo de Descartes e Pascal.<br />
Foi estimulado a isso, ao saber por rumores que Newton possuía tal<br />
método.<br />
Enquanto a abor<strong>da</strong>gem de Newton foi basicamente cinemática,<br />
a de Leibniz foi geométrica. Raciocinou em termos do triângulo<br />
característico (dx, dy, ds), que já aparecera noutros escritos,<br />
especialmente em Pascal e nas Geometrical Lectures de Barrow.<br />
Newton foi mais hesitante em suas publicações, escreveu várias<br />
descrições substanciais de seus métodos do cálculo e publicou-as<br />
bem mais tarde. Leibniz, ao contrário, escreveu pouco, mas publicou<br />
quase que de imediato.<br />
Nos primeiros artigos que publicou na Acta eruditorum, um<br />
jornal matemático fun<strong>da</strong>do em 1682, Leibniz mostrou que seu novo<br />
método não apresentava restrições para funções irracionais ou<br />
transcendentes. Deu muita atenção à questão <strong>da</strong>s notações<br />
apropria<strong>da</strong>s e a medi<strong>da</strong> de seu sucesso nessa área foi a<br />
sobrevivência, até os dias atuais, de sua linguagem e de seus<br />
símbolos.<br />
Embora esses artigos tenham sido prejudicados por erros de<br />
impressão e exposição insatisfatória, sua grande importância foi<br />
evidente para os matemáticos suíços Jakob Bernoulli (1654-1705) e<br />
seu irmão Johann (1667-1748). Mais tarde, Leonhard Euler, um exaluno<br />
de Johann e descendente intelectual de Leibniz, <strong>da</strong>ria<br />
continui<strong>da</strong>de de forma decisiva para tornar o cálculo mais acessível<br />
e aceitável.
279<br />
No primeiro artigo de Leibniz, de apenas seis páginas, são<br />
apresenta<strong>da</strong>s as regras simples de diferenciação, com aplicações (de<br />
maneira rude, sem provas) e numa linguagem que lembrava as<br />
quanti<strong>da</strong>des infinitamente pequenas de Newton.<br />
As regras eram as seguintes:<br />
• <strong>da</strong> = 0 , se a é constante.<br />
Justificativa: Leibniz considerou a + <strong>da</strong> = a , e assim <strong>da</strong> = 0 .<br />
• d ( u + v ) = du + dv<br />
Justificativa: d( u + v ) = ( u + du ) + ( v + dv ) - ( u + v ) =<br />
= ( u + v ) + du + dv - ( u + v ) = du + dv.<br />
• d ( uv ) = udv + vdu<br />
Justificativa: d( uv ) = ( u + du )( v + dv ) - uv =<br />
= uv + udv + vdu − uv = udv + vdu.<br />
u vdu - udv<br />
• d ( ) =<br />
2 v v<br />
u u + du u v(<br />
u + du ) - u(<br />
v + dv )<br />
Justificativa: d ( ) = − =<br />
=<br />
v v + dv v v(<br />
v + dv )<br />
uv + vdu - uv - udv vdu - udv<br />
=<br />
= .<br />
2<br />
2<br />
v + vdv v<br />
n n-1<br />
• du = nu du .<br />
Para a soma de<br />
to<strong>da</strong>s as áreas,<br />
Leibniz usou o<br />
símbolo ∫ . Assim, a<br />
área total sob a<br />
curva seria ∫ ydx e<br />
como, área (OCD) – área (OAB) = ydx, a diferencial <strong>da</strong><br />
280<br />
área, era <strong>da</strong><strong>da</strong> por d ( ydx ) = ydx .<br />
∫<br />
Leibniz enfatizou o aspecto somatório <strong>da</strong> “integral”, e também<br />
colaborou para fazer com que a própria palavra tivesse aceitação.<br />
Porém, enquanto atualmente se pensa em termos de limites de uma<br />
soma característica de grandezas finitas, Leibniz considerou uma<br />
soma, de fato, de quanti<strong>da</strong>des infinitamente pequenas ou<br />
infinitésimas e isso explica o fato de ter usado como símbolo de<br />
integração uma forma alonga<strong>da</strong> de um tipo antigo <strong>da</strong> letra S, inicial<br />
de summa (soma).<br />
Associado ao nome de Leibniz tem-se ain<strong>da</strong> algumas outras<br />
notações, como o “X” para multiplicação; além de alguns nomes<br />
usados atualmente como, por exemplo, cálculo diferencial, cálculo<br />
integral, função, coordena<strong>da</strong>s cartesianas e o curioso termo<br />
osculação.<br />
Os Os inventores inventores do do Cálculo<br />
Cálculo<br />
Newton e Leibniz são ou não são os inventores ou criadores do<br />
cálculo?<br />
Para responder essa questão alguns pontos precisam ser<br />
ponderados. Afirma-se que Eudoxo inventou o cálculo integral com<br />
o seu método de exaustão e que Arquimedes aprofundou-o<br />
consideravelmente. Fermat foi considerado o ver<strong>da</strong>deiro inventor do<br />
cálculo diferencial, mas Descartes, Pascal, Cavalieri, Barrow, Wallis<br />
e outros contribuíram muito, tanto para o cálculo integral<br />
(quadraturas) como para o cálculo diferencial (encontrar tangentes a<br />
curvas).<br />
E então por que Newton e Leibniz são os criadores do cálculo<br />
diferencial e integral?<br />
A defesa baseia-se em três considerações:<br />
1. Os vários métodos infinitesimais dos predecessores de Newton e<br />
Leibniz eram muito restritos (eles muitas vezes foram aplicáveis<br />
somente para classes especiais de curvas) e não foram reconhecidos<br />
como inter-relacionados. Leibniz e Newton criaram um sistema<br />
coerente de métodos para resolver problemas sobre curvas e o<br />
importante é que esses métodos não dependeram <strong>da</strong> natureza<br />
particular <strong>da</strong>s curvas trata<strong>da</strong>s. Portanto, o alcance de tais métodos
281<br />
foi mais amplo do que o dos métodos anteriores e pode-se dizer que<br />
através deles os métodos infinitesimais chegaram a formar uma<br />
teoria coerente e poderosa. Em resumo, foram as suas obras que<br />
permitiram falar em cálculo pela primeira vez.<br />
2. A coerência dos sistemas de Leibniz e Newton foi atingi<strong>da</strong> devido<br />
ao reconhecimento do teorema fun<strong>da</strong>mental do cálculo: a relação<br />
inversa entre a diferenciação e a integração. Através dele<br />
reconheceu-se o relacionamento recíproco entre os problemas de<br />
quadraturas e tangentes, que foram considerados anteriormente<br />
como problemas separados.<br />
3. Newton e Leibniz criaram um sistema de notações pelo qual<br />
podiam aplicar analiticamente seus novos métodos que, assim,<br />
foram explicitados na forma de algoritmo mais claro e por um<br />
aparato de fórmulas para as regras do cálculo.<br />
Exercícios Exercícios<br />
Exercícios<br />
1. A dúvi<strong>da</strong> sistemática, como a de Descartes, aju<strong>da</strong> ou não no<br />
desenvolvimento <strong>da</strong> matemática? Explique.<br />
2. Compare a influência de Descartes com a de Fermat no<br />
desenvolvimento <strong>da</strong> matemática.<br />
3. Usando o método de Descartes, encontre a normal a y² = 4x no<br />
ponto (1,2).<br />
2 = no<br />
4. Usando o método de Fermat, encontre a tangente a x 4y<br />
ponto (2,1).<br />
5. Use o método de Fermat para encontrar os valores máximo e<br />
2<br />
mínimo de f (x) = ( x + 1)(<br />
2x<br />
+ 5x<br />
− 7).<br />
6. Encontre 2 1<br />
2 n<br />
+<br />
7. Escreva 3 como fração contínua.<br />
para n = 0, 1, 2, 3 e verifique que são primos.<br />
282<br />
8. Escreva a raiz positiva <strong>da</strong> equação x + 3x<br />
= 4 como fração<br />
contínua.<br />
9. Use o método de Barrow para achar a subtangente à curva<br />
2 3<br />
y = x + 2x no ponto (2,20).<br />
0 + 1 + 2 + ⋅⋅<br />
⋅ + n 1 1<br />
10. Verifique a fórmula de Wallis = + ,<br />
3 3 3<br />
3<br />
n + n + n + ⋅⋅<br />
⋅ + n 4 4n<br />
para n = 1, 2, 3, 4.<br />
1<br />
2 n<br />
11. Verifique a fórmula de Wallis ( ) ( n!<br />
)<br />
x − x dx =<br />
n = 1, 2, 3, 4.<br />
3<br />
3<br />
2<br />
3<br />
∫ , para<br />
0<br />
( 2 n + 1)!<br />
12. Compare as contribuições de Newton e Leibniz à notação<br />
matemática.<br />
3<br />
2
O O SÉCULO SÉCULO DAS DAS LUZES<br />
LUZES<br />
(Século (Século XVIII)<br />
XVIII)<br />
“Senhor, não precisei dessa hipótese.” (Laplace)<br />
283<br />
Trata-se de um século interessante se for considerado que a<br />
geometria analítica e o cálculo foram inventados no século XVII e o<br />
surgimento do rigor matemático e o florescimento <strong>da</strong> geometria, <strong>da</strong><br />
álgebra, <strong>da</strong> análise, etc., estão associados ao XIX. Nunca é para o<br />
século XVIII que se olha para destacar as tendências significativas<br />
na matemática e isso está em contraste marcante com o que ocorre<br />
em outros campos.<br />
Para os americanos (do norte) a <strong>da</strong>ta 1776 foi decisiva para a<br />
sua independência; na França o ano de 1789 foi crucial para a<br />
chega<strong>da</strong> <strong>da</strong> burguesia ao poder. E a era de revoluções não se<br />
restringiu à política. A revolução Industrial, causa<strong>da</strong> pela utilização<br />
de máquinas modernas, mudou to<strong>da</strong> a estrutura social do ocidente.<br />
O século XVIII foi o do Iluminismo, movimento surgido na<br />
Europa, em oposição ao Absolutismo. Teve origem nas idéias de<br />
Descartes e Newton, her<strong>da</strong>ndo delas o racionalismo, a dúvi<strong>da</strong>, o<br />
formalismo e o mecanicismo. Representou a busca <strong>da</strong> razão e a<br />
predominância <strong>da</strong> lógica. De forma genérica, a razão seria o<br />
supremo guia do indivíduo. Vem dessa época também, a crença na<br />
liber<strong>da</strong>de econômica, na liber<strong>da</strong>de individual e, na igual<strong>da</strong>de de<br />
todos os homens perante a lei.<br />
Esse contexto forçou a imagem de um Deus destituído de<br />
poderes; um ser que teria criado tudo de modo lógico e<br />
conseqüentemente matemático. Assim, dispensaram-se os ritos e as<br />
orações para louvar o Senhor, pois a nova ordem era alimenta<strong>da</strong><br />
apenas pela observação <strong>da</strong> natureza. O homem descobriu que o<br />
universo era regido por leis físicas eternas e imutáveis; portanto, o<br />
Criador, se existisse um, estaria refletido na própria natureza.<br />
Com esse novo pensamento, sérias críticas foram feitas à Igreja,<br />
que se preocupava com as suas missas artificiais e distanciava-se<br />
ca<strong>da</strong> vez mais dos ideais iluministas. Em suma, o Iluminismo<br />
284<br />
opunha-se à superstição, à autori<strong>da</strong>de despótica e à tradição.<br />
Prescrevia a razão cartesiana, como única maneira para se construir<br />
um mundo melhor.<br />
A ativi<strong>da</strong>de científica dessa época, centrava-se geralmente nas<br />
academias, <strong>da</strong>s quais se destacavam as de Paris, Berlim e São<br />
Petersburgo. O ensino universitário desempenhava um papel menor<br />
ou mesmo nulo. Alguns dos principais estados europeus eram<br />
governados por aqueles que têm sido chamados de déspotas<br />
iluminados.<br />
Frederico-o-grande, Catarina-a-grande, aos quais se<br />
acrescentam Luís XV, Luís XVI e o Marquês de Pombal são alguns<br />
desses déspotas que aspiravam à glória e, para seu prazer,<br />
rodeavam-se de homens cultos. Esse prazer era uma espécie de<br />
esnobismo intelectual, temperado por uma certa compreensão do<br />
papel importante que as ciências naturais e a matemática aplica<strong>da</strong><br />
desempenhavam na modernização <strong>da</strong>s manufaturas e no aumento de<br />
eficácia <strong>da</strong> força militar.<br />
Diz-se, por exemplo, que a perfeição <strong>da</strong> arma<strong>da</strong> francesa se<br />
devia ao fato de, na construção de fragatas e barcos de linha, os<br />
mestres de construção naval terem sido guiados, em parte, pela<br />
teoria matemática. Os trabalhos de Euler eram ricos em aplicações a<br />
questões importantes para o exército e a marinha. A astronomia<br />
continuou a desempenhar um papel de destaque como mãe adotiva<br />
<strong>da</strong> investigação matemática sob a proteção real e imperial.<br />
A matemática no século <strong>da</strong>s luzes começou com os métodos<br />
infinitesimais. Foi nele que se desenvolveram os cálculos,<br />
diferencial, integral e <strong>da</strong>s variações e também as teorias analíticas e<br />
infinitesimais de curvas e superfícies.<br />
Nesse período pode-se dizer que a matemática era escrava <strong>da</strong><br />
física, sendo sua característica principal a falta de rigor absoluto. O<br />
objetivo maior dos matemáticos seria estu<strong>da</strong>r as ciências <strong>da</strong> natureza<br />
e, assim, preocupados com as aplicações usavam mais a intuição que<br />
a perfeição lógica.<br />
A grande expansão do volume de conhecimentos científicos,<br />
adquiridos nesse período, gerou a crescente especialização. Tornavase<br />
ca<strong>da</strong> vez mais dificil a um único sábio abarcar, simultaneamente,<br />
o âmbito <strong>da</strong> filosofia, <strong>da</strong> matemática, <strong>da</strong> física, <strong>da</strong> química e <strong>da</strong>s<br />
ciências naturais.
