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História da Matemática - Unesp

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HERMES ANTONIO PEDROSO<br />

Setembro/2009


Prefácio<br />

Prefácio<br />

Este livro originou-se como notas de aula <strong>da</strong> disciplina <strong>História</strong><br />

<strong>da</strong> <strong>Matemática</strong>, de 60 horas/aula, ministra<strong>da</strong> nos cursos de<br />

Licenciatura e Bacharelado em <strong>Matemática</strong> do IBILCE – UNESP de<br />

São José de Rio Preto, desde 1991. Na época de sua publicação, em<br />

forma de apostila em 1992, só existiam dois textos em português,<br />

traduções de obras famosas, escritos originalmente em inglês.<br />

Essas obras, clássicas, ain<strong>da</strong> hoje são incluí<strong>da</strong>s em qualquer<br />

bibliografia sobre o assunto, mas nunca se adequaram como guia<br />

didático para sala de aula. São muito detalha<strong>da</strong>s para uma disciplina<br />

semestral, e de difícil acesso para a maior parte dos estu<strong>da</strong>ntes. Isso<br />

me motivou a elaborar um texto que preservasse o essencial <strong>da</strong>s<br />

referi<strong>da</strong>s obras, mas pensando nos tópicos que mais contribuiriam<br />

para o futuro professor ou mesmo futuro pesquisador.<br />

Atualmente temos outros bons livros, traduções ou mesmo de<br />

autores brasileiros, mas que também não se adéquam às priori<strong>da</strong>des<br />

dos referidos cursos, devido à grande quanti<strong>da</strong>de de informações a<br />

serem assimila<strong>da</strong>s em tão pouco tempo.<br />

A apostila foi indica<strong>da</strong> e bem aceita pelos alunos de graduação,<br />

inclusive de outras instituições de nível superior, e por professores<br />

<strong>da</strong> rede oficial de ensino, quando ministrei Tópicos de <strong>História</strong> <strong>da</strong><br />

<strong>Matemática</strong> em projetos como Teia do Saber e até mesmo em curso<br />

de pós-graduação Lato Sensu, em que tive oportuni<strong>da</strong>de de orientar<br />

algumas monografias com temas que utilizavam história <strong>da</strong><br />

matemática.<br />

Após todos esses anos, somente agora foi possível fazer uma<br />

revisão e complementar com novas informações importantes,<br />

provenientes de pesquisas realiza<strong>da</strong>s através de vários projetos<br />

desenvolvidos durante esse período na universi<strong>da</strong>de.<br />

Quanto à estrutura do texto, não há muita uniformi<strong>da</strong>de. Alguns<br />

assuntos são mais desenvolvidos que outros, tendo em vista a<br />

importância que considero na formação dos graduandos, que<br />

poderão utilizar a história <strong>da</strong> matemática como recurso didático no<br />

ensino fun<strong>da</strong>mental e médio.<br />

1<br />

2<br />

Apresento ao final de ca<strong>da</strong> sessão, uma lista de exercícios que<br />

servirão como revisão, despertando oportuni<strong>da</strong>de de debates e<br />

apresentação de trabalhos em forma de seminários.<br />

O autor


SUMÁRIO<br />

SUMÁRIO<br />

Introdução ......................................................................... 07<br />

Por que <strong>História</strong> <strong>da</strong> <strong>Matemática</strong>? ................................ 08<br />

Origens Primitivas ........................................................... 13<br />

Egito .................................................................................... 15<br />

A matemática egípcia ........................................................... 18<br />

Mesopotâmia .................................................................... 37<br />

A matemática mesopotâmia .................................................. 39<br />

Grécia .................................................................................. 47<br />

Homero ................................................................................. 48<br />

Hesíodo ................................................................................. 50<br />

A matemática grega .............................................................. 51<br />

O racionalismo jônico e os pitagóricos .................... 59<br />

Tales ..................................................................................... 59<br />

Anaximandro, Anaxímenes ................................................. 62<br />

Pitágoras ............................................................................... 63<br />

Parmênides, Zenon ............................................................... 70<br />

Melisso, Heráclito ................................................................. 73<br />

Demócrito ............................................................................. 75<br />

Os ideais platônicos e a lógica aristotélica ............. 77<br />

Anaxágoras ........................................................................... 78<br />

Hipócrates ............................................................................. 79<br />

Hípias .................................................................................... 81<br />

Sócrates ................................................................................ 82<br />

Platão .................................................................................... 83<br />

Arquitas, Teaetecto, Menaecmo .......................................... 90<br />

Dinóstrato ............................................................................. 91<br />

Eudoxo .................................................................................. 92<br />

Aristóteles ............................................................................. 94<br />

Epicuro ................................................................................. 98<br />

3<br />

4<br />

A ciência helenística ....................................................... 103<br />

Euclides ............................................................................... 104<br />

Aristarco .............................................................................. 118<br />

Arquimedes .......................................................................... 119<br />

Arquimedes e Euclides ........................................................ 134<br />

Eratóstenes ........................................................................... 134<br />

Apolônio .............................................................................. 136<br />

Hiparco ................................................................................ 140<br />

Período Grecoromano ................................................. 145<br />

Roma .................................................................................... 145<br />

Lucrécio, Ptolomeu .............................................................. 149<br />

Heron ................................................................................... 154<br />

Diofanto .............................................................................. 157<br />

Papus ................................................................................... 159<br />

Hipatia, Proclo, Boécio ........................................................ 163<br />

Europa na I<strong>da</strong>de Média, China, Índia e Arábia ..... 167<br />

Alcuim ................................................................................. 171<br />

Gerbert ................................................................................. 172<br />

China .................................................................................... 172<br />

Índia ..................................................................................... 178<br />

Aryabhata ............................................................................. 179<br />

Brahmagupta ........................................................................ 180<br />

Bhaskara ............................................................................. 183<br />

Arábia .................................................................................. 185<br />

Al-Khowarizmi .................................................................... 187<br />

Abu’l-wefa, Omar Khayyam .............................................. 189<br />

Al-Tusi, Al-Kashi ................................................................ 191<br />

Aurora do Renascimento .............................................. 195<br />

Fibonacci ............................................................................. 196<br />

Nemorarius, Sacrobosco, Bacon .......................................... 198<br />

Bacon ................................................................................... 199<br />

Dante, Oresme ..................................................................... 200<br />

Oresme ................................................................................. 201


O Renascimento ............................................................... 209<br />

Nicolau de Cusa .................................................................... 211<br />

Peurbach, Regiomontanus .................................................... 212<br />

Copérnico ............................................................................. 214<br />

Gior<strong>da</strong>no Bruno .................................................................... 218<br />

Tycho Brahe ......................................................................... 220<br />

Kepler ................................................................................... 223<br />

Galileu .................................................................................. 226<br />

Pacioli ................................................................................... 230<br />

Leonardo <strong>da</strong> Vinci ................................................................ 232<br />

Rafael .................................................................................... 233<br />

Stifel ..................................................................................... 234<br />

Recorde ................................................................................. 235<br />

Tartaglia, Car<strong>da</strong>no ................................................................ 236<br />

Car<strong>da</strong>no................................................................................. 237<br />

Bombelli ............................................................................... 240<br />

Viète ..................................................................................... 241<br />

Mercator ............................................................................... 244<br />

Napier ................................................................................... 245<br />

Briggs ................................................................................... 246<br />

Stevin .................................................................................... 248<br />

Inícios <strong>da</strong> matemática moderna ................................. 251<br />

Descartes ............................................................................... 252<br />

Cavalieri ............................................................................... 257<br />

Fermat ................................................................................... 260<br />

Pascal .................................................................................... 264<br />

Wallis .................................................................................... 267<br />

Barrow .................................................................................. 269<br />

Newton ................................................................................. 270<br />

Leibniz .................................................................................. 277<br />

O século <strong>da</strong>s luzes .......................................................... 283<br />

Euler ..................................................................................... 286<br />

D’Alembert ........................................................................... 289<br />

Lagrange ............................................................................... 290<br />

Laplace ................................................................................. 292<br />

5<br />

6<br />

A matemática se estruturou ........................................ 297<br />

Gauss ................................................................................... 299<br />

Riemann ............................................................................... 304<br />

Bolzano ................................................................................ 305<br />

Cauchy ................................................................................. 307<br />

Weierstrass ........................................................................... 310<br />

Os problemas de Hilbert ...................................................... 311<br />

A matemática propiciou maravilhas ......................... 317<br />

Einstein ................................................................................ 320<br />

Referências bilbliográficas........................................... 327<br />

Sobre o autor ................................................................... 332


Por Por que que história?<br />

história?<br />

INTRODUÇÃO<br />

INTRODUÇÃO<br />

O objetivo <strong>da</strong> história não é apenas o de narrar e constatar fatos<br />

do passado, mas buscar as suas origens e as suas conseqüências.<br />

Quando nos propomos estu<strong>da</strong>r a história de um país ou de um<br />

povo, ou simplesmente um determinado episódio histórico, não nos<br />

deve mover somente um interesse anedótico ou mera curiosi<strong>da</strong>de.<br />

Também não se pode resumi-la a uma exaltação de heróis para<br />

incentivo <strong>da</strong> juventude, ou mera recor<strong>da</strong>ção de nossas glórias<br />

passa<strong>da</strong>s.<br />

O que queremos <strong>da</strong> história é muito mais do que isso. Ela não se<br />

pode limitar a uma simples enumeração cronológica dos fatos, mas<br />

deve buscar as relações entre eles, aprofun<strong>da</strong>r, descer às suas raízes,<br />

até encontrar as causas desses fatos, numa espécie de anamnese<br />

social, assim como o médico que, ao examinar um doente, para<br />

maior firmeza do diagnóstico, desce a todos os seus antecedentes<br />

pessoais e familiares.<br />

Encara<strong>da</strong> a história como ciência, com suas características de<br />

método e relação com a reali<strong>da</strong>de, um mundo novo surge aos nossos<br />

olhos, por trás de ca<strong>da</strong> fato ou acontecimento. Desse modo ela nos<br />

permite não só explicar o presente, e compreender o passado, mas<br />

também prever o futuro, ou pelo menos, antever as perspectivas do<br />

desenvolvimento de ca<strong>da</strong> fato estu<strong>da</strong>do, na medi<strong>da</strong> do nosso<br />

conhecimento <strong>da</strong>s causas e <strong>da</strong>s leis que as governam.<br />

A história não se desenvolve como força espiritual absoluta<br />

independente <strong>da</strong> existência dos homens, como queria Hegel. Ela<br />

nasce, ao contrário, <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de do homem sobre a Terra e é<br />

condiciona<strong>da</strong> e delimita<strong>da</strong> por leis objetivas, independentes <strong>da</strong><br />

vontade humana. Karl Marx (1818 – 1883) enfatizava em A<br />

Ideologia Alemã que a história é a mais alta, a mais nobre e a mais<br />

importante <strong>da</strong>s ciências.<br />

Assim sendo, se é ver<strong>da</strong>de que os homens fazem a história<br />

condicionados por leis indestrutíveis, não é menos ver<strong>da</strong>de que,<br />

7<br />

8<br />

conhecendo as leis que a regem, eles podem traçar, dentro de <strong>da</strong>dos<br />

limites, o seu próprio destino. E se o objetivo do homem sobre a<br />

Terra é buscar a felici<strong>da</strong>de, dentro de uma comuni<strong>da</strong>de harmônica,<br />

só o estudo <strong>da</strong> história, e o conhecimento <strong>da</strong>s leis que regem o<br />

desenvolvimento <strong>da</strong>s socie<strong>da</strong>des, poderão ajudá-lo.<br />

É possível que o mesmo aconteça com a <strong>Matemática</strong> ou com a<br />

Ciência em geral. Torna-se difícil, senão impossível, compreender o<br />

seu estágio atual sem o estudo concomitante <strong>da</strong> história <strong>da</strong>s idéias<br />

científicas. Talvez por isso é que Göethe (1749-1832) afirmava que<br />

a história <strong>da</strong> Ciência é a própria Ciência. Sem o conhecimento <strong>da</strong><br />

evolução <strong>da</strong>s idéias, do choque <strong>da</strong>s hipóteses e <strong>da</strong>s teorias, podemos<br />

criar bons técnicos, mas não cientistas ver<strong>da</strong>deiros. Muito maior<br />

interesse educativo apresenta o conhecimento <strong>da</strong> maneira pela qual o<br />

cientista trabalha, <strong>da</strong>s suas fontes de inspiração, <strong>da</strong> árvore<br />

filogenética de seus pensamentos, do que a pura e simples massa de<br />

fatos por ele descobertos. O estudo <strong>da</strong> <strong>História</strong> <strong>da</strong> Ciência poderá ser<br />

o guia <strong>da</strong> luta do homem contra o mistério.<br />

Por Por que que <strong>História</strong> <strong>História</strong> <strong>História</strong> <strong>da</strong> <strong>da</strong> <strong>Matemática</strong>?<br />

<strong>Matemática</strong>?<br />

Por vários motivos, mas o principal seria <strong>da</strong>r subsídios para o<br />

futuro professor no tratamento de um programa no ensino<br />

fun<strong>da</strong>mental e médio ou na universi<strong>da</strong>de.<br />

Pode-se destacar alguns exemplos de dificul<strong>da</strong>des encontra<strong>da</strong>s<br />

pelo homem, no desenvolvimento <strong>da</strong> matemática, que serão motivos<br />

de reflexão para o futuro educador.<br />

• Os números negativos, introduzidos pelos hindus de espírito<br />

prático, por volta de 600 d.c. não tiveram aceitação durante um<br />

milênio. A razão: faltava-lhes apoio intuitivo. Alguns dos maiores<br />

matemáticos tais como Car<strong>da</strong>no, Viète, Descartes e Fermat,<br />

recusaram-se a operar com números negativos. Assim é razoável<br />

que para ensinar números negativos devemos ter cui<strong>da</strong>do. Para o<br />

aluno <strong>da</strong>s séries iniciais o conceito e as operações podem não ser tão<br />

naturais.<br />

• O uso de uma letra para representar um número fixo, porém<br />

desconhecido, <strong>da</strong>ta dos tempos gregos. Contudo, o uso de uma letra


9<br />

ou letras para representar to<strong>da</strong> uma classe de números só foi<br />

concebido em fins do século XVI. Nesse tempo François Viète<br />

introduziu expressões como ax + b em que a e b podem ser qualquer<br />

número (real positivo). Hoje está claro que ao resolver a equação<br />

quadrática ax² + bx + c = 0, pode-se solucionar to<strong>da</strong>s as equações<br />

quadráticas porque a, b e c representam quaisquer números.<br />

Durante todos os séculos em que os babilônicos, egípcios, gregos,<br />

hindus e árabes operaram com álgebra não ocorrera a idéia de<br />

empregar as letras para uma classe de números. Aqueles povos<br />

faziam suas operações de álgebra empregando expressões concretas<br />

tais como 3x² + 5x + 6 = 0, ou seja, usavam sempre coeficientes<br />

numéricos e, na ver<strong>da</strong>de, a maioria não usava sequer um símbolo tal<br />

como x para a incógnita. Usavam palavras.<br />

Por que demorou tanto tempo para o uso de letras para coeficientes<br />

gerais? Ao que parece, a resposta é que esse processo constitui um<br />

nível superior de abstração em matemática, um nível bastante<br />

afastado <strong>da</strong> intuição.<br />

• A teoria de limites com épsilons e deltas é do final do século XIX<br />

e com ela colocou-se um ponto final nas controvérsias sobre a<br />

questão do rigor no cálculo. No entanto o cálculo existe desde a<br />

Grécia antiga com Eudoxo e Arquimedes. O que acontece hoje?<br />

Apresentamos a teoria de limites aos alunos como algo muito<br />

“natural”. “Natural” mas incoerente com o desenvolvimento<br />

histórico do Cálculo.<br />

Parece claro que os conceitos que têm o sentido mais intuitivo,<br />

como os geométricos, os de números inteiros positivos e os de<br />

frações foram aceitos e utilizados primeiramente. Os menos<br />

intuitivos tais como os de números irracionais, números negativos, o<br />

uso de letras para coeficientes gerais e os do cálculo exigiram<br />

muitos séculos, quer para serem criados, quer para serem aceitos.<br />

Além disso, quando foram aceitos não foi apenas a lógica que<br />

induziu os matemáticos a adotá-los, porém os argumentos por<br />

analogia, o sentido físico de alguns conceitos e a obtenção dos<br />

resultados científicos exatos.<br />

Não há muita dúvi<strong>da</strong> de que as dificul<strong>da</strong>des que os grandes<br />

matemáticos encontraram, são precisamente os tropeços que os<br />

10<br />

estu<strong>da</strong>ntes experimentam. Assim, através <strong>da</strong> história <strong>da</strong><br />

matemática o ensino <strong>da</strong> matemática poderá alcançar objetivos que<br />

vão além do fortemente marcado “desenvolver o raciocínio lógico”;<br />

porque ela mostra a matemática como expressão de cultura, a<br />

matemática como uma forma de comunicação humana.<br />

Refletindo um pouco mais sobre a questão “Por que <strong>História</strong> <strong>da</strong><br />

<strong>Matemática</strong>?” deve-se lembrar que o conhecimento é um todo e a<br />

matemática faz parte desse todo. Ela não se desenvolveu à parte de<br />

outras ativi<strong>da</strong>des e interesses. Talvez uma grande falha no ensino <strong>da</strong><br />

matemática é tentar abordá-la como disciplina isola<strong>da</strong>. E esse<br />

processo, sem dúvi<strong>da</strong>, é uma distorção do ver<strong>da</strong>deiro conhecimento.<br />

Provavelmente por isso, muitos jovens se sintam humilhados<br />

por não compreenderem muitos símbolos e regras, longe <strong>da</strong> intuição.<br />

Generaliza-se, então, uma certa aversão pela disciplina e a<br />

<strong>Matemática</strong> torna-se para muitos como algo inatingível. Cria-se o<br />

mito do gênio ou que a <strong>Matemática</strong> é somente para loucos e gênios.<br />

Essa aversão tende também a desvalorizar um ramo do<br />

conhecimento dos mais importantes.<br />

É sempre bom lembrar que além <strong>da</strong> aritmética <strong>da</strong>s necessi<strong>da</strong>des<br />

cotidianas, a matemática tem muito a oferecer. Ela é a chave para<br />

nossa compreensão do mundo físico, dá-nos o poder sobre a<br />

natureza; e deu ao homem a convicção de que ele pode continuar a<br />

son<strong>da</strong>r os seus segredos.<br />

A matemática tem possibilitado aos pintores a pintar<br />

realisticamente e fornecido não só a compreensão dos sons musicais<br />

como também uma análise desses sons, indispensável na<br />

planificação do telefone, do rádio e de outros instrumentos de<br />

registro e reprodução de sons. Ela está se tornando ca<strong>da</strong> vez mais<br />

valiosa na pesquisa biológica e médica. A pergunta “Que é<br />

ver<strong>da</strong>de?” não pode ser discuti<strong>da</strong> sem envolver o papel que a<br />

matemática tem exercido ao convencer o homem de que ele pode ou<br />

não obter ver<strong>da</strong>des. Muito de nossa literatura está permeado de<br />

temas que tratam de realizações matemáticas. Finalmente, a<br />

matemática é indispensável em nossa tecnologia.<br />

Portanto, o curso de <strong>História</strong> <strong>da</strong> <strong>Matemática</strong> pode ser a<br />

oportuni<strong>da</strong>de para se discutir tudo isso, e, como disse Plutarco, “a<br />

mente não é uma vasilha para ser enchi<strong>da</strong>, porém, um fogo para se<br />

atear” e, segundo Henri Poincaré (1854-1912), “Os zoólogos


11<br />

afirmam que num breve período, o desenvolvimento do embrião<br />

de um animal recapitula a história de seus antepassados de to<strong>da</strong>s as<br />

épocas geológicas. Parece que o mesmo se dá no desenvolvimento<br />

<strong>da</strong> mente. A tarefa do educador é fazer a mente <strong>da</strong> criança passar<br />

pelo que seus pais passaram, atravessar rapi<strong>da</strong>mente certos<br />

estágios, mas sem omitir um. Para esse fim a história <strong>da</strong> Ciência<br />

deve ser nosso guia.”<br />

12


ORIGENS ORIGENS PRIMITIVAS<br />

PRIMITIVAS<br />

13<br />

Se quisermos pesquisar a origem histórica <strong>da</strong>s primeiras noções<br />

matemáticas, seremos levados a fontes <strong>da</strong> chama<strong>da</strong> pré-história. É<br />

provável que a percepção de que certos grupos podem ser colocados<br />

em correspondência um a um, tenha surgido há uns 300.000 anos. O<br />

homem primitivo não sabia contar e nem precisava, pois conseguia<br />

com certa facili<strong>da</strong>de caça, pesca e frutas. Quando essas começaram<br />

a se tornar escassas, ele teve necessi<strong>da</strong>de de se sedentarizar, por isso<br />

passou a criar animais e praticar a agricultura. Da necessi<strong>da</strong>de, por<br />

exemplo, de preservação do rebanho, aprendeu a contar as ovelhas,<br />

mesmo sem conhecer os números. As primeiras contagens eram<br />

feitas com os dedos (que pode ter <strong>da</strong>do origem ao sistema decimal),<br />

quando estes eram inadequados, passaram a usar montes de pedras<br />

(calculus em latim) e como tais métodos não eram muito seguros<br />

para conservar informação, o homem primitivo registrava um<br />

número com marcas num bastão, pe<strong>da</strong>ço de osso ou no barro.<br />

Descobertas arqueológicas fornecem provas de que a idéia de<br />

número é muito mais antiga do que progressos tecnológicos como o<br />

uso de metais ou de veículos com ro<strong>da</strong>s.<br />

Supõe-se usualmente que a matemática surgiu em resposta a<br />

necessi<strong>da</strong>des práticas, mas estudos antropológicos sugerem a<br />

possibili<strong>da</strong>de de uma outra origem. Foi sugerido que a arte de contar<br />

surgiu em conexão com rituais religiosos primitivos e que o aspecto<br />

ordinal precedeu o conceito quantitativo.<br />

Em ritos cerimoniais, representando mitos <strong>da</strong> criação, era<br />

necessário chamar os participantes à cena segundo uma ordem<br />

específica, e talvez a contagem tenha sido inventa<strong>da</strong> para resolver tal<br />

problema.<br />

Esse ponto de vista, embora esteja longe de ser provado, estaria<br />

em harmonia com a divisão ritual dos inteiros em ímpares e pares,<br />

os primeiros considerados como masculinos e os últimos, como<br />

femininos.<br />

Sábios gregos não quiseram se arriscar a propor origens mais<br />

antigas <strong>da</strong> matemática do que a egípcia. Heródoto afirmava que<br />

14<br />

a geometria se originou no Egito, pois acreditava que tinha<br />

surgido <strong>da</strong> necessi<strong>da</strong>de prática de fazer novas medi<strong>da</strong>s de terras após<br />

ca<strong>da</strong> inun<strong>da</strong>ção anual no vale do Nilo. Aristóteles achava que a<br />

existência no Egito de uma classe sacerdotal com lazeres é que tinha<br />

conduzido ao estudo <strong>da</strong> geometria.<br />

Que os primórdios <strong>da</strong> matemática são mais antigos que as mais<br />

antigas civilizações está claro. As teses apresenta<strong>da</strong>s acima são até<br />

discutíveis mas não podemos desprezar os conhecimentos<br />

matemáticos envolvidos nas diversas ativi<strong>da</strong>des humanas. A seguir<br />

apresentamos exemplos de algumas ativi<strong>da</strong>des em que podemos<br />

identificar imediatamente elementos matemáticos no trabalho<br />

humano: ornamentação (vasos, armas); produção de ro<strong>da</strong>s (sem ou<br />

com raios); plantações (irrigação, divisão de terras); edificações<br />

(monumentos); pastoreio (contagem); comércio (trocas, moe<strong>da</strong>s);<br />

orientação no tempo e no espaço (calendários, mapas). Nesse<br />

sentido é interessante observar que muitas vezes o pensamento<br />

matemático desenvolveu-se de maneira semelhante em socie<strong>da</strong>des<br />

totalmente independentes. Foi o que aconteceu, por exemplo, com o<br />

Egito e a Mesopotâmia por volta do ano 2000 a.C.


EGITO<br />

EGITO<br />

“O Egito é um presente do Nilo” (Heródoto)<br />

15<br />

Entre 4000 e 3000 a.C., na i<strong>da</strong>de Neolítica (ou <strong>da</strong> Pedra Poli<strong>da</strong>)<br />

tivemos culturas bem estabeleci<strong>da</strong>s na Mesopotâmia e no Egito. Ali<br />

se formaram as primeiras ci<strong>da</strong>des e estados organizados, mas as<br />

duas regiões deram origem a civilizações um tanto diferentes.<br />

O Egito era uma região centra<strong>da</strong> no Nilo, com ambiente hostil<br />

no sul e nas fronteiras leste e oeste. Na ver<strong>da</strong>de, era como uma ilha,<br />

limitado ao norte pelo mar Mediterrâneo e em suas outras fronteiras,<br />

pelo deserto. De várias maneiras, a civilização egípcia mostrou-se<br />

isola<strong>da</strong>, era conservadora e volta<strong>da</strong> para si mesma; e, de um modo<br />

geral, não estava interessa<strong>da</strong> na expansão e na conquista de outras<br />

terras. Para um egípcio antigo, o Egito era um universo autosuficiente:<br />

tinha seus deuses independentes e seu modo de vi<strong>da</strong><br />

especial. A língua egípcia e a escrita hieroglífica desenvolveram-se<br />

de mãos <strong>da</strong><strong>da</strong>s; o próprio sistema de hieróglifos era insular,<br />

impróprio para expressar qualquer outra língua, e, na<br />

correspondência diplomática com outros países, usava-se um<br />

sistema de escrita diferente. Efetivamente, os antigos egípcios<br />

viviam em isolamento cultural.<br />

Mas, se o isolamento era a característica fun<strong>da</strong>mental do antigo<br />

Egito, sua civilização foi, contudo, magnífica; era olha<strong>da</strong> com inveja<br />

pelos que circun<strong>da</strong>vam suas fronteiras, e somente os desertos a sua<br />

volta, impediram que se tornassem vítima de vizinhos ciumentos. Na<br />

reali<strong>da</strong>de, alguns nômades se estabeleceram na área esparsamente<br />

povoa<strong>da</strong> do delta do Nilo, mas não perturbaram a natureza,<br />

basicamente pacífica, do país, que era essencialmente uma terra de<br />

agricultores e escribas.<br />

16<br />

A inun<strong>da</strong>ção anual do Nilo, que ocorria regulamente em julho,<br />

era o alicerce <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> egípcia. Havia um sistema bem organizado de<br />

irrigação e tomava-se um cui<strong>da</strong>do especial com as águas disponíveis<br />

por ocasião <strong>da</strong> cheia anual. Boas colheitas eram a regra geral –<br />

muitas vezes três por ano – e havia belos rebanhos de gado, a<br />

maioria em pastagens na área do delta. Nenhum egípcio se<br />

sacrificava trabalhando uma terra hostil e ári<strong>da</strong> para a sua<br />

sobrevivência, embora os métodos agrícolas fossem primitivos e<br />

conservadores.<br />

A história do Egito começa com o primeiro faraó, chamado<br />

Menes, que uniu num só, o Alto e Baixo Egito por volta de 3360<br />

a.C. e, exceto por dois períodos de instabili<strong>da</strong>de, manteve-se unido<br />

por mais de 2000 anos.<br />

Os principais períodos de domínio unificado são: o Antigo<br />

Império, ou Época <strong>da</strong>s Pirâmides, de 3000 a 2475 a.C. Esse período<br />

assinala um progresso rápido no domínio <strong>da</strong>s forças mecânicas (<strong>da</strong>s<br />

pirâmides, apenas 80 de conservaram de modo completo). O<br />

segundo, o Império Médio ou Época Feu<strong>da</strong>l, de 2160 a 1788 a.C.,<br />

caracteriza-se pelo desenvolvimento intelectual e pelo comércio<br />

exterior. Formaram-se bibliotecas de rolos de papiro e os navios<br />

cruzavam os mares Egeu e Vermelho. O terceiro período, o do Novo<br />

Império, estende-se de 1580 a 1150 a.C., sendo a época <strong>da</strong>s grandes<br />

construções.


17<br />

Os soberanos eram os faraós, cujo despotismo era temperado<br />

por ideais de responsabili<strong>da</strong>de em relação ao povo comum;<br />

considerando-se os tempos primitivos em que viveram, eles<br />

realmente procuraram fazer com que seus súditos tivessem vi<strong>da</strong> feliz<br />

e razoavelmente confortável (apesar <strong>da</strong> escravidão); governava pela<br />

lei, que parece ter sido geralmente justa. Além do faraó e <strong>da</strong> família<br />

real, os sacerdotes, os nobres e os guerreiros pertenciam às classes<br />

privilegia<strong>da</strong>s. Na classe média encontravam-se os escribas, os<br />

comerciantes, os artesãos e os camponeses e, os servos ocupavam as<br />

classes inferiores.<br />

O Egito tinha uma grande e eficiente administração. A maior<br />

parte dela parece ter sido centra<strong>da</strong> nas grandes construções de<br />

templos, embora, periodicamente, os próprios faraós demonstrassem<br />

grande capaci<strong>da</strong>de administrativa. A administração padronizou<br />

pesos e medi<strong>da</strong>s, enquanto seus funcionários, os escribas, em grande<br />

parte clérigos, escreviam em hieróglifos ou na escrita hierática ou<br />

sacerdotal, mais correntemente usa<strong>da</strong>. Os egípcios escreviam em<br />

papiros, produzidos no país desde épocas primitivas; parecem ter<br />

sido usados antes de 3500 a.C. Eram feitos com o cerne de uma alta<br />

ciperácea (Cyperus papyrus) que se encontrava em abundância nos<br />

pântanos ao redor do delta e sua manufatura em folhas era simples.<br />

Tratava-se do material ideal para ser usado nas secas condições do<br />

Oriente Médio e foi empregado em grande quanti<strong>da</strong>de em Roma. No<br />

clima mais úmido <strong>da</strong> Europa, o papiro era menos estável, mas, no<br />

Egito, era superior a qualquer outro material para escrita.<br />

Permaneceu em uso até o nono século depois de Cristo. O papiro era<br />

também usado como alimento(os brotos), como combustível(as<br />

raízes), e ain<strong>da</strong>, para se fazer cestos, cor<strong>da</strong>s, esteiras, sandálias e até<br />

pequenos barcos. A propósito, é interessante notar que os gregos,<br />

que consideravam os egípcios um povo de imensa sabedoria,<br />

chamavam uma folha de papiro de “biblion”, <strong>da</strong> qual deriva a<br />

palavra “bíblia”; a palavra “papel” é deriva<strong>da</strong> de “papiro”, embora<br />

na ver<strong>da</strong>de, o papel seja um material bem diferente e tenha sido<br />

inventado pelos chineses e não pelos egípcios.<br />

O fato de os gregos terem superestimado a sabedoria egípcia<br />

pode ter resultado, pelo menos em parte, <strong>da</strong> impressão causa<strong>da</strong><br />

naqueles que visitaram o Egito e ficaram maravilhados com as<br />

magníficas construções que lá encontraram e, na ver<strong>da</strong>de, a<br />

18<br />

construção era uma <strong>da</strong>s maiores formas de expressão desse povo. O<br />

vale do Nilo é uma vasta pedreira e, embora tivessem de importar<br />

to<strong>da</strong> a madeira de que precisava, <strong>da</strong> Líbia ou <strong>da</strong> Síria, logo<br />

aprenderam a manusear os materiais locais. Eram peritos cortadores<br />

de pedras, soberbos escultores, pintavam bem e eram mestres<br />

artífices em metais, especialmente o ouro.<br />

A habili<strong>da</strong>de dos egípcios na construção de grandes edifícios e<br />

estátuas, não é, por si mesma, uma ciência: havia o que hoje<br />

chamaríamos de princípios de mecânica, mas parece que inexistia<br />

um conjunto básico de conhecimentos científicos ou uma teoria em<br />

que os construtores pudessem se basear. Seu valor como<br />

construtores era alicerçado em sóli<strong>da</strong> experiência pratica e num<br />

instinto para a engenharia estrutural. Realmente, os egípcios<br />

parecem ter sido essencialmente um povo muito prático, mais<br />

voltado para resultados efetivos do que para a filosofia dos<br />

princípios básicos concernentes. A curto prazo, essa atitude traz<br />

sucesso, mas, a longo prazo, não encoraja nem a especulação e nem<br />

idéias novas. Isso significa, por exemplo, que quando Akhenaton<br />

construiu seu grande templo em Carnac, no ano de 1370 a.C., as<br />

técnicas usa<strong>da</strong>s não foram substancialmente diferentes <strong>da</strong>s utiliza<strong>da</strong>s<br />

por Quéops cerca de treze séculos antes.<br />

A falta de interesse dos egípcios pela reflexão filosófica e a<br />

tendência para o aspecto prático podem ser observa<strong>da</strong>s mesmo na<br />

astronomia. Para eles, a astronomia era a base utilitária necessária<br />

para a marcação do tempo. Os astrônomos egípcios não estavam<br />

preocupados com teorias a respeito do Sol e <strong>da</strong> Lua., nem com<br />

quaisquer idéias a respeito do movimento dos planetas, embora<br />

soubessem que os planetas se moviam entre as estrela fixas.<br />

O calendário nos dá um exemplo de êxito brilhante obtido pela<br />

ciência egípcia. O ano egípcio, por volta de 2.500 a.C., contém 365<br />

dias como o nosso. Os meses repartem-se em três estações de quatro<br />

meses ca<strong>da</strong> uma: inun<strong>da</strong>ção, inverno e verão.<br />

A A MATEMÁTICA MATEMÁTICA EGÍPCIA EGÍPCIA<br />

EGÍPCIA<br />

A matemática no Egito, a exemplo <strong>da</strong> astronomia, não era em<br />

si mesma, considera<strong>da</strong> uma forma de conhecimento independente<br />

de sua aplicação, como aconteceria na Grécia. Assim, a pesquisa dos


princípios matemáticos era desprezível e não havia uma teoria<br />

básica de aritmética ou geometria e sim procedimentos práticos.<br />

As As As fontes<br />

fontes<br />

19<br />

Um certo número de papiros egípcios de algum modo resistiu<br />

aos desgastes do tempo por mais de três e meio milênios. Os<br />

principais de natureza matemática são o Papiro Rhind, o Papiro de<br />

Moscou e o Papiro de Berlim, copiados em escrita hierática.<br />

● O Papiro Rhind, o mais extenso, mede 0,30 m de largura por 5 m<br />

de comprimento, e também<br />

o mais importante,<br />

encontra-se no Museu<br />

Britânico. Foi adquirido em<br />

1858 numa ci<strong>da</strong>de à beira<br />

do Nilo, pelo antiquário<br />

escocês, Alexander Henry<br />

Rhind (1833-1866), <strong>da</strong>í a<br />

origem do seu nome, muito<br />

embora seja conhecido<br />

também, como Papiro<br />

Ahmes em honra ao escriba<br />

que o copiou por volta de<br />

1650 a.C de outro mais<br />

antigo, provavelmente de<br />

1800 a,C. Trata-se de um texto na forma de manual prático que<br />

contém 85 problemas, enunciados e resolvidos, e logo no início<br />

apresenta uma interessante proposta: “Guia para conhecimento de<br />

to<strong>da</strong>s as coisas obscuras”. Quando chegou ao Museu Britânico esse<br />

Papiro não estava completo, formado de duas partes, e faltava-lhe a<br />

porção central. Cerca de quatro anos depois de Rhind ter adquirido<br />

seu papiro, o egiptólogo norte americano Edwin Smith comprou no<br />

Egito o que pensou que fosse um papiro médico. A aquisição de<br />

Smith foi doa<strong>da</strong> à Socie<strong>da</strong>de Histórica de Nova York em 1932,<br />

quando os especialistasdescobriram por sob uma cama<strong>da</strong> fraudulenta<br />

a parte que faltava do Papiro Ahmes. A socie<strong>da</strong>de, então, doou<br />

o rolo ao Museu Britânico, completando-se assim a obra original.<br />

20<br />

● O Papiro de Moscou ou Golenischev é de 1850 a,C. e encontrase<br />

no Museu de Belas Artes de Moscou. Foi adquirido no Egito em<br />

1893 pelo colecionador russo Golenischev, mede 0,07m de largura<br />

por 5m de comprimento e contém 25 problemas.<br />

● Quanto ao Papiro de Berlim não dispomos <strong>da</strong>s informações<br />

seguras dos anteriores, apenas que está muito deteriorado.<br />

A seguir, o mais importante <strong>da</strong> matemática conti<strong>da</strong> nesses três<br />

papiros.<br />

Aritmética<br />

Aritmética<br />

Sistema de numeração<br />

O sistema de numeração dos egípcios era decimal aditivo (não<br />

posicional).<br />

Ressalta-se que não eram conhecidos os números negativos e<br />

nem o zero.<br />

Quadro de hieróglifos<br />

Símbolo egípcio descrição nosso número<br />

bastão 1<br />

calcanhar 10<br />

rolo de cor<strong>da</strong> 100<br />

flor de lótus 1000<br />

dedo apontando 10000<br />

peixe 100000<br />

homem 1000000


21<br />

Por exemplo, o número 12345, se escrevia como<br />

As quatro operações<br />

Adição: 24 + 97<br />

e é igual a<br />

Subtração: 12 – 7<br />

O raciocínio era: quanto se deve somar a 7 para formar 12?<br />

Multiplicação:<br />

Enquanto hoje aprende-se as tabua<strong>da</strong>s de somar e de multiplicar<br />

até 10, o que permite efetuar to<strong>da</strong>s as operações simples, os egípcios<br />

usavam apenas a tabua<strong>da</strong> do 2. Para multiplicar um número <strong>da</strong>do,<br />

por um multiplicador maior que 2, realizavam uma série de<br />

“duplicações”, o que lhes permitia fazer to<strong>da</strong>s as multiplicações,<br />

sem na reali<strong>da</strong>de, recorrerem à memória.<br />

Por exemplo, para multiplicar 13 por 7. o escriba opera <strong>da</strong><br />

seguinte maneira:<br />

- 1 7<br />

2 14<br />

- 4 28<br />

- 8 56<br />

Escreve, na coluna <strong>da</strong> direita o fator 7 e na <strong>da</strong> esquer<strong>da</strong> 1; dobra,<br />

em segui<strong>da</strong>, os números <strong>da</strong>s duas colunas, até obter, por adição de<br />

números <strong>da</strong> coluna <strong>da</strong> esquer<strong>da</strong>, o valor do outro fator. No exemplo<br />

<strong>da</strong>do, 13 é obtido pela adição de 1, 4 e 8. Chegando a esse ponto <strong>da</strong><br />

operação, marca-se com um traço os números que tomou e soma, em<br />

segui<strong>da</strong>, os números correspondentes <strong>da</strong> coluna <strong>da</strong> direita, ou seja,<br />

7 + 28 + 56 = 91. Portanto a adição desses números lhe dá o<br />

resultado <strong>da</strong> multiplicação. Como se verificou, o escriba só operou<br />

com adições e é nisso que reside o caráter “aditivo” <strong>da</strong> aritmética<br />

egípcia.<br />

22<br />

Outros exemplos: resolução de 4 x 3 e 12 x 16<br />

1 3 1 16<br />

2 6 2 32<br />

- 4 12 - 4 64<br />

- 8 128<br />

4 x 3 = 12 12 x 16 = (4 + 8) x 16 = 64 + 128 = 192<br />

Divisão:<br />

Na divisão usava-se o mesmo processo <strong>da</strong> multiplicação, mas<br />

em sentido inverso. Assim, para dividir 168 por 8, o escriba<br />

dispunha os cálculos, como no caso de uma multiplicação:<br />

1 8 –<br />

2 16<br />

4 32 –<br />

8 64<br />

16 128 –<br />

Feito isso, procura-se na coluna <strong>da</strong> direita (e não na <strong>da</strong> esquer<strong>da</strong><br />

como na multiplicação) os números que, somados, <strong>da</strong>rão o<br />

dividendo 168. No nosso exemplo, toma-se os números 8, 32 e 128<br />

e marca-se com um traço os correspondentes <strong>da</strong> coluna <strong>da</strong> esquer<strong>da</strong>,<br />

a saber: 1, 4 e 16, que somados perfazem 21, que é o quociente <strong>da</strong><br />

divisão.<br />

Facilmente depara-se com divisões não exatas, como por<br />

exemplo, 168 dividido por 9:<br />

1 9<br />

2 18 –<br />

4 36<br />

8 72<br />

16 144 –<br />

Não se conseguindo a soma do dividendo na coluna <strong>da</strong> direita,<br />

assinala-se os números cuja soma mais se aproxima do dividendo,<br />

no caso 144 + 18 = 162. Portanto tem-se o quociente 16 + 2 = 18 e o<br />

resto 168 – 162 = 6.