A A <strong>Matemática</strong> <strong>Matemática</strong> e e a a Mecânica<br />
Mecânica<br />
285<br />
Dentre os matemáticos importantes do século XVIII, Euler e os<br />
Bernoulli, no continente, e MacLaurin, na Escócia, desempenharam<br />
os primeiros papéis no sentido de sistematização do cálculo,<br />
enquanto Lagrange e Laplace tiveram proeminência no<br />
desenvolvimento <strong>da</strong> mecânica analítica e <strong>da</strong> mecânica celeste,<br />
respectivamente.<br />
Colin MacLaurin (1698 – 1746), foi professor de matemática<br />
em Edimburgo e o seu Tratado <strong>da</strong>s Fluxões de 1742 representou a<br />
primeira exposição lógica e sistemática do método <strong>da</strong>s fluxões de<br />
Newton. As aplicações do método a certos problemas, nele conti<strong>da</strong>s,<br />
foram qualifica<strong>da</strong>s por Lagrange como a obra-prima <strong>da</strong> geometria,<br />
comparável aos mais belos e engenhosos trabalhos de Arquimedes.<br />
Nesse livro encontrava-se o chamado desenvolvimento em série<br />
de MacLaurin, que constituiu um dos capítulos mais importantes do<br />
cálculo atual. No entanto, o próprio MacLaurin reconheceu que a<br />
autoria desse método era devi<strong>da</strong> ao matemático inglês, Brook Taylor<br />
(1685 – 1731). E, de fato, Taylor havia publicado em 1715 a série,<br />
atuamente chama<strong>da</strong> de Taylor, que se escreve,<br />
f ''<br />
( x ) 2<br />
f ( x + h ) = f ( x ) + f ' ( x ) h + h + ... , para uma função f<br />
2<br />
num ponto x.<br />
Bernoulli trata-se de um dos mais notáveis exemplos de uma<br />
família de matemáticos famosos que se sucederam durante varias<br />
gerações. Os irmãos Johann (1667 -1748), professor em Groninga, e<br />
Jakob (1645 – 1708), professor em Basiléia, foram os mais celebres<br />
discípulos de Leibniz.<br />
Irmãos e rivais ferozes que descobriram muitos teoremas de<br />
cálculo a respeito de catenárias, linhas geodésicas, braquistócronas,<br />
etc. A obra póstuma de Jakob, Ars conjectandi de 1713 assinalou<br />
uma época na teoria <strong>da</strong>s probabili<strong>da</strong>des.<br />
Um filho de Johann, Daniel (1700 – 1782), também professor<br />
em Basiléia, depois de permanecer por um certo tempo em São<br />
Petersburgo, usou muito bem os métodos matemáticos em<br />
problemas de mecânica, até então sem solução. Por isso foi<br />
considerado o fun<strong>da</strong>dor <strong>da</strong> física matemática, tendo reconhecido a<br />
286<br />
importância do princípio <strong>da</strong> conservação <strong>da</strong> força, antevisto em<br />
parte por Huygens.<br />
EULER EULER EULER (1707 – 1783)<br />
Leonhard Euler nasceu na Basiléia, Suiça,<br />
e iniciou seus estudos com a intenção de<br />
se tornar ministro religioso, como seu pai.<br />
Adquiriu gosto pela matemática e fez dela<br />
sua principal ocupação após as aulas que<br />
freqüentou como estu<strong>da</strong>nte de Johann<br />
Bernoulli na universi<strong>da</strong>de local. Passou a<br />
maior parte de sua vi<strong>da</strong> nas cortes de São<br />
Petersburgo (1727 – 1741 e de 1766 até<br />
sua morte) e de Berlim (1741 – 1766). A<br />
produção científica de Euler é extensa e<br />
varia<strong>da</strong>, superando a de qualquer outro matemático e distribuindo-se<br />
por todos os ramos – matemática, física, astronomia, engenharia e<br />
construção naval. Em decorrência de uma produção de alta<br />
quali<strong>da</strong>de, ganhava muitos prêmios, que constituíam numa<br />
complementação regular de seu salário.<br />
Um dos mais ambiciosos empreendimentos foi a publicação de<br />
suas obras completas em 45 volumes, mediante a cooperação<br />
internacional. Disciplinas básicas como álgebra, geometria analítica<br />
e cálculo, devem sua forma atual em grande parte aos trabalhos de<br />
Euler.<br />
Muitas notações por ele introduzi<strong>da</strong>s ain<strong>da</strong> estão em uso, como<br />
por exemplo: f(x) para funções; e para a base dos logaritmos<br />
naturais; a, b, c para os lados de um triângulo ABC; s para o<br />
semiperímetro do triângulo ABC; r para o inraio do triângulo ABC;<br />
R para o circunraio do triângulo ABC; Σ para somatórios; i para a<br />
uni<strong>da</strong>de imaginárian − 1 . Também deve-se a Euler a fórmula<br />
= cos x + isenx , que, para x = π torna-se e + 1 = 0 .<br />
Sua Introcutio in analysin infinitorum, de 1748, contém<br />
discussões algébricas e um pouco de cálculo, inclusive, os<br />
desenvolvimentos de e , senx cos x<br />
x<br />
e em séries e, a fórmula<br />
e ix<br />
fun<strong>da</strong>mental = cos x + isenx , com as funções trigonométricas já<br />
e ix<br />
iπ
287<br />
com as notações usa<strong>da</strong>s atualmente. As obras fun<strong>da</strong>mentais de Euler<br />
sobre o cálculo são as Institutiones calculi differentialis, de 1755, e<br />
as Institutiones calculi integralis de 1768.<br />
A Introdução completa à álgebra de Euler <strong>da</strong>ta de 1770. Essa<br />
Introdução foi um dos livros que maior influência exerceu sobre a<br />
álgebra do século dezoito e uma <strong>da</strong>s razões, dentre várias, foi o fato<br />
de ser apresentado numa linguagem clara e sob uma forma<br />
facilmente compreensível. Foi esse livro que, completando o<br />
desenvolvimento iniciado por Viète, fez <strong>da</strong> álgebra uma espécie de<br />
taquigrafia matemática internacional.<br />
Euler formulou a idéia de função, que tem desempenhado papel<br />
tão fun<strong>da</strong>mental na matemática atual, tanto pura como aplica<strong>da</strong>.<br />
Entre os seus trabalhos inclui-se o primeiro tratado sistemático <strong>da</strong>s<br />
variações, de1744.<br />
Em outros campos, Euler foi o primeiro a tratar analiticamente<br />
as vibrações <strong>da</strong> luz e a deduzir a equação <strong>da</strong> curva vibratória em<br />
função <strong>da</strong> elastici<strong>da</strong>de e <strong>da</strong> densi<strong>da</strong>de. Deduziu analiticamente a lei<br />
de refração e explicou que os raios de maior comprimento de on<strong>da</strong><br />
devem sofrer o menor desvio.<br />
Estudou a dispersão em busca de um corretivo para a aberração<br />
cromática <strong>da</strong>s lentes, que Newton declarara irremediável. Foram<br />
essas pesquisas que levaram Dolland a fabricar as suas lentes<br />
acromáticas. Euler foi, assim, o único físico do século XVIII que fez<br />
progredir a teoria ondulatória.<br />
Na sua Mechanica de1736, fez uma exposição coerente <strong>da</strong><br />
mecânica de Newton desenvolvendo, em 1744, suas idéias sobre<br />
astronomia teórica.<br />
A seguir, alguns exemplos do procedimento formal de Euler,<br />
especialmente no tratamento com séries infinitas.<br />
O primeiro volume de Introductio apresentava, do princípio ao<br />
fim, os processos infinitos - produtos infinitos e frações contínuas<br />
infinitas, bem como inúmeras séries infinitas. Quanto a isso, a obra é<br />
generalização natural <strong>da</strong>s idéias de Newton, Leibniz e Bernoulli, que<br />
muito contribuíram no estudo de séries infinitas.<br />
Embora, ocasionalmente, Euler prevenisse quanto ao riso de<br />
trabalhar com séries divergentes, ele próprio usou a série de<br />
288<br />
1<br />
2<br />
potências, = 1+<br />
x + x + ⋅⋅<br />
⋅ para x ≥ 1.<br />
Na ver<strong>da</strong>de, combinou<br />
1−<br />
x<br />
x<br />
2 3<br />
as duas séries = x + x + x + ⋅⋅<br />
⋅ e<br />
1−<br />
x<br />
x 1 1<br />
= 1+<br />
+ 2<br />
x −1<br />
x x<br />
+ ⋅⋅<br />
⋅ e<br />
1<br />
concluiu que ... + 2<br />
x<br />
1<br />
2 3<br />
+ + 1+<br />
x + x + x + ⋅⋅<br />
⋅ = 0.<br />
x<br />
Apesar de sua audácia, por manipulações de séries infinitas,<br />
Euler obteve resultados que tinha fugido a seus predecessores. Entre<br />
esses está a soma de recíprocos dos quadrados perfeitos,<br />
1 1<br />
+ 2 2<br />
1 2<br />
1<br />
+ + ⋅⋅<br />
⋅ . Oldenburg, numa carta a Leibniz de 1673,<br />
2<br />
3<br />
perguntara qual a soma dessa série, mas Leibniz não deu resposta.<br />
Em 1689, Jakob Bernoulli confessou sua incapaci<strong>da</strong>de para<br />
encontrar a soma, embora provasse a sua convergência. Sabe-se<br />
<strong>da</strong> teoria de equações algébricas que a soma dos recíprocos <strong>da</strong>s<br />
raízes , i = 1, 2,<br />
⋅⋅⋅,<br />
n , de um polinômio do tipo<br />
x i<br />
2<br />
n<br />
n x<br />
a x a x a ) x ( p + ⋅ ⋅ ⋅ + + + = 1 é o oposto do coeficiente de x, ou<br />
1<br />
n<br />
2<br />
seja, − = ∑<br />
i= i x<br />
1<br />
a1<br />
.<br />
1<br />
Euler, por descuido ou geniali<strong>da</strong>de, usou esse resultado típico<br />
de polinômios para as séries infinitas. Começou com a já conheci<strong>da</strong>,<br />
3<br />
5<br />
z z z<br />
na época, senz = z − + − + ⋅⋅<br />
⋅ e, então, considerou<br />
3!<br />
5!<br />
7!<br />
senz = 0 , como uma equação polinomial infinita, cujas raízes são<br />
0, ± π,<br />
± 2π,...<br />
Dividindo-se, a seguir, senz por z, tem-se a equação<br />
2<br />
4<br />
6<br />
z z z<br />
0 = 1−<br />
+ − + ⋅⋅<br />
⋅ , cujas raízes são ± π,<br />
± 2π,<br />
± 3π,<br />
⋅⋅<br />
⋅<br />
3!<br />
5!<br />
7!<br />
2<br />
Considerou depois z = w e a equação anterior tornou-se<br />
w w w<br />
0 = 1−<br />
+ −<br />
3!<br />
5!<br />
7!<br />
2<br />
3<br />
+ ⋅⋅<br />
⋅<br />
7<br />
, cujas raízes são π , 4π<br />
, 9π<br />
, ⋅⋅<br />
⋅<br />
Finalmente, aplicando o resultado para polinômios − a1<br />
= ∑<br />
=<br />
2<br />
2<br />
2<br />
n<br />
x<br />
1<br />
,<br />
i 1 i
289<br />
1 1<br />
obtém-se +<br />
2 2<br />
π 4π<br />
1<br />
+<br />
2<br />
9π<br />
1<br />
+ ⋅ ⋅ ⋅ =<br />
3!<br />
e,<br />
finalmente,<br />
1<br />
1 +<br />
2<br />
2<br />
1<br />
+<br />
2<br />
3<br />
1<br />
+ ⋅ ⋅ ⋅ = ∑ 2<br />
n 1 n<br />
2<br />
π<br />
= .<br />
6<br />
∞<br />
=<br />
Usando a série do cosseno em vez do seno, Euler encontrou, de<br />
modo análogo, o resultado ∑ ∞ 2<br />
π<br />
8<br />
1<br />
=<br />
2<br />
n ( 2n<br />
−1<br />
)<br />
e, como corolário,<br />
∞<br />
( −1)<br />
n+<br />
1<br />
= 1<br />
tem-se ∑ = ∑ −<br />
2<br />
2 ∑<br />
∑ ∞<br />
n=<br />
1<br />
n+<br />
1<br />
n<br />
∞<br />
( 2n<br />
−1<br />
)<br />
n= 1 n= 1 n=<br />
1<br />
2<br />
2<br />
2<br />
1<br />
∞<br />
1<br />
( 2n<br />
)<br />
2<br />
, ou seja,<br />
( −1)<br />
π 1 π π<br />
= − ⋅ = .<br />
2<br />
n 8 4 6 12<br />
O interesse de Euler por essas séries sempre foi muito grande, e<br />
mais tarde publicou no Introductio, a soma de recíprocos de<br />
potências pares de n= 2 até n = 26.<br />
D´ALEMBERT D´ALEMBERT (1717 – 1783)<br />
Jean Le Rond d’Alembert, filho natural de<br />
uma marquesa com um Chevalier, foi<br />
abandonado como criança enjeita<strong>da</strong>,<br />
próximo <strong>da</strong> igreja de Saint Jean Le Rond,<br />
em Paris, e levado a um orfanato para ser<br />
<strong>da</strong>do em adoção.<br />
Seu pai biológico, entretanto, providenciou<br />
uma dotação aos pais adotivos para que<br />
d’Alembert recebesse a melhor educação<br />
possível. Os resultados foram excelentes e<br />
não demorou muito para que fosse<br />
reconhecido como grande matemático, cientista e filósofo francês.<br />
Dotado de vasta cultura foi editor, juntamente com Denis Diderot<br />
(1713-1784), <strong>da</strong> famosa Encyclopédie, de 1751 (Enciclopédia, ou<br />
dicionário explicativo <strong>da</strong>s ciências, <strong>da</strong>s artes e dos ofícios) com 28<br />
volumes, <strong>da</strong> qual escreveu muitos tópicos que corporificavam a<br />
crença iluminista no conhecimento racional e na ciência.<br />
D’Alembert correspondeu-se por vários anos com Euler e as<br />
discussões foram de tal modo produtivas que contribuíram para<br />
290<br />
avanços em áreas como equações diferenciais ordinárias ou parciais,<br />
dinâmica, fun<strong>da</strong>mentos do cálculo, convergência de séries, etc.<br />
Reconhecendo que a idéia de grandezas infinitesimais era muito<br />
frágil, como fun<strong>da</strong>mento para o cálculo, d’Alembert foi o primeiro a<br />
defender o uso do conceito de limite nos artigos Différential, de<br />
1754, e Limite, de1765, publicados na Encyclopédie.<br />
No artigo Sur les principles métaphysiques du calcul<br />
infinitesimal (Sobre os princípios metafísicos do cálculo<br />
infinitesimal), de 1768, d’Alembert argumentou que o cálculo<br />
operava com os limites <strong>da</strong>s razões de diferenças finitas, de<br />
quanti<strong>da</strong>des variáveis inter-relaciona<strong>da</strong>s. A seguir formalizou a<br />
seguinte definição: Limite substantivo (matemática). Diz-se que uma<br />
grandeza é o limite de outra grandeza quando a segun<strong>da</strong> pode<br />
aproximar-se <strong>da</strong> primeira tanto quanto se queira, embora a<br />
primeira grandeza nunca possa exceder a grandeza <strong>da</strong> qual ela se<br />
aproxima; de modo que a diferença entre tal quanti<strong>da</strong>de e seu limite<br />
é absolutamente indeterminável.<br />
D’Alembert escrevia facilmente sobre vários assuntos,<br />
incluindo questões fun<strong>da</strong>mentais em matemática, como essa<br />
tentativa de definir limites. O teorema fun<strong>da</strong>mental <strong>da</strong> álgebra é<br />
chamado, ao menos na França, de teorema de d’Alembert, devido a<br />
sua tentativa de prová-lo em 1746. Escreveu também sobre<br />
probabili<strong>da</strong>des, embora nem sempre com grande êxito.<br />
Progressos Progressos <strong>da</strong> <strong>da</strong> mecânica mecânica teórica teórica e e celeste celeste<br />
celeste<br />
LAGRANGE LAGRANGE (1736 – 1813)<br />
Joseph-Louis Lagrange nasceu em Torino,<br />
Itália, onde tornou-se professor de<br />
matemática <strong>da</strong> Escola Real de Artilharia aos<br />
19 anos. Aos 25 anos já era reconhecido<br />
como um dos maiores matemáticos e, em<br />
1776, aceitou o convite para substituir Euler<br />
em Berlim, já que este voltaria para São<br />
Petersburgo. Viria satisfazer assim o<br />
expresso desejo de Frederico II, segundo o<br />
qual era preciso que o maior geômetra <strong>da</strong>
291<br />
Europa vivesse junto ao maior dos reis. Com a morte de Frederico<br />
em 1787, Lagrange transferiu-se para Paris, onde permaneceu pelo<br />
resto de sua vi<strong>da</strong>. É claro que Lagrange escreveu muito menos que<br />
Euler, mas a perfeição e o grande alcance de seus trabalhos deramlhe<br />
fama, podendo até ser equiparado a Euler.<br />
Sua obra mais famosa, a Mécanique Analytique, concebi<strong>da</strong> em<br />
sua juventude, mas só publica<strong>da</strong> em 1788, foi um estudo magistral e<br />
completo sobre o assunto. Nela, com o auxílio dos novos métodos<br />
matemáticos, mostrou a sua dependência de alguns princípios<br />
fun<strong>da</strong>mentais e, com isso, a mecânica se estabelecia como um ramo<br />
<strong>da</strong> análise matemática. A significação e a importância desse trabalho<br />
são, dentro do seu campo, comparáveis às dos Princípia de Newton.<br />
Em 1797, Lagrange publicou um livro intitulado Théorie des<br />
fonctions analytiques, no qual procurava resolver o problema <strong>da</strong><br />
fun<strong>da</strong>mentação do cálculo em bases puramente algébricas, sem a<br />
necessi<strong>da</strong>de de considerar grandezas infinitesimais.<br />
Partindo <strong>da</strong> série de Taylor de uma <strong>da</strong><strong>da</strong> função, ele introduziu<br />
as sucessivas deriva<strong>da</strong>s dessa função, em termos dos coeficientes de<br />
sua série. Em outras palavras, para ca<strong>da</strong> função f, e para ca<strong>da</strong> ponto<br />
x, f(x + h) poderia ser desenvolvi<strong>da</strong> como uma série de potências em<br />
'<br />
h: f(x + h) = f(x) + Ah + Bh²+ + Ch³ + etc. em que, A = f ( x ) ,<br />
''<br />
'''<br />
f ( x ) f ( x )<br />
B = , C = , etc. Importante observar que a notação f’,<br />
2!<br />
3!<br />
'''<br />
f’’, f , etc., usa<strong>da</strong> atualmente, foi introduzi<strong>da</strong> por Lagrange nesse<br />
trabalho.<br />
Essa construção se assentava na premissa de que to<strong>da</strong> função<br />
possui desenvolvimento em série de Taylor, o que em geral é falso.<br />
Ao fazê-lo, Lagrange pensava ter eliminado a inexatidão inerente<br />
aos infinitesimais e aos limites, e pensava ter reduzido os conceitos<br />
do cálculo a simples álgebra.<br />
Mas sua tentativa esbarrou nessa questão; não é ver<strong>da</strong>de que<br />
f(x + h) possa sempre ser desenvolvi<strong>da</strong> como uma série de potências<br />
em h, e, para as que podem, há ain<strong>da</strong> o problema <strong>da</strong> convergência<br />
<strong>da</strong>s séries, que pode ser discutido somente em termos de limites.<br />
Entretanto, o enfoque de Lagrange foi importante, pois<br />
apresentou uma concepção diferente <strong>da</strong> deriva<strong>da</strong>. Os matemáticos<br />
292<br />
dy<br />
antes dele consideravam como a razão de duas diferenciais,<br />
dx<br />
correspondendo a duas variáveis independentes x e y. Lagrange<br />
especificou a relação entre x e y considerando y como uma função<br />
de x e as deriva<strong>da</strong>s sucessivas de f também como funções de x. Seu<br />
trabalho, portanto, contém um passo importante para a<br />
transformação do cálculo, de uma teoria de variáveis e suas<br />
diferenciais para uma teoria de funções e suas deriva<strong>da</strong>s.<br />
Vale lembrar que, embora, não tenha tomado parte significativa<br />
no desenrolar dos acontecimentos políticos, Lagrange foi um dos<br />
matemáticos que participaram <strong>da</strong> revolução francesa, chegando a ser<br />
chefe <strong>da</strong> comissão de pesos e medi<strong>da</strong>s. Na disputa para se escolher a<br />
base do sistema métrico, se dez ou doze, Lagrange argumentou que<br />
a base deveria ser um número primo, onze, por exemplo. Em 1799 o<br />
trabalho <strong>da</strong> comissão estava pronto e o sistema métrico decimal, em<br />
uso atualmente, se tornou uma reali<strong>da</strong>de.<br />
Os trabalhos de Lagrange incluem importantíssimas<br />
contribuições para a solução <strong>da</strong>s equações diferenciais e para o<br />
cálculo <strong>da</strong>s variações. A sua grande capaci<strong>da</strong>de de análise foi<br />
aplica<strong>da</strong> com êxito também a problemas de astronomia e cartografia.<br />
LAPLACE LAPLACE (1749 – 1827)<br />
Pierre-Simon, marquês de Laplace, de<br />
procedência norman<strong>da</strong>, desempenhou papel de<br />
grande destaque nas ativi<strong>da</strong>des cientificas do<br />
período napoleônico. Os cinco volumes <strong>da</strong> sua<br />
Mécanique Celeste não deixou dúvi<strong>da</strong>s quanto a<br />
sua importância para a continui<strong>da</strong>de dos<br />
trabalhos de mecânica, desde os tempos de<br />
Newton.<br />
Laplace alimentava a eleva ambição de oferecer<br />
uma solução completa do grande problema de mecânica apresentado<br />
pelo sistema solar e fazer com que a teoria coincidisse de modo tão<br />
exato com a observação, que já não houvesse equações empíricas<br />
nas tábuas astronômicas.
293<br />
Via no cálculo apenas um meio necessário para resolver<br />
problemas físicos, embora tivesse mostrado uma habili<strong>da</strong>de quase<br />
fenomenal com os métodos utilizados. Contanto que os resultados<br />
obtidos fossem ver<strong>da</strong>deiros, <strong>da</strong>va-se pouco trabalho para explicar os<br />
meios por que chegara até eles.<br />
Nunca buscou a elegância ou a simetria nos seus métodos e<br />
estava satisfeito quando podia, por qualquer meio, resolver a questão<br />
particular em exame. Nathaniel Bowditch, o tradutor americano <strong>da</strong><br />
sua grande obra, fez a respeito uma observação significativa: sempre<br />
que encontro um dos “assim se torna evidente” de Laplace, adquiro<br />
a certeza de que terei de despender horas de trabalho aturado para<br />
preencher a lacuna, descobrindo e demonstrando o porquê de tal<br />
evidência.<br />
Empreendeu Laplace um estudo completo do grande problema<br />
dos três corpos, ou seja, “<strong>da</strong><strong>da</strong>s, em qualquer instante, as posições e<br />
os movimentos de três corpos que gravitam uns para os outros,<br />
determinar suas posições e movimentos em qualquer outro instante”.<br />
Sem o resolver inteiramente, conseguiu explicar, em grande parte as<br />
discrepâncias em questão.<br />
Na sua Exposition du système du monde, Laplace nunca usou<br />
uma fórmula algébrica ou um diagrama geométrico, e apresentou os<br />
argumentos em favor <strong>da</strong> sua hipótese nebular, dentro <strong>da</strong>s seguintes<br />
linhas gerais: a despeito <strong>da</strong> separação dos planetas, mantêm eles<br />
entre si certas relações dignas de nota – todos os planetas revolvem<br />
em redor do Sol, na mesma direção e quase no mesmo plano; os<br />
satélites também revolvem em torno dos seus planetas, nessa mesma<br />
direção e quase no mesmo plano; finalmente, Sol, planetas e<br />
satélites revolvem no mesmo sentido em torno dos seus eixos, e essa<br />
rotação se verifica aproxima<strong>da</strong>mente no plano orbital.<br />
Essas concordâncias não podem ser acidentais. Laplace<br />
procura-lhes a causa na existência de uma vasta massa nebulosa<br />
primitiva, formando uma espécie de atmosfera em volta do Sol e<br />
estendendo-se até além do planeta mais exterior. Em especial,<br />
Laplace sustentou a estabili<strong>da</strong>de do sistema solar. Sua Mecânica<br />
Celeste foi qualifica<strong>da</strong> como edição “infinitamente” amplia<strong>da</strong> e<br />
enriqueci<strong>da</strong> dos Princípia de Newton.<br />
294<br />
Laplace fez também importantes avanços na teoria <strong>da</strong>s<br />
probabili<strong>da</strong>des e seus trabalhos sobre equações diferenciais ain<strong>da</strong><br />
são úteis na engenharia e no eletromagnetismo.<br />
O O conhecimento conhecimento matematizado<br />
matematizado<br />
matematizado<br />
A partir do século XVIII a matemática passou a ser considera<strong>da</strong><br />
por muitos sábios como o ideal, cujos métodos exatos e completos<br />
deviam ser igualados por outros ramos de conhecimento menos<br />
desenvolvidos. Desse modo, a versão popular <strong>da</strong> Mecânica Celeste<br />
de Laplace, por ele mesmo apresenta<strong>da</strong>, foi recebi<strong>da</strong> com avidez, e o<br />
próprio Voltaire se encarregou de defender a filosofia newtoniana.<br />
A lógica e a própria moral foram atraí<strong>da</strong>s para o séquito <strong>da</strong><br />
matemática. Para alguns, o Bem seria uma quanti<strong>da</strong>de positiva e o<br />
Mal, uma quanti<strong>da</strong>de negativa. Para outros, as alegrias e os<br />
desgostos comporiam a vi<strong>da</strong> humana de acordo com as leis <strong>da</strong><br />
adição e competiria aos estadistas tornar o saldo positivo tão grande<br />
quanto possível. Buffon acrescenta à sua história natural, um<br />
suplemento relativo à aritmética moral. A matemática aspira ao<br />
papel de dirigente, tanto na ciência natural como nos assuntos<br />
humanos.<br />
A propósito, é bem divulga<strong>da</strong> uma anedota sobre Napoleão, que<br />
teria provocado Laplace com a observação de que Deus não fora<br />
mencionado no seu livro. Ao que Laplace respondeu: senhor, não<br />
precisei dessa hipótese.<br />
A despeito dessa predileção <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de culta e poli<strong>da</strong>, os<br />
programas oficiais de ensino permaneciam fracos e se mantinham<br />
fiéis à orientação conservadora. Entretanto, poderosas tendências<br />
progressistas, nasci<strong>da</strong>s <strong>da</strong> revolução francesa, concretizaram-se na<br />
fun<strong>da</strong>ção <strong>da</strong> Escola Politécnica, a qual ain<strong>da</strong> tem sido um importante<br />
centro de ativi<strong>da</strong>de matemática. O seu programa incluía, no primeiro<br />
ano, a geometria analítica a três dimensões e a geometria descritiva;<br />
no segundo, a mecânica dos sólidos e dos líquidos; no terceiro, a<br />
mecânica teórica.<br />
O diretor <strong>da</strong> Escola Politécnica, Gaspar Monge (1746 – 1818),<br />
não só era um grande administrador, mas também um eminente<br />
geômetra e professor. A sua Geometria Descritiva, resultado de<br />
preleções feitas na Escola, tornou-se um manual clássico no assunto,
295<br />
sobretudo no capítulo de projeções ortográficas. As suas Aplicações<br />
<strong>da</strong> análise à geometria representaram uma importante contribuição<br />
para a geometria diferencial. Muitos manuais do século XIX<br />
originaram-se de cursos ministrados na Escola Politécnica.<br />
Exercícios<br />
Exercícios<br />
1. Quais ramos <strong>da</strong> matemática foram mais ativamente desenvolvidos<br />
durante os meados do século XVIII?<br />
2. Cite quatro revistas que publicavam artigos de matemática<br />
durante o século XVIII.<br />
3.No século XVIII muitos matemáticos conhecidos mu<strong>da</strong>ram de um<br />
país para outro. Mencione alguns deles, indicando as circunstâncias<br />
que cercaram a mu<strong>da</strong>nça.<br />
4. Descreva as mais importantes contribuições feitas por Euler às<br />
notações matemáticas.<br />
5. Obtenha, a maneira de Euler, a soma <strong>da</strong> série<br />
1 1<br />
+ 2 2<br />
1 3<br />
1<br />
+ 2<br />
5<br />
+ ⋅⋅<br />
⋅ +<br />
1<br />
2<br />
2n<br />
−1<br />
⋅⋅<br />
⋅.<br />
( )<br />
6. Mencione três matemáticos de renome na França que apoiaram a<br />
Revolução e descreva suas ativi<strong>da</strong>des nessa direção.<br />
296
A A MATEMÁTICA MATEMÁTICA MATEMÁTICA SE SE ESTRUTUROU<br />
ESTRUTUROU<br />
(Século (Século XIX)<br />
XIX)<br />
297<br />
“Os filósofos limitaram-se a interpretar o mundo de diversas maneiras; o<br />
que importa é trasformá-lo.” (Karl Marx)<br />
No século XIX muitos são os ramos <strong>da</strong> ciência, <strong>da</strong> técnica, <strong>da</strong>s<br />
artes, etc. que reivindicam a fama de “a mais revolucionária”. A<br />
partir do renascimento a astronomia foi o que mais influiu no<br />
espírito dos filósofos e do ci<strong>da</strong>dão comum.<br />
Copérnico destronou a Terra de sua posição central no universo,<br />
ao passo que Galileu e Newton provaram que os corpos celestes, não<br />
mais divinos e incorruptíveis, também se moviam de acordo com a<br />
dinâmica. Revolucionou-se a concepção que o homem tinha do<br />
Cosmos.<br />
Essa alteração, já assimila<strong>da</strong> no século XIX, não mais causava<br />
preocupação. Os físicos baniram a filosofia de seus laboratórios e<br />
trabalhavam à luz de um realismo apoiado no bom senso, jamais<br />
duvi<strong>da</strong>ndo de que suas descobertas revelassem a estrutura real do<br />
mundo.<br />
A revolução seguinte no pensamento científico viria <strong>da</strong><br />
biologia, sendo Charles Darwin (1809 – 1882) com A origem <strong>da</strong>s<br />
espécies, de 1859, a sua principal figura. A velha teoria <strong>da</strong> evolução<br />