Frações<br />

Notações especiais:<br />

23<br />

O estudo de frações surgiu por necessi<strong>da</strong>de prática, quando as<br />

divisões não eram exatas, como vimos no exemplo anterior.<br />

2<br />

Com exceção de que era representado por os egípcios<br />

3<br />

usavam apenas frações unitárias, ou seja, com numerador igual a 1.<br />

Na escrita a fração era expressa por meio do signo , que<br />

significa parte ou porção, sendo que o denominador é escrito abaixo<br />

ou ao seu lado.<br />

Exemplos:<br />

1<br />

1<br />

1<br />

276<br />

5<br />

43<br />

1<br />

2<br />

Outras frações de denominador<br />

potência de 2, encontram-se<br />

representa<strong>da</strong>s no olho do deus Horo, que<br />

combina o udjat (olho humano) com as manchas colori<strong>da</strong>s que<br />

envolvem o olho de um falcão.<br />

Operações com frações:<br />

Recusando-se a priori a conceber uma fração que não tivesse<br />

numerador 1, boa parte do seu trabalho era dedicado a escrever uma<br />

2<br />

certa fração como soma de frações de numerador 1. Por exemplo,<br />

5<br />

1 1<br />

escrevia-se como + . É possível que para essas transformações<br />

3 15<br />

2 1 1<br />

fossem utiliza<strong>da</strong>s fórmulas do tipo: = + ou<br />

n n + 1 n(<br />

n + 1)<br />

2 2<br />

2 1 1<br />

= + . Por isso, os cálculos que utilizavam<br />

pq p(<br />

p + q ) q(<br />

p + q )<br />

2 2<br />

frações ocupam a maior parte do Papiro Rhind.<br />

1<br />

4<br />

24<br />

O princípio dessas operações é idêntico ao utilizado para os<br />

números inteiros: a “duplicação” sistemática. Quando o<br />

denominador <strong>da</strong> fração a duplicar era um número par, não havia<br />

qualquer dificul<strong>da</strong>de: bastava dividi-lo por 2. Por exemplo, para a<br />

1<br />

operação simples 7 x , o escriba egípcio colocaria como<br />

8<br />

habitualmente.<br />

1<br />

- 1<br />

8<br />

1<br />

- 2<br />

4<br />

1<br />

- 4<br />

2<br />

Sendo a soma dos números <strong>da</strong> primeira coluna igual ao<br />

multiplicador 7, transcreveria diretamente o resultado:<br />

1 1 1 1<br />

7 x = + +<br />

8 2 4 8<br />

Mas, no caso de uma operação com denominadores ímpares, o<br />

sistema adotado torna-se inoperantes e é necessário encontrar um<br />

meio de superar a dificul<strong>da</strong>de.<br />

2<br />

Qualquer fração <strong>da</strong> forma , em que n é um número ímpar,<br />

n<br />

pode ser decomposta numa soma de duas ou mais frações, cujo<br />

2 1 1<br />

numerador é 1. Assim, como vimos pode escrever-se + . Os<br />

5<br />

3 15<br />

egípcios conheciam bem esse fato e, como a decomposição de<br />

frações implica cálculos longos e delicados, estabeleceram uma<br />

2<br />

tábua modelo de decomposição, começando em e chegando em<br />

5<br />

101<br />

2 . Essa tábua, que desempenhava um papel considerável no<br />

ensino, constitui a parte mais importante do Papiro Rhind. Eis um<br />

exemplo de como ela se apresenta:


Dividir 2 por 41:<br />

1<br />

8<br />

a<br />

* 1<br />

328<br />

Modo de realizar a operação:<br />

1<br />

2<br />

3<br />

1<br />

3<br />

1<br />

6<br />

1<br />

12<br />

1<br />

24<br />

41<br />

2 1<br />

1 + corresponde a<br />

3 24<br />

1<br />

27<br />

3<br />

2<br />

13<br />

3<br />

2 1<br />

6 +<br />

3 6<br />

1 1<br />

3 +<br />

3 12<br />

17 2 1<br />

1 = 1 +<br />

24 3 24<br />

1 1<br />

resto +<br />

6 8<br />

Total 1 41<br />

/2 82<br />

/4 164<br />

/6 246<br />

/8 328<br />

1<br />

6<br />

1<br />

8<br />

* 1<br />

,<br />

24<br />

1<br />

6<br />

a<br />

* 1<br />

246<br />

e<br />

25<br />

Segundo os nossos métodos habituais, exporíamos assim a<br />

2 1 1 1<br />

resposta do problema: = + +<br />

41 24 246 328<br />

A técnica dos escribas para chegar ao resultado é difícil de ser<br />

acompanha<strong>da</strong> e os próprios matemáticos não estão totalmente de<br />

acordo quanto ao método utilizado. É possível, aliás, que não<br />

26<br />

houvesse de início, um método bem definido e que os escribas<br />

chegassem ao resultado por meio de tentativas sucessivas. Nem por<br />

isso deixa de ser assombrosa a facili<strong>da</strong>de e a segurança com que os<br />

egípcios manejavam suas frações; posteriormente os gregos e os<br />

romanos adotaram esse método.<br />

Partições proporcionais<br />

É possível que os egípcios tenham adquirido uma grande<br />

habili<strong>da</strong>de no manejo <strong>da</strong>s frações devido ao sistema econômico e<br />

social <strong>da</strong> realeza faraônica. Conheceram tardiamente a moe<strong>da</strong>,<br />

somente por ocasião <strong>da</strong> conquista persa. Todo o comércio, até o<br />

mais indispensável à vi<strong>da</strong>, realizava-se através <strong>da</strong> troca.<br />

Além disso, a proprie<strong>da</strong>de priva<strong>da</strong> era, ao que parece, <strong>da</strong>s mais<br />

limita<strong>da</strong>s; a terra, na maioria dos casos, pertencia ao rei ou aos<br />

templos. Um sistema social dessa natureza, em que o indivíduo em<br />

tudo depende necessariamente de seu empregador, no caso do faraó<br />

ou dos sacerdotes, implica, <strong>da</strong><strong>da</strong> a ausência de qualquer padrão<br />

monetário, em enorme contabili<strong>da</strong>de material. De um lado, para o<br />

controle <strong>da</strong> produção no fornecimento de sementes, instrumentos,<br />

matérias primas, etc.; e, de outro, para a divisão dos bens de<br />

consumo tais como alimento, roupa, etc., entre os diversos membros<br />

<strong>da</strong>s comuni<strong>da</strong>des artesanais ou agrícolas. Competia ao escriba<br />

repartir os recursos acumulados nos celeiros do estado ou dos<br />

templos e <strong>da</strong>í a importância dos problemas de partições<br />

proporcionais na aritmética. Esse fato também explica o motivo pelo<br />

qual os escribas permaneceram fiéis ao sistema <strong>da</strong>s frações de<br />

numerador 1, que facilitava a divisão dos objetos e gêneros<br />

alimentícios.<br />

2 1<br />

Dividir 7 pães entre 10 homens: deve-se multiplicar + por<br />

3 30<br />

10. Resultado 7.


Modo de realizar a operação:<br />

2 1<br />

1<br />

+<br />

3 30<br />

1 1<br />

− 2 1 +<br />

3 15<br />

2 1 1<br />

4 2 + +<br />

3 10 30<br />

1 1 1<br />

− 8 5 + +<br />

3 15 5<br />

1 1 1 1 1<br />

5 + + + 1 + = 7<br />

3 15 5 3 15<br />

Total: 7 pães; é exatamente isso. (Papiro Rhind, problema 4)<br />

Outros processos aritméticos<br />

27<br />

Para poder resolver todos os problemas <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> cotidiana, os<br />

egípcios tiveram de realizar diversas operações aritméticas, tais<br />

como elevar um número ao quadrado e extrair raízes quadra<strong>da</strong>s. À<br />

raiz quadra<strong>da</strong> concedem o nome de “canto”. Esse termo deriva<br />

claramente <strong>da</strong> representação de um quadrado cortado em diagonal e<br />

mostra até que ponto os egípcios mantiveram-se ao nível concreto,<br />

onde outros povos teriam recorrido à abstração. No Papiro de<br />

1<br />

Berlim, há o cálculo correto <strong>da</strong>s raízes quadra<strong>da</strong>s de 6 e de<br />

4<br />

1 1<br />

1 + , mas não sabemos se essas extrações foram obti<strong>da</strong>s<br />

2 16<br />

segundo um processo determinado ou se o escriba chegou ao<br />

resultado por meras tentativas.<br />

As proporções desempenharam um papel essencial na<br />

aritmética egípcia.<br />

28<br />

Progressões Aritmética e Geométrica<br />

Ora, sabe-se que a hierarquia era fortemente acentua<strong>da</strong> na<br />

socie<strong>da</strong>de. A diferença de posição na escala social era marca<strong>da</strong> pelo<br />

direito a uma parte considerável em to<strong>da</strong>s as partilhas, <strong>da</strong>í porque o<br />

escriba se defronta, frequentemente, com problemas do seguinte<br />

tipo:<br />

1<br />

(<strong>da</strong> parte) dos 3 primeiros para os 2<br />

100 pães para 5 homens, 7<br />

últimos homens. Qual será a diferença entre as partes? (Papiro<br />

Rhind, problema 40).<br />

Parece que de acordo com a maneira pela qual o escriba o<br />

resolve, o problema consiste em dividir 100 pães entre 5 homens de<br />

tal modo que as partes estejam em progressão aritmética e que a<br />

1<br />

soma <strong>da</strong>s duas menores seja <strong>da</strong> soma <strong>da</strong>s maiores.<br />

7<br />

O método empregado não é claro, talvez porque os cálculos<br />

indicados sejam tentativas sucessivas; entretanto a solução é correta:<br />

1 1 5 2<br />

as partes deverão ser de 38 , 29 , 20,<br />

10 e 1 , números que<br />

3<br />

6<br />

satisfazem as condições do problema.<br />

Os matemáticos egípcios tinham, portanto, uma idéia confusa,<br />

sem dúvi<strong>da</strong>, <strong>da</strong> progressão aritmética. Outro problema<br />

mostra que conheciam também a progressão geométrica; o seu<br />

enunciado apresenta-se de maneira algo misteriosa.<br />

Inventário de um patrimônio:<br />

7 casas Modo de realizar a operação:<br />

49 gatos -1 2801<br />

343 camundongos -2 5602<br />

2401 espigas de trigo -4 11204<br />

16807 alqueires<br />

Total: 19607 (Papiro Rhind, problema 79)<br />

6<br />

3


29<br />

Parece razoável supor que havia um patrimônio composto de 7<br />

casas, ca<strong>da</strong> casa possuía 7 gatos, ca<strong>da</strong> gato matava 7 camundongos,<br />

ca<strong>da</strong> camundongo comia 7 espigas de trigo, ca<strong>da</strong> espiga de trigo<br />

teria produzido 7 alqueires. Quanto se obteria no conjunto?<br />

O total contém a soma de tudo o que é mencionado e na<strong>da</strong> significa<br />

no nosso entender. Devemos notar que não se chega a esse total pela<br />

soma dos números <strong>da</strong> enumeração, mas pela multiplicação de 2801<br />

por 7; o que nos conduz à soma dos termos <strong>da</strong> seqüência (7, 49, 343,<br />

2401, 16807), que é uma progressão geométrica de razão 7.<br />

Álgebra<br />

Álgebra<br />

Uma série de problemas cuja finali<strong>da</strong>de é tão utilitária como a<br />

<strong>da</strong>queles que vimos até agora, indica um conhecimento razoável, por<br />

parte dos egípcios, de laboriosas técnicas de resolução de equações<br />

algébricas.<br />

Nesses problemas são pedidos o que equivale a soluções de<br />

equações lineares <strong>da</strong> forma x + ax = b ou x + ax + bx = c onde a, b e<br />

c são números racionais positivos conhecidos e x é desconhecido. A<br />

incógnita é chama<strong>da</strong> de “aha” (palavra egípcia que significa “pilha”,<br />

“monte”).<br />

Exemplo 1:<br />

O problema 24 do Papiro Rhind, pede o valor de aha sabendo-se<br />

que aha mais um sétimo de aha dá 19. Nas nossas notações seria<br />

x<br />

resolver a equação x + 19 . A solução é característica de um<br />

7 =<br />

processo conhecido como “método de falsa posição” ou “regra do<br />

falso”. Um valor específico, provavelmente falso, é atribuído para<br />

aha, e as operações indica<strong>da</strong>s à esquer<strong>da</strong> do sinal de igual<strong>da</strong>de são<br />

efetua<strong>da</strong>s sobre esse número suposto. O resultado é então<br />

comparado com o resultado que se pretende, e, usando regra de três,<br />

chega-se à resposta correta.<br />

Nesse exemplo o valor tentado para a incógnita é 7, de<br />

1<br />

modo que 7 + 7 = 8 em vez de 19.<br />

7<br />

30<br />

1 1<br />

Como 8 ( 2 + + ) = 19 deve-se multiplicar 7 por<br />

4 8<br />

1 1<br />

obter a resposta 16 + + , isto é, 7 8<br />

2 8<br />

x 19<br />

x 19 1<br />

= = 2 + +<br />

7 8 4<br />

1<br />

8<br />

1 1<br />

⇒ x = 7 ( 2 + + )<br />

4 8<br />

Pode-se conferir a resposta verificando que se a<br />

1 1<br />

2 + + para<br />

4 8<br />

1<br />

2<br />

x = 16 + +<br />

1 1 1<br />

somarmos de x (que é 2 + + ) de fato obteremos 19.<br />

7<br />

4 8<br />

Aqui notamos outro passo significativo do desenvolvimento <strong>da</strong><br />

matemática, pois a verificação é um exemplo simples de prova.<br />

Exemplo 2:<br />

2 1<br />

Instrução para dividir 700 pães entre 4 pessoas, para uma,<br />

3 2<br />

1 1<br />

para a segun<strong>da</strong>, para a terceira e para a quarta.<br />

3<br />

4<br />

Modo de realizar a operação:<br />

2 1 1 1<br />

1 1<br />

Some , , , , o que dá 1 + + .<br />

3 2 3 4<br />

2 4<br />

1 1 1 1<br />

Divi<strong>da</strong> 1 por 1 + + o que dá + .<br />

2 4 2 14<br />

1 1<br />

Agora ache + de 700, que é 400.<br />

2 14<br />

Tudo se passa então, como se estivéssemos resolvendo a equação:<br />

2 1 1 1<br />

x + x + x + x = 700 pela mesma técnica usa<strong>da</strong> hoje, porém<br />

3 2 3 4<br />

de forma retórica. (Papiro Rhind, problema 63)<br />

1<br />

8


31<br />

O estudo dos “problemas aha” levantou a questão de saber se os<br />

egípcios conheceram a álgebra. Com efeito, esses problemas<br />

exprimem as nossas equações de primeiro grau, e alguns deles se<br />

prendem até mesmo a equações do segundo grau. Alguns autores<br />

não hesitaram em reconhecer o fato. No entanto, é preciso admitir<br />

que subsistem dúvi<strong>da</strong>s a respeito.<br />

Há um exemplo, pelo menos, no Papiro de Berlim que não<br />

deixa dúvi<strong>da</strong>s. Trata-se de um problema de partilha que não se<br />

refere a pão ou cerveja ou a qualquer outra coisa do cotidiano. Esse<br />

problema tem o seguinte enunciado:<br />

A soma <strong>da</strong>s áreas de dois quadrados é 100 uni<strong>da</strong>des, sendo que<br />

3<br />

a medi<strong>da</strong> de um lado é <strong>da</strong> medi<strong>da</strong> do outro. Quais são os lados?<br />

4<br />

Em notação atual escreveríamos:<br />

2 2<br />

3<br />

2 9 2<br />

x + y = 100,<br />

onde y = x,<br />

ou seja, x + x = 100<br />

4<br />

16<br />

Na solução que propõe, o escriba não emprega símbolos como x<br />

ou y. Parte de um número arbitrário 1, por exemplo e, em<br />

3<br />

conseqüência, também de . Eleva esses números ao quadrado e<br />

4<br />

1 1 9<br />

soma os resultados, ou seja, 1 + ( = 1 ); extrai a raiz quadra<strong>da</strong><br />

2 16 16<br />

1<br />

do total, isto é, 1 . Procede em segui<strong>da</strong> à extração <strong>da</strong> raiz quadra<strong>da</strong><br />

4<br />

1<br />

de 100, ou seja, 10, número que representa 1 x8.<br />

Admite-se então<br />

4<br />

que o número base, arbitrário, deve ser multiplicado por 8, para se<br />

3<br />

obter a solução: 8 x 1 e 8 x , ou 8 e 6, o que é exato. (Papiro de<br />

4<br />

Berlim).<br />

Geometria<br />

Geometria<br />

No campo <strong>da</strong> geometria, são propostos problemas dependentes<br />

do uso de fórmulas numéricas, não abstratas, que não são deduzi<strong>da</strong>s<br />

32<br />

no texto. Tais problemas incluem o cálculo de área de campos<br />

limitados por linhas retas ou por arcos de circunferência,<br />

considerando-se no primeiro caso apenas triângulos, retângulos e<br />

trapézios. Também se estu<strong>da</strong> o volume do tronco de pirâmide<br />

quadrática.<br />

O clássico problema <strong>da</strong> “quadratura do círculo” é abor<strong>da</strong>do,<br />

256<br />

obtendo-se para o número π a aproximação de = 3,1604...<br />

que,<br />

compara<strong>da</strong> com a ver<strong>da</strong>deira, 3,1415..., representa um resultado<br />

excelente para a época.<br />

Os autores gregos fazem particular menção dos métodos de<br />

agrimensura usados pelos egípcios, devido às cheias do Nilo que<br />

destruíam as demarcações. Segundo conta Heródoto, Sesóstris tinha<br />

dividido as terras em retângulos iguais entre todos os egípcios, de<br />

modo que todos pagavam o mesmo tributo. Quem perdesse parte de<br />

sua terra em conseqüência <strong>da</strong> cheia devia comunicar ao rei, que<br />

man<strong>da</strong>va então um inspetor calcular a per<strong>da</strong> e fazer um desconto<br />

proporcional no imposto. Foi assim que nasceu a geometria<br />

(literalmente: medição de terras).<br />

Área do triângulo isósceles<br />

Calcular a superfície de um campo triangular de 10 côvados de<br />

altura e 4 côvados de base.<br />

B’ A<br />

C’<br />

B C<br />

81<br />

Modo de realizar a operação:<br />

1 400<br />

1<br />

2<br />

200<br />

1 1000<br />

2 2000<br />

Resposta: sua superfície é de 2000<br />

côvados (Papiro Rhind, problema 51)


Área do círculo (Considerado o maior êxito dos egípcios).<br />

Calcular uma porção de terra circular, cujo diâmetro é de 9<br />

varas. Qual a sua superfície?<br />

Subtrair 1 <strong>da</strong> nona parte dela. Resta 8; então, multiplicar oito<br />

vezes oito, resultando 64. A superfície é de 6 kha e 4 setat.<br />

33<br />

Modo de realizar a operação:<br />

1 9<br />

1<br />

9<br />

<strong>da</strong>quilo 1<br />

Subtrai <strong>da</strong>quilo, resta 8<br />

1 8<br />

2 16<br />

4 32<br />

8 64<br />

Resposta: a superfície <strong>da</strong> terra é de 6kha (escrito 60) e 4 setat<br />

(Papiro Rhind, problema 50)<br />

Na ver<strong>da</strong>de, na engenhosa resolução anterior há indícios de que<br />

⎛ 8 ⎞<br />

para calcular a área do círculo, era usa<strong>da</strong> a fórmula: A = ⎜ d ⎟⎠ ,<br />

⎝ 9<br />

sendo d o diâmetro. Assim,<br />

π = 3, 1604 .<br />

⎛ 8 ⎞<br />

A = ⎜ 2r<br />

⎟<br />

⎝ 9 ⎠<br />

256 2<br />

= r . Logo,<br />

81<br />

Essa aproximação de π , obtido empiricamente era muito mais<br />

exata que o valor 3 utilizado pela maioria dos povos antigos do<br />

Oriente.<br />

Área de um quadrilátero<br />

No templo de Horo, em Edfu, foi encontrado inscrições de uma<br />

fórmula para o cálculo de áreas de quadriláteros, que em notação<br />

atual é:<br />

2<br />

2<br />

34<br />

⎛ a + c ⎞⎛<br />

b + d ⎞<br />

S = ⎜ ⎟⎜<br />

⎟ , sendo a, b, c, d, os lados do quadrilátero.<br />

⎝ 2 ⎠⎝<br />

2 ⎠<br />

Essa fórmula é muito prática, porém conduz a erros sempre<br />

que o quadrilátero não tiver a regulari<strong>da</strong>de do quadrado ou do<br />

retângulo. Para trapézios e losangos, por exemplo, os resultados<br />

encontrados são bem maiores que os ver<strong>da</strong>deiros.<br />

Portanto, os egípcios sabiam calcular a área do triângulo, de<br />

quadriláteros e do círculo, bem como o volume de alguns sólidos<br />

elementares, inclusive o tronco de pirâmide de altura h e bases<br />

quadra<strong>da</strong>s, com os lados a e b, respectivamente.<br />

h 2<br />

2<br />

V = ( a + ab + b ) (Papiro de Moscou)<br />

3<br />

Finalizando, pode-se dizer que a matemática dos egípcios<br />

apresenta as seguintes características por volta de 2000 a.C.:<br />

conhecimentos bastante desenvolvidos sobre as operações com<br />

números inteiros e frações, um método para resolver equações do<br />

primeiro grau com uma incógnita, diversas fórmulas, tanto exatas<br />

como aproxima<strong>da</strong>s, para a área de figuras planas e sólidos<br />

elementares e, ain<strong>da</strong>, um método aproximado para calcular a área de<br />

um círculo de raio determinado.<br />

Exercícios<br />

Exercícios<br />

a<br />

1. Quais são as três mais importantes contribuições do Egito ao<br />

desenvolvimento <strong>da</strong> matemática? Explique porque as considera<br />

importantes.<br />

2. Explique quais são as três mais importantes deficiências <strong>da</strong><br />

matemática egípcia.<br />

3. Escreva o número 7654 em forma hieroglífica egípcia.


35<br />

4. Resolva pelo método <strong>da</strong> falsa posição a equação 16<br />

2 =<br />

x<br />

x +<br />

(Problema 25 do Papiro Rhind).<br />

5. Encontre 101 : 16, exprimindo o resultado em hieróglifos<br />

egípcios.<br />

6. Até que ponto é correto dizer que os egípcios conheciam a área do<br />

círculo?<br />

2<br />

7. Exprima como soma de duas frações unitárias diferentes e<br />

103<br />

escreva-as em notação hieroglífica.<br />

8. Por que você acha que os egípcios preferiam a decomposição<br />

2 1 1<br />

2 1 1<br />

= + à alternativa = + ?<br />

15 10 30<br />

15 12 20<br />

2<br />

9. Mostre que se n é um múltiplo de três, pode ser decomposto na<br />

n<br />

1<br />

soma de duas frações unitárias, uma sendo a metade de .<br />

n<br />

2<br />

10. Mostre que se n é um múltiplo de 5, pode ser decomposto na<br />

n<br />

1<br />

soma de duas frações unitárias, uma sendo um terço de .<br />

n<br />

36


MESOPOTÂMIA<br />

MESOPOTÂMIA<br />

Admira, meu filho, a sabedoria divina que fez o rio passar bem perto <strong>da</strong><br />

ci<strong>da</strong>de! (autor desconhecido)<br />

37<br />

A Mesopotâmia, a terra “Entre os Rios”, ocupa a área aluvial<br />

plana entre o Tigre e o Eufrates, onde hoje se situa o Iraque. Entre a<br />

atual Bagdá e o golfo Pérsico, a terra se inclina suavemente,<br />

originando uma diferença de altura total de apenas dez metros;<br />

assim os rios correm vagarosamente, depositando grandes<br />

quanti<strong>da</strong>des de sedimentos, inun<strong>da</strong>ndo suas margens e mu<strong>da</strong>ndo<br />

ligeiramente de curso, de tempos em tempos. No extremo sul, há<br />

pântanos e brejos de juncos. O suprimento de água é irregular e a<br />

precipitação pluvial, pequena. Desse modo o cultivo deve ser feito<br />

próximo aos rios ou apoiado pela irrigação. Ao norte o solo <strong>da</strong>s<br />

planícies é compacto e impróprio para as culturas durante oito meses<br />

do ano.<br />

Embora não tivesse uma área própria para a cultura, como o<br />

Egito, possuía um enorme suprimento de matérias primas, produtos<br />

38<br />

agrícolas, incluindo animais, peixes e tamareiras, e desde cedo<br />

surgiu a indústria de juncos, que fornecia produtos de fibra <strong>da</strong><br />

planta, assim como os próprios juncos. Além disso, há fontes de<br />

betume e pedra calcária a oeste, mas não há madeira, exceto o tipo<br />

inferior obtido <strong>da</strong>s tamareiras, apropriado apenas para confecção de<br />

vigas toscas, do mesmo modo não existem pedras duras, havendo<br />

ain<strong>da</strong> pouco metal.<br />

Durante to<strong>da</strong> a sua história, a Mesopotâmia vivia praticamente<br />

do comércio; particularmente, a parte sul se tornou um vasto<br />

mercado e um centro de troca e disseminação de idéias.<br />

A civilização mesopotâmia, bem antes dos árabes atuais, se<br />

formou literalmente de uma mistura de povos. Sumérios, acádios,<br />

amoritas, assírios, hititas, caldeus, medos e babilônios. A<br />

Mesopotâmia é ti<strong>da</strong> como vale turbulento e isso pode ser<br />

confirmado quer pelos grandes degelos imprevisíveis (nas<br />

montanhas <strong>da</strong> Síria e Turquia) que provocam cheias nos rios, quer<br />

pelas lutas constantes pelo poder entre esses povos.<br />

Temos assim, a Mesopotâmia como uma região<br />

economicamente próspera e militarmente organiza<strong>da</strong>, que possuía<br />

uma agricultura avança<strong>da</strong>, bem como um sistema de captação de<br />

impostos que financiava a expansão de uma cultura sofistica<strong>da</strong> para<br />

os padrões <strong>da</strong> época. Foi nessa região, que por volta de 3500 a.C.<br />

nasceu a escrita, invenção dos sumérios, caracteriza<strong>da</strong> por marcas<br />

cuneiformes em placas de argila (mais ou menos 30 x 50 cm)<br />

cozi<strong>da</strong>s ao sol. Milhares dessas placas, hoje conserva<strong>da</strong>s em museus<br />

norte americanos e europeus, traduzi<strong>da</strong>s, revelaram a existência de<br />

uma matemática original e de medi<strong>da</strong>s sistemáticas do tempo.<br />

O conhecimento <strong>da</strong>s estações do ano foi fun<strong>da</strong>mental para o<br />

desenvolvimento <strong>da</strong> agricultura. O ano mesopotâmio, em 2000 a.C.,<br />

tinha 360 dias, divididos em doze meses. Relógios solares<br />

assinalavam a passagem do tempo e o dia já era dividido em horas,<br />

minutos e segundos. Com a observação do movimento aparente do<br />

Sol e dos planetas entre as estrelas fixas foram nomeados os sete<br />

dias <strong>da</strong> semana com os nomes do Sol, <strong>da</strong> Lua e dos outros cinco<br />

planetas conhecidos (Mercúrio, Vênus, Marte, Júpiter e Saturno).<br />

Foi traça<strong>da</strong>, também, a trajetória percorri<strong>da</strong> pelo Sol, dividindo-a em<br />

doze partes associa<strong>da</strong>s a animais míticos e denomina<strong>da</strong>s de signos<br />

do zodíaco.


39<br />

O Universo era representado como uma caixa fecha<strong>da</strong>, cujo<br />

fundo era a Terra. Observações de muitos fenômenos astronômicos,<br />

como eclipses do Sol e <strong>da</strong> Lua e as posições de Vênus, estão<br />

registra<strong>da</strong>s em placas de argila. Com essas observações os<br />

astrólogos mesopotâmios tiveram muito sucesso na interpretação de<br />

sonhos e na prática de realizar previsões.<br />

Devemos destacar que os povos que viveram na “terra entre<br />

dois rios” deixaram uma ciência prática, sem a preocupação de<br />

fun<strong>da</strong>mentar metafísica ou teologicamente os fatos.<br />

A MATEMÁTICA MESOPOTÂMIA<br />

O que se sabe sobre a matemática mesopotâmia é relativamente<br />

recente. Data, na reali<strong>da</strong>de, dos trabalhos de Otto Neugebauer (1899<br />

– 1990) que por volta de 1930 liderou as pesquisas em Princeton,<br />

realizando um estudo exaustivo em cerca de dez mil placas de<br />

argila, buscando reconstruir os conceitos aritméticos e geométricos<br />

<strong>da</strong>quela civilização, por volta de 2000 a.C.<br />

De um modo geral, os textos matemáticos mesopotâmios<br />

(grande parte de matemática financeira) podem ser classificados em<br />

duas categorias: as tábuas numéricas e as de problemas. As<br />

primeiras quase não diferem <strong>da</strong>s tábuas modernas e as outras são<br />

coletâneas didáticas de exercícios.<br />

Nos textos de caráter geométrico é freqüente a presença de<br />

figuras, muitas vezes acompanha<strong>da</strong>s de uma legen<strong>da</strong> numérica. São<br />

figuras simples que servem apenas para ilustrar o enunciado, nunca<br />

interferem na solução, e, geralmente, não eram respeita<strong>da</strong>s as<br />

proporções. Dessa forma podemos dizer que os mesopotâmios<br />

souberam calcular “corretamente” com figuras falsas.<br />

Aritmética<br />

Por volta do ano 2000 a. C. era usado pelos mesopotâmios uma<br />

combinação de dois sistemas de numeração, um de base dez e o<br />

outro posicional de base sessenta e, sem dúvi<strong>da</strong>s, essas<br />

características originais não foram encontra<strong>da</strong>s em qualquer outro<br />

40<br />

sistema de numeração <strong>da</strong> antigui<strong>da</strong>de. Como exemplo escrevemos o<br />

número:<br />

3904 = 4 + 9.10² + 3.10³ na base 10 e 3904 = 1.60² + 5.60 + 4 na<br />

base 60.<br />

Os números inteiros positivos eram expressos, em geral,<br />

mediante o emprego de dois sinais básicos: = 1 e = 10.<br />

De 1 a 59, os números são expressos pela repetição dos sinais<br />

correspondentes a 1 e 10, sendo as uni<strong>da</strong>des precedi<strong>da</strong>s pelas<br />

dezenas.<br />

Exemplos:<br />

2 11<br />

= 520 = 8.60 + 40<br />

= 2 + 2. 60 + 2.60² ou 1 + 1.60 + 1.60² +<br />

+1.60³ + 2.60 4 ou 2.60 -1 + 2 + 2.60.<br />

Muitas vezes o contexto eliminava a ambigüi<strong>da</strong>de e, a falta de<br />

um símbolo para o zero, deve ter sido muito inconveniente. Tanto<br />

que no período selêuci<strong>da</strong>, ao tempo de Alexandre, melhoraram a<br />

notação adotando duas cunhas inclina<strong>da</strong>s para sua representação.<br />

Atualmente para escrevermos números na base 60 com os<br />

nossos numerais, utilizamos a seguinte notação:<br />

2,31,8 = 8 + 31.60 + 2.60²<br />

0;4,6 = 0 + 4.60 -1 + 6.60 -2<br />

2,14;5,7 = 14 + 2.60 + 5.60 -1 + 7.60 -2<br />

Operações<br />

59<br />

As operações eram realiza<strong>da</strong>s <strong>da</strong> mesma maneira que fazemos<br />

hoje.<br />

20<br />

60


41<br />

Na subtração usavam a idéia de “chegar”: 16 para chegar no 40<br />

é 24.<br />

Na multiplicação e divisão utilizavam tabelas auxiliares. Por<br />

8<br />

exemplo, para se calcular , multiplicava-se por 8 o valor que<br />

15<br />

1<br />

constava na tabela para .<br />

15<br />

Havia tabelas também para recíprocos, quadrados, cubos, raízes<br />

quadra<strong>da</strong>s e cúbicas.<br />

Exemplo de uma tabela de recíprocos:<br />

2 30<br />

3 20<br />

4 15<br />

5 12<br />

6 10<br />

8 7;30<br />

9 6;40<br />

10 6<br />

12 5<br />

Nessa tabela, notamos a ausência dos recíprocos de 7 e 11,<br />

porque são sexagesimais infinitos, que chamavam de irregulares.<br />

Juros compostos<br />

Tabelas de potências sucessivas de um <strong>da</strong>do número,<br />

semelhantes as nossas de logaritmos, eram utiliza<strong>da</strong>s para resolver<br />

questões específicas, como por exemplo, temos o problema a seguir,<br />

resolvido por interpolação.<br />

Quanto tempo levaria uma quantia em dinheiro para dobrar, a<br />

20% ao ano? A resposta <strong>da</strong><strong>da</strong> é 3;47,13,20.<br />

Parece que o escriba aplicou interpolação linear entre os valores<br />

(1;12)³ e (1;12) 4 , usando a fórmula para juros compostos<br />

42<br />

n<br />

0 ( r ) em que r = 20% ou 12.60 -1 , e C0 é a quantia<br />

C = C 1 +<br />

inicial coloca<strong>da</strong> a juros, usando valores de uma tabela exponencial<br />

com potências de 1;12.<br />

Raiz quadra<strong>da</strong><br />

Os matemáticos mesopotâmios foram hábeis no<br />

desenvolvimento de processos algorítmicos, entre os quais um para<br />

extrair raiz quadra<strong>da</strong>, que descreveremos a seguir.<br />

Algoritmo para a , sendo a um número inteiro positivo.<br />

a<br />

Sejam a1 uma primeira aproximação dessa raiz e b =<br />

a<br />

(se<br />

1<br />

1<br />

a1 é por falta, b1 é por excesso e vice-versa). Logo a média<br />

1 1 a<br />

aritmética a2 = (a1 + b1) = ( a1<br />

+ ) é uma nova aproximação<br />

2<br />

2 a<br />

plausível. A seguir, avaliamos<br />

1<br />

a<br />

b 2 = e a média aritmética<br />

a<br />

1<br />

1 a<br />

a3<br />

= ( a2<br />

+ b2<br />

) = ( a2<br />

+<br />

2<br />

2 a2<br />

) para obtermos um resultado<br />

melhor. O processo pode ser continuado indefini<strong>da</strong>mente.<br />

Exemplo: calcular 17<br />

Modo de realizar a operação:<br />

a = 17, a1 = 4, 4² = 16<br />

17 1 17<br />

Logo b1 = e a2 = ( 4 + ) = 4,<br />

125.<br />

4 2 4<br />

17<br />

1 17<br />

A seguir, b2 = = 4,1212 e a3 = ( 4,<br />

125 + ) = 4,1231<br />

4,<br />

125<br />

2 4,<br />

125<br />

Assim 17 ≅ a3<br />

2


43<br />

Com esse método, os mesopotâmios encontraram 2 como<br />

1,414222 que é uma ótima aproximação. Aliás tinham facili<strong>da</strong>de em<br />

aproximações, talvez pela notação posicional para frações que foi a<br />

melhor até a Renascença.<br />

Álgebra<br />

De uma forma discursiva, com poucos símbolos para as<br />

incógnitas, os mesopotâmios sabiam resolver, sem o uso de<br />

fórmulas, a equação do primeiro grau, sistemas lineares com duas<br />

incógnitas, equação do segundo grau, sistemas do segundo grau com<br />

duas incógnitas e equações biquadra<strong>da</strong>s.<br />

Sistemas lineares<br />

⎧ 1<br />

⎪x<br />

+ y = 7<br />

⎨ 4<br />

⎪<br />

⎩x<br />

+ y = 10<br />

Equação do 2º grau<br />

Solução :<br />

4.7 = 28<br />

28 −10<br />

= 18<br />

18 : 3 = 6 → x<br />

10 − 6 = 4 → y<br />

Para o egípcios era muito difícil resolver equações do tipo x² -<br />

px = q, mas os mesopotâmios resolviam seguindo uma receita.<br />

Problema: Qual o lado de um quadrado tal que a área menos o<br />

lado perfaz 14,30?<br />

A solução desse problema equivale a resolver x² - x = 870 (base<br />

10) ou x² - x = 14,30 (base 60).<br />

Solução: x² = 1.x + 14,30<br />

Tome a metade de 1, que é 0;30 e multiplique 0;30 por 0;30, o<br />

que dá 0;15. Some isto a 14,30, o que dá 10,30;15 que é o quadrado<br />

de 29;30. Agora some 0;30 a 29;30 e o resultado é 30, o lado do<br />

quadrado.<br />

p 2 p<br />

A solução equivale exatamente à fórmula x = ( ) + q +<br />

para uma raiz <strong>da</strong> equação x² - px = q.<br />

No final de ca<strong>da</strong> solução, escreviam “este é o procedimento”.<br />

2<br />

2<br />

44<br />

Transformações algébricas<br />

Muitas vezes usavam transformações algébricas, algo avançado<br />

para a época. Assim <strong>da</strong><strong>da</strong> a equação 11x² + 7x = 6;15, procurava-se<br />

chegar no tipo padrão x² - px = q e para isso, multiplicando por 11<br />

ambos os membros de 11x² + 7x = 6;15 temos:<br />

(11x)² + 11.7x = 11.6;15 = 1;18;45<br />

Fazendo y = 11x, temos y² + 7y = 1;18;45 que pode ser<br />

p 2 p<br />

resolvi<strong>da</strong> pela fórmula y = ( ) + q + e depois se calcula o<br />

2<br />

valor de x.<br />

Sabiam também passar <strong>da</strong> equação ax 4 + bx² = c para ay² + by<br />

= c.<br />

Resolviam uma equação do 2º grau com duas incógnitas, como<br />

2 2 ⎧x<br />

+ y = 21,<br />

15<br />

⎪<br />

por exemplo ⎨ 1<br />

⎪x<br />

= y<br />

⎩ 7<br />

Equações cúbicas<br />

Não há registro no Egito de resolução de uma equação cúbica,<br />

mas entre os mesopotâmios há muitos exemplos. Cúbicas puras<br />

como x³ = 0;7,30 eram resolvi<strong>da</strong>s por tabelas de cubos e raízes<br />

cúbicas, e a solução era 0;30. Para melhor aproximar resultados<br />

usavam frequentemente interpolação linear.<br />

Com a tabela de inteiros n³ + n² resolviam cúbicas como x³ + x²<br />

= a. Por exemplo verifica-se que x³ + x² = 4,12 tem solução 6.<br />

Resolviam também, cúbicas do tipo 144x³ + 12x² = 21.<br />

Multiplicavam por 12, os dois membros e, fazendo y = 12x a<br />

equação tornava-se y³ + y² = 4,12, <strong>da</strong> qual se encontrava y = 6, e<br />

finalmente x = 1/2 ou 0;30.<br />

É possível até que tenham resolvido cúbicas completas: ax³ + bx² +<br />

cx = d.<br />

2


Teoria Teoria dos dos Números<br />

Números<br />

45<br />

O desenvolvimento <strong>da</strong> matemática mesopotâmia teve o seu<br />

apogeu por volta de 1800 a.C. Ao contrário de outros povos, deramse<br />

ao luxo de formular problemas matemáticos de características<br />

eminentemente especulativas. Na placa de argila 322 <strong>da</strong> Coleção<br />

Plimpton <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de de Columbia, Nova York, estu<strong>da</strong><strong>da</strong> por<br />

Neugebauer em 1945, temos uma tabela com 15 linhas por 4<br />

colunas, sendo que 3 delas, após um ajuste nos cálculos, estão<br />

relaciona<strong>da</strong>s entre si como as conheci<strong>da</strong>s ternas pitagóricas. Na<br />

linha 4, por exemplo, encontramos a = 3,31,49; b = 3,45,0 e<br />

c = 5,9,1 que satisfazem a relação a² + b² = c², em que a, b, c são<br />

lados de um triângulo retângulo. Assim, aproxima<strong>da</strong>mente, mil anos<br />

antes de Pitágoras nascer, já era conhecido entre os rios Tigre e<br />

Eufrates o famoso teorema atribuído ao sábio grego.<br />

Outro documento, provavelmente do tempo dos Caldeus,<br />

apresenta identi<strong>da</strong>des interessantes: 1 + 2 + 2² +...+ 2 9 = 2 10 – 1 e<br />

1 20<br />

1² + 2² + ... + 10² = = ( + )( 1+<br />

2 + ... + 10 ) .<br />

3 3<br />

Geometria<br />

Geometria<br />

A geometria mesopotâmia, como a dos egípcios, é<br />

extremamente pobre quando compara<strong>da</strong> a dos gregos. Não havia<br />

definições e teoremas; era essencialmente uma álgebra aplica<strong>da</strong> e<br />

figuras. Limitava-se ao cálculo <strong>da</strong> diagonal do quadrado, altura do<br />

triângulo eqüilátero, áreas de triângulos, retângulos e trapézios, bem<br />

como aproximação <strong>da</strong> área do círculo, que conheciam como sendo o<br />

quadrado do comprimento <strong>da</strong> circunferência dividido por 12.<br />

Conheciam, portanto, o valor de π como sendo 3.<br />

46<br />

Na placa Plimpton 355 destacam-se números que muito se<br />

aproximam <strong>da</strong> tangente e secante de alguns ângulos, embora, sabese<br />

hoje, não conhecessem a trigonometria. Analisando a Plimpton<br />

470, destaca-se o cálculo aproximado do volume do tronco de cone,<br />

cilindro e pirâmide, quando esses resultados eram aplicados às suas<br />

construções, bem como ao comércio de ouro e prata. Curioso é que<br />

não sabiam calcular o volume <strong>da</strong> esfera, ou melhor, as aproximações<br />

que fizeram foram extremamente grosseiras.<br />

Exercícios Exercícios<br />

Exercícios<br />

1. Quais são as mais importantes contribuições <strong>da</strong> Mesopotâmia ao<br />

desenvolvimento <strong>da</strong> matemática? Explique porque as considera<br />

importantes.<br />

2. Quais são as deficiências <strong>da</strong> matemática mesopotâmia? Explique.<br />

3. Descreva as vantagens e desvantagens relativas as notações dos<br />

mesopotâmios para os números,<br />

4. Escreva os números 10000 e 0,0862 em notação mesopotâmia.<br />

5. Use o algoritmo mesopotâmio para raiz quadra<strong>da</strong> para encontrar a<br />

raiz quadra<strong>da</strong> de 2, com seis casas decimais e compare com o valor<br />

mesopotâmio 1;24,51,10.<br />

6. Mostre que a representação sexagesimal de 1/7 tem periodici<strong>da</strong>de<br />

de três casas. Quantas casas há na periodici<strong>da</strong>de em representação<br />

decimal?


GRÉCIA<br />

GRÉCIA<br />

“Em matemática todos os caminhos levam à Grécia” (Thomas Heath)<br />

47<br />

A chega<strong>da</strong> dos dórios, no século XII a.C., às circunvizinhanças<br />

do mar Egeu, constitui momento decisivo na formação do povo e <strong>da</strong><br />

cultura grega. Na península e nas ilhas – cenário natural <strong>da</strong> Grécia<br />

em gestação – está então instala<strong>da</strong> a civilização micênica ou<br />

aqueana, que se desenvolvera em estreita ligação com a civilização<br />

cretense e em contato com povos orientais.<br />

A socie<strong>da</strong>de micênica apresenta-se composta por grande<br />

número de famílias principescas, que reinam sobre pequenas<br />

comuni<strong>da</strong>des. Essa plurali<strong>da</strong>de, decorrente <strong>da</strong> originária divisão em<br />

clãs, é fortaleci<strong>da</strong> pelas próprias características físicas <strong>da</strong> região: o<br />

relevo, compartimentando o território, torna alguns locais mais<br />

facilmente interligáveis através do mar.<br />

Assim, muito antes que as condições geográficas contribuam<br />

para que as ci<strong>da</strong>des-estados venham a se desenvolver como uni<strong>da</strong>des<br />

autônomas, já são motivo para que, desde suas raízes micênicas, a<br />

cultura grega se constitua volta<strong>da</strong> para o mar: via de comunicação e<br />

de comércio com outros povos, de intercâmbio e de confronto com<br />

outras civilizações.<br />

48<br />

Chegando em bandos sucessivos, vindos do norte, os dórios<br />

dominam a região. Embora <strong>da</strong> mesma raiz étnica dos aqueus,<br />

apresentam índice civilizatório mais baixo. Possuem, porém, uma<br />

incontestável superiori<strong>da</strong>de: o uso de utensílios e armas de ferro,<br />

fator decisivo para a vitória sobre os micênicos que permaneciam na<br />

I<strong>da</strong>de do Bronze.<br />

As invasões dóricas acarretam migrações de grupos de aqueus,<br />

que se transferem para as ilhas e as costas <strong>da</strong> Ásia Menor (Turquia)<br />

e ali fun<strong>da</strong>m colônias, tentando preservar suas tradições, suas<br />

instituições e sua organização social de cunho patriarcal e gentílico.<br />

As novas condições de vi<strong>da</strong> <strong>da</strong>s colônias e a nova mentali<strong>da</strong>de<br />

delas decorrentes encontram sua primeira expressão através <strong>da</strong>s<br />

epopéias: em poesia o homem grego canta o declínio <strong>da</strong>s arcaicas<br />

formas de viver ou pensar, enquanto prepara o futuro advento <strong>da</strong> era<br />

científica e filosófica que a Grécia conhecerá a partir do século VI<br />

a.C.<br />

Resultantes <strong>da</strong> fusão de len<strong>da</strong>s eólias e jônicas, as epopéias<br />

incorporaram relatos mais ou menos fabulosos sobre expedições<br />

marítimas e elementos provenientes do contato do mundo helênico,<br />

em sua fase de formação, com culturas orientais. A língua desses<br />

primeiros poemas <strong>da</strong> literatura ocidental é uma mistura dos dialetos<br />

eólio e jônico, com predominância do último. Entremeando len<strong>da</strong>s e<br />

ocorrências históricas – relatando particularmente os acontecimentos<br />

referentes à derroca<strong>da</strong> <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de micênica – surgem então cantos<br />

e sagas que os aedos (poetas e declamadores ambulantes)<br />

continuamente foram enriquecendo. Constituídos por seqüências de<br />

episódios relativos a um mesmo evento ou a um mesmo herói,<br />

surgem, assim, “ciclos” que cantam principalmente as duas guerras<br />

de Tebas e a Guerra de Tróia. Desses numerosos poemas, apenas<br />

dois se conservaram: a Ilía<strong>da</strong> e a Odisséia de Homero, escritos entre<br />

os séculos X e VIII a.C.<br />

HOMERO HOMERO (século X a.C.)<br />

Da vi<strong>da</strong> de Homero praticamente na<strong>da</strong> se sabe com segurança,<br />

embora <strong>da</strong>dos semilendários sobre ele fossem transmitidos desde a<br />

antigui<strong>da</strong>de. Sete ci<strong>da</strong>des gregas reivindicam a honra de ter sido sua<br />

terra natal. Homero é frequentemente descrito como velho e cego,


49<br />

perambulando de ci<strong>da</strong>de em ci<strong>da</strong>de, a declamar seus versos.<br />

Chegou-se mesmo a duvi<strong>da</strong>r de sua existência e de que a Ilía<strong>da</strong> e a<br />

Odisséia fossem obra de uma só pessoa. Poderiam ser coletâneas de<br />

contos populares de antigos aedos e, ain<strong>da</strong> que tenha existido um<br />

poeta chamado Homero que realizou a compilação desse material e<br />

enriqueceu com contribuições próprias, o certo é que essas obras<br />

contêm passagens procedentes de épocas diversas.<br />

Além de informar sobre a organização <strong>da</strong> polis arcaica, as<br />

epopéias homéricas são a primeira expressão documenta<strong>da</strong> <strong>da</strong> visão<br />

mitopoética dos gregos. A intervenção benéfica ou maléfica dos<br />

deuses está no âmago <strong>da</strong> psicologia dos heróis de Homero e<br />

coman<strong>da</strong> suas ações. Com efeito, a Ilía<strong>da</strong> e a Odisséia apresentamse<br />

marca<strong>da</strong>s pela presença constante de poderes superiores que<br />

interferem na luta entre gregos e troianos (tema <strong>da</strong> Ilía<strong>da</strong>) e nas<br />

aventuras de Ulisses ou Odisseu (tema <strong>da</strong> Odisséia).<br />

Nas epopéias homéricas, mesmo quando representam forças <strong>da</strong><br />

natureza, os deuses revestem-se de forma humana; esse<br />

antropomorfismo atribui-lhes aspecto familiar e até certo ponto<br />

inteligível, afastando os terrores relativos a forças obscuras e<br />

incontroláveis. Sobrepondo-se a arcaicas formas de religiosi<strong>da</strong>de,<br />

Homero exclui do Olimpo, mundo dos deuses, as formas<br />

monstruosas <strong>da</strong> mesma maneira que exclui do culto as práticas<br />

mágicas.<br />

A racionalização do divino conduz a uma religiosi<strong>da</strong>de<br />

“exterior”, que mais convém ao público a que se dirigem as<br />

epopéias: à polis aristocrática.<br />

Essa religiosi<strong>da</strong>de “apolínea” permanecerá como uma <strong>da</strong>s<br />

linhas fun<strong>da</strong>mentais <strong>da</strong> religião grega: a do sentido político que<br />

servirá para justificar as tradições e instituições <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de-estado.<br />

É por oposição aos homens que os deuses homéricos se<br />

definem: ao contrário dos humanos, seres terrenos, os deuses são<br />

princípios celestes; à diferença dos mortais, escapam à velhice e à<br />

morte. Escapam à morte, mas não são eternos nem estão fora do<br />

tempo: em princípio pode-se saber de quem ca<strong>da</strong> divin<strong>da</strong>de é filho<br />

ou filha. A imortali<strong>da</strong>de, esta sim, está indissoluvelmente liga<strong>da</strong> aos<br />

deuses que, por oposição aos humanos mortais, são frequentemente<br />

designados de “os imortais” e constituem, na sua organização e em<br />

seu comportamento, uma socie<strong>da</strong>de imortal de nobres celestes.<br />

50<br />

Em Homero, a noção de virtude (areté) significava o mais alto<br />

ideal cavalheiresco aliado a uma conduta cortesã e ao heroísmo<br />

guerreiro. Identifica<strong>da</strong> a atributos <strong>da</strong> nobreza, a areté, em seu mais<br />

amplo sentido, designava não apenas a excelência humana, como<br />

também a superiori<strong>da</strong>de de seres não-humanos, como a força dos<br />

deuses ou a rapidez dos cavalos nobres. Em geral, a virtude<br />

significava força e destreza dos guerreiros ou dos lutadores, valor<br />

heróico intimamente vinculado à força física. A virtude em Homero<br />

é, portanto, atributo dos nobres, os aristoi; uma minoria que se eleva<br />

acima <strong>da</strong> multidão de homens comuns.<br />

HESÍODO HESÍODO (século VIII a.C.)<br />

O complexo processo de formação do povo e <strong>da</strong> cultura grega<br />

determinou o aparecimento dentro do mundo helênico, de áreas<br />

bastante diferencia<strong>da</strong>s, não só quanto às ativi<strong>da</strong>des econômicas e às<br />

instituições políticas, mas também quanto à própria mentali<strong>da</strong>de e<br />

suas manifestações nos campos <strong>da</strong> arte, <strong>da</strong> religião, do pensamento.<br />

À Grécia Continental, mais presa às tradições <strong>da</strong> polis arcaica,<br />

contrapunham-se as colônias <strong>da</strong> Ásia Menor, situa<strong>da</strong>s em regiões<br />

mais distantes pelo intercâmbio comercial e cultural com outros<br />

povos. Da Jônia surgem as epopéias homéricas e, a partir do século<br />

VI a.C., as primeiras formulações filosóficas e científicas dos<br />

pensadores de Mileto, de Samos, de Éfeso. Entre esses dois<br />

momentos de manifestação do processo de racionalização <strong>da</strong> cultura<br />

grega, situa-se a obra poética de Hesíodo – voz que se eleva <strong>da</strong><br />

Grécia Continental – conjugando as conquistas <strong>da</strong> nova mentali<strong>da</strong>de<br />

surgi<strong>da</strong> nas colônias <strong>da</strong> Ásia Menor com os temas extraídos de sua<br />

gente e de sua terra.<br />

Hesíodo foi um mestre <strong>da</strong> poesia instrutiva; viveu em Ascra, na<br />

Beócia, e é exaltado agora por seus dois poemas, A Teogonia e Os<br />

trabalhos e os dias. O primeiro pode ser chamado de genealogia dos<br />

deuses. Os trabalhos e os dias referem-se, basicamente, a regras de<br />

agricultura e navegação, embora também forneça um calendário de<br />

dias felizes e infelizes e ofereça uma homilia moral.<br />

Com Hesíodo dá-se a aparição do subjetivo na literatura. Na<br />

épica mais antiga, o poeta era o simples veículo anônimo <strong>da</strong>s Musas;<br />

já Hesíodo “assina” sua obra para fazer história pessoal.


51<br />

Tomando como ponto de parti<strong>da</strong> velhos mitos, que coordena e<br />

enriquece, Hesíodo traça uma genealogia sistemática <strong>da</strong>s divin<strong>da</strong>des.<br />

O drama teogônico tem início, com a apresentação <strong>da</strong>s enti<strong>da</strong>des<br />

primordiais. Adotando implicitamente o postulado de que tudo tem<br />

origem, Hesíodo mostra que primeiro teve origem o Caos – abismo<br />

sem fundo – e, em segui<strong>da</strong>, a Terra e o Amor (Eros), “criador de<br />

to<strong>da</strong> a vi<strong>da</strong>”.<br />

As duras condições de trabalho de sua gente sugerem assim a<br />

Hesíodo uma visão pessimista <strong>da</strong> humani<strong>da</strong>de, persegui<strong>da</strong> pela<br />

animosi<strong>da</strong>de dos deuses. E a mulher deixa de ser exalta<strong>da</strong>, como na<br />

visão aristocrática de Homero, para ser caracteriza<strong>da</strong>, por esse<br />

camponês, como mais uma boca a alimentar e a exigir sacrifícios;<br />

“Raça maldita de mulheres, terrível flagelo instalado no meio dos<br />

homens mortais”.<br />

Do mesmo modo que o mito de Prometeu ilustra a idéia de<br />

trabalho, o mito <strong>da</strong>s I<strong>da</strong>des (de ouro, prata, bronze e ferro) ilustra a<br />

idéia de justiça; nenhum homem pode furtar-se à lei do trabalho,<br />

assim como evitar a justiça. Com Hesíodo surge a noção de que a<br />

virtude (areté) é filha do esforço e a de que o trabalho é o<br />

fun<strong>da</strong>mento e a salvaguar<strong>da</strong> <strong>da</strong> justiça.<br />

A A A MATEMÁTICA MATEMÁTICA GREGA<br />

GREGA<br />

Hoje nos referimos à matemática grega, de forma inadequa<strong>da</strong>,<br />

como um corpo de doutrina homogêneo e bem definido. Na ver<strong>da</strong>de<br />

com essa visão simplista adotamos que a geometria sofistica<strong>da</strong> do<br />

tipo Euclides – Arquimedes – Apolônio, era a única espécie que os<br />

gregos conheciam. Devemos lembrar que a matemática no mundo<br />

grego cobriu um intervalo de tempo indo pelo menos de 600 a.C. a<br />

600 d,C. e que viajou <strong>da</strong> Jônia à ponta <strong>da</strong> Itália, de Atenas a<br />

Alexandria, e a outras partes do mundo civilizado. Bastam os<br />

intervalos de tempo e espaço para produzir modificações na<br />

profundi<strong>da</strong>de e extensão <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de matemática e, a ciência grega<br />

não tinha a uniformi<strong>da</strong>de, século após século, encontra<strong>da</strong> nos<br />

egípcios e mesopotâmios. Além disso, mesmo num <strong>da</strong>do tempo e<br />

lugar (como hoje em nossa civilização) havia marca<strong>da</strong>s diferenças<br />

no nível de interesse e realização matemática. Veremos como até na<br />

52<br />

obra de um único indivíduo, como Ptolomeu, poderia haver dois<br />

tipos de estudos – O Almajesto para os racionalistas e o Tetrabiblos<br />

para os místicos. É provável que sempre houvesse pelo menos dois<br />

níveis de percepção matemática, mas que a escassez de obras<br />

preserva<strong>da</strong>s, especialmente do nível inferior, ten<strong>da</strong> a obscurecer esse<br />

fato.<br />

Períodos Períodos <strong>da</strong> <strong>da</strong> <strong>da</strong> <strong>História</strong> <strong>História</strong> <strong>História</strong> <strong>da</strong> <strong>da</strong> <strong>Matemática</strong> <strong>Matemática</strong> Grega<br />

Grega<br />

Não houve, é claro, uma quebra brusca marcando a transição <strong>da</strong><br />

liderança intelectual dos vales dos rios Nilo, Tigre e Eufrates para as<br />

margens do Mediterrâneo, pois o tempo e a história fluem<br />

continuamente. Os estudiosos egípcios e mesopotâmios continuaram<br />

sua produção durante muitos séculos, após 800 a.C., mas enquanto<br />

isso, uma nova civilização se preparava rapi<strong>da</strong>mente para assumir a<br />

hegemonia cultural, não só na região mediterrânea, mas também nos<br />

principais vales fluviais.<br />

A primeira fase <strong>da</strong> “i<strong>da</strong>de do mar” é chama<strong>da</strong> de Helênica e,<br />

conseqüentemente, as culturas mais antigas são ditas pré-helênicas.<br />

A seguir, uma subdivisão <strong>da</strong> matemática grega que, a exemplo<br />

de muitas que existem, é arbitrária e convencional.<br />

Período Helênico: vai até a morte de Alexandre (323 a.C.)<br />

Nesse período destacamos duas fases principais: a primeira présocrática<br />

desenvolvi<strong>da</strong> nas Ilhas Jônicas, Ásia Menor, Sul <strong>da</strong> Itália e<br />

Sicília, liga<strong>da</strong>s às escolas filosóficas de Mileto, Samos, Èfeso e Eléia<br />

e a segun<strong>da</strong>, nos séculos V e IV a.C., tendo Atenas como centro<br />

principal.<br />

Período Helenístico: vai de 323 a.C. até o início de nossa era.<br />

É o período de consoli<strong>da</strong>ção e também o mais rico do ponto de<br />

vista matemático. Surge um novo tipo de intelectual inexistente no<br />

período anterior: o especialista, o erudito.<br />

Os expoentes desse período são Euclides, Arquimedes e<br />

Apolônio. Os principais centros são Alexandria, Rodes e Pérgamo.


53<br />

Período Greco-Romano: vai até 300 d.C.<br />

Nesse período a matemática sofreu influência de outras<br />

culturas: egípcias, mesopotâmias e romanas.<br />

O principal centro ain<strong>da</strong> é Alexandria e os nomes de destaque<br />

são Ptolomeu, Heron, Diofanto e Papus.<br />

Período <strong>da</strong> Decadência: Greco-Romano – vai até 640 d.C.<br />

Os romanos, talvez preocupados com aspectos práticos de uma<br />

forma exagera<strong>da</strong>, desprezavam a filosofia e a ciência pela ciência.<br />

Isso não é suficiente para explicar a decadência, mas não havendo<br />

especulações não haverá inovações. Nesse período era mal usado<br />

tudo o que já conheciam de períodos anteriores.<br />

As As As fontes<br />

fontes<br />

São escassas as fontes de informações sobre as idéias científicas<br />

dos gregos. Alguns dos mais importantes tratados só são conhecidos<br />

pelo titulo, por citações esparsas, ou indiretamente, através de<br />

traduções árabes.<br />

A seguir apresentamos algumas obras que tornaram-se<br />

importantes referências sobre o desenvolvimento <strong>da</strong> matemática<br />

grega.<br />

● <strong>História</strong> <strong>da</strong> Geometria, escrito em 330 a.C., por Eudemo de<br />

Rodes, um discípulo de Aristóteles. Trata-se de uma obra que se<br />

perdeu e que é considera<strong>da</strong> o primeiro livro de <strong>História</strong> <strong>da</strong><br />

<strong>Matemática</strong>.<br />

● Arranjo <strong>da</strong>s matemáticas de Gêmino de Rodes escrito em 70 a.C.<br />

contém <strong>da</strong>dos históricos. Essa obra perdeu-se, mas alguns de seus<br />

trechos são citados por autores de época posterior.<br />

● Regras matemáticas necessárias para o estudo de Platão de Téon<br />

de Esmirna escrito em 140 d,C.<br />

● Coleção <strong>Matemática</strong> de Papus (século III d.C), em oito volumes,<br />

contém muitos informes relativos ao anterior desenvolvimento <strong>da</strong><br />

geometria.<br />

54<br />

● Comentário ao Livro I de Euclides acrescido do Sumário<br />

Eudemiano de Proclo (410-485), um filósofo neoplatônico. Uma<br />

obra que ain<strong>da</strong> existe que contém grandes evidências de o autor ter<br />

usado o livro de Eudemo que nos referimos anteriormente. De tal<br />

modo que acrescentou ao seu Comentário um Sumário ou Extrato<br />

denominado de Sumário Eudemiano. Trata-se de um breve resumo<br />

do desenvolvimento <strong>da</strong> geometria grega, apresentando uma lista dos<br />

primeiros matemáticos, de Tales até Euclides. Um fato interessante é<br />

que Proclo deixou fora <strong>da</strong> lista os filósofos atomistas. Demócrito,<br />

por exemplo, foi um grande matemático não relacionado.<br />

Esses exemplos mostram que as fontes relativas à matemática<br />

grega são: cópias e compilações de obras, às vezes, realiza<strong>da</strong>s vários<br />

séculos antes; traduções de obras gregas para o árabe ou para o<br />

latim, e, finalmente temos ain<strong>da</strong> as referências indiretas..<br />

Faltam para a matemática grega fontes originais como as que<br />

tivemos para o Egito e a Mesopotâmia. Parece contraditório que<br />

uma matemática tão rica, sofistica<strong>da</strong> não seja documenta<strong>da</strong>. O<br />

campo é fértil e é um convite à discussão, mas o que não podemos<br />

esquecer é a grande tradição oral, presente em todos os ramos de<br />

conhecimento na Grécia, além, é claro, dos grandes incêndios que<br />

destruíram, várias vezes, as principais bibliotecas.<br />

Sistemas de Numeração<br />

Para os gregos, números eram os inteiros positivos. As frações<br />

eram muito usa<strong>da</strong>s mas como a razão entre dois inteiros.<br />

O curioso é que nem mesmo os grandes nomes <strong>da</strong> matemática<br />

operaram com os números negativos e o zero.<br />

A crise inicial causa<strong>da</strong> pelo aparecimento dos irracionais foi<br />

supera<strong>da</strong>, considerando esses incomensuráveis como grandezas,<br />

como medi<strong>da</strong> de um segmento. Assim 2 não era, como hoje, um<br />

número irracional, mas a medi<strong>da</strong> <strong>da</strong> diagonal de um quadrado de<br />

lado 1.<br />

Uma matemática essencialmente geométrica apresentava dois<br />

sistemas de numeração muito distantes <strong>da</strong> pratici<strong>da</strong>de do nosso<br />

posicional de base 10.