tornou-se digna de crédito mercê de seu conceito de seleção natural,<br />
tendo o homem de reconhecer o seu ver<strong>da</strong>deiro lugar no reino<br />
animal. Então as idéias evolucionistas se espalharam <strong>da</strong> biologia<br />
para outros ramos do conhecimento.<br />
Nas ciências sociais, filosofia, história, economia política, etc.<br />
teria a revolução chama<strong>da</strong> Karl Marx (1818 -1883). O seu livro mais<br />
famoso O Capital, pouco lido e muito temido, ocupou um lugar de<br />
destaque entre os mais editados no mundo. O ponto fun<strong>da</strong>mental <strong>da</strong><br />
doutrina econômica de Marx era que o capitalismo se baseia na<br />
exploração do trabalho.<br />
No plano filosófico, Marx, como um renascentista, se voltou<br />
para a Grécia retomando as teorias de Demócrito e Epicuro,<br />
esqueci<strong>da</strong>s e deturpa<strong>da</strong>s por séculos. Apoiado nos progressos <strong>da</strong><br />
298<br />
ciência, formulou a sua concepção dialética e materialista dos<br />
fenômenos <strong>da</strong> natureza e <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de.<br />
No mundo <strong>da</strong>s artes brilhou Beethoven, que dizia que o objetivo<br />
de sua música era exprimir a essência <strong>da</strong>s coisas, penetrar<br />
profun<strong>da</strong>mente no âmago <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>, até extrair um raio de luz, no qual<br />
poderiam ser vistas as maravilhas <strong>da</strong> natureza humana.<br />
O conhecimento <strong>da</strong> eletrici<strong>da</strong>de levou ao telégrafo elétrico, as<br />
experiências de Fara<strong>da</strong>y sobre o eletromagnetismo conduziram ao<br />
dínamo e à grande indústria <strong>da</strong> engenharia elétrica, e as equações<br />
eletromagnéticas de Maxwell, após experiência de cinqüenta anos,<br />
deram origem à telefonia sem fio, ao ra<strong>da</strong>r e à transmissão pelo<br />
rádio.<br />
Esses fatos mencionados acima são apenas alguns exemplos que<br />
poderiam ser multiplicados quase indefini<strong>da</strong>mente. O século XIX<br />
marcou o início <strong>da</strong> era ver<strong>da</strong>deiramente científica.<br />
E na matemática, houve alguma revolução?<br />
Na matemática prevaleceu o espírito do século; foram várias<br />
revoluções na geometria, álgebra e análise.<br />
A revolução francesa e o período napoleônico criaram<br />
condições favoráveis para o desenvolvimento continuado <strong>da</strong><br />
matemática e demais ciências. O caminho estava aberto para a<br />
revolução industrial no continente europeu e isso criou novas classes<br />
sociais com uma nova visão <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>, interessa<strong>da</strong>s na ciência e na<br />
educação técnica.<br />
As idéias democráticas invadiram a vi<strong>da</strong> acadêmica; o<br />
criticismo ergueu-se contra as formas antiqua<strong>da</strong>s de pensamento; as<br />
escolas e as universi<strong>da</strong>des tiveram de ser reforma<strong>da</strong>s e<br />
rejuvenesci<strong>da</strong>s.<br />
A matemática progrediu com mais fulgor na França e um pouco<br />
mais tarde na Alemanha, países nos quais o corte ideológico com o<br />
passado foi sentido mais profun<strong>da</strong>mente e onde foram feitas<br />
transformações mais radicais, ou tiveram de ser feitas, para preparar<br />
terreno para a nova estrutura econômica e política capitalista. A<br />
nova pesquisa matemática emancipou-se gradualmente <strong>da</strong> antiga<br />
tendência de ver na mecânica e na astronomia a meta final <strong>da</strong>s<br />
ciências exatas.
299<br />
Multiplicaram-se os especialistas interessados na matemática<br />
pela matemática. A ligação com a prática nunca se quebrou<br />
inteiramente, mas tornou-se muitas vezes obscura. Uma divisão<br />
mais acentua<strong>da</strong> que no passado, entre matemáticos “puros” e<br />
“aplicados”, acompanhou o crescimento <strong>da</strong> especialização.<br />
Os matemáticos do século XIX não se encontravam mais nas<br />
cortes reais ou nos salões <strong>da</strong> aristocracia como no século anterior. A<br />
sua principal ocupação não consistia mais em ser membro de uma<br />
academia culta; eram freqüentemente empregados por universi<strong>da</strong>des<br />
ou escolas técnicas e eram professores, assim como pesquisadores.<br />
Lagrange, Bernoulli e Laplace tinham ensinado apenas<br />
ocasionalmente; quanto a Euler houve apenas uma ocorrência, a de<br />
ter ensinado uma jovem princesa quando morou em Berlim. Porém,<br />
agora, aumentava a responsabili<strong>da</strong>de de ensinar e os matemáticos<br />
tornaram-se educadores ou, então, examinadores <strong>da</strong> juventude.<br />
O latim científico foi gradualmente substituído pelas línguas<br />
nacionais e, os matemáticos passaram a ser rotulados segundo sua<br />
especialização. Leibniz, Euler e d’Alembert foram descritos como<br />
matemáticos (ou géomètres), Cauchy por sua vez seria um analista,<br />
Cayley um algebrista e Cantor um pioneiro <strong>da</strong> teoria dos conjuntos.<br />
A época se mostrava favorável aos físicos matemáticos e<br />
também aos estudiosos de estatística matemática ou lógica<br />
matemática. A especialização seria somente quebra<strong>da</strong> por grandes<br />
gênios; e foi dos trabalhos de um Gauss, de um Riemann, de um<br />
Klein ou de um Poincaré que a matemática do século XIX recebeu o<br />
seu maior impulso.<br />
GAUSS GAUSS (1777 – 1855)<br />
Na linha divisória entre a matemática dos<br />
séculos XVIII e XIX dominou a figura<br />
majestosa de Carl Friedrich Gauss – o plebeu<br />
que se tornou príncipe através <strong>da</strong> matemática.<br />
Gauss teve uma existência mais ou menos<br />
solitária como diretor do observatório<br />
astronômico de Göttingen, enriqueceu a<br />
matemática de muitas maneiras e de certa<br />
forma estabeleceu o ritmo <strong>da</strong> expansão dessa<br />
300<br />
ciência. Suas mais profun<strong>da</strong>s descobertas foram realiza<strong>da</strong>s durante a<br />
juventude. Com 18 anos descobriu o método dos mínimos<br />
quadrados, com 19 a possibili<strong>da</strong>de de construir um polígono regular<br />
de 17 lados, com régua e compasso e, com 20, alcançou resultados<br />
de fun<strong>da</strong>mental importância sobre as funções elípticas, assim como,<br />
a primeira prova do teorema fun<strong>da</strong>mental <strong>da</strong> álgebra (ou teorema de<br />
Girard).<br />
Pouco tempo depois publicou a sua obra clássica sobre a teoria<br />
dos números, Disquisitiones arithmeticae (Pesquisas aritméticas),<br />
contribuindo para que essa teoria, como ele mesmo dizia,<br />
continuasse sendo a rainha <strong>da</strong> matemática que, por sua vez, era a<br />
rainha <strong>da</strong>s ciências.<br />
Gauss atuou em muitas outras áreas; em astronomia, por<br />
exemplo, calculou as órbitas dos planetóides, tendo publicado os<br />
resultados em 1809. Trabalhou com geometria diferencial, <strong>da</strong>ndo<br />
grande avanço nessa disciplina introduzi<strong>da</strong> por Euler. Usou funções<br />
complexas em resultados famosos como na demonstração do<br />
teorema fun<strong>da</strong>mental <strong>da</strong> álgebra e na construção do polígono de 17<br />
lados. Contribuiu, ain<strong>da</strong>, na termodinâmica, em geometrias não<br />
euclidianas e foi, com Weber, um dos inventores do telégrafo em<br />
1833.<br />
Probabili<strong>da</strong>des: Probabili<strong>da</strong>des: a a curva curva de de de er erro er ro<br />
Os matemáticos do século XVIII haviam mostrado grande<br />
interesse pela teoria <strong>da</strong>s probabili<strong>da</strong>des. Foi, porém, George-Louis<br />
Leclerc (1707 – 1783), conde de Buffon, um naturalista famoso, que<br />
em 1777 introduziu o primeiro exemplo de uma probabili<strong>da</strong>de<br />
geométrica, conheci<strong>da</strong> como “o problema <strong>da</strong> agulha”: tome-se uma<br />
agulha de comprimento 2L e, de pequena altura, deixe-se cair numa<br />
mesa onde se tenham traçado linhas paralelas separa<strong>da</strong>s uma <strong>da</strong>s<br />
outras por uma distância D, maior que 2L. Desse modo, ao cair, a<br />
agulha poderá ou não cruzar uma dessas linhas. Suponhamos que a<br />
experiência seja feita N vezes e que a agulha cruze C vezes uma<br />
dessas linhas. Então π poderá ser computado dentro de certos<br />
NL<br />
limites prováveis de erro, mediante a fórmula: π<br />
= 4 .<br />
CD
301<br />
O tratamento matemático <strong>da</strong>do por Laplace às probabili<strong>da</strong>des<br />
não só deu precisão às conclusões de astronomia, mas encontrou<br />
aplicação semelhante em muitos campos. Sua Teoria Analítica <strong>da</strong>s<br />
Probabili<strong>da</strong>des marcou época do assunto.<br />
Diz ele no preâmbulo: as questões mais importantes <strong>da</strong> vi<strong>da</strong><br />
giram quase sempre em torno de problemas de probabili<strong>da</strong>de. A<br />
rigor, podemos mesmo dizer que quase to<strong>da</strong> a nossa ciência é<br />
problemática; e entre o pequeno número de coisas que podemos<br />
conhecer com certeza, mesmo nas próprias ciências matemáticas, a<br />
indução e a analogia, os principais meios de descobrir a ver<strong>da</strong>de,<br />
baseiam-se em probabili<strong>da</strong>des, de modo que todo o sistema dos<br />
conhecimentos humanos está relacionado com essa teoria. É<br />
notável que uma ciência que começou pela consideração dos jogos<br />
de azar, se tenha tornado o mais importante objeto de conhecimento<br />
humano. No fundo, a teoria <strong>da</strong>s probabili<strong>da</strong>des na<strong>da</strong> mais é do que<br />
o senso comum reduzido ao cálculo; ela nos permite avaliar com<br />
exatidão aquilo que os espíritos argutos sentem por uma espécie de<br />
instinto que eles próprios são amiúde incapazes de explicar.<br />
Da teoria <strong>da</strong>s probabili<strong>da</strong>des, Gauss deduziu a chama<strong>da</strong> lei dos<br />
erros, representa<strong>da</strong> por uma curva de distribuição normal e<br />
posteriormente aplica<strong>da</strong><br />
à representação gráfica<br />
de grande número de<br />
fenômenos não só de<br />
física e biologia, mas<br />
também de sociologia e<br />
higiene.<br />
Curva de Gauss<br />
Por mais que a ação dos indivíduos moleculares ou humanos<br />
possa parecer inteiramente arbitrária, esse método estatístico<br />
fun<strong>da</strong>mental permite prever o comportamento médio de uma<br />
população.<br />
Trabalhos inaugurais foram realizados neste campo pelo<br />
astrônomo belga Adolphe Quetelet (1796 – 1874). Profun<strong>da</strong>mente<br />
influenciado por Laplace, publicou em 1828, as suas Instructions<br />
populaires sur le calcul des probabilitès, uma <strong>da</strong>s primeiras obras<br />
de divulgação do assunto. Sua obra principal, sobre O homem e o<br />
desenvolvimento de suas facul<strong>da</strong>des, ou Ensaio de física social, de<br />
302<br />
1835, um dos livros mais importantes do século XIX, foi a primeira<br />
tentativa de aplicar a análise matemática ao estudo do homem, e não<br />
só do seu corpo, mas do seu comportamento e <strong>da</strong> sua morali<strong>da</strong>de.<br />
Quetelet mostrou que o método estatístico constitui o único<br />
ponto de vista científico sobre a sociologia e pode ser considerado<br />
como o fun<strong>da</strong>dor desse ramo <strong>da</strong> ciência. Além de outras obras<br />
escreveu também sobre a história <strong>da</strong> ciência na Bélgica.<br />
Depois de Quetelet o método estatístico, deixando de limitar-se<br />
à astronomia e à sociologia, revelou-se o melhor instrumento para<br />
abor<strong>da</strong>r numerosos problemas de biologia, química e física.<br />
Geometrias Geometrias não não euclidianas<br />
euclidianas<br />
A exemplo dos três problemas clássicos de construção, foi<br />
resolvido também no século XIX o intrincado “problema <strong>da</strong>s<br />
paralelas”.<br />
A questão de saber se o postulado <strong>da</strong>s paralelas de Euclides era<br />
independente ou poderia ser derivado dos outros, tinha confundido<br />
os matemáticos por 2000 anos. Ptolomeu tentara encontrar uma<br />
resposta na antigui<strong>da</strong>de, Omar Kayyan e Nasir Eddin na I<strong>da</strong>de<br />
Média e Lambert e Legendre, no século XVIII. Todos esses homens<br />
tinham tentado provar o postulado e haviam falhado, embora<br />
tivessem encontrado alguns resultados interessantes no decurso <strong>da</strong>s<br />
suas investigações.<br />
Gauss foi o primeiro a acreditar na independência do postulado<br />
<strong>da</strong>s paralelas, o que implicava que outras geometrias, basea<strong>da</strong>s numa<br />
outra escolha de axiomas, fossem logicamente possíveis. Gauss<br />
nunca publicou os seus pensamentos sobre esse assunto.<br />
Os primeiros a desafiarem abertamente a autori<strong>da</strong>de de dois<br />
milênios e a construírem uma geometria não euclidiana foram um<br />
russo, Nicolai Ivanovich Lobachevski (1793 – 1856) e um húngaro,<br />
János Bolyai (1802 -1860).<br />
Lobachevski, professor <strong>da</strong> universi<strong>da</strong>de de Kazan, foi o<br />
primeiro a publicar suas idéias. O seu primeiro livro apareceu em<br />
1829 e foi escrito em russo. Poucas pessoas tiveram conhecimento<br />
dele e mesmo uma edição alemã, posterior, recebeu pouca atenção,<br />
embora Gauss tivesse mostrado algum interesse.