• Período mais antigo (sistema ático) – sistema de base 10.<br />

| = 1| | = 2 | | | = 3 | | | | = 4<br />

Γ = 5 (penta) Γ | = 6 ∆ = 10 (deka)<br />

Η = 100 (hekaton) Χ = 1000 (khilioi)<br />

Μ = 10000 (myrioi)<br />

Eram usados os princípios aditivo e multiplicativo:<br />

∆ = 5⋅10 = 50<br />

Exemplo:<br />

45678 = MMMM X H H ∆ ∆∆<br />

• Sistema Jônico ou Alfabético ( usado a partir de 500 a.C.)<br />

Α<br />

Β<br />

Γ<br />

∆<br />

Ε<br />

F<br />

Ζ<br />

Η<br />

Θ<br />

H<br />

X<br />

M<br />

Tabela de associação de letras e números:<br />

α<br />

β<br />

γ<br />

δ<br />

ε<br />

ς<br />

ζ<br />

= 500<br />

= 5000<br />

= 50000<br />

η<br />

θ<br />

alfa<br />

beta<br />

gama<br />

delta<br />

epsilon<br />

stigma<br />

dzeta<br />

eta<br />

theta<br />

1<br />

2<br />

3<br />

4<br />

5<br />

6<br />

7<br />

8<br />

9<br />

55<br />

56<br />

Ι<br />

Κ<br />

Λ<br />

Μ<br />

Ν<br />

Ξ<br />

Ο<br />

Π<br />

q<br />

Ρ<br />

Σ<br />

Τ<br />

Υ<br />

Φ<br />

Χ<br />

Ψ<br />

Ω<br />

S<br />

ι<br />

κ<br />

λ<br />

µ<br />

ν<br />

ξ<br />

ο<br />

π<br />

Q<br />

ρ<br />

σ<br />

τ<br />

υ<br />

ϕ<br />

χ<br />

ψ<br />

ω<br />

s<br />

iota<br />

capa<br />

lamb<strong>da</strong><br />

mi<br />

ni<br />

csi<br />

ómicron<br />

pi<br />

koppa<br />

ró<br />

sigma<br />

tau<br />

upsilon<br />

fi<br />

khi<br />

psi<br />

omega<br />

sampi<br />

10<br />

20<br />

30<br />

40<br />

50<br />

60<br />

70<br />

80<br />

90<br />

100<br />

200<br />

300<br />

400<br />

500<br />

600<br />

700<br />

800<br />

900<br />

A partir <strong>da</strong>í, uma linha antes <strong>da</strong> letra multiplica-a por 1000 e<br />

essa letra como expoente de Μ , fica multiplica<strong>da</strong> por 10000.<br />

Exemplos:<br />

/<br />

/<br />

/<br />

α<br />

β<br />

γ<br />

1000<br />

2000<br />

3000<br />

/<br />

/<br />

/<br />

δ<br />

ε<br />

ς<br />

4000<br />

5000<br />

6000<br />

/<br />

/<br />

/<br />

ζ<br />

η<br />

θ<br />

7000<br />

8000<br />

9000<br />

/ ηϖ π η 8888 / α σ ν δ 11254<br />

Μ α<br />

Μ<br />

Μ<br />

Μ<br />

α<br />

β<br />

γ<br />

10000<br />

20000<br />

30000


Exemplo de multiplicação:<br />

Μ<br />

Μ<br />

δ<br />

σξε<br />

σξε<br />

Μ<br />

α<br />

/<br />

/<br />

α<br />

/<br />

β<br />

/<br />

β<br />

/<br />

γ χ τ<br />

α τ κ ε<br />

Μ σ κ ε<br />

ζ<br />

α<br />

265<br />

265<br />

40000,<br />

12000, 1000<br />

12000,<br />

1000,<br />

70225<br />

3600,<br />

300,<br />

300<br />

25<br />

57<br />

Para efetuar cálculos eram utilizados seixos ou alguma espécie<br />

de ábaco. A divisão era um processo extremamente laborioso que<br />

consistia em repeti<strong>da</strong>s subtrações. Extraíam raízes quadra<strong>da</strong>s<br />

aproxima<strong>da</strong>s e, em geral, usavam frações unitárias. Para denotá-las,<br />

usava-se uma linha como expoente <strong>da</strong> letra correspondente ao<br />

denominador.<br />

Exemplos:<br />

/ 1<br />

β<br />

2<br />

/ 1<br />

µα<br />

41<br />

/ 2<br />

βγ<br />

3<br />

Para os gregos, havia uma níti<strong>da</strong> distinção entre a arte de<br />

calcular (logística) e a ciência dos números (aritmética). A primeira<br />

era considera<strong>da</strong> indigna <strong>da</strong> atenção dos filósofos.<br />

58


O O RACIONALISMO RACIONALISMO RACIONALISMO JÔNICO JÔNICO E E OS<br />

OS<br />

PITAGÓRICOS<br />

PITAGÓRICOS<br />

PITAGÓRICOS<br />

Primeira Primeira fase fase do do Período Período Período Helênico Helênico<br />

Helênico<br />

“Para Tales a questão primordial não era o que sabemos, mas sim, como o<br />

sabemos” (Aristóteles)<br />

TALES TALES (625 – 558 a.C.)<br />

59<br />

De origem fenícia, Tales de Mileto é considerado o primeiro<br />

filósofo, e o primeiro matemático <strong>da</strong> história, segundo o Sumário de<br />

Proclo, já eferido. Mileto, na Ásia Menor (estaria hoje na Turquia)<br />

foi a primeira ci<strong>da</strong>de a despontar culturalmente na Grécia Antiga,<br />

que já era composta por ci<strong>da</strong>des-estados independentes.<br />

Sobre a vi<strong>da</strong> de Tales, é difícil saber o que é ver<strong>da</strong>deiro e o que<br />

é len<strong>da</strong>. Como engenheiro, foi encarregado de construir uma represa<br />

no rio Halys. Como comerciante, negociou com sal e azeite e,<br />

visitando o Egito, assimilou um pouco <strong>da</strong> ciência dos sacerdotes.<br />

Dedicou-se aos estudos <strong>da</strong>s estrelas não menos que ao <strong>da</strong> geometria,<br />

e conseguiu prever para 585 a.C. um eclipse do Sol.<br />

Essa previsão valeu a Tales uma grande reputação entre os seus<br />

contemporâneos, tanto que foi considerado um dos sete sábios <strong>da</strong><br />

Grécia, se bem que essa escolha, parece ter tido mormente política.<br />

Nenhum dos outros seis, pelo menos, possuía autori<strong>da</strong>de científica.<br />

Tales ensinou que o ano contava 365 dias, que a Lua é<br />

ilumina<strong>da</strong> pelo Sol e que o eclipse, até então, castigo dos deuses,<br />

poderia ser explicado.<br />

Sua filosofia consistia em procurar uma essência (uni<strong>da</strong>de) para<br />

to<strong>da</strong>s as coisas. Para ele esse princípio unificador seria a água e essa<br />

seria a primeira explicação do mundo de forma material. Para Tales,<br />

a Terra era um disco circular a flutuar num oceano de água e<br />

juntamente com seu discípulo Anaximandro foi o primeiro a afirmar<br />

que a Terra era redon<strong>da</strong>, ou melhor, esférica.<br />

60<br />

A água seria, portanto, o elemento fun<strong>da</strong>mental do Cosmos. O<br />

gelo, a neve e a gea<strong>da</strong> convertem-se facilmente em água, e as<br />

próprias rochas se desfazem e desaparecem na água. Também o<br />

homem parece ser capaz de converter-se em água, enquanto que as<br />

águas do mar e <strong>da</strong> terra se condensam em resíduos sólidos. Pela<br />

evaporação <strong>da</strong> água forma-se o ar e é a agitação do elemento<br />

universal que causa os terremotos. Entre o seu ocaso e o seu<br />

nascimento, as Estrelas passam por trás <strong>da</strong> Terra.<br />

Segundo Aristóteles, quando Tales foi criticado por seu pouco<br />

senso prático e por despender tempo demasiado com a filosofia, em<br />

vez de fazer dinheiro, ele decidiu confundir seus críticos. Prevendo<br />

uma fartura de azeitonas durante o verão seguinte, fez depósitos em<br />

to<strong>da</strong>s as prensas de azeitonas de Mileto e <strong>da</strong> vizinha Quios,<br />

alugando-as por baixo preço, pois não se apresentou qualquer<br />

concorrente. Quando chegou a época <strong>da</strong> colheita de azeitonas,<br />

necessitaram de to<strong>da</strong>s as prensas e Tales as alugou pelo preço que<br />

quis. Assim, mostrou ao mundo que os filósofos podem ser ricos, se<br />

o quiserem, mas que a sua ambição é de outra espécie. Entretanto,<br />

há outra história a respeito de Tales, segundo a qual ele caiu num<br />

poço, enquanto olhava as estrelas, sendo ridicularizado por uma bela<br />

senhorita, por estar tentando descobrir o que estava acontecendo no<br />

céu e que era incapaz de ver o que havia a seus pés. Assim, temos<br />

duas tradições opostas, uma que mostra como um filósofo pode ser<br />

prático, outra como pode não sê-lo.<br />

Tales e a matemática<br />

Em matemática é considerado o criador do método dedutivo e,<br />

assim, teria provado algumas proposições importantes. Como<br />

exemplos temos as cinco seguintes:<br />

1. Num triângulo isósceles os ângulos <strong>da</strong> base são iguais.


2. Os pares de ângulos opostos formados por duas retas que se<br />

cortam são iguais.<br />

3. O triângulo inscrito numa semicircunferência é retângulo.<br />

4. Todo diâmetro de uma circunferência divide-a ao meio.<br />

61<br />

5. Se dois triângulos são tais que dois ângulos e um lado de um são<br />

iguais, respectivamente, a dois ângulos e um lado de outro, então os<br />

triângulos são congruentes.<br />

Como aplicação <strong>da</strong> geometria que estava desenvolvendo<br />

destacam-se dois resultados famosos atribuídos a Tales:<br />

- medi<strong>da</strong> <strong>da</strong> altura <strong>da</strong> pirâmide de Quéops no Egito por semelhança<br />

de triângulos.<br />

- cálculo <strong>da</strong> distância de um navio à praia, por congruência de<br />

triângulos.<br />

62<br />

Navio<br />

.<br />

A<br />

ANAXIMANDRO ANAXIMANDRO (611 – 544 a.C.)<br />

Discípulo de Tales, introduziu na Grécia e aperfeiçoou o relógio<br />

de sol, de origem mesopotâmia, e foi também o primeiro a traçar um<br />

mapa geográfico.<br />

No único fragmento que restou de sua obra, Anaximandro<br />

afirma que, ao longo do tempo, os opostos pagam entre si as<br />

injustiças reciprocamente cometi<strong>da</strong>s; lei do equilíbrio universal. Por<br />

exemplo, no inverno o frio seria compensado dos excessos<br />

cometidos pelo calor durante o verão.<br />

ANAXÍMENES ANAXÍMENES (século VI a.C.)<br />

M<br />

.<br />

B<br />

Para o último representante <strong>da</strong> escola de mileto, o Universo<br />

resultaria <strong>da</strong>s transformações de um ar infinito.<br />

O ar seria assim, o princípio unificador, causa primeira de to<strong>da</strong>s<br />

as coisas. O calor do sol seria devido ao rápido movimento do ar,<br />

por exemplo.<br />

À escola de Tales e seus continuadores, sucederam-se<br />

desenvolvimentos importantes nas colônias gregas <strong>da</strong> Itália, na<br />

chama<strong>da</strong> Magna Grécia, cuja distância <strong>da</strong> metrópole era ain<strong>da</strong><br />

maior.<br />

C


PITÁGORAS PITÁGORAS (578 – 496 a.C.)<br />

63<br />

Pitágoras de Samos viveu meio século<br />

depois de Tales e é pouco provável que<br />

tenham se encontrado. Alguma<br />

semelhança entre seus interesses sempre<br />

se detecta, inclusive por suas viagens<br />

pelo Oriente em busca de conhecimento.<br />

Pitágoras visitou a Mesopotâmia, tendo<br />

mais tarde chegado até a Índia. Durante<br />

suas peregrinações evidentemente<br />

absorveu não só informações<br />

matemáticas e astronômicas como<br />

também muitas idéias religiosas.<br />

Pitágoras: A escola de Atenas Foi contemporâneo de Bu<strong>da</strong>, Confúcio e<br />

Lao-Tse, de modo que esse século foi<br />

importante no desenvolvimento <strong>da</strong> religião e <strong>da</strong> matemática.<br />

Quando voltou ao mundo grego, Pitágoras estabeleceu-se em<br />

Crotona, sudeste <strong>da</strong> Itália, onde fundou uma escola, ou melhor, uma<br />

socie<strong>da</strong>de secreta que se assemelhava um pouco a um culto órfico<br />

(ou o culto de Dionísio), exceto por suas bases matemáticas e<br />

filosóficas.<br />

Os órficos acreditavam na imortali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> alma e na<br />

metempsicose, ou seja, a transmigração <strong>da</strong> alma através de vários<br />

corpos, a fim de efetivar sua purificação. A alma aspiraria, por sua<br />

própria natureza, a retornar a sua pátria celeste, às estrelas; mas para<br />

se libertar do ciclo de reencarnações, o homem necessitava <strong>da</strong> aju<strong>da</strong><br />

de Dionísio, que completava a libertação prepara<strong>da</strong> pelas práticas<br />

catárticas.<br />

Pitágoras, que se tornou figura legendária já na própria<br />

antigui<strong>da</strong>de, realizou uma modificação fun<strong>da</strong>mental na religiosi<strong>da</strong>de<br />

órfica, transformando o sentido <strong>da</strong> via <strong>da</strong> salvação. No lugar de<br />

Dionísio colocou a matemática e por isso temos a referência<br />

conheci<strong>da</strong> como “a salvação pela matemática”.<br />

Assim, a grande novi<strong>da</strong>de introduzi<strong>da</strong> na religiosi<strong>da</strong>de órfica foi<br />

a transformação do processo de libertação <strong>da</strong> alma num esforço<br />

inteiramente subjetivo e puramente humano. A purificação resultaria<br />

do trabalho intelectual, que descobre a estrutura numérica <strong>da</strong>s coisas<br />

e torna a alma semelhante ao cosmo, em harmonia, proporção e<br />

64<br />

beleza. Pitágoras teria chegado à concepção de que to<strong>da</strong>s as coisas<br />

são números através, inclusive, de uma observação no campo<br />

musical. Verificou no monocórdio, que o som produzido varia de<br />

acordo com a extensão <strong>da</strong> cor<strong>da</strong> sonora. Ou seja, descobre que há<br />

dependência do som em relação à extensão, <strong>da</strong> música em relação à<br />

matemática.<br />

Pitágoras concebe a extensão como descontínua, constituí<strong>da</strong>s<br />

por uni<strong>da</strong>des indivisíveis e separa<strong>da</strong>s por um “intervalo”. Segundo<br />

sua cosmologia esse “intervalo” seria resultante <strong>da</strong> respiração do<br />

universo, que vivo, inalaria o ar infinito em que estaria imerso.<br />

Mínimo de extensão e mínimo de corpo, as uni<strong>da</strong>des comporiam os<br />

números que não eram, portanto, como virão a ser mais tarde, meros<br />

símbolos a exprimir o valor <strong>da</strong>s grandezas. Para Pitágoras e seus<br />

seguidores, chamados de pitagóricos, os números eram reais, a<br />

própria “alma <strong>da</strong>s coisas”, eram enti<strong>da</strong>des corpóreas constituí<strong>da</strong>s<br />

pelas uni<strong>da</strong>des cotíguas.<br />

A concepção pitagórica de números, que só admitia os inteiros<br />

positivos e razões entre eles, apresentava limitações que logo<br />

exigiriam tentativas de reformulações. O principal impasse<br />

enfrentado por essa aritmo-geometria foi relativo aos irracionais.<br />

Tanto na relação entre certos valores musicais, expressos<br />

matematicamente, quanto na base mesma <strong>da</strong> matemática surgem<br />

grandezas inexprimíveis naquela concepção de número. Assim, a<br />

relação entre o lado e a diagonal do quadrado, que é a hipotenusa do<br />

triângulo retângulo isósceles, tornava-se incomensurável, ou seja,<br />

eram linhas que não tinham razão comum. O “escân<strong>da</strong>lo” dos<br />

irracionais, manifestava-se no próprio Teorema de Pitágoras. Ao se<br />

atribuir o valor 1 ao cateto de um triângulo retângulo isósceles, a<br />

hipotenusa torna-se igual a 2 . Ou então, quando se pressupunha<br />

que os valores correspondentes à hipotenusa e aos catetos eram<br />

números primos entre si, concluía-se por absurdo que um deles<br />

deveria ser par e ímpar.<br />

Apesar desses impasses – e em grande parte por causa deles – o<br />

pensamento pitagórico evoluiu e expandiu-se, influenciando<br />

praticamente todo o desenvolvimento <strong>da</strong> ciência e <strong>da</strong> filosofia<br />

gregas. Após a dissolução do núcleo primitivo de Crotona (talvez<br />

por razões políticas) os pitagóricos se dispersaram e passaram a


65<br />

atuar amplamente no mundo helênico, levando a todos os setores<br />

<strong>da</strong> cultura o ideal de salvação do homem e <strong>da</strong> polis, através <strong>da</strong><br />

proporção e <strong>da</strong> medi<strong>da</strong>.<br />

Se procurarmos a origem de termos ou expressões como<br />

matemática, filosofia, matemática pura, matemática pela<br />

matemática, sem dúvi<strong>da</strong> teremos que visitar a escola pitagórica.<br />

Escola que adotou inicialmente ensinamentos orais, mas que depois,<br />

com expoentes como Filolau e Arquitas, proporcionou à posteri<strong>da</strong>de<br />

alguns preciosos fragmentos.<br />

Aritmética<br />

Os pitagóricos adotaram uma representação figura<strong>da</strong> dos<br />

números, que permitia explicitar sua lei de composição. Os<br />

primeiros números, representados dessa forma, bastavam para<br />

justificar o que há de essencial no universo:<br />

- o um é o ponto, mínimo de corpo, uni<strong>da</strong>de de extensão •<br />

- o dois determina a linha • — •<br />

- o três gera a superfície<br />

- o quatro produz o volume<br />

Como já se destacou anteriormente os números eram dotados de<br />

significados especiais e alguns foram identificados com atributos<br />

humanos. Para exemplificar temos que o número um era o gerador<br />

de todos os números e assim considerado o número <strong>da</strong> razão; o dois<br />

era o <strong>da</strong> opinião; o três <strong>da</strong> harmonia; o quatro <strong>da</strong> justiça; o cinco do<br />

casamento e o seis era o número <strong>da</strong> criação, era perfeito (o mundo<br />

foi criado em seis dias). Vale ressaltar que o dez, chamado tetraktys<br />

era o número mais adorado pelos pitagóricos. A adoração era<br />

abstrata, na<strong>da</strong> relacionado com dez dedos e, ain<strong>da</strong>, 10 = 1 + 2 + +3 +<br />

4, significando a soma dos quatro elementos básicos do universo:<br />

ponto, linha, superfície e volume.<br />

66<br />

Temas principais estu<strong>da</strong>dos pelos pitagóricos:<br />

Alguns conceitos sobre os números inteiros positivos, muitas<br />

vezes relacionados à geometria foram introduzidos na matemática<br />

por Pitágoras e seus seguidores, denominados genericamente de<br />

pitagóricos.<br />

Segue uma relação desses conceitos, hoje considerados<br />

elementares:<br />

Números pares e ímpares (o número um estava excluído de<br />

classificação, os números pares eram considerados femininos e<br />

os ímpares masculinos); números primos; números perfeitos,<br />

deficientes e abun<strong>da</strong>ntes; números amigos; médias (aritmética,<br />

geométrica e harmônica); progressões(aritmética e geométrica);<br />

proporções e números figurados.<br />

Dos conceitos acima destacam-se os mais curiosos:<br />

• Números perfeitos:<br />

Número perfeito é aquele igual à soma de seus divisores<br />

próprios.<br />

Exemplos: 6, 28, 496, 8128, 33550336<br />

6 = 1 + 2 + 3 28 = 1 + 2 + 4 + 7 +14<br />

• Números deficientes<br />

Número deficiente é aquele que é maior do que a soma de<br />

seus divisores próprios. . Exemplo: 8<br />

• Números abun<strong>da</strong>ntes<br />

Número abun<strong>da</strong>nte é aquele que é menor que a soma de seus<br />

divisores próprios. . Exemplo: 12<br />

• Números amigos:<br />

Pitágoras, quando lhe perguntavam o que era um amigo,<br />

respondia: “é um que é outro eu, como 220 e 284”. Os<br />

divisores de 284 são 1, 2, 4, 71 e 142, que somados são 220;<br />

enquanto os divisores de 220 são 1, 2, 4, 5, 10, 11, 20, 22,<br />

44, 55 e 110, que somados dão 284.


67<br />

• Números figurados<br />

Os números figurados ilustram a interação que havia entre a<br />

aritmética e a geometria.<br />

- números triangulares<br />

•<br />

•<br />

•<br />

• •<br />

•<br />

• • • • • • • •<br />

1 3 6 10<br />

•<br />

n(<br />

n + 1)<br />

1+<br />

2 + 3 + 4 + ... + n =<br />

2<br />

- números quadrados<br />

• •<br />

• • • •<br />

• • • • • •<br />

• • • • • • • • • •<br />

1 4 9 16<br />

1+ 3 + 5 + ... + ( 2n<br />

−1)<br />

= n<br />

- números retangulares<br />

• • • •<br />

• • • • • • •<br />

• • • • • • • •<br />

2 6 12<br />

•<br />

2 + 4 + 6 + 8 + ... + 2n<br />

= n(<br />

n + 1)<br />

2<br />

•<br />

68<br />

- números pentagonais<br />

•<br />

• •<br />

•<br />

•<br />

• •<br />

• • • •<br />

• • •<br />

• • •<br />

•<br />

• • •<br />

• • •<br />

• • •<br />

•<br />

•<br />

•<br />

•<br />

•<br />

• •<br />

• •<br />

•<br />

•<br />

•<br />

•<br />

1 5 12<br />

1+<br />

4 + 7 + 10 + 13 + ... +<br />

Geometria<br />

( 3n<br />

− 2)<br />

=<br />

( 3n<br />

+ 2)(<br />

n + 1)<br />

Os pitagóricos investigaram a geometria teoricamente. Sabiam,<br />

por exemplo, que com polígonos regulares só há três maneiras de<br />

pavimentar um solo: com quadrado, triângulo e hexágono.<br />

Conheciam três poliedros regulares: o tetraedro, o cubo e o<br />

dodecaedro (observados em cristais). Há dúvi<strong>da</strong>s se conheciam o<br />

octaedro e icosaedro.<br />

É possível que tenham demonstrado, por áreas, o teorema que<br />

hoje é chamado de Pitágoras. Não se sabe, porém, qual poderia ser<br />

essa demonstração e como vimos anteriormente esse resultado já era<br />

conhecido na Mesopotâmia muito antes de Pitágoras.<br />

2<br />

2<br />

2<br />

a = b + c<br />

Merecem destaque, ain<strong>da</strong>, os clássicos problemas <strong>da</strong> divisão<br />

áurea e aplicações de áreas.<br />

2


69<br />

A divisão áurea<br />

Dado um segmento AC o ponto B é marcado de forma que<br />

A B C<br />

AC AB AB + BC AB BC<br />

= ⇒ = ⇒1<br />

+<br />

AB BC AB BC AB<br />

1 AB AB AB 2<br />

⇒1<br />

+ = ⇒ + 1 = ( ) ⇒<br />

AB BC BC BC<br />

BC<br />

⇒ (<br />

AB<br />

BC<br />

)<br />

2<br />

−<br />

AB<br />

−1<br />

=<br />

BC<br />

1+<br />

5<br />

2<br />

0 ⇒<br />

AB<br />

BC<br />

=<br />

1 + 5<br />

= .<br />

2<br />

AB<br />

BC<br />

O número = 1,618033...<br />

é conhecido como áureo.<br />

Aplicações de áreas<br />

Dados uma área K e um segmento AB, o objetivo era<br />

construir um retângulo de área K sobre AB.<br />

1º) Parábola: usado exatamente o segmento AB<br />

A a B<br />

a.x = K<br />

2º) Hipérbole: usado mais do que o segmento AB<br />

K<br />

K<br />

A a B<br />

⇒<br />

(a + x)x = K<br />

3º) Elipse: usado menos do que o segmento AB<br />

K<br />

x<br />

x<br />

x<br />

A a x B<br />

x<br />

(a – x)x = K<br />

70<br />

Cosmologia pitagórica:<br />

Trata-se de uma <strong>da</strong>s primeiras tentativas de explicar os<br />

movimentos dos planetas. O Universo era formado por esferas<br />

concêntricas numa ordem provável: Terra (no centro), Lua,<br />

Mercúrio, Vênus, Sol, Marte, Júpiter, Saturno e as Estrelas fixas. A<br />

lua, o Sol e os cinco planetas giravam em torno <strong>da</strong> Terra.<br />

Uma escola filosófica importante e aparentemente rival <strong>da</strong><br />

pitagórica é a chama<strong>da</strong> eleática, com sede em Vélia ou Eléia, na<br />

Itália. Os principais componentes dessa escola foram Parmênides,<br />

Zenon e Melisso.<br />

PARMÊNIDES PARMÊNIDES (530 – 460 a.C.)<br />

Fun<strong>da</strong>dor <strong>da</strong> escola eleática considera<strong>da</strong> muito importante na<br />

história <strong>da</strong> filosofia e <strong>da</strong> matemática. Com ele inicia-se as<br />

especulações sobre o ser e sobre o conhecer. Para Parmênides o<br />

homem adquire conhecimento por duas vias: razão e observação.<br />

Essência <strong>da</strong> filosofia de Parmênides<br />

O ser teria que ser eterno, imóvel, finito, imutável, pleno,<br />

contínuo, homogêneo e indivisível. O movimento não existia, era<br />

fruto <strong>da</strong> via enganosa <strong>da</strong> opinião, através <strong>da</strong> observação. Enquanto<br />

os pitagóricos e outros filósofos <strong>da</strong> época acreditavam na<br />

multiplici<strong>da</strong>de e na mu<strong>da</strong>nça, Parmênides defendia a filosofia <strong>da</strong><br />

permanência. A existência do movimento significaria atribuir<br />

existência ao “não-ser”.<br />

ZENON ZENON (488 – 430 a.C.)<br />

Discípulo e defensor de Parmênides, Zenon de Eléia<br />

sistematizou o método <strong>da</strong> demonstração por absurdo e foi<br />

considerado por Aristóteles como o inventor <strong>da</strong> dialética. Partindo<br />

<strong>da</strong>s premissas de seus oponentes, ele as reduzia ao absurdo.<br />

Zenon deixou quarenta argumentos dos quais apenas nove<br />

foram conservados. Os argumentos são sobre certos problemas


71<br />

fun<strong>da</strong>mentais que envolvem noções de grandezas, multiplici<strong>da</strong>de,<br />

espaço, movimento, tempo e percepção sensível.<br />

Dos argumentos de Zenon, tornaram-se mais famosos os que<br />

visam diretamente ao problema do movimento. A Dicotomia e o<br />

Aquilies garantem que o movimento é impossível sob a hipótese de<br />

subdivisibili<strong>da</strong>de indefini<strong>da</strong> do espaço e do tempo; a Flecha e o<br />

Estádio, de outro lado, garantem o mesmo, sob a hipótese contrária,<br />

ou seja, de que a subdivisibili<strong>da</strong>de do tempo e do espaço<br />

terminariam em indivisíveis.<br />

Dicotomia (divisão em dois)<br />

É o argumento que diz que antes que um objeto possa percorrer<br />

uma distância <strong>da</strong><strong>da</strong>, deve percorrer a primeira metade dessa<br />

distância; mas antes disso, deve percorrer o primeiro quarto; e antes<br />

disso, o primeiro oitavo e assim por diante, através de uma<br />

infini<strong>da</strong>de de subdivisões. O indivíduo interessado em se colocar em<br />

movimento precisa fazer infinitos contatos num tempo finito; mas é<br />

impossível exaurir uma coleção infinita. Portanto é impossível<br />

iniciar o movimento.<br />

0 1 /8 1 /4 1 /2 1<br />

Aquiles e a tartaruga<br />

Este paradoxo é semelhante ao primeiro, apenas a subdivisão<br />

infinita é progressiva em vez de regressiva. Aqui Aquiles aposta<br />

corri<strong>da</strong> com uma tartaruga que sai com vantagem e por mais<br />

depressa que corra, não pode alcançar a tartaruga, por mais devagar<br />

que ela caminhe. Pois, quando Aquiles chegar à posição inicial <strong>da</strong><br />

tartaruga, ela já terá avançado um pouco; e quando cobrir essa<br />

distância, a tartaruga terá avançado um pouco mais. E o processo<br />

continua indefini<strong>da</strong>mente, com o resultado que Aquiles nunca pode<br />

alcançar a lenta tartaruga.<br />

A B C D E<br />

72<br />

A Flecha<br />

Zenon considera uma flecha e razoavelmente assegura que esta<br />

deve estar em certo ponto num <strong>da</strong>do instante: como ela não pode<br />

estar em dois lugares no mesmo instante, não pode se mover naquele<br />

instante; se por outro lado, está em repouso naquele instante, então,<br />

como o mesmo argumento se aplica para outros instantes, ela não<br />

pode se mover de jeito nenhum.<br />

O Estádio<br />

Sejam A1, A2, A3, A4 corpos de igual tamanho, estacionários;<br />

sejam B1, B2, B3, B4 corpos de mesmo tamanho que os A, que se<br />

movem para a direita, de modo que ca<strong>da</strong> B passa por um A num<br />

instante, ou seja, no menor intervalo de tempo possível.<br />

Sejam C1, C2, C3, C4 também do mesmo tamanho que os A e os<br />

B, movendo-se uniformemente para a esquer<strong>da</strong> com relação aos A<br />

de modo que ca<strong>da</strong> C passa por um A num instante de tempo.<br />

Suponhamos que num <strong>da</strong>do momento os corpos ocupem as<br />

seguintes posições relativas:<br />

A1 A2 A3 A4<br />

B1 B2 B3 B4<br />

← C1 C2 C3 C4<br />

Então passando um único instante, isto é, após uma subdivisão<br />

indivisível do tempo, as posições serão:<br />

A1 A2 A3 A4<br />

B1 B2 B3 B4<br />

C1 C2 C3 C4<br />

Notamos então que C1 terá passado por dois dos B; logo o<br />

instante considerado não pode ser o intervalo de tempo mínimo,<br />


pois podemos tomar, como uma uni<strong>da</strong>de nova e menor, o tempo<br />

que C1 leva para passar por um B.<br />

73<br />

Os argumentos de Zenon influenciaram profun<strong>da</strong>mente o<br />

desenvolvimento <strong>da</strong> matemática grega, influência comparável à <strong>da</strong><br />

descoberta dos incomensuráveis, com a qual talvez se relacione.<br />

As idéias de tempo e espaço não eram claras naquela época,<br />

podendo facilmente gerar contradições.<br />

MELISSO MELISSO<br />

MELISSO<br />

Pouco se sabe sobre Melisso e sua obra, apenas que foi um<br />

polemista e defensor <strong>da</strong>s idéias de Parmênides.<br />

HERÁCLITO<br />

HERÁCLITO HERÁCLITO (540 – 470 a.C.)<br />

À filosofia <strong>da</strong> permanência de Parmênides e os outros eleatas<br />

opõe-se à de Heráclito de Éfeso que é a do fogo eternamente vivo,<br />

ou movimento contínuo.<br />

“Este mundo, que é o mesmo para todos, nenhum dos deuses ou<br />

dos homens o fez; mas foi sempre, é e será um fogo eternamente<br />

vivo, que se acende com media e se apaga com medi<strong>da</strong>” Nessa frase<br />

muitos vêem uma <strong>da</strong>s chaves para decifrar o pensamento de<br />

Heráclito, que já na antigui<strong>da</strong>de tornou-se conhecido como o<br />

“obscuro”.<br />

De sua vi<strong>da</strong> pouco se sabe com certeza, apenas que pertencia à<br />

família real de sua ci<strong>da</strong>de e que teria renunciado à digni<strong>da</strong>de de se<br />

tornar rei em favor de seu irmão.<br />

Heráclito foi um crítico severo de muitas pessoas famosas,<br />

dentre elas Hesíodo e Pitágoras. Dizia que “o fato de aprender<br />

muitas coisas não instrui a inteligência; do contrário teria instruído<br />

Hesíodo e Pitágoras, do mesmo modo que Xenófanes e Hecateu”.<br />

A uni<strong>da</strong>de dos opostos<br />

A grande descoberta de Heráclito foi perceber que existe uma<br />

harmonia oculta <strong>da</strong>s forças opostas. Não se trata de opor o um ao<br />

múltiplo, como os eleatas, uma vez que o um penetra o múltiplo e a<br />

74<br />

multiplici<strong>da</strong>de é apenas uma forma de uni<strong>da</strong>de, ou melhor, a própria<br />

uni<strong>da</strong>de.<br />

São muitas as citações ou aforismos atribuídos a Heráclito e que<br />

ilustram a essência de seu pensamento. A seguir colocamos alguns<br />

que convi<strong>da</strong>m para uma reflexão: “Deus é dia-noite, inverno-verão,<br />

guerra-paz, superabundância-fome, vi<strong>da</strong>-morte, etc.”<br />

A justiça não significa apaziguamento, pelo contrário, “o<br />

conflito é o pai de to<strong>da</strong>s as coisas; de alguns faz homens; de alguns,<br />

escravos e de alguns, homens livres”. Mas ver a reali<strong>da</strong>de como<br />

fun<strong>da</strong>mentalmente uma tensão de opostos não significa<br />

necessariamente optar pela guerra, no plano político.<br />

“Tu não podes se banhar duas vezes no mesmo rio, porque<br />

novas águas correm sempre sobre ti”. “To<strong>da</strong>s as coisas são troca<strong>da</strong>s<br />

em fogo e o fogo se troca em to<strong>da</strong>s as coisas, como as mercadorias<br />

se trocam por ouro e o ouro é trocado por mercadorias”. “O caminho<br />

para o alto e o caminho para baixo são um e o mesmo”. “O homem é<br />

acendido e apagado como uma luz no meio <strong>da</strong> noite”.<br />

OS OS ATOMISTAS<br />

ATOMISTAS<br />

O Sumário eudemiano de Proclo, como já foi visto, sugere uma<br />

ordem para os primeiros matemáticos, tendo iniciado com Tales.<br />

Porém, por preferências ou problemas políticos, não incluiu os<br />

atomistas.<br />

Segundo a tradição a escola teve início com Leucipo (de Mileto<br />

ou de Eléia), mas conheceu a plena aplicação de seus postulados<br />

com Demócrito de Abdera. Mais tarde, as teses atomistas iriam<br />

ressurgir com Epicuro e Lucrécio, no período helenístico.<br />

A reformulação <strong>da</strong> noção de espaço foi, por certo, a principal<br />

contribuição <strong>da</strong> escola atomista ao desenvolvimento do pensamento<br />

científico e filosófico.<br />

As concepções cosmológica e matemática do pitagorismo<br />

primitivo baseavam-se na noção de número entendido como<br />

sucessão de uni<strong>da</strong>des descontínuas, discretas. Mas permanecia uma<br />

questão que comprometia a coerência <strong>da</strong> visão pitagórica e que<br />

Zenon assinalou, ou seja, a do “intervalo” que separaria as uni<strong>da</strong>des.<br />

Esse intervalo só poderia ter, no mínimo, o tamanho de uma uni<strong>da</strong>de


75<br />

(mínimo de extensão e de corpo); assim, o número <strong>da</strong>s uni<strong>da</strong>des de<br />

extensão “crescia” e ca<strong>da</strong> coisa tendia a tornar-se infinita.<br />

Partindo de colocações do eleatismo, particularmente, de que a<br />

existência do movimento pressupõe o “não ser”, Leucipo e<br />

Demócrito teriam concluído que, exatamente porque o movimento<br />

existe (como mostram os sentidos), o “não ser” (corpóreo) existe.<br />

Afirma-se, assim, pela primeira vez, a existência do vazio. E nesse<br />

vazio é que se moveriam os átomos, partículas corpóreas insecáveis<br />

(indivisíveis fisicamente, embora divisíveis matematicamente).<br />

Os átomos apresentam ain<strong>da</strong> outras características: seriam<br />

plenos (sem vazio interno); em número infinito, invisíveis (devido a<br />

pequenez); móveis por si mesmos; sem qualquer distinção<br />

qualitativa; apenas distintos por atributos geométricos (de forma,<br />

tamanho, posição) e, quando agrupados, distintos pelo arranjo.<br />

Todo o universo seria, portanto, constituído por dois princípios:<br />

o contínuo incorpóreo e infinito (o vazio), e o descontínuo corpóreo<br />

(os átomos).<br />

Parece certo que Leucipo e Demócrito admitiam que o<br />

movimento primário dos átomos seria em to<strong>da</strong>s as direções, como o<br />

<strong>da</strong> poeira que se vê flutuar no ar, se uma réstia penetra num<br />

ambiente escuro.<br />

DEMÓCRITO DEMÓCRITO (470 – 370 a.C.)<br />

Muito pouco se sabe sobre a vi<strong>da</strong> de Demócrito de Abdera, mas<br />

ain<strong>da</strong> vivia quando Platão fundou a Academia em 387 a.C. Sabe-se<br />

porém, que além de contribuir para a formulação do atomismo<br />

físico, aplicou-se principalmente à solução de dois problemas<br />

filosóficos importantes de sua época: o do conhecimento e o <strong>da</strong><br />

ética.<br />

Quanto à ética, Demócrito, do mesmo modo que Sócrates,<br />

considera a “ignorância do melhor” como a causa do erro. Afirma<br />

ain<strong>da</strong>, que guiado pelo prazer, o homem deveria saber distinguir o<br />

valor dos diferentes prazeres, buscando em sua conduta a harmonia<br />

capaz de lhe conceder a calma do corpo, que seria a saúde, e a <strong>da</strong><br />

alma, que seria a felici<strong>da</strong>de.<br />

76<br />

Para Demócrito não havia dúvi<strong>da</strong>s: “Por convenção existe o<br />

doce, por convenção há o quente e o frio. Mas na ver<strong>da</strong>de há<br />

somente átomos e vazio”.<br />

Exercícios<br />

Exercícios<br />

1. Prove dois teoremas atribuídos a Tales e diga, justificando, se<br />

acha ou não que ele usou raciocínio semelhante.<br />

2. Prove o teorema de Pitágoras e diga se acredita ou não que ele<br />

usou seu método? Explique.<br />

3. Quais são os quatro primeiros números heptagonais<br />

(correspondendo a polígonos regulares de sete lados)?<br />

4. Escreva os números 3456 e 4567 e sua soma na notação ática<br />

primitiva e no sistema jônico ou alfabético.<br />

5. Mostre que 1184 e 1210 são números amigos.<br />

6. Usando régua e compasso apenas, construa um pentágono regular,<br />

sendo <strong>da</strong>do: a) o seu lado b) uma diagonal.<br />

7. Num círculo <strong>da</strong>do inscreva um pentágono regular usando apenas<br />

régua e compasso.<br />

8. Qual você acredita ter sido descoberta antes, a irracionali<strong>da</strong>de de<br />

2 ou de 5 ? Justifique sua resposta em termos de evidência<br />

histórica.<br />

9. As diagonais de um hexágono regular são incomensuráveis com o<br />

lado? Explique.


OS OS IDEAIS IDEAIS PLATÔNICOS PLATÔNICOS PLATÔNICOS E E A A LÓGICA<br />

LÓGICA<br />

ARISTOTÉLICA<br />

ARISTOTÉLICA<br />

ARISTOTÉLICA<br />

Segun<strong>da</strong> Segun<strong>da</strong> fase fase do do do Período Período Helênico<br />

Helênico<br />

“Ninguém que ignore a geometria poderá entrar em minha casa”<br />

(Platão)<br />

77<br />

Durante os séculos V e IV a.C. Atenas foi o centro cultural mais<br />

importante <strong>da</strong> Grécia e sua prosperi<strong>da</strong>de e atmosfera intelectual<br />

atraíram estudiosos de to<strong>da</strong>s as partes do mundo grego. Uma síntese<br />

<strong>da</strong>s diversas áreas do conhecimento foi consegui<strong>da</strong> e, no caso<br />

específico <strong>da</strong> matemática, várias questões de nível superior foram<br />

considera<strong>da</strong>s.<br />

Nessa época são propostos vários problemas famosos e dentre<br />

eles os chamados três problemas clássicos de construção: o <strong>da</strong><br />

quadratura do círculo, ou seja, encontrar um quadrado cuja área seja<br />

igual à de um círculo <strong>da</strong>do; o <strong>da</strong> duplicação do cubo, ou seja,<br />

encontrar o lado do cubo cujo volume é o dobro do volume do cubo<br />

<strong>da</strong>do e o <strong>da</strong> trissecção do ângulo, ou seja, dividir um ângulo <strong>da</strong>do<br />

em três partes iguais.<br />

A solução desses problemas iria fascinar matemáticos por mais<br />

de 2000 anos e vários ramos <strong>da</strong> matemática surgiram como corolário<br />

desses estudos.<br />

Devemos lembrar que esses problemas foram resolvidos por<br />

muitos matemáticos e amadores do passado. Porém, a partir de<br />

Euclides – adepto <strong>da</strong>s concepções platônicas – surge uma hipótese<br />

complicadora, a de que os três problemas deveriam ser resolvidos<br />

apenas com régua (sem marcas) e compasso.<br />

A seguir um pouco <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> e obra dos principais matemáticos e<br />

filósofos dessa época, conheci<strong>da</strong> como i<strong>da</strong>de heróica <strong>da</strong> cultura<br />

grega.<br />

78<br />

ANAXÁGORAS ANAXÁGORAS (499 – 428 a.C.)<br />

Anaxágoras de Clazômena levou para Atenas as idéias novas<br />

que estavam sendo produzi<strong>da</strong>s na Jônia. Em Atenas tornou-se amigo<br />

do grande líder político Péricles, mas nem essa amizade livrou-o do<br />

processo que acabou por forçá-lo a abandonar a ci<strong>da</strong>de. Na<br />

democrática Atenas são famosos dois processos contra a filosofia, o<br />

primeiro com Anaxágoras e mais tarde, o <strong>da</strong> condenação à morte de<br />

Sócrates.<br />

Anaxágoras introduz a noção do infinitamente pequeno: “to<strong>da</strong>s<br />

as coisas estavam juntas, infinitas ao mesmo tempo em número e<br />

pequenez, porque o pequeno era também infinito”. Essa idéia,<br />

contrária à concepção <strong>da</strong> extensão no pitagorismo primitivo – que<br />

admitia a extensão como composta de uni<strong>da</strong>des indivisíveis – tornase<br />

fun<strong>da</strong>mental para suas cosmogonia e cosmologia. A tese de que<br />

“em ca<strong>da</strong> coisa existe uma porção de ca<strong>da</strong> coisa” sustenta-se na<br />

divisibili<strong>da</strong>de infinita.<br />

Segundo o depoimento de Aristóteles, Anaxágoras teria<br />

afirmado que “o homem pensa porque tem mãos”, tese que mais<br />

tarde será combati<strong>da</strong> inclusive pelo próprio Aristóteles, quando se<br />

intensificar na socie<strong>da</strong>de grega o preconceito contra o trabalho<br />

manual, geralmente atribuído a escravos.<br />

Vemos assim, que os ci<strong>da</strong>dãos atenienses zelosos de suas<br />

crenças e tradições, cui<strong>da</strong>ram de fazer leis para protegê-los <strong>da</strong>s<br />

idéias “subversivas” dos forasteiros. E, devido a uma dessas leis,<br />

Anaxágoras acabou sendo condenado à prisão por impie<strong>da</strong>de. Seu<br />

“crime” fora afirmar que o Sol é uma bola de fogo, maior que o<br />

Peloponeso, que a Lua é feita de terra, que empresta do Sol a sua<br />

luz. Lembremos que o Sol para os atenienses ain<strong>da</strong> era uma<br />

divin<strong>da</strong>de.<br />

Para se entreter na cadeia, Anaxágoras dedicou-se à tarefa de<br />

tentar resolver o problema <strong>da</strong> quadratura do círculo. Ao que consta<br />

não conseguiu seu intento. Mas sua frustração seria bem menor se<br />

pudesse saber que o problema atravessou mais de dois milênios sem<br />

solução completa.<br />

Com muito respeito parodiamos Manuel Bandeira no caso de<br />

Anaxágoras em Atenas, não muito distante de Pasárga<strong>da</strong> na Pérsia.


Lá, foi amigo do rei e mesmo assim morreu no exílio.<br />

Evidentemente a culpa não é do poema.<br />

HIPÓCRATES<br />

HIPÓCRATES HIPÓCRATES (460 – 370 a.C.)<br />

79<br />

Hipócrates de Chios, um pouco mais jovem que Anaxágoras e<br />

proveniente <strong>da</strong> mesma região <strong>da</strong> Grécia, trocou sua terra natal por<br />

Atenas, na quali<strong>da</strong>de de mercador. Consta que ludibriado por piratas<br />

tentou recuperar suas finanças trabalhando como professor de<br />

geometria. Ele não deve ser confundido com seu contemporâneo<br />

mais famoso, o médico Hipócrates de Cos.<br />

Segundo Proclo, Hipócrates compôs uma obra – Elementos <strong>da</strong><br />

Geometria – antecipando-se por mais de um século à mais<br />

conheci<strong>da</strong> Os Elementos de Euclides. Organizou de modo lógico a<br />

geometria <strong>da</strong> época e demonstrou, por dupla redução ao absurdo, um<br />

teorema importante para a quadratura do círculo.<br />

Teorema: As áreas de círculos estão para si assim como os<br />

2<br />

A 1 d1<br />

quadrados de seus diâmetros, ou seja, = em que A1 e A2<br />

2<br />

A2<br />

d 2<br />

representam as áreas de dois círculos com diâmetros, d1 e d2,<br />

respectivamente.<br />

Esse teorema é importante para a quadratura de lunas. Uma luna<br />

é uma figura delimita<strong>da</strong> por dois arcos circulares de raios diferentes;<br />

o problema de sua quadratura certamente se originou <strong>da</strong> quadratura<br />

do círculo. Hipócrates foi o primeiro matemático a deduzir uma<br />

quadratura rigorosa de uma região delimita<strong>da</strong> por linhas curvas ( que<br />

não são retas, é claro).<br />

Exemplo de uma quadratura de luna por Hipócrates:<br />

Considerou um semicírculo<br />

circunscrito a um triângulo<br />

retângulo, inicialmente<br />

isósceles e depois qualquer,<br />

e sobre a base (hipotenusa)<br />

construiu um segmento<br />

80<br />

semelhante aos segmentos circulares construídos sobre os catetos. A<br />

soma <strong>da</strong>s áreas <strong>da</strong>s lunas sobre os catetos é igual a área do triângulo<br />

<strong>da</strong>do.<br />

Prova: ABC é um triângulo retângulo isósceles, ou seja, AB= BC.<br />

2 2 2<br />

Pelo teorema de Pitágoras temos que AB + BC = AC e assim,<br />

2<br />

2<br />

AC = 2AB . Pelo teorema anterior ou de Hipócrates, vem que<br />

2<br />

2<br />

S + L AB AB 1<br />

= = = ⇒ 2 S + 2L<br />

= 2S<br />

+ 2T<br />

⇒ L = T .<br />

2<br />

2<br />

2S<br />

+ 2L<br />

AC 2AB<br />

2<br />

As quadraturas de Hipócrates são significativas não tanto como<br />

tentativas de quadrar o círculo, mas como indicações do nível <strong>da</strong><br />

matemática <strong>da</strong> época. Mostram que os matemáticos atenienses eram<br />

hábeis ao tratar transformações de áreas e proporções. Em particular,<br />

não havia dificul<strong>da</strong>de em converter um retângulo de lados a e b num<br />

quadrado. Isso exige achar a média proporcional, ou geométrica,<br />

a x<br />

entre a e b, ou seja, se = , então facilmente se construía x.<br />

x b<br />

b<br />

x<br />

a<br />

x<br />

2<br />

2<br />

2<br />

2<br />

( r − s)(<br />

r + s)<br />

ba<br />

x + s = r , então, x = r − s =<br />

=<br />

Assim, x = ab é o lado do quadrado de área igual à do retângulo<br />

de lados a e b.<br />

Era natural, pois, que tentassem generalizar a questão inserindo<br />

dois meios entre duas grandezas <strong>da</strong><strong>da</strong>s a e b. Isto é, <strong>da</strong>dos dois<br />

segmentos a e b, esperavam construir dois outros x e y tais que<br />

a x y<br />

= = . Diz-se que Hipócrates percebeu que esse problema<br />

x y b<br />

contém o <strong>da</strong> duplicação do cubo; pois se b = 2a, as proporções, por<br />

eliminação de y, levam à conclusão que x³ = 2a³.<br />

r<br />

a<br />

2<br />

2<br />

r<br />

s<br />

x<br />

b


Hipócrates pode não ter quadrado o círculo, mas sentiu<br />

profun<strong>da</strong>mente o problema.<br />

HÍPIAS HÍPIAS HÍPIAS (460 – 390 a.C.)<br />

81<br />

Hípias de Elis era um dos chamados filósofos sofistas, que<br />

ganhavam seu sustento ensinando nas ruas e praças, o que não era<br />

bem visto por componentes de outras escolas. Os discípulos de<br />

Pitágoras e de Platão, por exemplo, eram proibidos de aceitar<br />

pagamento para partilhar seus conhecimentos com seus<br />

conci<strong>da</strong>dãos. Os sofistas foram acusados, dentre outras coisas de<br />

superficiais, mas isso não deve ocultar o fato de serem muito bem<br />

informados em muitos assuntos e de terem contribuído para o<br />

desenvolvimento <strong>da</strong> matemática, especialmente<br />

Hípias, talvez preocupado em resolver os problemas clássicos,<br />

introduziu na matemática uma curva não construtível com régua e<br />

compasso, apenas, conheci<strong>da</strong> por trissectriz ou quadratriz.<br />

Essa curva é traça<strong>da</strong> mecanicamente pela intersecção de duas<br />

retas em movimento. No quadrado ABCD seja o lado AB deslocado<br />

para baixo uniformemente a partir de sua posição presente até<br />

coincidir com DC, e suponhamos que esse movimento leve<br />

exatamente o mesmo tempo que o lado DA leva para girar em<br />

sentido horário de sua posição presente até coincidir com DC. Se as<br />

posições dos dois segmentos são <strong>da</strong><strong>da</strong>s em um instante fixado<br />

qualquer por A’B’ e DA” ,respectivamente, e se P é o ponto de<br />

intersecção de A’B’ e DA”, o lugar descrito por P durante esses<br />

movimentos será a trissectriz de Hípias – a curva APQ na figura.<br />

A<br />

A’<br />

T<br />

U<br />

P<br />

V<br />

W<br />

B<br />

B’<br />

R<br />

S<br />

Da<strong>da</strong> essa curva, faz-se a trissecção de<br />

um ângulo com facili<strong>da</strong>de. Por exemplo,<br />

se PDC é o ângulo a ser trissectado – ou<br />

dividido em um número qualquer de<br />

partes iguais – simplesmente trissectamos<br />

os segmentos B’C e A’D, com os pontos<br />

D Q<br />

C R, S, T e U. Se as retas TR e US cortam a<br />

trissectriz em V e W, respectivamente, as<br />

retas VD e WD, pela proprie<strong>da</strong>de <strong>da</strong> trissectriz dividirão o ângulo<br />

PDC em três partes iguais.<br />

A’’<br />

P<br />

V<br />

W<br />

A’’<br />

82<br />

A curva de Hípias é também chama<strong>da</strong> de quadratriz, pois pode<br />

ser usa<strong>da</strong> para quadrar o círculo. Foi conjecturado que Hípias sabia<br />

desse método de quadratura mas não conseguiu prova-lo. A<br />

quadratura por meio <strong>da</strong> curva de Hípias foi <strong>da</strong><strong>da</strong> mais tarde por<br />

Dinóstrato.<br />

Usando notações e métodos atuais podemos encontrar a<br />

equação <strong>da</strong> curva de Hípias em coordena<strong>da</strong>s polares:<br />

A B<br />

A’<br />

P<br />

B’<br />

D<br />

r<br />

θ<br />

U Q<br />

C<br />

O<br />

π/2<br />

Considerando as equações <strong>da</strong>s retas DP : y = tgθ<br />

x e<br />

2aθ<br />

A'<br />

B'<br />

: y = t = , e que P é a intersecção dessas retas vem que<br />

π<br />

y<br />

P = ( x,<br />

y ) = ( , y ) .<br />

tgθ<br />

π<br />

2aθ<br />

Seja L : [ 0, ] → [ 0,<br />

a]<br />

defini<strong>da</strong> por L(<br />

θ ) = t = . Assim,<br />

2<br />

π<br />

t 2aθ<br />

2aθ<br />

2aθ<br />

1<br />

P = ( , t ) = ( tgθ,<br />

) = ( , 1)<br />

. Logo,<br />

tgθ<br />

π π π tgθ<br />

2 1<br />

1<br />

2 +<br />

2<br />

aθ<br />

2aθ<br />

sec θ 2aθ<br />

secθ<br />

2aθ<br />

1<br />

r = P =<br />

=<br />

= = .<br />

2<br />

π tg θ π tg θ π tgθ<br />

π senθ<br />

Portanto, π r senθ<br />

= 2aθ<br />

é a equação polar <strong>da</strong> curva de Hípias<br />

e, desse modo, .<br />

a<br />

2aθ<br />

2a<br />

θ 2<br />

limr<br />

= lim senθ<br />

= lim =<br />

θ→0<br />

θ→0<br />

π π θ→0<br />

senθ<br />

π<br />

SÓCRATES SÓCRATES (469 – 399 a.C.)<br />

No ano 399 a.C., o tribunal dos heliastas, constituído por<br />

ci<strong>da</strong>dãos escolhidos por sorteio, reuniu-se com 500 ou 501<br />

a<br />

(π/2, a)


83<br />

membros. Difícil tarefa aguar<strong>da</strong>va esses juízes: julgar Sócrates,<br />

conheci<strong>da</strong> mas controverti<strong>da</strong> figura. Ci<strong>da</strong>dão admirado e enaltecido<br />

por alguns – particularmente pelos jovens – era entretanto, criticado<br />

e combatido por outros, que nele viam uma ameaça para as tradições<br />

<strong>da</strong> polis e um elemento pernicioso à juventude.<br />

A acusação era grave: não reconhecer os deuses do Estado,<br />

introduzir novas divin<strong>da</strong>des e corromper a juventude.<br />

Defesa de Sócrates: “não tenho outra ocupação senão de vos<br />

persuadir a todos, tanto velhos como novos, de que cuideis menos<br />

dos vossos corpos e dos vossos bens do que <strong>da</strong> perfeição de vossas<br />

almas, e a de vos dizer que a virtude não provém <strong>da</strong> riqueza, mas<br />

sim que é a virtude que traz a riqueza ou qualquer outra coisa útil<br />

aos homens, quer na vi<strong>da</strong> pública, quer na vi<strong>da</strong> priva<strong>da</strong>. Se, dizendo<br />

isso, eu estou a corromper a juventude, tanto pior; mas se alguém<br />

afirmar que digo outra coisa, mente”.<br />

Sobre a vi<strong>da</strong> de Sócrates, pouca coisa se sabe e chegou-se a<br />

afirmar que ele seria uma criação literária do nacionalismo<br />

ateniense. Ele, que se dizia estéril – pois só sabia que na<strong>da</strong> sabia –<br />

procurava auxiliar as pessoas noutra forma de concepção, a <strong>da</strong>s<br />

idéias próprias: forma de se ir ao encontro de si mesmo e de fazer de<br />

si mesmo o seu próprio ponto de parti<strong>da</strong>.<br />

Mas, para aquela democracia, que recusava o direito de<br />

ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia às mulheres, aos estrangeiros e aos escravos, portanto, à<br />

maioria <strong>da</strong> população de Atenas, o Sócrates pe<strong>da</strong>gogo e médico de<br />

almas constituía uma denúncia de suas limitações, e<br />

conseqüentemente, um perigo.<br />

Após recusar o exílio que dissimula<strong>da</strong>mente lhe ofereceram foi<br />

condenado a morrer, bebendo cicuta, o filósofo que garantia que o<br />

reencontro consigo mesmo só pode partir <strong>da</strong> consciência <strong>da</strong> própria<br />

ignorância.<br />

A “democracia” ateniense matou aquele que até pegou em<br />

armas para defendê-la. Que ironia!<br />

PLATÃO PLATÃO PLATÃO (428 – 348 a.C.)<br />

“Outrora, na minha juventude, experimentei o que tantos jovens<br />

experimentam. Tinha o projeto de, no dia em que pudesse dispor de<br />

mim próprio, imediatamente intervir na política” (Platão, 354 a.C.).<br />

84<br />

A vi<strong>da</strong> de Platão transcorreu entre a fase áurea <strong>da</strong> democracia<br />

ateniense e o final do período helênico: sua obra filosófica<br />

representará em vários aspectos, a expansão de um pensamento<br />

alimentado pelo clima de liber<strong>da</strong>de e de apogeu político.<br />

Platão, de tradicionais famílias de Atenas, tenta estabelecer a<br />

síntese entre a tradição eleática (que negava a racionali<strong>da</strong>de de<br />

qualquer mu<strong>da</strong>nça) e a heraclítica (que afirmava o fluxo contínuo de<br />

to<strong>da</strong>s as coisas).<br />

O grande acontecimento <strong>da</strong> juventude de Platão foi o encontro<br />

com Sócrates e diante <strong>da</strong> injustiça sofri<strong>da</strong> pelo mestre, aprofun<strong>da</strong>-se<br />

o desencanto de Platão com a política e com aquela democracia.<br />

Com Sócrates, o jovem Platão pudera sentir a necessi<strong>da</strong>de de<br />

fun<strong>da</strong>mentar qualquer ativi<strong>da</strong>de em conceitos claros e seguros. O<br />

primado <strong>da</strong> política torna-se para Platão, o primado <strong>da</strong> ver<strong>da</strong>de, <strong>da</strong><br />

ciência.<br />

Depois <strong>da</strong> morte de Sócrates, disperso o núcleo que se<br />

congregara em torno dele, Platão viaja ao sul <strong>da</strong> Itália (magna<br />

Grécia), onde convive com Arquitas de Tarento. O famoso<br />

matemático e político pitagórico dá-lhe um exemplo vivo de sábiogovernante,<br />

que ele depois apontará em a República, como solução<br />

ideal para os problemas políticos.<br />

Da visita de Platão ao Egito quase na<strong>da</strong> se sabe com segurança.<br />

Certo é que em Cirene, inteirou-se <strong>da</strong>s pesquisas matemáticas<br />

desenvolvi<strong>da</strong>s por Teodoro, particularmente as referentes aos<br />

irracionais.<br />

Os irracionais matemáticos inspirarão várias doutrinas<br />

platônicas, pois representam uma justa medi<strong>da</strong>, que nenhuma<br />

linguagem consegue exaurir.<br />

Nessa época Platão compõe seus primeiros Diálogos. Entre<br />

esses está a Apologia de Sócrates. Os outros diálogos desta fase<br />

manifesta duas preocupações que permanecerão constantes na obra<br />

platônica: o problema político e o papel que a retórica pode<br />

desempenhar na ética e na educação.


A Academia<br />

85<br />

Em 387 a.C. Platão fundou em Atenas a<br />

Academia, sua própria escola de<br />

investigação científica e filosófica (a<br />

Academia durou até 529 d.C.). O<br />

acontecimento foi <strong>da</strong> máxima importância<br />

para a história do pensamento ocidental.<br />

Platão tornou-se o primeiro dirigente de<br />

uma instituição permanente, volta<strong>da</strong> para a<br />

pesquisa original e concebi<strong>da</strong> como<br />

conjugação de esforços de um grupo que vê<br />

no conhecimento algo vivo e dinâmico e<br />

não um corpo de doutrinas a serem<br />

Platão e Aristóteles – simplesmente resguar<strong>da</strong><strong>da</strong>s e transmiti<strong>da</strong>s.<br />

A Escola de Atenas<br />

Depois de suas viagens, quando freqüentou centros pitagóricos<br />

de pesquisa científica, Platão via na matemática a promessa de um<br />

caminho que conduzisse à certeza. A educação deveria, em última<br />

instância, basear-se numa episteme (ciência) e ultrapassar o<br />

plano instável <strong>da</strong> opinião (doxa). E a política poderia se transformar<br />

numa ação ilumina<strong>da</strong> pela ver<strong>da</strong>de e um gesto criador de harmonia,<br />

de justiça e de beleza.<br />

Durante cerca de vinte anos, Platão dedicou-se ao magistério e à<br />

composição de suas obras. Sob a influência do pitagorismo, Platão<br />

desligou-se um pouco de Sócrates e formulou uma filosofia própria.<br />

Ele sempre retomava a tese de que o ideal para a polis seria a<br />

existência de um rei filósofo, que inclusive pudesse governar sem<br />

necessi<strong>da</strong>de de leis.<br />

Para Platão, as idéias perfeitas e imutáveis constituiriam os<br />

modelos ou paradigmas dos quais as coisas materiais seriam apenas<br />

cópias imperfeitas e transitórias. Seriam, pois, tipos ideais a<br />

transcender o plano mutável dos objetos físicos.<br />

A mimesis, no pitagorismo, apresentara um caráter de<br />

imanência: o modelo e a cópia estão ambos no plano concreto; são<br />

as duas faces (interna e externa, razão e sentidos) <strong>da</strong> mesma<br />

reali<strong>da</strong>de. Com Platão, a noção de imitação (mimesis) adquiriu<br />

acepção metafísica, como lógica decorrência do distanciamento<br />

86<br />

entre o plano sensível e o inteligível. Os objetos físicos múltiplos,<br />

concretos e perecíveis – aparecem como cópias imperfeitas dos<br />

arquétipos ideais, incorpóreos e perenes.<br />

Modelo de Estado<br />

Em a República, a organização de uma ci<strong>da</strong>de ideal apóia-se<br />

numa divisão racional do trabalho. Como reformador social, Platão<br />

considera que a justiça depende dessa diversi<strong>da</strong>de de funções<br />

exerci<strong>da</strong>s por três classes distintas: a dos artesãos, dedicados à<br />

produção de bens materiais; a dos sol<strong>da</strong>dos, encarregados de<br />

defender a ci<strong>da</strong>de; a dos guardiães, incumbidos de zelar pela<br />

observância <strong>da</strong>s leis.<br />

Produção, defesa, administração interna – essas as três<br />

funções essenciais <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de. E o importante não é que uma classe<br />

usufrua de uma felici<strong>da</strong>de superior, mas que to<strong>da</strong> a ci<strong>da</strong>de seja feliz.<br />

O indivíduo faria parte <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de para poder cumprir sua função<br />

social e nisto consiste ser justo: em cumprir a própria função.<br />

A reorganização <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de para transformá-la em reino de<br />

justiça exige, naturalmente, reformas radicais. A família, por<br />

exemplo, deveria desaparecer para que as mulheres fossem comuns<br />

a todos os guardiães e as crianças seriam educa<strong>da</strong>s pela ci<strong>da</strong>de e a<br />

procriação deveria ser regula<strong>da</strong> de modo a preservar a eugenia; para<br />

evitar os laços familiares egoístas, nenhuma criança conheceria seu<br />

pai e nenhum pai seu ver<strong>da</strong>deiro filho; a execução dos trabalhos não<br />

levaria em conta distinção de sexo, mas tão somente a diversi<strong>da</strong>de<br />

<strong>da</strong>s aptidões naturais.<br />

Mas a ci<strong>da</strong>de ideal só poderia surgir se o governo supremo<br />

fosse confiado a reis-filósofos.<br />

Da sombra à luz<br />

O processo de conhecimento representava, para Platão, uma<br />

progressiva passagem <strong>da</strong>s sombras e imagens turvas ao luminoso<br />

universo <strong>da</strong>s idéias, atravessando etapas intermediárias. Ca<strong>da</strong> fase<br />

encontraria sua fun<strong>da</strong>mentação e resolução na fase seguinte. O que<br />

não era visto claramente no plano sensível (e só poderia ser objeto<br />

de uma conjetura) transformava-se em objeto de crença. Seguia-se<br />

assim (ver quadro abaixo) até chegar no Bem, cujo análogo seria o<br />

Sol, no caso material.


87<br />

Aquele que se libertou <strong>da</strong>s ilusões e se elevou à visão <strong>da</strong><br />

reali<strong>da</strong>de poderia, ou melhor, deveria governar para libertar os<br />

outros prisioneiros <strong>da</strong>s sombras: seria o filósofo-político, que coloca<br />

sua sabedoria como um instrumento de libertação de consciências e<br />

de justiça social, aquele que faz <strong>da</strong> procura <strong>da</strong> ver<strong>da</strong>de uma arte de<br />

desilusionismo.<br />

Eros, que desempenhava em relação aos sentimentos e às<br />

emoções o mesmo papel de intermediário que as enti<strong>da</strong>des<br />

matemáticas representavam para a vi<strong>da</strong> intelectual, coman<strong>da</strong>va a<br />

subi<strong>da</strong> por via <strong>da</strong> atração que a beleza dos corpos exercia sobre os<br />

sentidos e remetendo afinal à contemplação do Belo supremo, o<br />

Belo em si.<br />

A construção do conhecimento constituiu, assim no platonismo,<br />

uma conjugação de intelecto e emoção, de razão e vontade: a<br />

episteme seria fruto de inteligência e de amor. É precisamente esse o<br />

tema de O Banquete nos diálogos de Sócrates, Agatão, Alcibíades e<br />

outros. A visão platônica do conhecimento pode, assim, ser<br />

resumi<strong>da</strong> no seguinte quadro: <strong>da</strong> sombra (A) à luz (C).<br />

C<br />

↑<br />

Idéias → ↑ ← Dialética<br />

↑ Ciência<br />

Mundo inteligível E (episteme)<br />

↑<br />

Objetos ↑ Conhecimentos<br />

matemáticos → ↑ ← matemáticos<br />

B<br />

↑<br />

Objetos → ↑ ← Crença<br />

sensíveis ↑<br />

D<br />

Mundo Sensível ↑ Opinião<br />

Sombras → ↑ ← Ilusão, conjectura<br />

↑<br />

A<br />

88<br />

Platão e a matemática<br />

Platão, segundo Proclo, proporcionou grandes progressos na<br />

matemática em geral e na geometria em particular, devido ao seu<br />

conhecido zelo pelo estudo. Seus livros eram ricos em discursos<br />

matemáticos e aproveitava-se de to<strong>da</strong>s as ocasiões para mostrar a<br />

notável conexão que existe entre a matemática e a filosofia.<br />

“Ninguém que ignore a geometria poderá entrar em minha casa” –<br />

eis a condição que impunha aos que queriam estu<strong>da</strong>r com ele.<br />

Em as Leis, Platão aconselha o estudo <strong>da</strong> música ou a prática <strong>da</strong><br />

lira dos 13 até os 16 anos, seguindo-se então as matemáticas, os<br />

pesos e medi<strong>da</strong>s, bem como o calendário astronômico, até os 17. Em<br />

a República, por outro lado, recomen<strong>da</strong> a alguns jovens<br />

selecionados, antes dos 18 anos, o estudo <strong>da</strong> matemática abstrata ou<br />

teórica, ou seja, <strong>da</strong> aritmética, <strong>da</strong> geometria plana e espacial, <strong>da</strong><br />

cinemática e <strong>da</strong> harmonia. A respeito <strong>da</strong> aritmética diz: “aqueles que<br />

nasceram com aptidão para ela aprendem depressa, ao passo que,<br />

mesmo nos que são lentos em assimilá-la, a capaci<strong>da</strong>de geral de<br />

compreensão aproveita muito com o seu estudo”. “Nenhum ramo <strong>da</strong><br />

educação constitui tão valioso preparo para a administração <strong>da</strong> casa,<br />

para to<strong>da</strong>s as artes e ofícios, ciências e profissões, como a<br />

aritmética. Acima de tudo, graças a alguma influência divina, ela<br />

desperta o cérebro moroso e sonolento, tornando-o estudioso, atento<br />

e arguto”.<br />

Segundo Platão os conceitos matemáticos independem <strong>da</strong><br />

experiência e, ain<strong>da</strong> mais, para ele a matemática não se constrói,<br />

mas se descobre.<br />

A matemática nessa fase começa a atingir os ideais propostos<br />

por Tales, e se torna dedutiva. São formula<strong>da</strong>s definições precisas,<br />

os métodos de demonstração são avaliados e sistematizados, e deuse<br />

especial importância ao rigor <strong>da</strong> lógica. São desse período<br />

axiomas como: “quanti<strong>da</strong>des iguais subtraí<strong>da</strong>s de diminuendos<br />

iguais dão restos iguais”.<br />

Para Platão o ponto seria o limite <strong>da</strong> linha; a linha o limite <strong>da</strong><br />

superfície e a superfície o limite do corpo sólido.<br />

O método analítico, que relaciona a tese a se provar com o que<br />

já se conhece, é uma importante contribuição platônica à<br />

matemática. Em essência esse método, que parte do desconhecido<br />

para o conhecido, depende <strong>da</strong> reversibili<strong>da</strong>de do processo.


89<br />

Exemplo: Provar que 1<br />

1 <<br />

a<br />

para a > 0.<br />

a +<br />

a<br />

Temos: < 1 ⇔ a < a + 1 ⇔ 0 < 1.<br />

Como 0 < 1 é ver<strong>da</strong>deiro,<br />

a + 1<br />

está prova<strong>da</strong> a proposição, devido às equivalências envolvi<strong>da</strong>s.<br />

Embora seu interesse principal fosse a geometria, as conquistas<br />

de Platão no campo <strong>da</strong> aritmética foram consideráveis para a sua<br />

época. Determinou de maneira correta, por exemplo, os 59 divisores<br />

de 5040, entre os quais se incluem todos os números inteiros de 1 a<br />

10. O número 5040 aparece, nas Leis, como o número ideal de<br />

ci<strong>da</strong>dãos na Ci<strong>da</strong>de ideal, ou seja, 7.6.5.4.3.2.1<br />

Cosmologia platônica<br />

A forma esférica <strong>da</strong> Terra já se tornara geralmente aceita na<br />

Grécia e as cosmologias mais antigas foram desaparecendo pouco a<br />

pouco.<br />

Para Platão, que tinha pelas ciências físicas um interesse apenas<br />

secundário, a Terra era uma esfera situa<strong>da</strong> no centro do Universo e<br />

não necessitava de apoio. Supôs que as distâncias dos corpos<br />

celestes a esse centro fossem proporcionais aos números 1 (Lua), 2<br />

(Sol), 3 (Vênus), 4 (Mercúrio), 8 (Marte), 9(Júpiter), 27 (Saturno).<br />

Esses números eram obtidos pela combinação de duas progressões<br />

geométricas, respectivamente, 1, 2, 4, 8 e 1, 3, 9, 27.<br />

Platão admite, em princípio, que os astros são dotados de um<br />

movimento circular uniforme, em torno <strong>da</strong> Terra, e propõe aos<br />

matemáticos o seguinte problema: “quais são os movimentos<br />

circulares uniformes que poderemos admitir como hipótese para<br />

explicar os movimentos aparentes dos planetas?”<br />

Provavelmente, Platão não tinha uma noção clara <strong>da</strong>s<br />

irregulari<strong>da</strong>des dos planetas que depois iriam absorver a atenção de<br />

filósofos e astrônomos. Seu sistema era um geocentrismo coerente e<br />

apoiava-se na idéia <strong>da</strong> imobili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> Terra.<br />

Embora tenham trazido poucos subsídios permanentes para as<br />

ciências físicas, as teorias de Platão tiveram grande influência sobre<br />

as idéias antigas e medievais e sobre a evolução <strong>da</strong> alquimia.<br />

90<br />

ARQUITAS ARQUITAS (428 – 347 a.C.)<br />

Arquitas de Tarento, na Itália Meridional, estadista que por<br />

diversas vezes exerceu o comando <strong>da</strong>s forças militares de sua<br />

ci<strong>da</strong>de, foi um filósofo pitagórico e grande amigo de Platão e,<br />

talvez, o que mais influenciou no matematismo do filósofo <strong>da</strong><br />

Academia.<br />

Aplicou a matemática aos problemas mecânicos e é considerado<br />

o fun<strong>da</strong>dor <strong>da</strong> mecânica teórica, sendo que muitas obras perdi<strong>da</strong>s<br />

sobre mecânica e geometria lhe são atribuí<strong>da</strong>s. Diz-se, ain<strong>da</strong>, que<br />

ele inventou o parafuso e a rol<strong>da</strong>na e era um exímio construtor de<br />

máquinas. Deu uma notável – mas complica<strong>da</strong> – solução ao<br />

problema de duplicação do cubo.<br />

Restam-nos fragmentos de sua Harmonia e <strong>da</strong>s Diatribes ou<br />

Conversas, referentes a problemas de matemática e música.<br />

TEAETECTO<br />

TEAETECTO TEAETECTO ( século IV a.C.)<br />

Discípulo de Platão a quem é atribuído a demonstração de que<br />

só existem cinco poliedros regulares, chamados poliedros de Platão:<br />

tetraedro, hexaedro (cubo), octaedro, dodecaedro e icosaedro.<br />

MENAECMO MENAECMO (século IV a.C.)<br />

Menaecmo, astrônomo e geômetra <strong>da</strong> Academia, conseguiu<br />

resolver o problema <strong>da</strong> duplicação do cubo. Em sua solução usava<br />

duas curvas especialmente inventa<strong>da</strong>s por ele para essa finali<strong>da</strong>de: a<br />

parábola e a hipérbole. A elipse apareceu como corolário dessa<br />

invenção. Essas três curvas são chama<strong>da</strong>s até hoje de secções<br />

cônicas, porque Menaecmo as concebeu cortando três tipos de<br />

superfícies cônicas de uma folha, a de ângulo agudo (oxytome –<br />

elipse), a de ângulo reto (orthotome – parábola) e a de ângulo obtuso<br />

(amblytome – hipérbole), respectivamente, por um plano<br />

perpendicular à geratriz.