303<br />
Bolyai era filho de um professor de matemática de uma ci<strong>da</strong>de<br />
de província <strong>da</strong> Hungria. Esse professor, Farkas Bolyai, estudou em<br />
Göttingen ao mesmo tempo que Gauss e ambos mantiveram uma<br />
correspondência ocasional. Farkas passou muito tempo tentando<br />
provar o quinto postulado de Euclides, mas não chegou a qualquer<br />
conclusão. O seu filho herdou essa paixão e, ao perceber a<br />
impossibili<strong>da</strong>de propôs um novo tipo de geometria, publica<strong>da</strong> quase<br />
na mesma época de Lobachevski.<br />
As teorias de Gauss, de Bolyai e de Lobachevski eram<br />
semelhantes em princípios, embora os seus artigos fossem muito<br />
diferentes. É notável como as novas idéias surgiram<br />
independentemente em Göttingen, Bu<strong>da</strong>peste e Kazan, e no mesmo<br />
período.<br />
Os princípios dessa nova geometria eram estranhos e bem<br />
diversos dos euclidianos. Era possível traçar mais de uma paralela a<br />
uma reta <strong>da</strong><strong>da</strong> por um ponto que esteja fora dessa; a soma dos<br />
ângulos internos de um triângulo era sempre menor que dois retos e<br />
a diferença, em relação a dois retos, era determina<strong>da</strong> em proporção à<br />
área do triângulo. Além disso, a razão entre o comprimento de uma<br />
circunferência e o seu diâmetro seria sempre maior do que π .<br />
Estranhos princípios, mas perfeitamente coerentes; nenhum deles<br />
contradiz os demais.<br />
A geometria não euclidiana – o nome é devido a Gauss –<br />
permaneceu durante várias déca<strong>da</strong>s como um campo obscuro <strong>da</strong><br />
matemática. A maior parte dos matemáticos ignorou-a, a filosofia<br />
kantiana, predominante, recusava tomá-la a sério.<br />
O primeiro grande cientista a compreender plenamente a sua<br />
importância foi Riemann, cuja teoria geral <strong>da</strong>s varie<strong>da</strong>des de 1854,<br />
legitimava de maneira clara não só os tipos existentes de geometrias<br />
não euclidianas, como também outras, chama<strong>da</strong>s depois de<br />
riemannianas. Porém, a aceitação total dessas teorias só chegou<br />
quando a geração posterior a Riemann começou a entender o seu<br />
significado depois de 1870.<br />
304<br />
RIEMANN RIEMANN (1826 – 1866)<br />
George Friedrich Bernhard Riemann, filho de<br />
um pastor luterano, foi educado em condições<br />
modestas. Era uma pessoa tími<strong>da</strong> e fisicamente<br />
frágil. Teve boa instrução em Berlim e depois<br />
em Göttingen onde obteve seu doutoramento<br />
com uma tese sobre teoria <strong>da</strong>s funções de<br />
variáveis complexas, em que aparecem as<br />
equações denomina<strong>da</strong>s de Cauchy-Riemann,<br />
embora essas já fossem conheci<strong>da</strong>s por Euler e<br />
D'Alembert. Nesse trabalho já estabeleceu o<br />
conceito de superfície de Riemann que desempenharia papel<br />
fun<strong>da</strong>mental em análise.<br />
Nomeado professor na Universi<strong>da</strong>de de Göttingen em 1854,<br />
apresentou um trabalho perante o corpo docente e que resultou numa<br />
célebre conferência. Nele estava uma ampla e profun<strong>da</strong> visão <strong>da</strong><br />
geometria e seus fun<strong>da</strong>mentos que até então permanecia<br />
marginaliza<strong>da</strong>.<br />
Ao contrário de Euclides e em sentido mais amplo do que<br />
Lobachevsky, observou que seria necessário tratar-se de pontos, ou<br />
retas, ou do espaço não no sentido comumk, mas como uma coleção<br />
de n-uplas que são combina<strong>da</strong>s segundo certas regras, uma <strong>da</strong>s quais<br />
era a de achar distância entre dois pontos infinitamente próximos.<br />
Para Riemann, o plano era a superfície de uma esfera e uma reta<br />
era um círculo máximo sobre a esfera. De sua sugestão de estu<strong>da</strong>r<br />
espaços métricos em geral com curvatura, tornou-se possível a teoria<br />
<strong>da</strong> relativi<strong>da</strong>de, contribuindo-se assim para o desenvolvimento <strong>da</strong><br />
física.<br />
Riemann provou muitos resultados importantes em teoria dos<br />
números, relacionando-os com a análise, através de uma concepção<br />
intuitiva e geométrica, em contraste com a aritmetização de<br />
Weierstrass.<br />
Um de seus brilhantes resultados foi perceber que a integral<br />
exigia uma definição mais cui<strong>da</strong>dosa do que a de Cauchy e baseado<br />
em seus conceitos geométricos, concluiu que as funções limita<strong>da</strong>s<br />
são sempre integráveis.
Teoria Teoria Teoria dos dos grupos<br />
grupos<br />
305<br />
A álgebra até o início do século XIX era constituí<strong>da</strong> apenas de<br />
técnicas de resoluções de equações algébricas, sendo que há três<br />
séculos não conseguia um progresso significativo. No final do<br />
século XVIII foram vários os fracassos na tentativa de resolver a<br />
equação geral de quinto grau, por meio de radicais.<br />
Os trabalhos de Niels Henrik Abel (1802 - 1829) e Évariste<br />
Galois (1811 - 1832), que revolucionaram a álgebra, colocariam um<br />
ponto final nessas tentativas ao mostrar que uma equação algébrica<br />
de grau maior do que 4, em que os coeficientes são reais ou<br />
complexos, não são resolúveis por radicais.<br />
Galois nesses estudos lançou os fun<strong>da</strong>mentos iniciais <strong>da</strong> teoria<br />
dos grupos que serviria como elemento unificador <strong>da</strong>s diversas áreas<br />
<strong>da</strong> matemática. A partir <strong>da</strong> segun<strong>da</strong> metade do século XIX a álgebra<br />
passaria a tratar do estudo <strong>da</strong>s estruturas algébricas.<br />
Épsilons Épsilons e e Deltas<br />
Deltas<br />
O primeiro matemático a tratar com mais rigor as idéias do<br />
cálculo foi d’Alembert em seu artigo Limite, publicado em 1784 na<br />
Encyclopédie. Os próximos passos, após as críticas severas sofri<strong>da</strong>s<br />
por Newton e Leibniz devido à falta de rigor e fun<strong>da</strong>mentação,<br />
seriam realizados, principalmente, por Bolzano e Cauchy, a<br />
princípio, e posteriormente por Weierstrass e Heine. Foi de Cauchy<br />
o primeiro tratamento detalhado a ser baseado em uma definição<br />
razoavelmente clara do conceito de limite.<br />
BOLZANO (1781-1848)<br />
Bernhard Bolzano viveu sempre em Praga,<br />
Tchecoslováquia, e embora fosse padre, tinha<br />
idéias contrárias às <strong>da</strong> Igreja. Suas descobertas<br />
matemáticas foram muito pouco reconheci<strong>da</strong>s por<br />
seus contemporâneos. Em 1817 publicou o livro<br />
Rein Analytisches Beweis (Prova puramente<br />
analítica), em que prova através de métodos<br />
aritméticos o teorema do anulamento em álgebra,<br />
306<br />
exigindo para isso um conceito não geométrico de continui<strong>da</strong>de de<br />
uma curva ou função.<br />
Bolzano, a essa época, a exemplo de outros matemáticos, já havia<br />
percebido a necessi<strong>da</strong>de de rigor no cálculo.<br />
Mostrou que a prova geométrica intuitiva – uma curva contínua<br />
deve em algum lugar cruzar a reta que separa seus pontos extremos<br />
– era basea<strong>da</strong> em uma inadequa<strong>da</strong> concepção de continui<strong>da</strong>de.<br />
Entender corretamente o conceito de continui<strong>da</strong>de, disse ele, seria<br />
compreender o significado <strong>da</strong> frase: A função f varia de acordo com<br />
a lei <strong>da</strong> continui<strong>da</strong>de para todos os valores de x, que estão dentro<br />
de determinados limites, se x for um valor tal que a diferença<br />
f ( x + ω ) - f(x) possa se tornar menor do que qualquer quanti<strong>da</strong>de<br />
<strong>da</strong><strong>da</strong>, ao se fazer ω tão pequeno quanto se queira. Em outras<br />
palavras, f é contínua em um intervalo contanto que<br />
lim f ( x + ω ) = f ( x ) , para ca<strong>da</strong> x do intervalo.<br />
ω→∞<br />
Em uma obra póstuma de 1850, Bolzano chegou a enunciar<br />
proprie<strong>da</strong>des importantes dos conjuntos infinitos e, apoiando-se nas<br />
teorias de Galileu, mostrou que existem tantos números reais entre 0<br />
e 1, quanto entre 0 e 2, ou tantos em um segmento de reta de um<br />
centímetro quanto em um segmento de reta de dois centímetros.<br />
Parece ter percebido que a infini<strong>da</strong>de de números reais é de tipo<br />
diferente <strong>da</strong> infini<strong>da</strong>de de números inteiros, sendo não enumeráveis,<br />
estando mais próximo <strong>da</strong> matemática atual do que qualquer um de<br />
seus contemporâneos.<br />
Em 1834, Bolzano havia imaginado uma função contínua num<br />
intervalo e que não tinha deriva<strong>da</strong> em nenhum ponto desse intervalo,<br />
mas o exemplo <strong>da</strong>do não ficou conhecido em sua época, sendo todos<br />
os méritos <strong>da</strong>dos a Weierstrass que se ocupou em redescobrir esses<br />
resultados, cinqüenta anos mais tarde.<br />
Embora o tratamento de Bolzano fosse aritmético ao contrário<br />
do geométrico de Cauchy e, embora os dois nunca tivessem se<br />
encontrado, suas definições de limite, deriva<strong>da</strong>, continui<strong>da</strong>de e<br />
convergência eram semelhantes. Como tinha menos influência que<br />
Cauchy e sua linguagem era mais sofistica<strong>da</strong>, os resultados<br />
passariam a ser conhecidos com o nome de Cauchy. Há quem diga<br />
que Bolzano era "uma voz clamando no deserto".
CAUCHY CAUCHY (1789 – 1857)<br />
307<br />
Augustin-Louis Cauchy nasceu em Paris, logo<br />
após a que<strong>da</strong> <strong>da</strong> Bastilha. Cursou a Escola<br />
Politécnica, onde mais tarde seria um ótimo<br />
professor. Ain<strong>da</strong> como estu<strong>da</strong>nte contou com o<br />
apoio de Laplace e Lagrange que se<br />
interessaram muito por seu trabalho. Cauchy,<br />
que chegou a ser um dos engenheiros militares<br />
de Napoleão era católico devoto e reacionário<br />
convicto que defendia vigorosamente a Ordem<br />
dos Jesuítas. Quando o rei Carlos X foi exilado,<br />
Cauchy também deixou Paris, recebendo mais tarde o título de barão<br />
como recompensa por sua fideli<strong>da</strong>de.<br />
Cauchy produziu grande quanti<strong>da</strong>de de livros e memórias<br />
(artigos), a maioria dedica<strong>da</strong> à matemática pura e sempre <strong>da</strong>ndo<br />
ênfase às demonstrações rigorosas. Uma de suas características<br />
marcantes era que, obtendo um resultado novo, logo tratava de<br />
publicá-lo, ao contrário do que fazia Gauss, que só publicava<br />
quando tivesse atingido a perfeição.<br />
Provavelmente, graças a esse “defeito” de Gauss, cujos padrões<br />
pessoais do rigor eram igualmente elevados é que Cauchy foi<br />
considerado o fun<strong>da</strong>dor do rigor no cálculo, que nessa época passou<br />
a ser denominado, com mais freqüência, de análise matemática.<br />
Não obstante, foram de Cauchy as exposições que marcaram<br />
primeiramente o cálculo com o caráter geral que mantém<br />
atualmente. Continuando a tradição pe<strong>da</strong>gógica <strong>da</strong> École<br />
Polytechnique de Paris, escreveu quatro grandes trabalhos – o Cours<br />
d’analyse de 1821; Résumé des leçons sur le calcul infinitesimal de<br />
1823; Mémoire sur les intégrales definies de 1825 e Leçons sur le<br />
calcul différentiel de 1829 – que foram os primeiros a determinar,<br />
como um objetivo principal, o estabelecimento do rigor completo na<br />
análise matemática.<br />
No início de seu livro Résumé, Cauchy escreveu: Os métodos<br />
que eu segui diferem de muitos modos <strong>da</strong>queles que foram<br />
explicados em outros trabalhos do mesmo tipo. Meu alvo principal<br />
foi reconciliar o rigor com a simplici<strong>da</strong>de com que a consideração<br />
direta de quanti<strong>da</strong>des infinitamente pequenas produz. Por esta<br />
308<br />
razão eu acredito que é meu dever rejeitar o desenvolvimento <strong>da</strong>s<br />
funções em séries infinitas, quando a série obti<strong>da</strong> não for<br />
convergente... no cálculo integral isso ocorre, necessariamente,<br />
para se demonstrar a existência de integrais ou funções primitivas,<br />
antes de tornar conheci<strong>da</strong>s suas diversas proprie<strong>da</strong>des. A fim de<br />
realizar esse objetivo, foi preciso estabelecer inicialmente a noção<br />
de integrais entre dois valores, ou, integrais defini<strong>da</strong>s.<br />
O dispositivo que permitiu “reconciliar o rigor com<br />
infinitesimais” foi uma definição nova dos infinitesimais que evitava<br />
os números fixos infinitamente pequenos de matemáticos anteriores<br />
a ele. Cauchy definiu infinitesimal (un infiniment petit) ou<br />
quanti<strong>da</strong>des infinitamente pequenas (quantite infiniment petite)<br />
como sendo, simplesmente, uma variável cujo limite é zero, ou seja,<br />
diz-se que uma quanti<strong>da</strong>de variável pode ser infinitamente pequena<br />
quando seu valor numérico diminui indefini<strong>da</strong>mente de tal maneira<br />
que ela converge para o valor zero.<br />
Cauchy, em seu Résumé proporcionou um grande avanço em<br />
direção ao rigor. Inicialmente caracterizou um número real através<br />
de classes de seqüências de números racionais, equivalentes entre si,<br />
considerando equivalentes aquelas, cuja diferença tende a zero.<br />
Dispensando a geometria e os infinitésimos ou veloci<strong>da</strong>des,<br />
Cauchy apresentou as seguintes definições:<br />
• Limite: quando valores sucessivos atribuídos a uma variável se<br />
aproximam indefini<strong>da</strong>mente de um valor fixo de modo a finalmente<br />
diferir deste de tão pouco quanto se queira, esse ultimo chama-se o<br />
limite de todos os outros;<br />
• Deriva<strong>da</strong>: ao definir a deriva<strong>da</strong> de y = f(x) com relação a x, Cauchy<br />
deu à variável x um incremento ∆ x = i e formou a razão<br />
∆y<br />
f ( x + i ) − f ( x )<br />
=<br />
. O limite desse quociente de diferenças<br />
∆x<br />
i<br />
quando i se aproxima de zero foi definido como deriva<strong>da</strong> de y com<br />
relação a x.<br />
• Integral: durante o século XVIII a integração tinha sido trata<strong>da</strong><br />
como a inversa <strong>da</strong> derivação. Cauchy definiu a integral em termos<br />
de limites de somas, tomando o valor <strong>da</strong> função sempre na<br />
extremi<strong>da</strong>de esquer<strong>da</strong> dos subintervalos.