Oxytome Orthotome Amblytome<br />

91<br />

A hipérbole de dois ramos só surgiria algum tempo depois, com<br />

Apolônio. Menaecmo ain<strong>da</strong> não dispunha de sistemas de<br />

coordena<strong>da</strong>s, o que o obrigava a ser muito mais engenhoso. Mas,<br />

usando a linguagem atual, não é difícil perceber que a intersecção <strong>da</strong><br />

parábola x² = 2y com a hipérbole xy = 1 é solução de x³ = 2. A<br />

solução de Menaecmo não se vale apenas de régua e compasso, é<br />

claro, mas o importante mesmo foi que introduziu na matemática as<br />

secções cônicas<br />

DINÓSTRATO DINÓSTRATO ( século IV a. C.)<br />

Irmão de Menaecmo, Dinóstrato era também um matemático, e<br />

se um resolveu o problema <strong>da</strong> duplicação do cubo, o outro resolveu<br />

o <strong>da</strong> quadratura do círculo, com uma curva não construtível com<br />

régua e compasso.<br />

A quadratura deixou de ser uma questão impossível quando foi<br />

observa<strong>da</strong> por Dinóstrato uma notável proprie<strong>da</strong>de <strong>da</strong> extremi<strong>da</strong>de<br />

Q <strong>da</strong> trissectriz de Hípias.<br />

A<br />

T<br />

D<br />

r<br />

θ<br />

a<br />

S<br />

B<br />

Q H C<br />

Equação polar <strong>da</strong> trissectriz: πrsenθ = 2 aθ<br />

O Teorema de Dinóstrato diz que o lado a<br />

é a média proporcional entre o segmento<br />

DQ e o arco do quarto de círculo AC, isto é,<br />

∩<br />

AC<br />

=<br />

AB<br />

AB<br />

.<br />

DQ<br />

Conforme visto anteriormente,<br />

92<br />

∩<br />

2a<br />

AC a<br />

DQ = lim r = . Assim, = , ou seja, .<br />

θ→0<br />

π a 2 a<br />

π<br />

a ∩ π<br />

AC =<br />

2<br />

Dado o ponto Q de intersecção <strong>da</strong> trissectriz com DC, temos,<br />

pois, uma proporção envolvendo três segmentos retilíneos e arco<br />

circular AC. Por uma construção geométrica simples do quarto<br />

termo numa proporção podemos facilmente traçar um segmento de<br />

reta b de comprimento igual a AC.<br />

O retângulo que tem lado 2b e a como o outro lado, tem área<br />

exatamente igual à do círculo com raio a. Agora construímos o<br />

quadrado de área igual a do retângulo, tomando como lado a média<br />

geométrica dos lados do retângulo. Como Dinóstrato provou que a<br />

trissectriz de Hípias serve para quadrar o círculo, a curva veio a ser<br />

chama<strong>da</strong> mais comumente de quadratriz.<br />

EUDOXO EUDOXO EUDOXO (408 – 355 a.C.)<br />

Eudoxo de Cnido, aluno de Arquitas e, por algum tempo, de<br />

Platão, é considerado o maior matemático do período helênico.<br />

Além disso ficou famoso por defender uma ética basea<strong>da</strong> na noção<br />

de prazer.<br />

Não foi apenas matemático e astrônomo, mas também físico.<br />

Em matemática pode-se dizer que recriou essa ciência,<br />

desenvolvendo a teoria <strong>da</strong>s proporções, fazendo um estudo especial<br />

<strong>da</strong> divisão áurea e alcançando importantes resultados na geometria<br />

dos sólidos.<br />

Eudoxo resolveu o problema <strong>da</strong> proporcionali<strong>da</strong>de de uma<br />

maneira geral após introduzir a noção de grandezas de mesma<br />

espécie, tais como, comprimento, área, volume, tempo, etc. Desse<br />

modo, suponha que A e B sejam grandezas de mesma espécie e que<br />

C e D também sejam grandezas de mesma espécie (não<br />

necessariamente do tipo de A e B).<br />

A C<br />

Pergunta-se: quando se tem = ?<br />

B D


A C<br />

Eudoxo postulou que: = sempre que, <strong>da</strong>dos m e n<br />

B D<br />

inteiros positivos quaisquer, mA > nB ⇒ mC > nD ;<br />

mA = nB ⇒ mC = nD ; mA < nB ⇒ mC < nD .<br />

Método de Exaustão<br />

93<br />

Axioma: Da<strong>da</strong>s duas grandezas diferentes A e B , de mesma espécie,<br />

e que têm uma razão, isto é, nenhuma delas sendo zero, pode-se<br />

encontrar um múltiplo de qualquer delas que seja maior que a outra,<br />

ou seja, existem números inteiros positivos m e n tais que<br />

nA > B ou mB > A .<br />

Com esse axioma Eudoxo provou, por uma redução ao<br />

absurdo, uma proposição fun<strong>da</strong>mental para o cálculo de áreas e<br />

volumes e que foi denomina<strong>da</strong> de método de exaustão:<br />

Proposição: Se de uma grandeza qualquer subtrai-se uma parte não<br />

menor que sua metade e do resto novamente subtrai-se não menos<br />

que a metade, e se esse processo de subtração é continuado,<br />

finalmente restará uma grandeza menor do que qualquer grandeza de<br />

mesma espécie.<br />

Exemplo:<br />

Na figura, pretende-se encontrar a área do<br />

círculo por exaustão. Nota-se que a área<br />

do quadrado é maior que a metade <strong>da</strong> área<br />

do círculo. Os quatro triângulos têm área<br />

maior do que a metade do que tinha<br />

sobrado. Continuando o processo, a área<br />

que ain<strong>da</strong> restar será menor do que uma<br />

grandeza de mesma espécie, fixa<strong>da</strong><br />

arbitrariamente. Assim a área do círculo será encontra<strong>da</strong> somando-se<br />

o quadrado, com os quatro triângulos, etc.<br />

Essa proposição, equivale à seguinte formulação atual:<br />

Considere M uma grandeza qualquer,ε outra grandeza, prefixa<strong>da</strong> de<br />

1<br />

mesma espécie, e r uma razão tal que ≤ r < 1.<br />

Então pode-se<br />

2<br />

94<br />

encontrar um inteiro positivo N, tal que M( 1 − r ) < ε para todo<br />

inteiro n > N . Assim, a proprie<strong>da</strong>de de exaustão equivale a dizer<br />

que lim M(<br />

1 − r ) = 0.<br />

n→∞<br />

n<br />

Esse método foi muito utilizado para se provar teoremas sobre<br />

áreas e volumes de figuras curvilíneas. Com Euclides e Arquimedes<br />

ele se torna clássico e até a introdução <strong>da</strong> integral não havia outro<br />

método mais eficaz. Desse modo, Eudoxo pode ser considerado o<br />

criador do Cálculo Integral.<br />

ARISTÓTELES ARISTÓTELES (384 – 322 a.C.)<br />

Aristóteles de Estagira, com dezoito anos, chegou a Atenas, o<br />

grande centro intelectual e artístico <strong>da</strong> Grécia do século IV a.C.,<br />

proveniente <strong>da</strong> Macedônia. Como muitos outros jovens, foi atraído<br />

pela intensa vi<strong>da</strong> cultural <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de que lhe acenava com<br />

oportuni<strong>da</strong>des para prosseguir seus estudos.<br />

Não era belo e para os padrões vigentes no mundo grego,<br />

principalmente na Atenas <strong>da</strong>quele tempo, apresentava características<br />

que poderiam dificultar-lhe a carreira e a projeção social. Em<br />

particular, uma certa dificul<strong>da</strong>de em pronunciar corretamente as<br />

palavras poderia criar-lhe embaraços e mesmo complexos numa<br />

socie<strong>da</strong>de que, além de valorizar a beleza física e enaltecer os<br />

atletas, admirava a eloqüência e deixava-se conduzir por oradores.<br />

O jovem ingressa na Academia de Platão, na qual a figura<br />

principal como mestre e diretor era, naquele momento, o matemático<br />

Eudoxo de Cnido. Somente um ano depois é que Platão retornou,<br />

fatigado por mais uma frustra<strong>da</strong> experiência política na Sicília. Foi o<br />

próprio Eudoxo quem lhe apresentou o novo aluno <strong>da</strong> Academia, o<br />

jovem <strong>da</strong> Macedônia de olhos pequenos, porém reveladores de<br />

excepcional vivaci<strong>da</strong>de.<br />

O preceptor de Alexandre<br />

De pura raiz jônica, a família de Aristóteles fora<br />

tradicionalmente liga<strong>da</strong> à medicina e à família real <strong>da</strong> Macedônia.<br />

Seu pai, Nicômaco, era médico e amigo do rei Amintas II, pai de<br />

n


95<br />

Filipe. Estagira, apesar de situa<strong>da</strong> distante de Atenas e em território<br />

sob a dependência <strong>da</strong> Macedônia, era na ver<strong>da</strong>de uma ci<strong>da</strong>de grega.<br />

A vi<strong>da</strong> de Aristóteles – e até certo ponto sua obra – estará<br />

marca<strong>da</strong> por essa dupla vinculação, à cultura helênica e à aventura<br />

política <strong>da</strong> Macedônia. A condição de meteco – estrangeiro<br />

domiciliado numa ci<strong>da</strong>de grega - talvez explique porque não se<br />

tornou, como Platão, um pensador político, preocupado com os<br />

destinos <strong>da</strong> polis e com a reforma <strong>da</strong>s instituições.<br />

Ao ingressar na Academia, que viria a freqüentar durante 20<br />

anos, Aristóteles já trazia, como herança de seus antepassados,<br />

acentuado interesse pelas pesquisas biológicas. Ao matematismo<br />

predominante, ele irá contrapor o espírito de observação e a índole<br />

classificatória, típicas <strong>da</strong> investigação naturalista, e que constituirão<br />

traços fun<strong>da</strong>mentais de seu pensamento.<br />

Em 347 a.C., com a morte de Platão, Aristóteles deixa Atenas e<br />

vai para Assos, na Ásia Menor, onde Hérmias, ex-integrante <strong>da</strong><br />

Academia, havia se tornado governante. Filipe, em 343 a.C., chama<br />

Aristóteles à corte de Pela e confia-lhe importante missão: a de<br />

educar seu filho, Alexandre.<br />

Durante anos o filósofo encarrega-se dessa missão. É ain<strong>da</strong><br />

preceptor de Alexandre quando em 338 a.C., os macedônios<br />

derrotam os gregos em Queronéia. Chega ao fim a autonomia <strong>da</strong>s<br />

ci<strong>da</strong>des-Estados que caracterizara a Grécia no período helênico. A<br />

partir de então – domina<strong>da</strong> pela Macedônia, mais tarde por Roma –<br />

a Grécia integrará amplos organismos políticos que diluirão suas<br />

fronteiras e atenuarão as distinções culturais que tradicionalmente<br />

separavam os gregos de outros povos, sobretudo os bárbaros<br />

orientais.<br />

Com o assassinato de Filipe, Alexandre assume o poder e em<br />

segui<strong>da</strong> prepara uma expedição ao oriente, iniciando a construção de<br />

seu grande império. Aristóteles voltou a Atenas e, próximo ao<br />

templo dedicado a Apolo Liceano, abriu uma escola – o Liceu – que<br />

passou a rivalizar com a Academia, então dirigi<strong>da</strong> por Xénocrates.<br />

Os discípulos de Aristóteles eram chamados de peripatéticos (os que<br />

passeiam) devido ao hábito – aliás comum nas escolas <strong>da</strong> época –<br />

que tinham os estu<strong>da</strong>ntes de realizar seus debates enquanto<br />

passeavam pelos pátios arborizados <strong>da</strong> escola.<br />

96<br />

Enquanto a Academia se voltava basicamente para as<br />

investigações matemáticas, o Liceu transformou-se num centro de<br />

estudos dedicados principalmente às ciências naturais. De terras<br />

distantes, conquista<strong>da</strong>s em suas expedições, Alexandre enviava ao<br />

seu ex-preceptor exemplares <strong>da</strong> fauna e <strong>da</strong> flora que viriam<br />

enriquecer as coleções do Liceu.<br />

O biologismo tornou-se, assim, marca central <strong>da</strong> própria visão<br />

científica e filosófica de Aristóteles, que transpôs para to<strong>da</strong> a<br />

natureza categorias explicativas pertencentes originariamente ao<br />

domínio <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>. Em particular, a noção de espécies fixas –<br />

sugeri<strong>da</strong>s pela observação do mundo vegetal e animal – exercerá<br />

decisiva influência sobre a física e a metafísica aristotélicas, na<br />

medi<strong>da</strong> em que se reflete em sua doutrina do movimento.<br />

Apesar <strong>da</strong> estima que Alexandre sempre devotou a seu antigo<br />

mestre, uma barreira os distanciava. Aristóteles não concor<strong>da</strong>va com<br />

a fusão <strong>da</strong> civilização grega com a oriental. Segundo ele, gregos e<br />

orientais eram de naturezas distintas, com distintas potenciali<strong>da</strong>des<br />

e não deveriam coexistir sob o mesmo regime político.<br />

Depois <strong>da</strong> morte de Alexandre e 323 a.C., Aristóteles passou a<br />

ser hostilizado pela facção antimacedônica que o considerava<br />

politicamente suspeito. Acusado de impie<strong>da</strong>de, deixou Atenas e<br />

refugiou-se em Cálcis, na Eubéia onde morreu em 322 a.C.<br />

O que restou <strong>da</strong> grande obra<br />

Com base em suas próprias declarações, sabe-se que Aristóteles<br />

realizou dois tipos de composições, as endereça<strong>da</strong>s ao grande<br />

público, redigi<strong>da</strong>s em forma mais dialética do que demonstrativa, e<br />

os escritos ditos filosóficos ou científicos, que eram lições<br />

destina<strong>da</strong>s aos alunos do Liceu.<br />

Depois que deixou a Academia e durante o período em que<br />

esteve e Assos, Aristóteles escreveu o diálogo Sobre a Filosofia, no<br />

qual combate a teoria platônica <strong>da</strong>s idéias, particularmente a teoria<br />

dos números ideais, que caracterizava a última fase do platonismo.<br />

Como o Timeu de Platão, o Sobre a Filosofia apresenta uma<br />

concepção cosmológica de cunho finalista e teológico; mas, ao<br />

contrário do que propunha Platão, o universo é explicado não à<br />

semelhança de uma obra de arte, resultado <strong>da</strong> ação de um divino<br />

artesão, o demiurgo, e sim como um organismo que se desenvolve


97<br />

graças a um dinamismo interior, um princípio imanente que<br />

Aristóteles denomina physis (natureza).<br />

Os tratados de lógica, receberam em seu conjunto a<br />

denominação de Organon, uma vez que para Aristóteles a logica não<br />

seria parte integrante <strong>da</strong> ciência e <strong>da</strong> filosofia, mas apenas um<br />

instrumento (organon) que elas utilizariam em sua construção.<br />

Ao examinar um problema, Aristóteles parte <strong>da</strong>s soluções<br />

propostas por seus antecessores, vincula suas idéias à história e por<br />

isso é considerado o primeiro historiador <strong>da</strong> Filosofia.<br />

Para se atingir a ver<strong>da</strong>de científica e construir um conjunto de<br />

conhecimentos seguros, torna-se necessário, segundo Aristóteles,<br />

possuir normas de pensamento que permitam demonstrações<br />

corretas e, portanto, irretorquíveis. O estabelecimento dessas normas<br />

lhe confere o título de criador <strong>da</strong> lógica formal, entendi<strong>da</strong> como a<br />

parte <strong>da</strong> lógica que prescreve regras de raciocínio independentes do<br />

conteúdo dos pensamentos que esses raciocínios conjugam.<br />

Exemplo: partindo-se <strong>da</strong>s premissas “Todos os homens são mortais”<br />

e “Sócrates é homem” – conclui-se fatalmente que “Sócrates é<br />

mortal”. A conclusão resulta <strong>da</strong> simples colocação <strong>da</strong>s premissas,<br />

não deixando margem a qualquer opção, mas impondo-se com<br />

absoluta necessi<strong>da</strong>de.<br />

Poderia ser considerado, por outro lado, o raciocínio: ”Todos os<br />

homens são imortais”; “Sócrates é homem”; logo, “Sócrates é<br />

imortal”.<br />

Mas a ciência não pretende, segundo Aristóteles, ser dota<strong>da</strong><br />

apenas de coerência interna: ela precisa ser construí<strong>da</strong> pelo perfeito<br />

encadeamento lógico de ver<strong>da</strong>des. Assim, o silogismo que equivale<br />

à demonstração científica deverá ser um raciocínio formalmente<br />

rigoroso, mas que parta de premissas ver<strong>da</strong>deiras.<br />

Aristóteles e a matemática<br />

O papel principal de Aristóteles na matemática foi o <strong>da</strong> sua<br />

estruturação lógica. Não realizou trabalhos específicos de<br />

matemática. Introduziu os Postulados e Axiomas ou Noções<br />

Comuns. Postulados são proposições específicas de uma ciência,<br />

aceitas como ver<strong>da</strong>deiras sem prova. Axiomas ou Noções Comuns<br />

são proposições gerais que se aceitam como ver<strong>da</strong>deiras sem provas<br />

(não são específicas).<br />

98<br />

Exemplos de Noções Comuns:<br />

- princípio <strong>da</strong> não contradição: uma proposição não pode ser<br />

ver<strong>da</strong>deira e falsa ao mesmo tempo;<br />

- princípio do terceiro excluído: uma proposição ou é ver<strong>da</strong>deira ou<br />

é falsa e não há outra alternativa.<br />

Pode-se dizer, assim, que Aristóteles – sobretudo pela análise<br />

que fez do papel <strong>da</strong>s definições e hipóteses – contribuiu de modo<br />

decisivo para o desenvolvimento <strong>da</strong> matemática.<br />

EPICURO EPICURO (341 – 270 a.C.)<br />

Epicuro de Atenas teria acompanhado, dos quatorze aos dezoito<br />

anos, os ensinamentos do acadêmico Pânfilo. E, através de<br />

Nausífanes de Teo, discípulo de Demócrito, teria conhecido as<br />

doutrinas do grande atomista. Durante algum tempo ganhou a vi<strong>da</strong><br />

como professor de gramática e de filosofia até que, por volta de 306<br />

a.C., adquire uma pequena casa e abre uma escola de filosofia, que<br />

ficará conheci<strong>da</strong> como o Jardim de Epicuro.<br />

Os alunos não têm em Epicuro um mestre no estilho tradicional:<br />

na ver<strong>da</strong>de, formam um grupo de amigos para discutir filosofia.<br />

Epicuro exerce influência não só pelo ensino direto como pela<br />

extraordinária personali<strong>da</strong>de. É um homem bondoso, de natureza<br />

terna e amável, que apesar dos sofrimentos físicos impostos pela<br />

doença que o tortura e aos poucos o paralisa, cultiva as amizades,<br />

auxilia os irmãos e trata delica<strong>da</strong>mente os escravos. Por essa razão<br />

todos que o conhecem dificilmente deixam seu convívio.<br />

A mora<strong>da</strong> tão calma e tão luminosa seria a meta proposta pelo<br />

epicurismo: a mora<strong>da</strong> <strong>da</strong> sereni<strong>da</strong>de e do prazer. A filosofia, para<br />

Epicuro, deveria servir ao homem como instrumento de libertação e<br />

como via de acesso à ver<strong>da</strong>deira felici<strong>da</strong>de. Esta consistiria na<br />

sereni<strong>da</strong>de de espírito que advém <strong>da</strong> consciência de que é ao homem<br />

que compete conseguir o domínio de si mesmo.<br />

A teoria do conhecimento dos epicuristas (que eles chamavam<br />

de canônica) é empirista, isto é, reduz to<strong>da</strong> a origem do<br />

conhecimento à experiência sensível. As repeti<strong>da</strong>s experiências os<br />

sentidos, preserva<strong>da</strong>s pela memória, <strong>da</strong>riam nascimento à<br />

antecipação equivalente à noção geral ou conceito.


99<br />

Segundo a doutrina atomista, adota<strong>da</strong> por Epicuro, “todos os<br />

corpos, por mais compactos que sejam, possuem interstícios vazios<br />

dentro deles”. Esse juízo não é atestado diretamente pelos sentidos;<br />

mas, se não for admitido como ver<strong>da</strong>deiro, também não seria<br />

ver<strong>da</strong>de que “a água destila através <strong>da</strong>s rochas”, ou que “o calor e o<br />

frio passam através <strong>da</strong>s paredes”.<br />

Com efeito, se os sentidos atestam o movimento como uma<br />

evidência, seria ver<strong>da</strong>deira, graças ao critério <strong>da</strong> não-infirmaçao, a<br />

teoria atomista, que apresenta uma explicação racional para o<br />

movimento, afirmando que tudo é constituído de átomos (invisíveis)<br />

que se movem no vazio.<br />

Como os atomistas anteriores, Epicuro considera os átomos<br />

como infinitos em número, indivisíveis fisicamente e imensamente<br />

pequenos; além disso, seriam móveis por si mesmos, pois o vazio<br />

não ofereceria qualquer resistência à locomoção.<br />

E devido ao peso é que os átomos, num momento inicial, são<br />

imaginados por Epicuro como “caindo”; mas, situados dentro do<br />

vazio, teriam que desenvolver nessa “que<strong>da</strong>” trajetórias<br />

necessariamente paralelas. Isso significa que os átomos jamais se<br />

chocariam <strong>da</strong>ndo origem aos engates e aos torvelinhos<br />

indispensáveis à constituição <strong>da</strong>s coisas e dos mundos, se algum<br />

fator não viesse interferir naquele paralelismo <strong>da</strong>s trajetórias.<br />

Afastando o rígido mecanicismo <strong>da</strong> física dos primeiros<br />

atomistas, Epicuro introduziu, então, a noção de “desvio”: sem<br />

nenhuma razão mecânica, os átomos, em qualquer momento de suas<br />

trajetórias verticais, poderiam se desviar e se chocar.<br />

O “desvio” apareceria, assim, como a introdução do arbítrio e<br />

do imponderável num jogo de forças estritamente mecânico: é a<br />

ruptura <strong>da</strong> necessi<strong>da</strong>de, no plano <strong>da</strong> física, para acolher a<br />

contingência.<br />

Com sua concepção materialista <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de, Epicuro pretendia<br />

libertar o homem dos dois temores que o impediriam de encontrar a<br />

felici<strong>da</strong>de: o medo dos deuses e o temor <strong>da</strong> morte. Os deuses<br />

existem, dizia Epicuro, mas seriam seres perfeitos que não se<br />

misturam às imperfeições e às vicissitudes <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> humana. Quanto<br />

à morte, não há também porque temê-la. Ela não seria mais que a<br />

dissolução do aglomerado de átomos que constitui o corpo e a alma.<br />

A dor presente, ensinava Epicuro, pode se escapar por meio <strong>da</strong><br />

100<br />

lembrança dos prazeres passados ou pela expectativa de prazeres<br />

futuros.<br />

Epicuro – ele próprio um homem doente e vítima de terríveis<br />

sofrimentos físicos, um grego sem liber<strong>da</strong>de política – teria <strong>da</strong>do a<br />

demonstração dessa técnica interior, de evasão, capaz de permitir ao<br />

homem enfrentar serenamente as mais adversas circunstâncias. Seu<br />

hedonismo altamente espiritualizado, que fazia <strong>da</strong> contemplação<br />

intelectual e <strong>da</strong>s delícias <strong>da</strong> amizade os mais elevados prazeres,<br />

legou às éticas posteriores uma lição que nunca mais será esqueci<strong>da</strong>:<br />

a de que o homem pode se sustentar de recor<strong>da</strong>ções e de esperanças.<br />

Na mu<strong>da</strong>nça do período helênico para o helenístico – após a<br />

morte de Alexandre – pode-se observar alguns detalhes nas obras<br />

monumentais dos vultos, Platão e Aristóteles, que foram as<br />

predominantes na formação do pensamento ocidental.<br />

Predominaram, talvez, porque em linhas gerais, iam ao encontro dos<br />

interesses <strong>da</strong>s classes dominantes.<br />

Essas obras influentes por séculos e séculos, no fundo têm a<br />

preocupação de justificar cientificamente a socie<strong>da</strong>de grega com<br />

grandes desníveis sociais, uma socie<strong>da</strong>de onde a maior parte <strong>da</strong><br />

população não tinha os direitos dos ci<strong>da</strong>dãos na famosa democracia.<br />

Platão procurava um rei-filósofo para governar sua ci<strong>da</strong>de ideal,<br />

mas nunca pensou em abolir a escravidão; o Estado-ideal era<br />

formado por ci<strong>da</strong>dãos e escravos. Muito mais escravos que ci<strong>da</strong>dãos.<br />

Aristóteles justifica e defende, por exemplo, a escravidão. Do<br />

mesmo modo que o universo físico estaria constituído por uma<br />

hierarquia inalterável, segundo a qual ca<strong>da</strong> ser ocupa,<br />

definitivamente um lugar que lhe seria destinado pela natureza (e do<br />

qual ele só se afasta provisoriamente através de movimentos<br />

violentos), assim também o escravo teria seu lugar natural na<br />

condição de “ferramenta anima<strong>da</strong>”. Aristóteles chega mesmo a<br />

afirmar que o escravo é escravo porque tem alma de escravo, é<br />

essencialmente escravo, sendo destituído por completo de alma<br />

noética, a parte <strong>da</strong> alma capaz de fazer ciência e filosofia e que<br />

desven<strong>da</strong> o sentido e a finali<strong>da</strong>de última <strong>da</strong>s coisas.


Exercícios Exercícios<br />

Exercícios<br />

101<br />

1. Trace um ângulo de 60° e use a trissectriz de Hípias para dividi-lo<br />

em sete partes iguais.<br />

2. Usando apenas régua e compasso, construa o segmento x tal que<br />

ax = b², sendo que a e b são quaisquer segmentos <strong>da</strong>dos.<br />

3. Dados os segmentos a e b e usando régua e compasso apenas,<br />

construa x e y, tais que x + y = a e xy = b².<br />

4. Dados os segmentos a, b e c, construa x e y, tai que x – y = a e<br />

xy = bc.<br />

5. Resolva a equação x² + ax = b², construindo um segmento que<br />

satisfaça à condição <strong>da</strong><strong>da</strong>.<br />

102


A A CIÊNCIA CIÊNCIA HELENÍSTICA<br />

HELENÍSTICA<br />

“Nem mesmo para os reis existe uma estra<strong>da</strong> mais curta para a<br />

geometria” (Euclides)<br />

O O O MUSEU MUSEU DE DE DE ALEXANDRIA<br />

ALEXANDRIA<br />

ALEXANDRIA<br />

103<br />

Com a morte de Alexandre seu império foi retalhado e coube o<br />

Egito a um membro <strong>da</strong> sua corte, Ptolomeu. Fun<strong>da</strong>dor <strong>da</strong> dinastia<br />

ptolomaica (que reinou até 30 a.C., com quinze reis Ptolomeu), fez<br />

de Alexandria a capital, onde estabeleceu um museu e uma<br />

biblioteca.<br />

A ci<strong>da</strong>de tornou-se uma grande metrópole comercial, por ser<br />

um entreposto de localização privilegia<strong>da</strong> entre o Ocidente e o<br />

Oriente, e, principalmente a capital intelectual e artística do mundo<br />

helenístico, por ter se tornado ponto de confluência de diferentes<br />

culturas e ter atraído sábios de diferentes lugares.<br />

O Museu ou Casa <strong>da</strong>s Musas de Alexandria, que viria a ser mais<br />

tarde o maior centro de estudos <strong>da</strong> antigui<strong>da</strong>de, foi fun<strong>da</strong>do em 294<br />

a.C. por Demétrio de Falero, um discípulo de Aristóteles, eminente<br />

ci<strong>da</strong>dão e sábio de Atenas. Acompanharam-no alguns membros <strong>da</strong><br />

escola peripatética, interessados sobretudo nas ciências.<br />

Modelado pelas escolas atenienses e bem subsidiado pelo<br />

tesouro real, o Museu foi uma ver<strong>da</strong>deira universi<strong>da</strong>de de ciências<br />

gregas. Possuía como anexo, uma grande biblioteca, um refeitório e<br />

salões de conferencia para os professores. Foi ali que, durante 700<br />

anos, a ciência grega teve a sua principal mora<strong>da</strong>.<br />

Com tal rapidez aumentou a biblioteca que, por volta de 250<br />

a.C., continha mais de 400000 rolos, tanto mais valiosos pela razão<br />

de serem os textos clássicos fixados por sábios idôneos, com o<br />

aditamento de notas lingüísticas e históricas. O poeta e erudito<br />

Calímaco (cerca de 250 a.C.) organizou um catálogo de autores em<br />

120 volumes, com a relação completa <strong>da</strong>s obras e uma breve<br />

biografia de ca<strong>da</strong> autor. Dispondo dessas facili<strong>da</strong>des e de papiro a<br />

preço módico, tornou-se Alexandria o maior centro editorial que<br />

passou a exportar obras para to<strong>da</strong>s as partes do mundo grego.<br />

104<br />

Sua fama não tardou a superar a de Atenas e, inclusive, os<br />

romanos para ali se dirigiam, a fim de estu<strong>da</strong>r a arte terapêutica, a<br />

anatomia, a matemática, a geografia e a astronomia.<br />

EUCLIDES EUCLIDES (360 – 295 a.C.)<br />

Euclides de Alexandria floresceu por<br />

volta de 300 a.C. Ignora-se qual tenha<br />

sido a sua terra natal e até a sua etnia.<br />

Diz-se que era de natural pacífico e<br />

benévolo e que sabia avaliar devi<strong>da</strong>mente<br />

o mérito científico de seus predecessores.<br />

Conquanto não se saiba quase na<strong>da</strong> de<br />

sua vi<strong>da</strong> e personali<strong>da</strong>de, as obras de<br />

Euclides tiveram uma influência e uma<br />

vitali<strong>da</strong>de quase, senão inteiramente, sem<br />

paralelo. Prosseguindo a sua história dos<br />

matemáticos, escreve Proclo: “não muito<br />

depois destes (os <strong>da</strong> Academia) viveu<br />

Euclides - A Escola de Euclides, que escreveu os Elementos,<br />

Atenas sistematizou grande parte dos trabalhos<br />

de Eudoxo e demonstrou de maneira<br />

irrefutável certas proposições que os seus antecessores, tinham<br />

<strong>da</strong>do provas menos rigorosas”.<br />

Conta-se que o rei Ptolomeu lhe perguntou certa vez se não<br />

havia um caminho mais curto do que os Elementos para aprender<br />

geometria. Respondeu-lhe Euclides que em geometria não havia<br />

caminho aplainado para os reis.<br />

Os Elementos<br />

Euclides foi visivelmente influenciado pelos ideais <strong>da</strong> escola<br />

platônica e há fortes indícios de que tenha estu<strong>da</strong>do na Academia.<br />

Por esse motivo, os seus Elementos (Stoichia) têm por objetivo a<br />

construção dos chamados “corpos platônicos”, isto é, dos cinco<br />

poliedros regulares.<br />

Esse tratado, que durante 2000 anos serviu de base a quase todo<br />

ensino dito elementar, é a mais conheci<strong>da</strong> de suas obras e foi


105<br />

considera<strong>da</strong> no mundo grego como obra definitiva, realiza<strong>da</strong> após<br />

muitas tentativas e não podemos esquecer a de Hipócrates de Quios.<br />

Compreendia treze livros ou rolos dos quais apenas seis<br />

costumavam ser incluídos nas edições escolares, durante vários<br />

séculos passados. Em essência, a obra é uma introdução metódica à<br />

matemática grega e consiste, principalmente, num estudo<br />

comparativo <strong>da</strong>s proprie<strong>da</strong>des e relações <strong>da</strong>s figuras planas e dos<br />

sólidos geométricos que se podem construir e representar, mediante<br />

o uso de régua e compasso, apenas. A comparação de figuras levou<br />

a considerações aritméticas, inclusive a dos números irracionais<br />

correspondentes à linhas incomensuráveis.<br />

Os treze livros de Os Elementos estão assim distribuídos:<br />

Livro I: Construções elementares, teoremas de congruência, área de<br />

polígonos, teorema de Pitágoras;<br />

Livro II: Álgebra geométrica;<br />

Livro III: Geometria do círculo;<br />

Livro IV: Construção de certos polígonos regulares;<br />

Livro V: A teoria <strong>da</strong>s proporções de Eudoxo;<br />

Livro VI: Figuras semelhantes;<br />

Livros VII – IX: Teoria dos números;<br />

Livro X: Classificação de certos irracionais;<br />

Livro XI: Geometria no espaço, volumes simples;<br />

Livro XII: Áreas e volumes encontrados pelo “método <strong>da</strong> exaustão”<br />

de Eudoxo;<br />

Livro XIII: Construção dos cinco sólidos regulares.<br />

O procedimento de Euclides<br />

Quais são os traços característicos <strong>da</strong>s técnicas adota<strong>da</strong>s por<br />

Euclides? Em primeiro lugar, ele sempre enuncia as suas leis em<br />

forma universal. Não examina as proprie<strong>da</strong>des de uma determina<strong>da</strong><br />

linha ou figura realmente existente; examina, ao contrário, as<br />

proprie<strong>da</strong>des que to<strong>da</strong>s as linhas ou figuras de uma certa espécie<br />

devem ter. Não apenas isso, formula as leis de modo a torná-las<br />

rigorosas e absolutas – nunca são <strong>da</strong><strong>da</strong>s como simples<br />

aproximações. Diz, por exemplo, que a soma dos ângulos internos<br />

106<br />

de qualquer triângulo é sempre igual a dois ângulos retos; não diz<br />

tratar-se de um resultado aproximado ou usualmente ver<strong>da</strong>deiro –<br />

põe a asserção como algo rigoroso e absolutamente ver<strong>da</strong>deiro. E o<br />

que é mais importante, Euclides não se limita a enunciar um grande<br />

número de leis geométricas: demonstra-as.<br />

Na ver<strong>da</strong>de, o seu livro consiste em demonstrações coloca<strong>da</strong>s<br />

de maneira sistemática de acordo com as idéias de Aristóteles. As<br />

demonstrações não são de caráter indutivo, ao contrário dos antigos<br />

egípcios e mesopotâmios, que obtiveram vários princípios por<br />

intermédio <strong>da</strong> observação e <strong>da</strong> experimentação. Euclides não nos<br />

pede, jamais, que efetuemos medi<strong>da</strong>s de ângulos de triângulos reais<br />

a fim de verificar que a soma é igual a dois retos. Não se preocupa<br />

em momento algum, com experimentos ou observações desse<br />

gênero.<br />

Em vez disso, apresenta-nos demonstrações, de caráter<br />

dedutivo, por meio <strong>da</strong>s quais chegou as suas conclusões com o rigor<br />

<strong>da</strong> absoluta necessi<strong>da</strong>de lógica.<br />

A seguir, uma síntese dos treze livros de Os Elementos.<br />

Livro I<br />

Com 48 proposições, inicia-se com uma lista de 23 definições,<br />

dentre as quais destaca-se:<br />

Definições:<br />

1. Um ponto é aquilo que não tem partes;<br />

2. Uma linha é um comprimento sem largura;<br />

15. Um círculo é a figura plana fecha<strong>da</strong> por uma linha tal que todos<br />

os segmentos que sobre ela estejam e que passem por um ponto<br />

determinado do interior <strong>da</strong> figura sejam iguais entre si;<br />

23. Retas paralelas são linhas retas que, estando no mesmo plano,<br />

prolonga<strong>da</strong>s indefini<strong>da</strong>mente nos dois sentidos, não se cruzam.<br />

Após a lista de definições seguem-se cinco postulados e cinco<br />

axiomas; que conjuntamente, formam as hipóteses sobre as quais<br />

repousa a teoria.<br />

Postulados:<br />

1. Uma linha reta pode ser traça<strong>da</strong> de um para outro ponto qualquer;<br />

2. É possível prolongar arbitrariamente um segmento de reta;<br />

3. É possível traçar um círculo com qualquer centro e raio;<br />

4. Dois ângulos retos quaisquer são iguais entre si;


107<br />

5. Se uma reta, interceptando duas outras retas forma ângulos<br />

interiores do mesmo lado menores do que dois ângulos retos, então<br />

as duas retas,<br />

caso prolonga<strong>da</strong>s<br />

indefini<strong>da</strong>mente, se<br />

encontram do<br />

mesmo lado em que<br />

os ângulos são<br />

menores do que<br />

dois ângulos retos.<br />

Axiomas:<br />

1. Grandezas iguais a uma mesma grandeza são iguais entre si;<br />

2. Se a grandezas iguais forem adiciona<strong>da</strong>s grandezas iguais, as<br />

somas serão iguais;<br />

3. Se grandezas iguais forem subtraí<strong>da</strong>s de grandezas iguais, os<br />

resultados serão iguais;<br />

4. Grandezas que coincidem entre si são iguais;<br />

5. O todo é maior do que suas partes.<br />

Observação: os postulados são as hipóteses básicas relativas a um<br />

ramo específico do conhecimento, nesse caso a geometria, enquanto<br />

que os axiomas tratam <strong>da</strong> comparação de grandezas e são aceitos em<br />

to<strong>da</strong>s as áreas. Atualmente não se faz mais tal distinção e<br />

afirmações, que são aceitas sem demonstração, são chama<strong>da</strong>s<br />

indistintamente de axiomas ou postulados. As leis demonstráveis<br />

são os teoremas, ou, segundo a terminologia antiga, as proposições.<br />

Para termos uma idéia do método empregado por Euclides,<br />

examinemos o tratamento <strong>da</strong>do a algumas proposições:<br />

Proposição 1: Construir um triângulo eqüilátero, <strong>da</strong>do o seu lado.<br />