309<br />
Se S ( x − x ) f ( x ) + ( x − x ) f ( x ) + ... + ( x − x ) f ( x )<br />
n = 1 0 0 2 1 1<br />
n n−1<br />
n−1<br />
então o limite S dessa<br />
soma, quando os tamanhos<br />
dos intervalos x i − xi−1<br />
,<br />
i = 1, 2 ... n, decresce<br />
indefini<strong>da</strong>mente é a integral<br />
<strong>da</strong> função f no intervalo<br />
x a xn<br />
b.<br />
=<br />
= até<br />
Com a definição de número complexo por classes de<br />
equivalência e, posteriormente com o teorema <strong>da</strong> fórmula integral<br />
e o cálculo de resíduos, Cauchy lançou as bases <strong>da</strong> teoria <strong>da</strong>s<br />
funções de variável complexa. Introduziu várias idéias que fariam<br />
desse ramo uma área de estudos extremamente interessante e fértil<br />
em aplicações.<br />
Data de 1812 seu primeiro trabalho sobre determinantes, com<br />
84 páginas, passando a aplicá-los nas mais diversas situações como,<br />
por exemplo, na propagação de on<strong>da</strong>s, sendo inclusive o primeiro a<br />
usar o termo “determinante”. Juntamente com Navier, Cauchy foi<br />
fun<strong>da</strong>dor <strong>da</strong> teoria matemática <strong>da</strong> elastici<strong>da</strong>de e também auxiliou no<br />
desenvolvimento <strong>da</strong> mecânica celeste.<br />
Cauchy, tanto quanto seu contemporâneo Gauss, contribuiu<br />
para quase to<strong>da</strong>s as áreas <strong>da</strong> matemática e sua grande quanti<strong>da</strong>de de<br />
obras publica<strong>da</strong>s só foi supera<strong>da</strong> por Euler. Foram 789 publicações<br />
entre livros e memórias, algumas muito longas, e é por esse motivo<br />
que a revista Comptes Rendus adotou a norma, ain<strong>da</strong> em vigor, de<br />
limitar a quatro páginas os seus artigos.<br />
0<br />
310<br />
WEIERSTRASS WEIERSTRASS (1815 – 1897)<br />
Durante as suas conferências, Karl Theodor<br />
Wilhelm Weierstrass <strong>da</strong>va ênfase ao que às<br />
vezes se chamou a “teoria estática <strong>da</strong><br />
variável”. Como parte de um programa de<br />
aritmetização, não só contribuiu para uma<br />
definição satisfatória de número real, como<br />
também para uma definição melhora<strong>da</strong> do<br />
conceito de limite. Em 1872, Heinrich Eduard<br />
Heine (1821 – 1881) em seu Elemente<br />
apresentou as principais idéias de seu mestre Weierstrass. Observou<br />
η tal que para 0 < η < η , a<br />
que: Se, <strong>da</strong>do qualquer ε , existir um 0<br />
diferença f ( x0<br />
± η ) − L é menor em valor absoluto queε ,, então L<br />
é o limite de f(x) para x = x0<br />
.<br />
Nessa definição não há sugestão de enti<strong>da</strong>des fluindo e gerando<br />
magnitudes de dimensão superior, nenhum recurso a pontos ou retas<br />
móveis, nenhum abandono de quanti<strong>da</strong>des infinitamente pequenas.<br />
Só restam os números reais, a operação de adição ( e sua inversa) e a<br />
relação “menor que”.<br />
A linguagem sem ambigui<strong>da</strong>des e o novo simbolismo<br />
expulsaram do cálculo a noção de variabili<strong>da</strong>de e tornaram<br />
desnecessário o persistente apelo a infinitesimais fixos. A “i<strong>da</strong>de do<br />
rigor” chegara ver<strong>da</strong>deiramente, substituindo os antigos artifícios<br />
heurísticos e os antigos conceitos intuitivos por precisão lógica<br />
crítica.<br />
Hoje o η de Weierstrass foi substituído por outra letra grega,<br />
δ , mas as definições de limite, continui<strong>da</strong>de e deriva<strong>da</strong> de uma<br />
função, usa<strong>da</strong>s atualmente, são essencialmente as mesmas<br />
introduzi<strong>da</strong>s por Weierstrass e Heine. As chama<strong>da</strong>s provas por<br />
épsilons e deltas são agora parte do instrumental comum dos<br />
matemáticos.<br />
E o que se faz para ensinar esses conceitos difíceis para alunos<br />
iniciantes? Em geral, tenta-se uma conciliação entre o simbolismo<br />
rigoroso de Heine e o apelo geométrico de Cauchy.<br />
0
Números úmeros Reais<br />
Reais<br />
311<br />
No século XIX ocorreu, assim, a chama<strong>da</strong> aritmetização <strong>da</strong><br />
análise, em que, como foi visto, os conceitos de função, limite e<br />
continui<strong>da</strong>de foram melhor definidos. O problema <strong>da</strong> continui<strong>da</strong>de<br />
<strong>da</strong> reta – do conjunto dos números reais – foi solucionado quase<br />
simultaneamente, por George Cantor (1845 – 1918) e Richard<br />
Dedekind (1831 – 1916) em trabalhos independentes, sendo que<br />
para analisar o infinito numérico, Cantor criou a “teoria dos<br />
conjuntos”.<br />
Os Os problemas problemas de de Hilbert<br />
Hilbert<br />
Pode-se constatar também que no século XIX foram construídos<br />
os pilares <strong>da</strong> matemática atual, ou seja, as teorias de conjunto, grupo<br />
e função, além <strong>da</strong>s geometrias não euclidianas.<br />
Apesar desses grandes progressos, o século terminou com uma<br />
série de problemas a serem resolvidos, sendo famoso o discurso de<br />
Hilbert num congresso internacional de matemáticos, realizado em<br />
Paris em 1900, no qual mencionou 23 problemas que aguar<strong>da</strong>vam<br />
solução.<br />
David Hilbert (1862 – 1943), professor em<br />
Göttingen, já havia recebido nessa época o<br />
reconhecimento pelos seus trabalhos sobre<br />
formas algébricas e pelo seu famoso livro,<br />
denominado Grundlagen der geometrie<br />
(Fun<strong>da</strong>mentos <strong>da</strong> Geometria). Esse era, em<br />
muitos aspectos, inspirado no trabalho<br />
pioneiro de Moritz Pasch que estendeu aos<br />
fun<strong>da</strong>mentos <strong>da</strong> geometria o modo de<br />
raciocínio axiomático que, ao mesmo<br />
tempo, levou Frege ao seu trabalho sobre os<br />
fun<strong>da</strong>mentos <strong>da</strong> aritmética.<br />
Hilbert, no seu livro, fez uma análise dos axiomas em que a<br />
geometria euclidiana se baseava e explicou como a pesquisa<br />
axiomática moderna seria capaz de melhorar as realizações dos<br />
gregos antigos.<br />
312<br />
Nessa alocução de 1900, Hilbert tentou captar a direção <strong>da</strong><br />
pesquisa matemática de algumas déca<strong>da</strong>s passa<strong>da</strong>s e esboçar as<br />
linhas gerais do trabalho produtivo futuro.<br />
A seguir tem-se um resumo dos 23 projetos de investigação<br />
pronunciados por Hilbert:<br />
1. O problema <strong>da</strong> cardinali<strong>da</strong>de do contínuo de Cantor. Haverá<br />
algum cardinal entre o contínuo e o enumerável? E o contínuo pode<br />
ser considerado bem ordenado?<br />
2. A consistência dos axiomas aritméticos. Se essa consistência<br />
existe, então a dos axiomas geométricos poderia ser estabeleci<strong>da</strong>.<br />
3. A igual<strong>da</strong>de do volume de dois tetraedros, se a base, a área e a<br />
altura forem iguais. Prová-lo só com a aju<strong>da</strong> <strong>da</strong> divisão e <strong>da</strong><br />
combinação (portanto, sem infinitesimais).<br />
4. O problema <strong>da</strong> linha reta como a ligação mais curta entre dois<br />
pontos. Essa questão foi coloca<strong>da</strong>, por exemplo, pela geometria de<br />
Minkowski e por certos problemas do cálculo <strong>da</strong>s variações.<br />
5. O conceito de Lie de grupo de transformações contínuas sem<br />
postular a diferenciabili<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s funções que definem o grupo. A<br />
questão pode levar a equações funcionais.<br />
6. O tratamento matemático dos axiomas <strong>da</strong> física. Dos axiomas <strong>da</strong><br />
geometria podemos passar aos <strong>da</strong> mecânica racional (tal como, por<br />
exemplo, fez Boltzmann em 1897) e a campos tais como a mecânica<br />
estatística, probabili<strong>da</strong>des, etc.<br />
7. A irracionali<strong>da</strong>de e transcendência de certos números. São<br />
β<br />
exemplos os números <strong>da</strong> forma α para α ≠ 0 algébrico e β<br />
2<br />
algébrico irracional, tal como 2 . Esses números são algébricos ou<br />
transcendentes?<br />
8. Problemas na teoria dos números primos. Referimo-nos à função<br />
zeta de Riemann e à conjectura de Goldbach, segundo a qual
313<br />
qualquer número par é, pelo menos de uma maneira, a soma de dois<br />
primos (Goldbach em 1742 numa carta a Euler).<br />
9. Prova <strong>da</strong> lei mais geral de reciproci<strong>da</strong>de em corpos arbitrários de<br />
números. Isso referia-se a alguns trabalhos mais recentes de Hilbert<br />
sobre corpos de números relativos quadráticos.<br />
10. Decidir se uma equação diofantina com números inteiros é<br />
resolúvel com os tais números relativos quadráticos. Este era um<br />
antigo problema resolvido para certas equações de grau maior que<br />
dois e que se relacionava com o último “teorema” de Fermat.<br />
11. A teoria <strong>da</strong>s formas quadráticas com coeficientes algébricos.<br />
Mais uma vez esse assunto se relaciona com o trabalho de Hilbert<br />
sobre corpos de números.<br />
12. Generalização do teorema de Kronecker sobre corpos abelianos<br />
para um domínio de racionali<strong>da</strong>de arbitrário. Essa questão leva-nos<br />
a um domínio em que as funções algébricas, a teoria dos números e<br />
a álgebra abstrata se encontram.<br />
13. A impossibili<strong>da</strong>de de resolver a equação geral de grau sete<br />
através de funções com duas variáveis apenas. Foi um problema<br />
sugerido pela nomografia, tal como Maurice d’Ocagne o tinha<br />
explicado.<br />
14. A prova do caráter finito de certos sistemas de funções inteiras<br />
relativas. Alargando a noção de funções inteiras a relativganz, esse<br />
problema pede a generalização dos teoremas de finitude <strong>da</strong> teoria<br />
clássica dos invariantes, devi<strong>da</strong> a Hilbert e a Gor<strong>da</strong>n.<br />
15. A fun<strong>da</strong>mentação rigorosa <strong>da</strong> geometria enumerativa de Shubert.<br />
Para isso será necessária uma firme fun<strong>da</strong>mentação algébrica.<br />
16. O problema <strong>da</strong> topologia <strong>da</strong>s curvas e superfícies algébricas. A<br />
resolução desse problema encontra-se apenas no início, embora<br />
tenhamos alguns conhecimentos, especialmente no caso de curvas.<br />
314<br />
17. A representação de funções defini<strong>da</strong>s através de quocientes de<br />
somas de quadrados de funções.<br />
18. Construção (preenchimento) do espaço por poliedros<br />
congruentes. Esse problema relaciona-se com uma questão de teoria<br />
dos grupos e cristalografia e com o trabalho de E. S. Fedorov e A.<br />
Schoenfliesz.<br />
19. As soluções dos problemas variacionais regulares são sempre<br />
analíticas? O termo “regular” está especificamente definido. Hilbert<br />
observou que to<strong>da</strong>s as superfícies de curvatura constante positiva<br />
têm de ser analíticas, não sendo isso válido para as superfícies de<br />
curvatura constante negativa.<br />
20. Os problemas de fronteiras em geral, demonstrando em<br />
particular a existência de soluções de equações diferenciais a<br />
deriva<strong>da</strong>s parciais com valores de fronteira <strong>da</strong>dos e generalizações<br />
de problemas variacionais regulares.<br />
21. Prova <strong>da</strong> existência de equações diferenciais lineares com grupo<br />
de monodromia <strong>da</strong>do. Esse problema foi sugerido pela teoria <strong>da</strong>s<br />
funções fuchsianas de Poincaré.<br />
22. Uniformização de relações analíticas através de funções<br />
automórficas. Foi também sugerido pela prova de Hilbert que a<br />
uniformização de qualquer relação algébrica entre duas variáveis<br />
pode ser obti<strong>da</strong> através de funções automórficas de uma variável.<br />
23. Extensão dos métodos do cálculo <strong>da</strong>s variações. Hilbert<br />
acrescentou esta sugestão de “propagan<strong>da</strong>”, porque achava que,<br />
apesar <strong>da</strong>s contribuições de Weierstrass, esse domínio ain<strong>da</strong><br />
continha muitos pontos insuficientemente investigados e que eram<br />
potencialmente úteis para vários campos <strong>da</strong> matemática e <strong>da</strong><br />
mecânica (tal como o problema dos três corpos).<br />
Hilbert terminou o seu discurso com palavras de encorajamento<br />
e otimismo perante o crescimento praticamente exponencial <strong>da</strong><br />
matemática.