Dado o segmento AB, pedese<br />

um triângulo eqüilátero<br />

construído sobre AB. Traçase<br />

uma circunferência de<br />

centro A e distância (raio)<br />

AB; seja BCD essa<br />

circunferência (postulado 3)<br />

a<br />

b<br />

c<br />

108<br />

Repita-se o processo, tomando-se o centro B e a distância BA;<br />

obtém-se a circunferência ACE (postulado 3). Traça-se as retas CA e<br />

BC, unindo o ponto C, em que as circunferências se cortam, aos<br />

pontos A e B (postulado 1). Ora, sendo A o centro do círculo CDB,<br />

segue-se que AC é igual a AB (definição 15). De modo análogo,<br />

sendo B o centro de CAE, BC é igual a BA (definição 15). Mas já se<br />

mostrou que CA era igual a AB; logo, os segmentos CA e CB são<br />

também iguais a AB. Mas (axioma 1) CA é igual a CB. Em<br />

conseqüência, as linhas retilíneas CA, AB e BC são iguais entre si.<br />

Segue-se que o triângulo ABC é eqüilátero e foi construído sobre um<br />

segmento <strong>da</strong>do, AB.<br />

Proposição 2: Dois paralelogramos de bases e alturas<br />

respectivamente iguais, têm a mesma área.<br />

Proposição 47 (Teorema de Pitágoras): Em triângulos retângulos, o<br />

quadrado construído sobre o lado que subtende a ângulo reto (isto é,<br />

a hipotenusa) é igual à soma dos quadrados sobre os lados que<br />

contêm o ângulo reto.<br />

Sobre os três lados de<br />

um triângulo retângulo<br />

ABC (C = 90 °) são<br />

construídos quadrados.<br />

A altura CH a partir de<br />

C é traça<strong>da</strong> e<br />

prolonga<strong>da</strong> até F. São<br />

traçados os segmentos<br />

DB e CE. Observa-se,<br />

em primeiro lugar, que<br />

o triângulo DAB é<br />

congruente ao<br />

triângulo CAE. Para<br />

ver isso basta girar um<br />

deles de 90° em torno<br />

de A; um cobrirá<br />

exatamente o outro.<br />

Ora, o quadrado sobre<br />

AC é duas vezes o


109<br />

triângulo DAB, pois tem a mesma base, AD, e estão situados entre as<br />

mesmas retas paralelas. Esse é um caso particular <strong>da</strong> Proposição 2.<br />

“Se um paralelogramo e um triângulo têm a mesma base e estão<br />

situados entre duas paralelas <strong>da</strong><strong>da</strong>s, então o paralelogramo tem duas<br />

vezes a área do triângulo.”<br />

Do mesmo modo, vemos que o retângulo AEFH é duas vezes o<br />

triângulo CAE, pois tem também a mesma base, AE, e estão situados<br />

entre as mesmas retas paralelas. Como os dois triângulos são<br />

congruentes, o quadrado sobre AC é igual ao retângulo AEFH.<br />

Segue-se, exatamente <strong>da</strong> mesma maneira, que o quadrado sobre<br />

BC é igual ao retângulo sobre HB, e desta maneira a soma dos<br />

quadrados sobre AC e BC é igual à soma dos dois retângulos; que é<br />

exatamente o quadrado sobre AB.<br />

Além dessa demonstração elegante do Teorema de Pitágoras,<br />

Euclides demonstrou que em um triângulo retângulo o quadrado de<br />

um lado é igual ao produto <strong>da</strong>s projeções <strong>da</strong> hipotenusa sobre to<strong>da</strong> a<br />

hipotenusa.<br />

Proposição 48 (Recíproca do Teorema de Pitágoras): Se em um<br />

triângulo o quadrado de um dos lados é igual a soma dos quadrados<br />

dos outros dois, então o triângulo é retângulo.<br />

Livro II<br />

Com 14 proposições, quase to<strong>da</strong>s sobre álgebra geométrica,<br />

indica uma grande influência <strong>da</strong>s idéias de Eudoxo.<br />

Exemplos:<br />

• Proprie<strong>da</strong>de distributiva <strong>da</strong> multiplicação em relação à<br />

adição:<br />

a ( b + c ) = ab + ac<br />

110<br />

• Produtos notáveis<br />

• Equação do primeiro grau<br />

ax = b<br />

2<br />

( a + b ) = a + 2ab + b<br />

2<br />

2<br />

b a<br />

Proposição 11 (Segmento Áureo)<br />

Dividir uma linha reta em duas partes tais que o retângulo<br />

contido pelo todo e uma <strong>da</strong>s partes tenha área igual à do quadrado<br />

sobre a outra parte.<br />

Se o segmento <strong>da</strong>do é AB, deve-se determinar o ponto X desse<br />

segmento tal que o retângulo de lados AB = BC e XB tenha a mesma<br />

área do quadrado de lado AX.<br />

Indiquemos as medi<strong>da</strong>s de AB e AX por a e x respectivamente.<br />

Nessas condições a e x devem satisfazer a seguinte condição:<br />

2<br />

a ( a − x ) = x .<br />

b<br />

ab<br />

b 2<br />

a 1<br />

a 2<br />

ab<br />

b<br />

x<br />

a<br />

b


111<br />

Numa forma simplifica<strong>da</strong>, e em notação atual, a solução de<br />

Euclides compõe-se dos seguintes passos:<br />

• Construir o quadrado ABCD sobre o<br />

segmento <strong>da</strong>do AB;<br />

• Tomar o ponto médio, E, de DA;<br />

• Tomar F sobre o prolongamento de<br />

DA de maneira que EF=EB;<br />

• Construir o quadrado sobre o lado AF<br />

no mesmo semi-plano de BC.<br />

• O vértice X desse quadrado,<br />

pertencente ao segmento AB, é a<br />

solução do problema. De fato:<br />

1 1<br />

AE = AD = a . Assim no triângulo<br />

2 2<br />

2 2<br />

ABE tem-se<br />

2 )<br />

a a 5<br />

EB = a + ( = .<br />

2<br />

a 5 a a(<br />

−1<br />

+ 5)<br />

Daí, AX = AF = EF − EA = EB − EA = − =<br />

que,<br />

2 2 2<br />

como se pode verificar facilmente, é a raiz positiva de<br />

2<br />

a ( a − x ) = x .<br />

Livro III<br />

Com 39 proposições, provavelmente descobertas por<br />

Hipócrates, é dedicado à geometria do círculo, <strong>da</strong> circunferência e<br />

correlatos como arcos, segmentos, tangentes e cor<strong>da</strong>s.<br />

Livro IV<br />

Com 16 proposições, é dedicado à construção com régua e<br />

compasso de alguns polígonos regulares: triângulos, quadrados,<br />

pentágonos e hexágonos, inscritos e circunscritos em<br />

circunferências. Na última proposição, com base no triângulo e no<br />

pentágono regulares, constrói-se o polígono regular de 15 lados<br />

(pentadecágono).<br />

Livro V<br />

Com 25 proposições, é inteiramente aritmético, embora use<br />

segmentos de retas para representar números. É nele que Euclides<br />

112<br />

apresenta a teoria <strong>da</strong>s proporções de Eudoxo. Como exemplo temos<br />

a proposição 5: “Se um número divide dois outros, ele também<br />

divide a diferença entre ambos”.<br />

Livro VI<br />

Com 33 proposições, é a aplicação <strong>da</strong> Teoria <strong>da</strong>s Proporções às<br />

figuras semelhantes.<br />

Como exemplo, encontramos dois casos de construção, que,<br />

devi<strong>da</strong>mente interpretados, recaem na solução <strong>da</strong> equação do<br />

segundo grau.<br />

Proposição 28: Dividir um segmento de reta de modo que o<br />

retângulo contido por suas partes seja igual a um quadrado <strong>da</strong>do,<br />

não excedendo este o quadrado sobre metade do segmento de reta<br />

2<br />

2<br />

<strong>da</strong><strong>da</strong>. Em linguagem atual, x − px + q = 0 , em que p e q são<br />

segmentos <strong>da</strong>dos.<br />

q<br />

E<br />

AB<br />

Sejam q e AB dois segmentos de reta, q < .<br />

2<br />

2<br />

Divide-se AB com o ponto Q tal que ( AB )( QB ) = q .<br />

Para isso coloca-se PE = q, em que P é o ponto médio de AB.<br />

Com centro em E e PB como raio, marca-se em AB o ponto Q.<br />

2<br />

2<br />

2<br />

Nota-se que: q = ( PB ) − ( PQ ) = ( PB − PQ )( PB + PQ ) =<br />

= ( QB )( AQ ). Denotando agora o segmento AB por p conclui-se<br />

que a construção dá a solução <strong>da</strong> equação x − px + q = 0.<br />

De fato,<br />

se r e s são raízes dessa equação, tem-se p = r + s e q = rs.<br />

Mas isso acontece, pois, p = AQ + QB e q = ( AQ )( QB ) .<br />

Assim, AQ e QB representam as raízes r e s.<br />

q<br />

A P<br />

2<br />

2<br />

2<br />

2<br />

Q B


113<br />

Se for considerado os segmentos simétricos de AQ e QB tem-se<br />

2<br />

2<br />

as soluções <strong>da</strong> equação x + px + q = 0 .<br />

2<br />

Exemplo: x − 3x<br />

+ 1 = 0 .<br />

Na demonstração anterior, fazendo p = 3 e q = 1, tem-se:<br />

3 5<br />

3 + 5<br />

r = AQ = AP + PQ = + e s = QB = AB − AQ = 3 − .<br />

2 2<br />

2<br />

Proposição 29: Prolongue um <strong>da</strong>do segmento de reta de modo que o<br />

retângulo contido pelo segmento estendido e a extensão seja igual a<br />

2<br />

2<br />

um quadrado <strong>da</strong>do. Em linguagem atual, x − px − q = 0 .<br />

Toma-se novamente os segmentos q e AB. Encontra-se, assim, o<br />

2<br />

ponto Q tal que q = ( AQ )( QB ) . Por construção tem-se BE = q e<br />

PE = PQ, em que P é o ponto médio de AB.<br />

2 2<br />

2<br />

2<br />

Assim ( PB ) + q = ( PE ) = ( PQ ) , ou seja,<br />

2 2<br />

2<br />

,<br />

q = ( PQ ) − ( PB ) = ( PQ − PB )( PQ + PB ) = ( QB )( PQ + PA ) = ( QB )( AQ )<br />

em que AQ = r, QB = s e AB = p. Logo, r − s = p e<br />

2<br />

r( − s ) = −rs<br />

= −(<br />

AQ )( QB ) = −q<br />

. Portanto r e − s são raízes de<br />

2<br />

x − px − q = 0 .<br />

2<br />

q<br />

2<br />

Finalmente r = −r<br />

x + px − q = 0 .<br />

2<br />

2<br />

1 e s<br />

Exemplo: x −13x − 9 = 0 .<br />

A P<br />

r 2 = são as raízes <strong>da</strong> equação<br />

Na demonstração anterior, fazendo p =13 e q = 3, tem-se:<br />

q<br />

E<br />

B<br />

114<br />

13 + 205<br />

r = AQ = AB + BQ = AB − QB = 13 −<br />

2<br />

e<br />

13<br />

s = QB = PB − PE = +<br />

2<br />

205<br />

.<br />

2<br />

Livro VII<br />

Com 39 proposições, estu<strong>da</strong> as proprie<strong>da</strong>des dos números<br />

naturais e suas relações. Mesmo na teoria dos números o enfoque<br />

era geométrico. Pode-se observar isso, por exemplo, nas definições:<br />

Divisibili<strong>da</strong>de: um número é parte de outro, o menor do maior,<br />

quando ele mede o maior.<br />

Número primo: um número é primo quando é mensurável apenas<br />

pela uni<strong>da</strong>de.<br />

Proposição 2 (Algoritmo de Euclides): <strong>da</strong>dos a, b ∈ N ( b ≠ 0 ) ,<br />

existem q, r ∈ N tais que a = bq + r ( 0 ≤ r < b ) .<br />

Lema de Euclides: considere p, a,<br />

b ∈ N , p primo. Se p divide ab,<br />

então p divide a ou p divide b.<br />

Livro VIII<br />

Com 27 proposições, trata de proprie<strong>da</strong>des dos números em<br />

proporção continua<strong>da</strong>, hoje denomina<strong>da</strong> de progressão geométrica.<br />

Proposição 22: Se três números estão em proporção continua<strong>da</strong> e se<br />

o primeiro deles é um quadrado, então o terceiro também será um<br />

quadrado.<br />

Livro IX<br />

Com 36 proposições, apresenta resultados significativos para o<br />

desenvolvimento <strong>da</strong> atual teoria dos números.<br />

Proposição 20: Números primos são mais do que qualquer<br />

quanti<strong>da</strong>de fixa<strong>da</strong> de números primos.


115<br />

Na linguagem atual: ”o conjunto dos números primos é<br />

infinito”.<br />

A prova é indireta, pois mostra-se que a hipótese de haver só<br />

um número finito de primos leva a uma contradição.<br />

Seja P o produto de todos os primos, n p ... p , p1 2 , supostos em<br />

número finito, e consideremos o número = + 1 = 1 2 n + 1 p ... p p P N .<br />

N não pode ser primo, pois isso contradiria a hipótese de P ser o<br />

produto de todos os primos. Logo N é composto e deve ser medido<br />

por algum número p. Mas p não pode ser nenhum dos fatores primos<br />

que entram em P, senão seria um fator de 1. Logo p deve ser um<br />

primo diferente de todos os fatores de P; portanto, a hipótese de P<br />

ser o produto de todos os primos é falsa.<br />

Proposição 35 (soma <strong>da</strong> progressão geométrica): Se tantos números<br />

quantos se queira estão em proporção continua<strong>da</strong>, e se subtrair do<br />

segundo e último números iguais ao primeiro, então assim como o<br />

excesso do segundo está para o primeiro, o excesso do último estará<br />

para todos os que o procedem.<br />

Em outras palavras, temos:<br />

Se a 1 , a2<br />

,..., an+<br />

1 com 1 < 2 < < n+<br />

1 a ... a a estão em proporção<br />

a1<br />

a2<br />

an−<br />

1 an<br />

continua<strong>da</strong>, temos: = = ... = = .<br />

a a a a<br />

an+ 1 − an<br />

an<br />

− a<br />

Logo, =<br />

a a<br />

a<br />

n<br />

n<br />

an+<br />

1 − a1<br />

+ a + ... + a<br />

n−1<br />

2<br />

2<br />

+ a<br />

1<br />

n−1<br />

=<br />

3<br />

n−1<br />

a<br />

n<br />

a3<br />

− a<br />

= ... =<br />

a<br />

2 −<br />

No caso a 1 = a,<br />

a2<br />

= ar ..., tem-se<br />

r −1<br />

seja, Sn<br />

= a .<br />

r −1<br />

n<br />

a<br />

1<br />

a<br />

1<br />

.<br />

2<br />

2<br />

n+<br />

1<br />

=<br />

a2 − a<br />

a<br />

n<br />

1<br />

1<br />

e assim<br />

ar − a ar − a<br />

= , ou<br />

S a<br />

Proposição 36 (números perfeitos): Se tantos números quanto se<br />

queira, começando com uma uni<strong>da</strong>de, forem colocados<br />

continuamente em proporção dupla até que a soma de todos se torne<br />

n<br />

116<br />

um número primo, e se a soma for multiplica<strong>da</strong> pelo último, o<br />

produto será perfeito.<br />

2<br />

n−1<br />

n<br />

Em notações atuais: se 1+<br />

2 + 2 + ... + 2 = 2 −1<br />

é primo,<br />

então 2 ( 2 1)<br />

1 n−<br />

n<br />

− é perfeito.<br />

Exemplos:<br />

Para n = 2 tem-se 2 1 3<br />

2<br />

2<br />

− = , primo. Logo 2(<br />

2 − 1)<br />

= 6 é<br />

perfeito.<br />

Para n = 3 tem-se 2 1 7<br />

3<br />

3<br />

− = , primo. Logo 2(<br />

2 − 1)<br />

= 28 é<br />

perfeito.<br />

Vale lembrar que um número é perfeito se é igual à soma de<br />

seus divisores próprios.<br />

Livro X<br />

Com 115 proposições, o mais longo dos treze, classifica<br />

diversos tipos de grandezas incomensuráveis, produzi<strong>da</strong>s pela<br />

extração de raízes quadra<strong>da</strong>s.<br />

Dentre os incomensuráveis estu<strong>da</strong>dos, estão os dos tipos<br />

a ± b , a + b , a ± b , a + b , sendo que a e b são<br />

grandezas comensuráveis.<br />

Embora acredite-se que esse livro tenha sido quase todo<br />

produzido por Teetecto, sua primeira proposição é o famoso método<br />

de exaustão de Eudoxo, que já nos referimos anteriormente.<br />

A proposição 28 mostra como podem ser encontra<strong>da</strong>s as<br />

ternas pitagóricas, ou seja, os ternos de números inteiros positivos<br />

em que o quadrado de um é igual a soma dos quadrados dos outros<br />

dois.<br />

Livro XI<br />

Com 39 proposições, corresponde à passagem de Euclides do<br />

plano para o espaço. Pela primeira vez são trata<strong>da</strong>s as figuras<br />

sóli<strong>da</strong>s, defini<strong>da</strong>s como as que têm comprimento, largura e<br />

espessura. São defini<strong>da</strong>s figuras como ângulo sólido, pirâmide,<br />

prisma, paralelepípedo, cone, esfera e os cinco poliedros regulares.


117<br />

Livro XII<br />

Com 18 proposições, é dedicado ao estudo de áreas e volumes<br />

de figuras como círculos, cones, esferas e pirâmides.<br />

Proposição 1: Áreas de polígonos semelhantes inscritos em círculos<br />

estão entre si como os quadrados dos respectivos diâmetros.<br />

Proposição 2: As áreas dos círculos estão entre si como os<br />

quadrados dos respectivos diâmetros.<br />

Proposição 7: Qualquer prisma de base triangular pode ser dividido<br />

em três pirâmides de bases triangulares de iguais volumes.<br />

Proposição 10: O volume de qualquer cone é a terça parte do<br />

volume do cilindro de mesma base e mesma altura.<br />

Livro XIII<br />

Com 18 proposições, trata <strong>da</strong> construção, com régua e<br />

compasso, dos cinco poliedros regulares: tetraedro, cubo, octaedro,<br />

dodecaedro e icosaedro.<br />

Outras Obras de Euclides<br />

Euclides e os Elementos são freqüentemente considerados<br />

sinônimos, mas a reali<strong>da</strong>de é que escreveu cerca de uma dúzia de<br />

tratados, cobrindo tópicos variados, desde óptica, astronomia,<br />

música e mecânica e até um livro sobre secções cônicas.<br />

Do que Euclides escreveu mais <strong>da</strong> metade se perdeu, inclusive o<br />

tratado sobre cônicas.<br />

Cinco obras de Euclides sobreviveram até hoje: Os Elementos,<br />

Os Dados, Divisão de figuras, Os fenômenos e óptica.<br />

118<br />

ARISTARCO ARISTARCO (310 – 230 a.C.)<br />

Aristarco de Samos defendeu uma interessantíssima e<br />

significativa teoria astronômica, o heliocentrismo, contrariando<br />

to<strong>da</strong>s as teorias até então apresenta<strong>da</strong>s, desde os mesopotâmios.<br />

Autor de um tratado Das Dimensões e Distâncias do Sol e <strong>da</strong><br />

Lua, procurou determinar essas distâncias relativamente uma à<br />

outra, calculando a distância angular entre os dois astros quando a<br />

Lua<br />

87º<br />

Terra<br />

Lua estivesse no quarto crescente, isto é, quando as retas que unem<br />

o Sol à Lua e esta à Terra formam um ângulo reto na Lua.<br />

Aristarco desse modo deduziu que:<br />

1. A distância <strong>da</strong> Terra ao Sol é maior que 18 vezes e menor<br />

que 20 vezes a distância <strong>da</strong> Terra à Lua.<br />

2. Os diâmetros do Sol e <strong>da</strong> Lua têm a mesma razão que suas<br />

distâncias <strong>da</strong> Terra.<br />

3. A razão do diâmetro do Sol pelo diâmetro <strong>da</strong> Terra é maior<br />

do que 19/3 e menor do que 43/6.<br />

Os erros cometidos devem-se aos <strong>da</strong>dos usados, pois o<br />

raciocínio estava correto.<br />

São tão grandes as dificul<strong>da</strong>des desse processo, que foi<br />

impossível alcançar um alto grau de exatidão, e o resultado obtido<br />

por Aristarco (29/30 do ângulo reto, enquanto o ver<strong>da</strong>deiro é<br />

expresso pela fração 539/540) correspondia à razão de 1 para 19<br />

entre as duas distâncias. O resultado não era ruim considerando que<br />

Aristarco não dispunha de bons processos trigonométricos ou<br />

qualquer outro método para aplicar no problema.<br />

Não se pode afirmar com certeza se essa notável antecipação <strong>da</strong><br />

teoria de Copérnico era fruto de uma convicção ou simples<br />

3º<br />

Sol


119<br />

especulação feliz, mas de qualquer modo ela não foi aceita, e por<br />

isso não teve vi<strong>da</strong> longa. Arquimedes, por exemplo, comentou a<br />

teoria de Aristarco discor<strong>da</strong>ndo <strong>da</strong> essência do trabalho.<br />

É ver<strong>da</strong>de que no século seguinte, Seleuco, um astrônomo de<br />

origem Babilônia, ensinou que havia a rotação <strong>da</strong> Terra sobre o seu<br />

eixo e a revolução em torno do Sol, no entanto, essas ousa<strong>da</strong>s teorias<br />

não tornaram a ser formula<strong>da</strong>s senão 1700 anos depois. Seleuco teria<br />

observado também as marés, dizendo que “a revolução <strong>da</strong> Lua é<br />

oposta à rotação <strong>da</strong> Terra, mas o ar que se acha entre os dois astros,<br />

sendo arrastado para a frente, vem a cair no oceano e isso causa a<br />

perturbação do mar”.<br />

ARQUIMEDES ARQUIMEDES (287 – 212 a.C.)<br />

Arquimedes de Siracusa,<br />

considerado o maior sábio <strong>da</strong><br />

Antigui<strong>da</strong>de e um dos mais<br />

famosos de to<strong>da</strong> a história <strong>da</strong><br />

ciência é outro grande nome<br />

<strong>da</strong> escola alexandrina. Foi<br />

matemático,físico, astrônomo<br />

e engenheiro. Enriqueceu a<br />

geometria euclidiana, já<br />

altamente desenvolvi<strong>da</strong>,<br />

A morte de Arquimedes – Courtois introduziu importantes<br />

progressos na álgebra, lançou<br />

os fun<strong>da</strong>mentos <strong>da</strong> mecânica e até prenunciou o cálculo diferencial e<br />

integral. Ao <strong>da</strong>r continui<strong>da</strong>de, e grande avanço, aos trabalhos de<br />

Eudoxo, aperfeiçoou o método de exaustão que seria durante dois<br />

mil anos o único instrumento seguro para o cálculo de áreas e<br />

volumes.<br />

Passou a maior parte de sua vi<strong>da</strong> na ci<strong>da</strong>de natal, tendo, em<br />

certas conjunturas, prestado valiosos serviços como engenheiro<br />

militar. Tinha talento especial para inventar instrumentos práticos –<br />

catapultas para lançar pedras, cor<strong>da</strong>s, polias, ganchos para levantar<br />

navios e espelhos para causar incêndios.<br />

120<br />

Nessa época, Roma já estava em expansão, com muitas guerras<br />

de conquistas, dentre as quais são bem conheci<strong>da</strong>s as chama<strong>da</strong>s<br />

“guerras púnicas” contra Cartago. Esta ci<strong>da</strong>de ficava onde hoje é um<br />

subúrbio de Tunis, a capital <strong>da</strong> Tunísia.<br />

Cartago controlava uma extensa região que se estendia até a<br />

Espanha, constituindo-se numa incômo<strong>da</strong> rival de Roma. Na<br />

segun<strong>da</strong> <strong>da</strong>s guerras púnicas, Siracusa se aliara a Cartago, <strong>da</strong>í ter<br />

sofrido uma investi<strong>da</strong> fatal de Roma. Há indícios de que Siracusa<br />

resistiu bravamente aos ataques do general Marcelo, graças às<br />

máquinas de guerra idealiza<strong>da</strong>s por Arquimedes. Finalmente, depois<br />

de um longo cerco, acabou por sucumbir à superiori<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s tropas<br />

romanas. Há várias versões sobre a morte de Arquimedes; segundo<br />

uma delas, durante o saque <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de, em 212 a.C., ele foi morto por<br />

um sol<strong>da</strong>do romano, quando absorto, se ocupava com problemas<br />

matemáticos.<br />

Os trabalhos de Arquimedes (em ordem cronológica provável)<br />

Sobre o equilíbrio de figuras planas, I; A quadratura <strong>da</strong> parábola;<br />

Sobre o equilíbrio de figuras planas, II; Sobre a esfera e o cilindro,<br />

I, II; Sobre as espirais; Sobre os conóides e esferóides; Sobre os<br />

corpos flutuantes I, II; A medi<strong>da</strong> do círculo; O Contador de grãos<br />

de areia e A carta a Eratóstenes sobre o Método.<br />

Segue alguns comentários que consideramos importantes sobre<br />

algumas obras de Arquimedes.<br />

A Medi<strong>da</strong> do Círculo<br />

Neste trabalho, Arquimedes prova três proposições:<br />

1- Todo círculo é equivalente a um triângulo retângulo em que os<br />

catetos são iguais, respectivamente, ao raio e ao comprimento<br />

<strong>da</strong> circunferência do círculo.<br />

Prova:<br />

Sejam r o raio do círculo, c o comprimento <strong>da</strong> circunferência, C a<br />

área do círculo e T a área do triângulo retângulo.<br />

Temos que provar que C = T.


C<br />

r<br />

r<br />

121<br />

Suponha C > T. Seja A = C – T, A > 0. Considere um polígono<br />

regular inscrito de apótema m’, perímetro p’ e de área P’, tal que C –<br />

P’ < A.<br />

Assim, C – P’ < A = C – T, ou seja, P’>T<br />

Mas p'⋅m'<br />

P'<br />

= e<br />

c ⋅ r<br />

T ' = , logo, p’⋅m’> >c⋅r, o<br />

•<br />

m'<br />

2<br />

que é um absurdo, pois p’< c e m’


123<br />

ABC + 1 ABC + 1 ABC +...+ 1<br />

4 42<br />

4n ABC, (1)<br />

a qual, à medi<strong>da</strong> que n cresce, aproxima-se ca<strong>da</strong> vez mais de<br />

4<br />

ABC.<br />

3<br />

1<br />

A prova de que ADC = ABC faz-se como se segue, com a<br />

4<br />

notação e os segmentos construídos <strong>da</strong> figura. Da definição de<br />

parábola, AF = k(FD) 2 e AB = k(BC) 2 . Como FD = BM = 2 1 BC,<br />

1<br />

deduz-se que AF = HD = AB. Por semelhança de triângulos,<br />

4<br />

MC 1<br />

= =<br />

AB BC 2<br />

EM , de modo que EM = 2 1 AB. Daí<br />

1<br />

DE = AB – HD – EM = AB – AB – 1 1<br />

AB = AB.<br />

4 2 4<br />

1<br />

Assim, ADE e AEM têm a mesma altura AH e bases DE = AB<br />

4<br />

e EM = 1 AB, respectivamente. Logo, ADE = 1 AEM. Do<br />

2 2<br />

mesmo modo, DEC = 2 1 EMC; de maneira que, por adição, ADC =<br />

1 ACM. Além disso, ACM e AMB têm bases iguais (MC e BM) e<br />

2<br />

1<br />

mesma altura (AB), e assim ADC = ABC.<br />

4<br />

Analogamente, com o uso dos segmentos construídos<br />

1<br />

apresentados na figura, podemos provar que DD’C = DCE e<br />

4<br />

1 1<br />

AD”D = ADE, de forma que AD”D + DD’C = ADC =<br />

4<br />

4<br />

=<br />

1 ABC, completando assim a segun<strong>da</strong> etapa <strong>da</strong> prova.<br />

2<br />

4<br />

124<br />

Como decorrência <strong>da</strong> Quadratura <strong>da</strong> Parábola, realiza<strong>da</strong> por<br />

Arquimedes, surge provavelmente a primeira série infinita na<br />

<strong>Matemática</strong>, uma progressão geométrica de razão 1 .<br />

4<br />

Mostraremos a seguir o processo utilizado por Arquimedes para<br />

encontrar a soma dessa série, evitando fazer n→∞.<br />

Problema: Mostrar que 1 1 1 4 .<br />

Segundo Arquimedes,<br />

Isso segue do seguinte fato:<br />

1 + + + ... + + ... =<br />

2 n<br />

4 4 4 3<br />

1 1 1 1 1<br />

1+ + + ... + + ⋅<br />

2 n n<br />

4 4 4 3 4<br />

4<br />

= .<br />

3<br />

1<br />

k<br />

4<br />

1 1<br />

+ ⋅ k 3 4<br />

4<br />

= k<br />

3⋅<br />

4<br />

1 1<br />

= ⋅ k−<br />

3 4<br />

1 1<br />

Portanto, 1+ + 2 4 4<br />

⎛ 1<br />

+ ... + ⎜ n<br />

⎝ 4<br />

1 1 ⎞<br />

+ ⋅ ⎟ = n 3 4 ⎠<br />

1 1<br />

= 1+<br />

+<br />

2 4 4<br />

⎛ 1<br />

+ ... + ⎜ n−1<br />

⎝ 4<br />

1 1 ⎞<br />

+ ⋅ ⎟ = .. . . .=<br />

n−1<br />

3 4 ⎠<br />

⎛ 1 1 1 ⎞ 1 4<br />

1 + ⎜ + ⋅ ⎟ = 1+<br />

=<br />

⎝ 4 3 4 ⎠ 3 3<br />

A quadratura <strong>da</strong> parábola pelo Método <strong>da</strong> Alavanca<br />

O método que Arquimedes visualizou corretamente e que<br />

habilitaria seus contemporâneos e sucessores a fazer novas<br />

descobertas, consistia num esquema para equilibrar entre si os<br />

“elementos” de figuras geométricas.<br />

Foi na quadratura <strong>da</strong> parábola que aplicou, pela primeira vez o<br />

chamado método <strong>da</strong> alavanca, tendo equilibrando entre si os<br />

segmentos de reta que formam o triângulo com os correspondentes<br />

segmentos que formam o setor parabólico.<br />

Após ter descoberto uma certa proprie<strong>da</strong>de, por método <strong>da</strong><br />

alavanca, ele aplicava o método de exaustão para prová-las,<br />

ajustando-se assim aos padrões de rigor <strong>da</strong> época.<br />

1


125<br />

Seja s a região limita<strong>da</strong> por uma parábola p e uma cor<strong>da</strong> AB de<br />

ponto médio M. Seja t a tangente a p em A. Dos pontos B e M<br />

traçam se retas paralelas ao eixo, as quais interceptam t em D e E,<br />

respectivamente; suponha que ME intercepte p em C, ponto este<br />

chamado de vértice de s. Temos que C é o ponto médio de ME. Seja<br />

l a reta que contém AC e indiquemos por F sua intersecção com BD.<br />

Nessa altura Arquimedes compara o segmento parabólico s com<br />

o triângulo ABD. Seja O um ponto qualquer de AB. Suponha que a<br />

reta por O, paralela ao eixo de p intercepte p, t e l nos pontos P, Q e<br />

OP OB RF<br />

R, respectivamente. Assim, = = .Nesse ponto dá um<br />

OQ AB AF<br />

passo engenhoso: considera l como uma alavanca, com fulcro em F,<br />

e toma o ponto T em l de maneira que F seja o ponto médio de AT.<br />

Em T ele “pendura” um segmento UV, congruente a OP. Então, <strong>da</strong><br />

UV RF RF<br />

igual<strong>da</strong>de acima = = , ou UV⋅TF = OQ⋅RF.<br />

OQ AF TF<br />

Assim o segmento UV, suspenso pelo seu ponto médio T, está<br />

em equilíbrio com o segmento OQ, suspenso pelo seu ponto médio<br />

R.<br />

Arquimedes imagina agora o triângulo ABD como a união de<br />

todos os segmentos de reta como OQ, paralelos ao eixo. Ca<strong>da</strong> um<br />

deles tem um segmento correspondente OP congruente a um<br />

segmento UV, que se “pendura” em T. Dessa forma concebe o<br />

triângulo em equilíbrio com o segmento parabólico s, que se<br />

imagina suspenso em T. Além do mais, como se sabia previamente,<br />

pode-se considerar o triângulo suspenso pelo seu baricentro, que é o<br />

126<br />

1 1<br />

ponto G de l tal que FG = FA = FT. Portanto, s e o triângulo<br />

3 3<br />

ABD têm áreas cuja razão é 1:3. Finalmente, a área do triângulo<br />

ABD é o quádruplo de área do triângulo ABC, e temos a descoberta<br />

4<br />

de Arquimedes: a área do segmento parabólico é <strong>da</strong> área do<br />

3<br />

triângulo com a mesma base e mesmo vértice.<br />

O contador de grãos de areia<br />

Trata-se de uma contribuição de Arquimedes à logística<br />

(aritmética aplica<strong>da</strong>), em que mostrava, de maneira engenhosa,<br />

como escrever um número maior do que o número de grãos de areia<br />

necessários para encher o universo.<br />

Como quase todos os astrônomos <strong>da</strong> antigui<strong>da</strong>de, Arquimedes,<br />

concebia o universo na forma de uma enorme esfera, com centro na<br />

Terra (imóvel) e raio igual à distância <strong>da</strong> Terra ao Sol.<br />

Subestimando o tamanho de um grão de areia, Arquimedes<br />

admitiu que 10.000 desses grãos preenchessem o espaço ocupado<br />

por uma semente de papoula; e que 40 dessas sementes, justapostas<br />

lado a lado, excederiam a largura de um dedo. Daí concluiu (usando<br />

3<br />

π ⋅ d 3<br />

a relação V = < d , em que d seria o diâmetro e V o volume<br />

6<br />

de uma esfera) que uma esfera de diâmetro igual à largura de um<br />

dedo não conteria mais que 40 3 = 64.000 sementes de papoula e,<br />

portanto, nela não caberiam mais que 10.000×64.000 = 640 milhões<br />

de grãos de areia, seguramente, então, essa esfera comportaria<br />

menos de 1 bilhão, isto é, 10 9 de grãos de areia. A seguir<br />

Arquimedes introduziu em seu raciocínio o estádio (uni<strong>da</strong>de de<br />

medi<strong>da</strong> de comprimento equivalente a cerca de 160 m) que estimou<br />

em menos de 10 4 larguras de dedos. Como os volumes de duas<br />

esferas estão entre si na razão dos cubos de seus diâmetros, o<br />

número de grãos de areia necessário para preencher uma esfera de<br />

diâmetro igual a um estádio seria menor que ( ) 3 4<br />

9 21<br />

10 ⋅ 10 =10 .<br />

Por outro lado, usando <strong>da</strong>dos de medi<strong>da</strong>s astronômicas<br />

conheci<strong>da</strong>s em sua época, não lhe foi difícil estabelecer que o<br />

diâmetro do universo era inferior a 10 10 estádios. Então repetindo a


127<br />

argumentação anterior, concluiu que para preencher totalmente esse<br />

universo bastaria um número de grãos inferior a ( ) 3 10<br />

21 51<br />

10 ⋅ 10 =10 .<br />

Contar grãos de areia pode ter sido para Arquimedes apenas um<br />

exercício para por em prática um sistema de numeração, que criou,<br />

de base 10 8 , para exprimir números muito grandes, já que o sistema<br />

alfabético em uso na Grécia era deficiente quanto a este aspecto.<br />

Sobre as espirais<br />

Arquimedes, como seus predecessores, foi atraído pelos três<br />

problemas famosos de geometria, e a espiral por ele introduzi<strong>da</strong><br />

forneceu soluções para dois deles – driblando a exigência “apenas<br />

com régua e compasso”.<br />

A espiral é defini<strong>da</strong> como o lugar geométrico no plano de um<br />

ponto que se move, partindo <strong>da</strong> extremi<strong>da</strong>de de um raio ou semireta,<br />

uniformemente ao longo do raio enquanto esse, por sua vez,<br />

gira uniformemente em torno de sua origem. Em coordena<strong>da</strong>s<br />

polares a equação, em notação atual, é r = aθ<br />

.<br />

Da<strong>da</strong> uma tal espiral, a trissecção de um ângulo é possível. O<br />