Exercícios<br />
Exercícios<br />
315<br />
1. Descreva algumas diferenças na origem familiar, temperamento e<br />
interesse, entre Gauss e Cauchy.<br />
2. O papel <strong>da</strong> École Polytechnique, uma escola de engenharia,<br />
ajudou ou prejudicou o desenvolvimento <strong>da</strong> geometria no século<br />
XIX? Explique.<br />
3. Dê os nomes de três matemáticos importantes <strong>da</strong> França e três <strong>da</strong><br />
Alemanha durante o século XIX, citando algumas de suas<br />
contribuições principais.<br />
4. Descreva vários aspectos em que a geometria de coordena<strong>da</strong>s no<br />
século XIX diferia <strong>da</strong> de Fermat e Descartes.<br />
5. Considere a proposição:” <strong>da</strong>dos um ponto A e uma reta a, A∉ a ,<br />
no plano determinado por A e a não existe mais do que uma reta que<br />
passa por A e não corta a”. Prove que essa proposição equivale ao V<br />
Postulado de Euclides.<br />
6. Considere o seguinte modelo de geometria não euclidiana (devido<br />
a Felix Klein): chamamos de plano ∑ o interior de um círculo <strong>da</strong>do.<br />
Um ponto de ∑ é um ponto euclidiano nesse plano e uma reta de<br />
∑ é a intersecção de uma reta euclidiana, do plano desse círculo,<br />
com ∑ . Prove que: “<strong>da</strong><strong>da</strong> uma reta a e um ponto P não em a, há<br />
uma infini<strong>da</strong>de de retas por P, paralelas a a.”<br />
7. Defina precisamente as expressões “número real” e “número<br />
Irracional”. Quando e como foi pela primeira vez reconheci<strong>da</strong> a<br />
necessi<strong>da</strong>de de admitir números irracionais e quando e como surgiu<br />
a necessi<strong>da</strong>de de ter uma definição precisa? Explique.<br />
8. Compare a definição de limite de uma função <strong>da</strong><strong>da</strong> por<br />
Weierstrass-Heine com a formula<strong>da</strong> antes por Cauchy, indicando as<br />
vantagens ou desvantagens relativas.<br />
316<br />
9. Faça um resumo sobre a vi<strong>da</strong> e a obra de Galois e Abel. Você<br />
considera também que eles foram gênios ingênuos?<br />
10. Faça um resumo sobre a vi<strong>da</strong> e a obra de Hilbert, principalmente<br />
sobre os 23 projetos conhecidos como “Os Problemas de Hilbert”.<br />
Procure investigar sobre a situação atual de tais problemas indicando<br />
aqueles que ain<strong>da</strong> persistem sem solução.
A A MATEMÁTICA MATEMÁTICA PROPICIOU PROPICIOU MARAVILHAS<br />
MARAVILHAS<br />
(Séculos (Séculos XX XX e e XXI)<br />
XXI)<br />
317<br />
“Enquanto um ramo <strong>da</strong> ciência oferece uma abundância de problemas, ele<br />
está vivo”. ( Hilbert )<br />
Os “problemas de Hilbert”, pronunciados em sua famosa<br />
conferência, estimularam profun<strong>da</strong>mente boa parte <strong>da</strong> pesquisa em<br />
matemática no século XX. Alguns problemas logo foram resolvidos:<br />
o número 3 por Max Dehn em 1904, tendo demonstrado que a prova<br />
nem sempre é possível; o número 17, por Emil Artin (1898 – 1962)<br />
em 1920.<br />
Outros só foram resolvidos em parte, tal como o número 7, por<br />
Alexander Gelfond (1906 – 1968) em 1934. Essa situação é<br />
compreensível, visto que esses problemas, são mais propriamente<br />
programas. É o caso do número 16, que abriu o caminho a um<br />
domínio inteiramente novo. A vasta utilização do cálculo <strong>da</strong>s<br />
variações, não só na matemática pura, mas também em campos tais<br />
como a relativi<strong>da</strong>de, revelou que havia boas razões para a inclusão<br />
do problema 23.<br />
A matemática no mesmo período em que era utiliza<strong>da</strong> por<br />
outras ciências, <strong>da</strong>ndo base a novas teorias (a <strong>da</strong> relativi<strong>da</strong>de, por<br />
exemplo), também era marca<strong>da</strong> pela chama<strong>da</strong> “crise dos<br />
fun<strong>da</strong>mentos”.<br />
As três principais correntes envolvendo os princípios básicos<br />
dessa ciência foram o logicismo, o intuicionismo e o formalismo.<br />
Além de matemáticos, lógicos e lingüistas também se envolveram<br />
nessas discussões.<br />
O logicismo tinha como expoentes Bertrand Russel (1872 –<br />
1970) e Alfred North Whitehead (1861 – 1947). Em sua obra<br />
fun<strong>da</strong>mental, o Principia Mathematica, escrita em 3 volumes entre<br />
1910 e 1913, propuseram-se a reconstruir, sob a influência de Frege,<br />
Cantor e Giuseppe Peano (1858 – 1932), to<strong>da</strong> a base <strong>da</strong> matemática<br />
moderna, começando com hipóteses precisas, fun<strong>da</strong>mentais e<br />
prosseguindo com princípios de lógica estrita. O uso de um<br />
318<br />
simbolismo preciso não deixaria lugar para as ambigüi<strong>da</strong>des <strong>da</strong><br />
linguagem humana.<br />
O Principia permanecerá por muito tempo como um<br />
monumento de trabalho árduo e excelentes intenções. Mas seus<br />
autores conseguiram erigir uma estrutura basea<strong>da</strong> na razão pura, não<br />
macula<strong>da</strong> pela intuição humana? Difícil responder esse tipo de<br />
pergunta e folheando os três volumes constata-se que sua leitura não<br />
é uma tarefa comum. Para consolo há, inclusive, uma anedota<br />
corrente nos meios matemáticos de que apenas duas pessoas leram o<br />
Principia do começo ao fim. Só não é certo se os próprios autores<br />
estão incluídos nessa estimativa.<br />
Essa tentativa de tornar a matemática uma parte <strong>da</strong> lógica não<br />
perturbou muito o ambiente matemático, pois além de não estarem<br />
dispostos a destruir na<strong>da</strong> do conhecimento acumulado, era um<br />
movimento constituído, em sua maioria, por filósofos <strong>da</strong> ciência e<br />
não de matemáticos conceituados.<br />
O intuicionismo foi uma doutrina que teve origem entre os<br />
próprios matemáticos. Segundo ela “só possuem existência real e<br />
significado aqueles objetos matemáticos que podem ser construídos<br />
a partir de certos objetos primitivos, de maneira finita”. Destacam-se<br />
como precursores dessa tendência os matemáticos Leopold<br />
Kronecker (1823 – 1891) e Jan Brouwer (1881 – 1966). Por volta de<br />
1905, Emile Borel (1871 – 1956), René Baire (1874 – 1932) e Henri<br />
Lebesgue (1875 – 1941) também se aproximaram <strong>da</strong>s idéias de<br />
Kronecker, ao criticarem o axioma <strong>da</strong> escolha e os trabalhos de<br />
Ernst Zermelo (1871 – 1953).<br />
Entre outras coisas os intuicionistas não aceitavam as<br />
demonstrações indiretas de tão largo uso desde os gregos. Isso<br />
abalou a matemática tradicional obrigando os especialistas em<br />
fun<strong>da</strong>mentos, a desenvolverem novos métodos para manter as<br />
teorias clássicas.<br />
O formalismo, por sua vez, tentou mostrar que a matemática<br />
consistia num jogo de símbolos com regras defini<strong>da</strong>s, ou seja,<br />
axiomas, definições e teoremas. Seu principal expoente foi Hilbert,<br />
sendo que, mais recentemente, na França, o grupo “Bourbaki” se<br />
aproximou bastante de suas idéias.<br />
Quando em 1931, Hilbert parecia ter atingindo a perfeição com<br />
sua matemática formalista, um lógico-matemático, Kurt Gödel
319<br />
(1906 - 1978) publicou resultados, demonstrando que tal projeto era<br />
irrealizável. No entanto, o formalismo tornou-se a corrente<br />
predominante nos textos matemáticos, ficando as outras correntes<br />
com poucos adeptos.<br />
Relativi<strong>da</strong>de: Relativi<strong>da</strong>de: nova nova forma forma de de de pensar pensar espaço espaço espaço e e tempo tempo<br />
tempo<br />
Em primeiro lugar, deve-se lembrar que a teoria <strong>da</strong> relativi<strong>da</strong>de<br />
tem um suporte matemático incrível. Entendê-la um dia talvez seja a<br />
meta de muitos estu<strong>da</strong>ntes e professores e, plagiando Euclides, não<br />
há caminho mais curto do que aquele de aprender cálculo, física,<br />
álgebra linear e principalmente geometria diferencial.<br />
Mas será mesmo que tudo é relativo?<br />
A propósito, pesquisas realiza<strong>da</strong>s por Ernest Rutherford (1831 –<br />
1937) e outros levaram à conclusão de que o átomo, a uni<strong>da</strong>de<br />
básica de qualquer elemento químico e anteriormente visto como um<br />
corpo sólido, na ver<strong>da</strong>de compreendia uni<strong>da</strong>des ain<strong>da</strong> bem menores.<br />
Max Planck (1858 – 1947), Albert Einstein e outros<br />
demonstraram que o fluxo, aparentemente contínuo, de energia do<br />
Sol, <strong>da</strong>s estrelas e de outras fontes chega em uni<strong>da</strong>des discretas,<br />
finitas, denomina<strong>da</strong>s quantum de energia. Assim, a energia total<br />
passava a ser entendi<strong>da</strong> como forma<strong>da</strong> por um grande número<br />
dessas pequenas quanti<strong>da</strong>des.<br />
Na física clássica entraram em cena um grande número de<br />
partículas transitórias e um elemento de indeterminação, fazendo<br />
com que seus fun<strong>da</strong>mentos fossem revolvidos, nas duas primeiras<br />
déca<strong>da</strong>s do século XX, pela teoria <strong>da</strong> relativi<strong>da</strong>de.<br />
Como to<strong>da</strong>s as teorias revolucionárias, a relativi<strong>da</strong>de teve um<br />
ancestral venerável. Em 1632, em seu Diálogo referente aos dois<br />
principais sistemas de mundo, Galileu escrevera a respeito do<br />
movimento relativo, mostrando que as experiências físicas sobre<br />
corpos em movimento, feitas a bordo de um navio em uma cabina<br />
abaixo dos tombadilhos, não indicariam ao observador se o navio<br />
estava parado ou navegando a veloci<strong>da</strong>de constante. O argumento de<br />
Galileu tinha a finali<strong>da</strong>de de responder a seus críticos sobre as leis<br />
<strong>da</strong> física e <strong>da</strong> Terra em movimento, mas não importava – o princípio<br />
estava lá.<br />
320<br />
Descartes também analisou a questão, e Newton declarou<br />
que o movimento relativo de dois corpos em determinado espaço,<br />
seria o mesmo, quer o espaço estivesse em repouso ou em<br />
movimento uniforme em linha reta, embora, infelizmente, ele tenha<br />
obscurecido o assunto com suas concepções de movimento absoluto<br />
e tempo absoluto.<br />
Em certo sentido, naturalmente, parece que existem padrões<br />
absolutos; julga-se que alguma coisa está estacionária ou se move<br />
apenas por observação. No entanto, não se pode fazer uma<br />
determinação absoluta; se um corpo está parado em relação à Terra,<br />
não o está, certamente, em relação ao Sol. E o Sol não pode ser<br />
considerado como um corpo absolutamente fixo, pois como Willian<br />
Herschel (1792 – 1871) provou, o Sol está se movimentando no<br />
espaço em relação às estrelas, e essas estão to<strong>da</strong>s em movimento.<br />
Parece, portanto, não haver lugar que possamos considerar<br />
como absolutamente em repouso, conclusão confirma<strong>da</strong> em 1889,<br />
depois de um estudo muito cui<strong>da</strong>doso feito por Henri Poincaré.<br />
A análise de Poincaré teve profun<strong>da</strong>s implicações porque, em<br />
sua época, as leis <strong>da</strong> física eram to<strong>da</strong>s basea<strong>da</strong>s em observações<br />
feitas na Terra, que, por conveniência era tacitamente considera<strong>da</strong><br />
em repouso. Entretanto, se em nenhum lugar se estivesse em<br />
repouso, essas leis precisariam ser reexamina<strong>da</strong>s; seriam elas váli<strong>da</strong>s<br />
em um universo onde tudo estivesse em movimento relativo?<br />
Questões como essa foram motivo de dedicação, por muitos anos, de<br />
físicos e matemáticos.<br />
EINSTEIN EINSTEIN (1879 - 1955)<br />
Albert Einstein, nascido em Ulm, na<br />
Alemanha e com formação em física,<br />
trabalhava como examinador no<br />
departamento de patentes, em Berna, na<br />
Suíça, quando publicou seu primeiro artigo<br />
sobre relativi<strong>da</strong>de. O texto apareceu em<br />
1905 nos anais <strong>da</strong> física, sob o título Sobre<br />
a eletrodinâmica dos corpos em<br />
movimento, e era um modelo de clareza,<br />
mostrando que tinha examinado a fundo o<br />
problema e repensado a física básica nele envolvi<strong>da</strong>.
321<br />
Isso levou Einstein a rejeitar qualquer espaço estacionário<br />
absoluto e a existência de um éter; levou-o também a formular novas<br />
equações, a partir <strong>da</strong>s quais resultados de outros estudiosos se<br />
tornam uma conseqüência espera<strong>da</strong>; também concluiu que a<br />
veloci<strong>da</strong>de <strong>da</strong> luz era a maior existente na natureza; na<strong>da</strong> poderia<br />
viajar mais depressa que ela.<br />
Conheci<strong>da</strong> mais tarde como a teoria <strong>da</strong> relativi<strong>da</strong>de restrita<br />
(limitava-se a corpos em movimento relativo entre si, em<br />
veloci<strong>da</strong>des uniformes), foi reconheci<strong>da</strong> imediatamente como de<br />
imensa importância, embora alguns físicos não a tenham aceito.<br />
Com isso Einstein conseguiu um cargo acadêmico em Berna e,<br />
depois, a cadeira de física em Zurique; em 1910 ele se transferiu<br />
para a cátedra de física em Praga.<br />
Einstein não se satisfez com sua teoria especial; começou a<br />
tratar <strong>da</strong> situação muito mais difícil em que os corpos estão em<br />
movimento relativo entre si, mas acelerado, isto é, nas condições<br />
gerais encontra<strong>da</strong>s no mundo natural. Além disso, ain<strong>da</strong> em 1905,<br />
publicou outro texto nos anais <strong>da</strong> física – A inércia de um corpo<br />
depende de seu conteúdo de energia?<br />
2<br />
Foi nele que propôs sua famosa equação E = mc , fórmula<br />
que expressava a relação entre a energia (E) e a massa (m). A letra c<br />
representava a veloci<strong>da</strong>de <strong>da</strong> luz; a fórmula significa que, se<br />
eliminarmos determina<strong>da</strong> massa, a energia emiti<strong>da</strong> será enorme. A<br />
equação <strong>da</strong> energia que está na base <strong>da</strong> geração <strong>da</strong> força nuclear e,<br />
naturalmente, <strong>da</strong> bomba atômica; também tem importantes<br />
implicações em astronomia.<br />
O desenvolvimento <strong>da</strong> teoria geral <strong>da</strong> relativi<strong>da</strong>de, que<br />
incorporaria o movimento acelerado, precisou de tempo; requeria<br />
uma matemática especial, o cálculo tensorial, e só em 1915 é que<br />
Einstein se viu em condições de publicá-la. Quando ela apareceu,<br />
ficou claro que ali estava outro grande passo no entendimento <strong>da</strong><br />
natureza. Como a teoria li<strong>da</strong>va com movimento acelerado e a<br />
gravi<strong>da</strong>de fazia os corpos caírem a uma veloci<strong>da</strong>de acelera<strong>da</strong>, a<br />
relativi<strong>da</strong>de geral era também uma teoria <strong>da</strong> gravi<strong>da</strong>de.<br />
Provava que, embora a gravi<strong>da</strong>de seja associa<strong>da</strong> à massa do<br />
corpo, ela acontece porque o espaço fica distorcido pela presença de<br />
uma grande massa. Na ver<strong>da</strong>de, pode-se dizer que é a distorção do<br />
espaço que ocasiona o que se chama de gravi<strong>da</strong>de.<br />
322<br />
A teoria de Newton estabelecia que a força de atração entre<br />
os corpos depende <strong>da</strong> distância entre eles, mas, na relativi<strong>da</strong>de geral,<br />
essa distância é afeta<strong>da</strong> pela presença <strong>da</strong> matéria. A distância não é a<br />
simples linha reta que normalmente se imagina, mas uma curva, pois<br />
em relativi<strong>da</strong>de as equações atingem sua forma mais elegante e<br />
certamente a mais simples, quando o espaço considerado é não<br />
euclidiano e sim curvo, tal como sugerido no fim <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de 1850<br />
por Riemann.<br />
A diferença é desprezível quando se trata de distâncias<br />
terrestres, mas é significativa para as distâncias astronômicas, como<br />
por exemplo, quando se considera as órbitas planetárias. Na<br />
ver<strong>da</strong>de, uma <strong>da</strong>s primeiras provas <strong>da</strong> vali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> relativi<strong>da</strong>de geral<br />
foi o fato de ela poder determinar com grande precisão a órbita do<br />
planeta Mercúrio, para a qual a gravitação de Newton deu um valor<br />
demasia<strong>da</strong>mente pequeno.<br />
A relativi<strong>da</strong>de geral teve muitas outras conseqüências que<br />
foram verifica<strong>da</strong>s através dos anos e confirma<strong>da</strong>s pela observação,<br />
por mais estranhas que algumas possam parecer. Assim verificou-se<br />
que o tempo não é absoluto; ele parece an<strong>da</strong>r mais depressa para um<br />
observador que está olhando um corpo que viaja muito depressa em<br />
relação a ele, observador.<br />
Isso foi constatado no tempo de vi<strong>da</strong> observado dos mésons e,<br />
sob outras maneiras, usando-se os modernos relógios atômicos de<br />
grande precisão. Corpos que se movem muito depressa em relação a<br />
um observador também parecem crescer em massa, como foi<br />
confirmado por medi<strong>da</strong>s feitas em aceleradores de partículas, onde<br />
as partículas nucleares são acelera<strong>da</strong>s até veloci<strong>da</strong>des que são uma<br />
fração apreciável <strong>da</strong> veloci<strong>da</strong>de <strong>da</strong> luz. Pois aqui, como em todos os<br />
casos esses efeitos <strong>da</strong> relativi<strong>da</strong>de só são notados quando as<br />
veloci<strong>da</strong>des relativas envolvi<strong>da</strong>s são realmente muito grandes.<br />
Talvez a mais espetacular, e certamente a mais significativa, <strong>da</strong>s<br />
novi<strong>da</strong>des <strong>da</strong> relativi<strong>da</strong>de geral tenha sido a curvatura <strong>da</strong> luz <strong>da</strong>s<br />
estrelas. Normalmente pensa-se na luz viajando em linha reta, mas,<br />
se o espaço é curvo, sua trajetória será uma curva – uma geodésia;<br />
mais particularmente, se a luz passa perto de um corpo maciço como<br />
o Sol, então o espaço será mais curvo e a luz irá viajar em um<br />
percurso que se vai desviar ain<strong>da</strong> mais <strong>da</strong> reta.
323<br />
Um eclipse total do Sol é uma ocasião ideal para se<br />
observar tal efeito, já que, quando a Lua passa em frente ao Sol e o<br />
obscurece completamente, as estrelas perto do Sol podem ser<br />
observa<strong>da</strong>s. De acordo com a relativi<strong>da</strong>de geral, tais feixes de luz<br />
estelar deviam ser defletidos pela presença do Sol. Em 1919 ocorreu<br />
um eclipse total em que esse aspecto <strong>da</strong> teoria pôde ser comprovado.<br />
E a teoria de Newton?<br />
A mecânica newtoniana continuou a existir após a teoria <strong>da</strong><br />
relativi<strong>da</strong>de porque é muito mais simples e desempenha<br />
perfeitamente o papel que lhe cabe em um domínio limitado. A idéia<br />
nova fixou talvez definitivamente, as fronteiras desse domínio.<br />
Uma <strong>da</strong>s lições a ser aprendi<strong>da</strong> com a história <strong>da</strong>s realizações<br />
científicas é que nenhuma teoria sobrevive para sempre e que,<br />
muitas vezes, quando parecem solidifica<strong>da</strong>s, novas observações e<br />
novas idéias a substituem por conceitos atualizados. Mas isso é parte<br />
<strong>da</strong> aventura que é a Ciência, parte <strong>da</strong> lenta conquista do enigma que<br />
é o mundo natural.<br />
O O computador computador mudou mudou tudo<br />
tudo<br />
A grande era dos computadores eletrônicos só começou depois<br />
<strong>da</strong> segun<strong>da</strong> guerra mundial; no entanto, os computadores tiveram a<br />
sua interessante pré-história, que remonta a Wilhelm Schickard,<br />
amigo de Kepler, Pascal e Leibniz.<br />
Em 1808, o tecelão Joseph-marie Jacquard, inventou um<br />
método para programar um tear mecânico com cartões perfurados.<br />
Essa idéia foi desenvolvi<strong>da</strong> por Charles Babbage (1792 – 1871)<br />
através <strong>da</strong> sua máquina analítica em 1833. Babbage foi aju<strong>da</strong>do por<br />
Lady Ann Lovelace, filha de Byron.<br />
Essa máquina, que não chegou a ser concluí<strong>da</strong>, continha muitas<br />
idéias básicas usa<strong>da</strong>s em qualquer computador automático: podia<br />
acumular, fazer cálculos, <strong>da</strong>r à manivela e controlar. Mas, visto que<br />
as operações tinham de ser totalmente mecânicas, somente a<br />
eletrônica atual as pôde tornar práticas.<br />
Entre 1884 e 1890, Herman Hollerith, um estatístico norte<br />
americano que colaborou no recenseamento de 1890, desenvolveu<br />
um sistema de mecanismos que operavam sobre cartões perfurados,<br />
um para ca<strong>da</strong> pessoa; ca<strong>da</strong> posição dos furos representava uma<br />
324<br />
condição – profissão, i<strong>da</strong>de, etc. Em 1934, Konrad Zuse, <strong>da</strong><br />
Alemanha, melhorou esse sistema, estu<strong>da</strong>ndo as idéias de Leibniz<br />
sobre o uso do sistema binário.<br />
De forma independente, Vannevar Bush, no MIT<br />
(Massachusetts Institute of Technology), em colaboração com<br />
Norbert Wiener, construiu em 1939, um computador analógico para<br />
calcular certas integrais e para resolver alguns tipos de equações<br />
diferenciais.<br />
Em 1936, em Princeton, Alan M. Turing (1913 – 1954), um<br />
jovem inglês, definiu a máquina de Turing, um modelo abstrato de<br />
uma máquina lógica possível, construí<strong>da</strong> mentalmente para resolver<br />
questões tais como o problema <strong>da</strong> decisão de Hilbert. Mais tarde,<br />
depois de 1945, em Manchester, na Inglaterra, Turing desenvolveu<br />
as idéias para construir computadores práticos. Claude E. Shannon,<br />
então no MIT, deu mais alguns passos em projetos em lógica a<br />
propósito <strong>da</strong> sua teoria <strong>da</strong> informação.<br />
A nova fase dos computadores operacionais começou com o<br />
Mark I, iniciado em 1937, em Harvard, por Howard H. Aiken, com<br />
o apoio <strong>da</strong> IBM (International Business Machines Corporation). A<br />
grande indústria começava a interessar-se, o Mark I tinha todos os<br />
benefícios, financeiros e <strong>da</strong> tecnologia, mas, embora tivesse<br />
dispositivos magnéticos, ain<strong>da</strong> era essencialmente mecânico. Os<br />
aperfeiçoamentos surgiram rapi<strong>da</strong>mente; o Mark I (1945-47)<br />
realizava to<strong>da</strong>s as operações aritméticas e de transferência através de<br />
relais eletromagnéticos.<br />
O primeiro computador eletrônico, o ENIAC, foi concluído na<br />
universi<strong>da</strong>de de Pensilvânia, em Filadélfia, em 1946. Tudo isso era<br />
ain<strong>da</strong> trabalho de universi<strong>da</strong>de, mas pouco tempo depois os<br />
computadores já foram utilizados com objetivos comerciais: a era<br />
dos computadores tinha começado.<br />
Ensino Ensino e e pesquisa pesquisa em em matemática<br />
matemática<br />
O computador entrou na vi<strong>da</strong> <strong>da</strong>s pessoas sem pedir licença e é<br />
difícil encontrar um setor que não esteja informatizado por questão<br />
de comodi<strong>da</strong>de ou pela concorrência. As escolas foram equipa<strong>da</strong>s<br />
com micros e ficou ca<strong>da</strong> vez mais comum a pesquisa, a apresentação<br />
de trabalhos e até aulas completas com a utilização <strong>da</strong> multimídia.
325<br />
A matemática que propiciou a grande revolução digital<br />
também mudou e deverá usufruir <strong>da</strong>s facili<strong>da</strong>des consegui<strong>da</strong>s por<br />
to<strong>da</strong>s as áreas. O ensino <strong>da</strong> matemática ganhou recursos que poderão<br />
facilitar bastante a vi<strong>da</strong> do professor e dos alunos, principalmente.<br />
Resultados positivos se encontram a todo momento em to<strong>da</strong>s os<br />
ramos do conhecimento.<br />
Com bilhões de bits de informação sendo processados ca<strong>da</strong><br />
segundo por computadores, e com mais de 200.000 teoremas de<br />
matemática do tipo tradicional e artesanal sendo demonstrados a<br />
ca<strong>da</strong> ano, está claro que o mundo se encontra em uma i<strong>da</strong>de do ouro<br />
<strong>da</strong> produção matemática.<br />
Essa produção que é grande tem crescido de forma exponencial<br />
mas, apesar dos progressos, há muitos problemas em aberto,<br />
inclusive <strong>da</strong> lista de Hilbert.<br />
Sempre que se procura a solução de um problema, surgem<br />
problemas novos e até novas áreas de pesquisa. A solução<br />
normalmente, é resultado cumulativo de muitos pesquisadores e,<br />
como regra geral, encontram-na mais de uma pessoa ao mesmo<br />
tempo, trabalhando de forma independente.<br />
Como foi mencionado no início deste texto a história <strong>da</strong><br />
matemática poderá ser um guia importante para docentes ou<br />
pesquisadores <strong>da</strong> matemática e até de algumas áreas afins.<br />
Exercícios<br />
Exercícios<br />
1. Descreva as idéias <strong>da</strong>s três principais escolas de pensamento do<br />
século dezenove e início do século XX, quanto aos fun<strong>da</strong>mentos <strong>da</strong><br />
matemática, mencionando uma ou duas figuras importantes de ca<strong>da</strong><br />
uma.<br />
2. Os matemáticos gregos antigos seriam classificados como<br />
formalistas, intuicionistas ou logicistas? Explique.<br />
3. Quais dos números seguintes, são ao que se sabe, transcendentes:<br />
e π e π<br />
π , e , e , π , ( e<br />
2 ) , π<br />
3<br />
, ( 3 π i<br />
2 ) , ln1,<br />
tg , i , log3. Explique.<br />
3<br />
326<br />
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SOBRE O AUTOR<br />
Hermes Antonio Pedroso nasceu em<br />
Aramina, São Paulo, em 26 de fevereiro<br />
de 1953. Licenciou-se em <strong>Matemática</strong><br />
pela Facul<strong>da</strong>de de Filosofia Ciências e<br />
Letras de Araraquara em 1975. Concluiu<br />
o mestrado em <strong>Matemática</strong>, em Teoria<br />
<strong>da</strong>s Singulari<strong>da</strong>des, no Instituto de<br />
Ciências <strong>Matemática</strong>s de São Carlos –<br />
USP, em 1980. É professor junto ao Departamento de <strong>Matemática</strong><br />
<strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho –<br />
UNESP, Campus de São José do Rio Preto, desde 1978. Sua área de<br />
atuação em pesquisa, atualmente, é <strong>História</strong> <strong>da</strong> <strong>Matemática</strong>.