ângulo é colocado de modo que seu vértice e primeiro lado<br />

coinci<strong>da</strong>m com o ponto inicial O <strong>da</strong> espiral e a posição inicial AO <strong>da</strong><br />

semi-reta. O segmento OP, sendo P o ponto em que o segundo lado<br />

do ângulo corta a espiral, é então dividido em três partes iguais pelos<br />

pontos R e S. Traça-se dois círculos com centro O e raios OR e OS<br />

que interceptam a espiral nos pontos U e V. Desse modo as retas OU<br />

e OV trissectam o ângulo AOP.<br />

R<br />

S<br />

P<br />

V<br />

U<br />

O A<br />

R<br />

O<br />

θ<br />

P<br />

ψ<br />

S<br />

Q<br />

128<br />

Arquimedes mostrou que a espiral também pode usa<strong>da</strong> para<br />

resolver o problema <strong>da</strong> quadratura do círculo. Fez isso por uma<br />

típica dupla reductio ad absurdum.<br />

Pensando num ponto sobre a espiral como sujeito a um duplo<br />

movimento – um movimento radial uniforme, afastando-se <strong>da</strong><br />

origem do sistema de coordena<strong>da</strong>s e um movimento circular<br />

uniforme em torno <strong>da</strong> origem – Arquimedes encontrou a direção do<br />

movimento, ou seja, <strong>da</strong> tangente à curva, determinando a resultante<br />

dos dois movimentos componentes. Parece ser esse o primeiro caso<br />

em que se determinou a tangente a uma curva que não era a<br />

circunferência.<br />

Entre as 28 proposições de Sobre espirais há várias que dizem<br />

respeito a áreas. Por exemplo, na proposição 24 mostrou que a área<br />

varri<strong>da</strong> pelo raio vetor em sua primeira rotação completa é um terço<br />

<strong>da</strong> área do primeiro círculo.<br />

A esfera e o cilindro<br />

Em seu importante tratado Da esfera e do cilindro, Arquimedes<br />

deduz três novas proposições:<br />

• A superfície <strong>da</strong> esfera é igual a quatro vezes a área do seu<br />

2<br />

círculo máximo, ou seja, A = 4π r .<br />

• A área convexa de uma calota esférica é igual à área do círculo<br />

que tem como raio a reta traça<strong>da</strong> do vértice a um ponto qualquer<br />

do perímetro <strong>da</strong> base.<br />

• O volume do cilindro que tem por base um círculo máximo e<br />

3<br />

por altura o diâmetro de uma mesma esfera, é igual a do<br />

2<br />

volume dessa esfera.<br />

Ao tentar resolver o problema de seccionar uma esfera por um<br />

plano de maneira que os volumes ou as superfícies <strong>da</strong>s duas calotas<br />

forma<strong>da</strong>s guar<strong>da</strong>ssem entre si determina<strong>da</strong> relação, Arquimedes<br />

obteve uma equação de terceiro grau. Parece ter <strong>da</strong>do a solução,<br />

indicando ao mesmo tempo as condições de existência de uma raiz<br />

positiva, mas a obra perdeu-se.<br />

Em Conóides e Esferóides, por meio de secções planas


129<br />

transversais, estu<strong>da</strong> os sólidos formados pela revolução <strong>da</strong> elipse, <strong>da</strong><br />

parábola e <strong>da</strong> hipérbole, e determina o volume desses corpos<br />

comparando com os cilindros inscrito e circunscrito à porção,<br />

compreendi<strong>da</strong> entre dois planos.<br />

A mecânica de Arquimedes<br />

Arquimedes foi o pioneiro em mecânica e deu as primeiras<br />

demonstrações matemáticas que se conhecem. Em seus dois livros<br />

sobre o Equilíbrio dos planos propõe-se determinar o centro de<br />

gravi<strong>da</strong>de de diversas figuras planas, inclusive do segmento<br />

parabólico. Escreveu um tratado sobre as alavancas e,<br />

provavelmente sobre máquinas em geral, mas esse livro perdeu-se,<br />

bem como outra obra sobre a construção de um globo celeste. Uma<br />

esfera estelar e um planetário construídos por ele foram conservados<br />

durante muito tempo em Roma.<br />

A alavanca e a cunha eram conheci<strong>da</strong>s desde remota<br />

antigui<strong>da</strong>de e Aristóteles mencionara a prática desonesta dos<br />

mercadores que desviavam o fulcro <strong>da</strong>s balanças, mas antes de<br />

Arquimedes não se conhece qualquer tentativa de estudo<br />

matemático do assunto.<br />

Admite ele como evidentes os princípios seguintes:<br />

• Grandezas de igual peso agindo a distâncias iguais do seu<br />

ponto de apoio equilibram-se.<br />

• Grandezas de igual peso agindo a distâncias desiguais de<br />

seu ponto de apoio não se equilibram, e aquela que age a<br />

maior distância supera a outra.<br />

• Grandezas comensuráveis ou incomensuráveis equilibramse<br />

quando são inversamente proporcionais às suas distâncias<br />

do ponto de apoio.<br />

Princípio de Arquimedes:<br />

Na obra sobre os Corpos flutuantes Arquimedes exprime entre<br />

vários resultados o seu conhecido princípio hidrostático: todo sólido<br />

mais leve que um fluido, se colocado nele ficará imerso o suficiente<br />

para que o seu peso seja igual ao do fluido deslocado. Por outro lado<br />

um sólido mais pesado que um fluido, se colocado nele, descerá até<br />

130<br />

o fundo do fluido, e o sólido, se pesado dentro do fluido, pesará<br />

menos do que seu peso real de um tanto igual ao peso do fluido<br />

deslocado.<br />

Arquimedes no banho, Gaultherus Rivius, Nuremberg, - 1574<br />

Sobre os Corpos Flutuantes (A Coroa do Rei)<br />

Arquimedes era bem relacionado com rei Hierão de Siracusa e<br />

talvez fosse seu parente. Conta-se que Hierão mandou fazer uma<br />

coroa de ouro e, desconfiado quanto a “pureza” do ouro <strong>da</strong> coroa,<br />

consultou o sábio para dirimir suas dúvi<strong>da</strong>s. Diz a len<strong>da</strong> que<br />

Arquimedes descobriu como resolver o problema enquanto tomava<br />

banho e refletia sobre o fato de que os corpos imersos na água –<br />

como seu próprio corpo – se tornam mais leves, exatamente pelo<br />

peso <strong>da</strong> água que deslocam. Esse fato lhe teria permitido idealizar<br />

um modo de resolver o problema <strong>da</strong> coroa, e de tão eufórico que<br />

ficou com a descoberta, saiu nu pelas ruas de Siracusa gritando<br />

“Eureka! Eureka”, ou seja, “Descobri! Descobri!”.<br />

Para resolver o problema <strong>da</strong> coroa utiliza-se, então, o princípio<br />

de Arquimedes e um pouco de proporções. Seja P o peso <strong>da</strong> coroa,<br />

que supõe-se composta de um peso x de ouro e um peso y de prata.<br />

Logo P = x + y .


131<br />

Suponha que a porção de ouro de peso x tenha peso x’ quando<br />

pesa<strong>da</strong> dentro d’água, e seja X’ o peso, dentro d’água, de uma<br />

porção de ouro de peso igual ao peso P <strong>da</strong> coroa. Ora, o peso do<br />

ouro dentro d’água é proporcional ao seu peso fora d’água (porque o<br />

volume é proporcional ao peso, devido à homogenei<strong>da</strong>de do<br />

x ' X'<br />

xX'<br />

material). Assim, = , ou seja, x ' = .<br />

x<br />

P<br />

De modo análogo, o peso <strong>da</strong> prata, quando pesa<strong>da</strong> dentro<br />

d’água, é proporcional ao seu peso fora d’água. Se y’ designa o<br />

peso, dentro d’água, <strong>da</strong> porção de prata de peso y, e Y’ o peso,<br />

dentro d’água, de uma porção de prata de peso igual ao peso P <strong>da</strong><br />

coroa, então tem-se, exatamente como no raciocínio anterior,<br />

yY'<br />

y ' = .<br />

P<br />

Seja P’ o peso <strong>da</strong> coroa quando pesa<strong>da</strong> dentro d’água.<br />

Como P’ = x’ + y’, analogamente chega-se a P’ = x’ + y’<br />

xX '+<br />

yY'<br />

x P'<br />

−Y'<br />

= , portanto, PP '= xX '+<br />

yY ' , ou ain<strong>da</strong>, = .<br />

P<br />

y X'<br />

−P'<br />

Faltam <strong>da</strong>dos específicos sobre a coroa ver<strong>da</strong>deira que o rei<br />

Hierão entregou a Arquimedes para ser investiga<strong>da</strong> mas pode-se<br />

muito bem imaginar uma situação concreta. Suponha que a coroa<br />

pesasse P = 894 g fora d’água e 834 g dentro d’água e também que<br />

X’ = 847,7 g e Y’ = 809 g. Substituindo esses valores nas respectivas<br />

x 834 − 809 25<br />

equações, encontramos = = ≅ 1,<br />

82 .<br />

y 847,<br />

7 − 834 13,<br />

7<br />

Então chega-se ao sistema de equações seguinte, para<br />

determinar x e y,<br />

x + y = 894, x = 1,82y, cuja solução é x ≅ 577 g e y ≅ 317 g.<br />

Portanto a coroa imaginária contém 577 g de ouro e 317 g de prata.<br />

Tendo em conta que o peso específico do ouro é 19,3 g/cm 3 e o<br />

<strong>da</strong> prata é 10,5 g/cm 3 , pode-se calcular as quanti<strong>da</strong>des volumétricas<br />

de ouro e prata usados na coroa. Trata-se, novamente, de um cálculo<br />

simples usando proporções. Sejam V0 e Vp, respectivamente, os<br />

volumes de ouro e prata empregados para fazer a coroa. Então,<br />

P<br />

132<br />

x 19,<br />

3 y 10, 5<br />

= e = , e substituindo x = 577 e y = 317 e<br />

V0<br />

1 V p 1<br />

resolvendo as equações resultantes encontramos<br />

577<br />

V0 = ≅ 29,<br />

9 cm<br />

19,<br />

3<br />

3 317<br />

e V p = ≅ 30,<br />

2 cm<br />

10,<br />

5<br />

3<br />

Nota-se, portanto, que o ourives usou praticamente as mesmas<br />

quanti<strong>da</strong>des volumétricas de ouro e prata, aproxima<strong>da</strong>mente 30 cm 3<br />

de ouro e 30 cm 3 de prata.<br />

Outras Obras<br />

No chamado Livro de Lemas encontra-se – na proposição 8 – a<br />

bem conheci<strong>da</strong> trissecção do ângulo de Arquimedes. Seja ABC o<br />

ângulo a ser trissectado.<br />

T<br />

S R B Q C<br />

Então com B como centro, traçar uma circunferência de qualquer<br />

raio, que cortará AB em P, e a reta r, por BC, em Q e R. A seguir<br />

traçar uma reta STP tal que S esteja em r e T sobre a circunferência<br />

tal que ST = BQ = BP = BT. Verifica-se sem dificul<strong>da</strong>de, uma vez<br />

que os triângulos STB e TBP são isósceles, que o ângulo BST é<br />

precisamente um terço do ângulo QBP, o ângulo a ser trissectado.<br />

Arquimedes e seus contemporâneos sabiam, é claro, que essa não<br />

era uma trissecção canônica no sentido platônico, pois envolve o que<br />

chamavam de neusis, isto é, a inserção de um comprimento <strong>da</strong>do, no<br />

caso ST = BQ, entre duas figuras, aqui a reta r e a circunferência.<br />

A Carta a Eratóstenes sobre o Método<br />

Foi descoberto em 1906, em Constantinopla, pelo filólogo<br />

dinamarquês J. L. Heiberg (1854–1928), uma importante obra de<br />

P<br />

A


133<br />

Arquimedes, conheci<strong>da</strong> como “O Método”, justamente porque<br />

nele o geômetra grego descreve um “método mecânico” para<br />

investigar questões matemáticas.<br />

Arquimedes freqüentemente enviava suas obras aos sábios de<br />

Alexandria, prefaciando-as com cartas esclarecedoras. Seu livro, “O<br />

Método”, contém como prefácio uma carta a Eratóstenes de<br />

Alexandria, a qual começava assim:<br />

Arquimedes a Eratóstenes,<br />

Sau<strong>da</strong>ções<br />

Enviei-lhe em outra ocasião alguns teoremas descobertos por mim,<br />

meramente os enunciados, deixando-lhe a tarefa de descobrir as<br />

demonstrações então omiti<strong>da</strong>s... Vendo em você um dedicado<br />

estudioso, de considerável iminência em Filosofia e um admirador<br />

<strong>da</strong> pesquisa matemática, julguei conveniente escrever-lhe para<br />

explicar as peculiari<strong>da</strong>des de um certo método pelo qual é possível<br />

investigar alguns problemas de <strong>Matemática</strong> por meios mecânicos...<br />

Certas coisas primeiro se tornaram claras para mim pelo método<br />

mecânico, embora depois tivessem de ser demonstra<strong>da</strong>s pela<br />

Geometria, já que sua investigação pelo referido método não<br />

conduzisse a provas aceitáveis. Certamente é mais fácil fazer as<br />

demonstrações quando temos previamente adquirido, pelo método,<br />

algum conhecimento <strong>da</strong>s questões do que sem esse conhecimento...<br />

Estou convencido de que será valioso para a <strong>Matemática</strong>, pois<br />

pressinto que outros investigadores <strong>da</strong> atuali<strong>da</strong>de ou do futuro<br />

descobrirão, pelo método aqui descrito, outras proposições que não<br />

me ocorreram.<br />

É oportuno observar, a propósito <strong>da</strong>s palavras finais <strong>da</strong> citação<br />

acima, que o chamado “método dos indivisíveis”, inventado no<br />

século XVII, e que impulsionou o Cálculo Diferencial e Integral, é<br />

muito parecido com o “método mecânico” de Arquimedes. Está<br />

certo que tanto um, quanto outro carecia de fun<strong>da</strong>mentação, mas<br />

possuíam ingredientes decisivos para grandes avanços <strong>da</strong><br />

matemática.<br />

134<br />

Arquimedes e Euclides<br />

Confrontando algumas limitações de Euclides com o vasto<br />

alcance <strong>da</strong> matemática grega, Félix Klein (1849-1925) caracterizou<br />

mais ou menos como segue a obra de Arquimedes:<br />

• Em perfeito contraste com o espírito dos Elementos de Euclides,<br />

Arquimedes possui um senso altamente desenvolvido do cálculo<br />

numérico. Um de seus grandes feitos foi o cômputo de π , pelo<br />

método aproximativo dos polígonos regulares. Em Euclides não há<br />

sinais de interesse por semelhantes resultados numéricos. O<br />

geômetra de Alexandria limitou-se a mencionar que as áreas de dois<br />

círculos são proporcionais aos quadrados dos raios e que duas<br />

circunferências são proporcionais aos raios respectivos, sem tomar<br />

em consideração o fator de proporcionali<strong>da</strong>de.<br />

• É característico de Arquimedes o amplo interesse por to<strong>da</strong> sorte de<br />

aplicações práticas, inclusive os mais variados problemas físicos e<br />

técnicos. Foi assim que descobriu os princípios hidrostáticos e<br />

construiu engenhos bélicos. Euclides, pelo contrário, compartilhou a<br />

opinião de certas escolas filosóficas antigas, ou seja, a de que as<br />

aplicações práticas <strong>da</strong>s ciências constituíam uma ocupação mecânica<br />

e inferior.<br />

• Finalmente, Arquimedes foi um grande investigador e precursor,<br />

e, ca<strong>da</strong> uma de suas obras representou um progresso para a ciência.<br />

ERATÓSTENES ERATÓSTENES (276 – 194 a.C.)<br />

Eratóstenes de Cirene, diretor <strong>da</strong> grande biblioteca de<br />

Alexandria por volta de 235 a.C., introduziu os fun<strong>da</strong>mentos <strong>da</strong><br />

geografia matemática, que permaneceu por longo tempo como uma<br />

<strong>da</strong>s principais obras de consulta na área. Após um estudo histórico,<br />

apresentou <strong>da</strong>dos numéricos sobre a terra habita<strong>da</strong>, que, segundo a<br />

sua estimativa, media 78.000 estádios de comprimento e 38.000 de<br />

largura (o estádio correspondia a cerca de 150 metros).<br />

Eratóstenes foi o primeiro geógrafo a traçar o seu mapa com<br />

linhas entrecruza<strong>da</strong>s que indicavam a latitude e a longitude. Em<br />

conexão com esse trabalho, procedeu a um cálculo notavelmente<br />

feliz <strong>da</strong> circunferência <strong>da</strong> Terra. Baseou-se na seguinte observação,<br />

encontra<strong>da</strong> num dos incontáveis papiros <strong>da</strong> Biblioteca: em Siene


135<br />

(atual Assuã), a 5.000 estádios (800 km) ao Sul de Alexandria,<br />

ao meio dia do solstício de verão (o mais longo dia do ano, 21 de<br />

junho no Hemisfério Norte), os raios solares incidiam no fundo de<br />

um comprido poço, ou seja, o Sol situava-se a prumo. Por outro lado<br />

isso não se verificava em Alexandria e havia, inclusive, uma<br />

estimativa para a distância zenital do Sol, ao meio dia que era de<br />

1/50 <strong>da</strong> circunferência terrestre.<br />

Considerando que as duas<br />

ci<strong>da</strong>des se situam,<br />

aproxima<strong>da</strong>mente, no<br />

mesmo meridiano,<br />

Eratóstenes concluiu que a<br />

circunferência terrestre<br />

devia medir 250.000<br />

estádios. Mais tarde<br />

corrigiu esta cifra para<br />

252.000, provavelmente<br />

para obter um número<br />

redondo, 700 estádios,<br />

para o comprimento do arco de um grau.<br />

Na figura, C é o centro <strong>da</strong> Terra; AS, distância de Alexandria a<br />

Siene (5,000 estádios); DS, eixo do poço; EA, vara vertical planta<strong>da</strong><br />

em Alexandria. Logo, por uma regra de três simples, temos:<br />

1°<br />

7<br />

5 360°<br />

1°<br />

= ⇒ x.<br />

7 = 360°<br />

. 5.<br />

000 ⇒ x = 250. 000<br />

5.<br />

000 x 5<br />

Esse resultado, um tanto incerto para nós em razão de não<br />

conhecermos o valor exato do estádio, foi uma excelente estimativa<br />

<strong>da</strong> circunferência terrestre com erro de 50 milhas, apenas. Também<br />

se atribui a Eratóstenes a medi<strong>da</strong> <strong>da</strong> obliqüi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> eclíptica, com<br />

um erro de sete minutos aproxima<strong>da</strong>mente.<br />

Versado que foi no estudo dos filósofos platônicos atenienses e<br />

dotado de extraordinária riqueza de aptidões, tais como, filólogo,<br />

matemático, filósofo e atleta, Eratóstenes escreveu sobre muitos<br />

assuntos.<br />

A chama<strong>da</strong> “peneira” (ou crivo) de Eratóstenes é um método<br />

para separar sistematicamente os números primos. Dispondo-se em<br />

C<br />

A<br />

S<br />

E<br />

D<br />

136<br />

ordem crescente a série dos números inteiros positivos e riscando-se<br />

em primeiro lugar todos os múltiplos de 2, maiores do que 2, depois<br />

os múltiplos de 3, maiores do que 3, os múltiplos de 5, maiores do<br />

que 5, etc. Finalmente restarão apenas os números primos 2, 3, 5, 7,<br />

11, 13, 17, etc.<br />

Grande amigo de Arquimedes e a quem o gênio de Siracusa<br />

enviava trabalhos sobre suas descobertas, em especial a famosa carta<br />

que ficou conheci<strong>da</strong> como O Método, porque divulgava os segredos<br />

de descobertas matemáticas através <strong>da</strong> mecânica.<br />

APOLÔNIO APOLÔNIO (262 – 200 a.C.)<br />

Apolônio de Perga, estudou em Alexandria e lá permaneceu por<br />

um bom tempo. A seguir foi para Pérgamo, onde foi cria<strong>da</strong> uma<br />

instituição mais ou menos como o Museu que, inclusive, foi<br />

considera<strong>da</strong> a segun<strong>da</strong> mais importante desse período.<br />

O grande geômetra – como é conhecido Apolônio – foi, ao lado<br />

de Euclides e Arquimedes, reconheci<strong>da</strong>mente um dos maiores<br />

matemáticos de todos os tempos. Tendo lançado os germes <strong>da</strong><br />

geometria analítica, deve sua reputação a uma importante obra sobre<br />

as secções cônicas.<br />

Assim como os Elementos de Euclides substituíram textos<br />

anteriores com proposta semelhante, o tratado sobre Cônicas de<br />

Apolônio superou todos os rivais nesse campo, inclusive as Cônicas<br />

de Euclides. Se a sobrevivência é uma medi<strong>da</strong> de quali<strong>da</strong>de, os<br />

Elementos de Euclides e as Cônicas de Apolônio foram claramente<br />

as melhores obras em seus campos.<br />

Quando Apolônio estava em Alexandria, foi procurado por um<br />

geômetra chamado Naucrates, e a seu pedido escreveu uma versão<br />

apressa<strong>da</strong> de as Cônicas em oito livros. Mais tarde, em Pérgamo<br />

reelaborou a obra e os livros IV e VII iniciam com sau<strong>da</strong>ções a<br />

Atalus, rei de Pérgamo.<br />

Apolônio inicia o Livro I de as Cônicas com uma exposição dos<br />

motivos que o levaram a escrever a obra e, a seguir, descreveu os<br />

quatro primeiros livros como se formassem uma introdução<br />

elementar ao assunto, com exceção de alguns teoremas de sua<br />

autoria no Livro III. Os quatro últimos livros ele descreveu como


137<br />

extensões além do fun<strong>da</strong>mental, e pode-se constatar que, de fato,<br />

nesses a teoria se expande em direções mais especializa<strong>da</strong>s.<br />

Antes de Apolônio, a elipse, a parábola e a hipérbole eram<br />

obti<strong>da</strong>s como secções de três tipos bem diferentes de cones (circular<br />

reto de uma folha), conforme o ângulo no vértice fosse agudo, reto<br />

ou obtuso. Apolônio mostrou sistematicamente que não era<br />

necessário tomar secções perpendiculares a um elemento do cone e<br />

que de um único cone (de duas folhas) poderiam ser obti<strong>da</strong>s as três<br />

curvas, simplesmente variando a inclinação do plano de secção.<br />

Outra generalização realiza<strong>da</strong> por Apolônio foi sua prova de que o<br />

cone não precisaria ser reto, isto é, um cone com eixo perpendicular<br />

à base circular, mas poderia também ser oblíquo ou escaleno.<br />

Ao considerar, no estudo, um<br />

cone com duas folhas,<br />

Apolônio introduziu as três<br />

curvas do modo como as<br />

conhecemos atualmente,<br />

inclusive os três nomes<br />

(elipse, parábola e hipérbole)<br />

e a hipérbole com dois ramos.<br />

No Livro II, por exemplo,<br />

abordou as proprie<strong>da</strong>des<br />

assimptóticas e provou<br />

algumas proposições relativas<br />

às hipérboles conjuga<strong>da</strong>s. O<br />

Livro III contém inúmeros teoremas sobre tangentes e secantes e<br />

introduziu os focos com esta definição: “foco é um ponto que divide<br />

138<br />

o eixo maior em duas partes cujo retângulo (produto) equivale à<br />

quarta parte do retângulo formado pelo latus rectum e pelo eixo<br />

maior” – ou ao quadrado que tem por lado o eixo menor. Apolônio,<br />

to<strong>da</strong>via, não considerou o foco <strong>da</strong> parábola e a diretriz de ca<strong>da</strong><br />

secção cônica – elementos esses que só seriam considerados por<br />

Papus no século III d.C.<br />

Um resultado importante provado por Apolônio é que a<br />

tangente às cônicas forma ângulos com os raios focais, no ponto de<br />

tangência, tais que a soma é constante para a elipse e a diferença é<br />

constante para a hipérbole.<br />

d2<br />

Apolônio, com outras notações é claro, chegou à classificação<br />

<strong>da</strong>s cônicas por y² = px + qx², sendo que para q = 0, teríamos uma<br />

parábola, para q < 0, uma elipse e para q > 0, uma hipérbole.<br />

O estudo de diâmetros conjugados, tangentes e o emprego de<br />

linhas paralelas aos eixos principais, foram primordiais para a<br />

introdução dos sistemas de coordena<strong>da</strong>s em geometria.<br />

Com as extensões introduzi<strong>da</strong>s por Apolônio e por ter provado<br />

mais de 400 proposições é que foi considerado, por muitos<br />

estudiosos do assunto, como o criador <strong>da</strong> geometria analítica. Se<br />

usou coordena<strong>da</strong>s, ou não, ain<strong>da</strong> não está claro, mas, o certo é que o<br />

seu trabalho(as Cônicas) está muito próximo dos cursos atuais dessa<br />

importante disciplina. Prova disso é que foi o ponto de parti<strong>da</strong> para<br />

os matemáticos do século XVII.<br />

É digno de nota que Fermat (1601-1665), um dos criadores <strong>da</strong><br />

geometria analítica, tenha sido levado a essa invenção pela tentativa<br />

de reconstituir certas demonstrações perdi<strong>da</strong>s de Apolônio sobre os<br />

lugares geométricos.<br />

d1<br />

d1 + d2 = c


Outras Obras<br />

Problema de Apolônio<br />

139<br />

Num tratado sobre Tangências, descrito por Papus, encontra-se<br />

o problema conhecido hoje como “Problema de Apolônio”: <strong>da</strong>dos<br />

três elementos, ca<strong>da</strong> um dos quais podendo ser um ponto, uma reta<br />

ou uma circunferência, traçar uma circunferência que é tangente,<br />

simultaneamente, aos três elementos (sendo que circunferência<br />

tangente a um ponto significa passar pelo ponto).<br />

Esse problema envolve dez casos, desde os dois mais fáceis, em<br />

que são considerados três pontos ou três retas, até o mais difícil<br />

quando são <strong>da</strong><strong>da</strong>s três circunferências. Os dois primeiros já<br />

apareceram em Os Elementos de Euclides em conexão com círculos<br />

inscrito e circunscrito a um triângulo; os outros seis foram tratados<br />

no Livro I de Tangências e os casos de duas retas e uma<br />

circunferência, e o de três<br />

circunferências ocupavam o Livro II.<br />

Como o trabalho de Apolônio se<br />

perdeu os estudiosos dos séculos XVI<br />

e XVII, em geral, chegaram a duvi<strong>da</strong>r<br />

de que Apolônio tivesse resolvido o<br />

último caso e por isso o consideravam<br />

como um desafio às suas capaci<strong>da</strong>des.<br />

Newton, por exemplo, o resolveu<br />

usando apenas régua e compasso.<br />

No campo <strong>da</strong> aritmética, diz-se que Apolônio obteve uma<br />

aproximação melhor do que a de Arquimedes para o valor de π ,<br />

talvez 3,1416 e que teria inventado um método abreviado de<br />

multiplicação e que empregou números grandes à maneira de<br />

Arquimedes.<br />

Havia, ain<strong>da</strong>, algumas outras obras <strong>da</strong>s quais só os títulos são<br />

conhecidos. Entre elas uma sobre os espelhos ustórios, outra sobre<br />

os estacionamentos e retrogra<strong>da</strong>ções dos planetas e uma terceira<br />

sobre a teoria e o emprego do parafuso. Em astronomia, ao que se<br />

supõe, sugeriu que os movimentos planetários fossem expressos por<br />

meio de combinações de movimentos circulares, uma idéia que seria<br />

desenvolvi<strong>da</strong> mais tarde por Hiparco e Ptolomeu.<br />

140<br />

Não se pode determinar, com exatidão, até que ponto eram<br />

inéditos os resultados obtidos por Apolônio e que partes, de sua<br />

obra, representam uma simples compilação de trabalhos alheios. O<br />

que se pode afirmar, no entanto, é que a proporção de trabalhos<br />

originais é considerável.<br />

HIPARCO HIPARCO HIPARCO (180 – 125 a.C.)<br />

Hiparco de Nicéia foi o maior astrônomo <strong>da</strong> antigui<strong>da</strong>de e é<br />

considerado o inventor <strong>da</strong> trigonometria. Construiu, especialmente<br />

para uso dos astrônomos, uma tabela de cor<strong>da</strong>s equivalente às atuais<br />

de senos. Forneceu também um método para resolver triângulos<br />

esféricos e foi o primeiro a indicar posições na superfície <strong>da</strong> Terra<br />

por meio <strong>da</strong> latitude e <strong>da</strong> longitude, o que constituiu o germe <strong>da</strong><br />

geometria analítica. Nas cartas celestes, empregava a projeção<br />

estereográfica e, no traçado de mapas, a ortográfica. Eratóstenes,<br />

como vimos anteriormente, limitara-se a <strong>da</strong>r a latitude por meio <strong>da</strong><br />

altura <strong>da</strong> estrela polar.<br />

Quase to<strong>da</strong>s as obras de Hiparco se perderam, não obstante,<br />

Ptolomeu, o seu grande sucessor, baseou-se fortemente em seus<br />

trabalhos para elaborar o Almajesto, uma obra que se tornou<br />

semelhante aos Elementos, no caso <strong>da</strong> astronomia.<br />

Tendo à sua disposição o primitivo catálogo estelar de Aristilo e<br />

Timocáride, Hiparco ficou profun<strong>da</strong>mente impressionado – como<br />

sucederia a Tycho Brahe séculos mais tarde – pelo aparecimento<br />

súbito no ano 134 a.C., de uma nova estrela de primeira grandeza no<br />

firmamento celeste, que se supunha imutável. Em conseqüência,<br />

impôs a si mesmo a dura tarefa de organizar, para a parte do céu que<br />

lhe era visível, um novo catálogo que, uma vez completo, abrangia<br />

mais de 1000 estrelas e, é importante que se diga, que esse catálogo<br />

permaneceu, com pequenas alterações, como modelo no gênero<br />

durante quase dezesseis séculos. Sua lista de constelações e sua<br />

classificação <strong>da</strong>s estrelas em seis “grandezas”, de acordo com o<br />

brilho, formam a base <strong>da</strong>s que existem atualmente.


A precessão dos equinócios<br />

141<br />

Comparando as posições de certas estrelas com as observa<strong>da</strong>s<br />

150 anos antes, Hiparco notou uma diferença na distância dessas ao<br />

ponto equinocial – o ponto de intersecção entre o equador celeste e a<br />

eclíptica (curva descrita aparentemente pelo Sol em torno <strong>da</strong> Terra)<br />

– diferença essa que, num dos casos observados alcançava 2 graus.<br />

Graças a uma inspiração genial, interpretou corretamente tal fato,<br />

atribuindo-o a um leve deslocamento dos pontos equinociais para<br />

frente, o qual correspondia a uma lenta rotação do eixo <strong>da</strong> Terra. Em<br />

virtude dessa rotação, o pólo celeste descreveria um círculo<br />

completo em muitos milhares de anos.<br />

Teoria planetária<br />

Atribui-se a Hiparco a melhoria de cálculos referentes a duração<br />

do dia, tamanho <strong>da</strong> Lua, duração do mês e ângulo <strong>da</strong> eclíptica.<br />

eclíptica<br />

equador celeste<br />

23º aproxima<strong>da</strong>mente<br />

A distância <strong>da</strong> Terra à Lua foi estima<strong>da</strong> por Hiparco em<br />

402.500 Km. O valor aceito atualmente é de 390.000 Km. Para<br />

efetuar esse cálculo procede-se <strong>da</strong> seguinte maneira: suponha a Lua<br />

no zênite de um observador num ponto Z. No mesmo instante um<br />

outro observador em H, na mesma longitude de Z, vê a Lua nascer.<br />

142<br />

O ângulo α é a diferença de latitude entre os dois observadores.<br />

Dessa forma, temos que:<br />

<strong>da</strong> Terra 6 400<br />

90 0 0163<br />

distância à Lua<br />

à Lua<br />

0 raio<br />

.<br />

sen ( − α ) =<br />

=<br />

= , ,<br />

distância<br />

0<br />

1<br />

sendo que α = 89 . Logo a distância à Lua é 392.638,04<br />

16<br />

Após esses estudos, a ordem aceita para os astros, de acordo<br />

com as distâncias à Terra passou a ser a seguinte: Lua, Mercúrio,<br />

Vênus, Sol, Marte, Júpiter, Saturno. Essa ordem, que já fora adota<strong>da</strong><br />

na Mesopotâmia alguns séculos antes de Hiparco, sofreria poucas<br />

modificações até os tempos de Copérnico.<br />

Principais conquistas de Hiparco<br />

Aproveitou eficazmente os conhecimentos obtidos por<br />

astrônomos mais antigos, submetendo-os a uma apreciação crítica;<br />

realizou uma longa e sistemática série de observações, servindo-se<br />

dos melhores instrumentos então disponíveis; elaborou uma teoria<br />

matemática dos movimentos dos corpos celestes, tão coerente<br />

quanto lhe permitiam os <strong>da</strong>dos que possuía; organizou um novo<br />

catálogo de 1080 estrelas, adotando a classificação por grandezas,<br />

ain<strong>da</strong> em uso; descobriu a precessão dos equinócios; estabeleceu as<br />

bases <strong>da</strong> trigonometria.<br />

Finalizando, deve-se lembrar que após Hiparco a astronomia, de<br />

certa forma, estacionou pelo espaço de dezesseis séculos. É<br />

interessante conjecturar sobre as conseqüências que teriam advindo<br />

se o gênio de Hiparco tivesse adotado as ousa<strong>da</strong>s teorias<br />

heliocêntricas de Aristarco, ao invés de se apegar às idéias<br />

geocêntricas tradicionais.<br />

Exercícios<br />

Exercícios<br />

1. Descreva as fontes que Euclides provavelmente usou ao escrever<br />

Os Elementos; justifique suas conjecturas.


143<br />

2. Quais dos treze livros de Os Elementos você considera os mais<br />

importantes e quais você julga mais dispensáveis? Justifique sua<br />

resposta.<br />

3. Use o algoritmo de Euclides para encontrar o máximo divisor<br />

comum de:<br />

a) 456 e 759 b) 567, 839 e 432<br />

4. O número 2 13 – 1 é primo. Use esse fato para achar o quinto<br />

número perfeito em ordem de grandeza.<br />

5. Prove a fórmula de Euclides para números perfeitos.<br />

6. Prove que os volumes de duas esferas estão entre si como os<br />

cubos dos diâmetros.<br />

7. Arquimedes é às vezes considerado o inventor do cálculo integral.<br />

Até que ponto você concor<strong>da</strong> ou discor<strong>da</strong> dessa opinião?<br />

8. Euclides se apoiou em várias obras de seus predecessores. Até<br />

que ponto o mesmo vale para Arquimedes e Apolônio?<br />

9. Em que sentido o tratado de Arquimedes, O Método, difere dos<br />

seus outros tratados?<br />

10. Encontre a área entre as porções <strong>da</strong> espiral r = aθ<br />

forma<strong>da</strong>s para<br />

0 ≤ θ ≤ 2π<br />

e para 2 π ≤ θ ≤ 4π<br />

.<br />

11. Você diria que Apolônio usou geometria analítica? Justifique<br />

sua resposta.<br />

12. Resolva o “problema de Apolônio” para:<br />

a) o caso de dois pontos e uma reta;<br />

b) o caso de duas retas e um ponto.<br />

13. Apolônio afirmava que a tangente a uma elipse ou hipérbole<br />

num ponto P sobre a curva faz ângulos iguais com os raios focais<br />

por P. Prove esse teorema.<br />

144


PERÍODO PERÍODO PERÍODO GRECO GRECOROMANO<br />

GRECO GRECO ROMANO<br />

“Em matemática os caminhos não levam a Roma”. ( o autor)<br />

ROMA<br />

ROMA<br />

145<br />

Desde o século III a.C., que Roma já governava a península<br />

itálica. Duzentos anos depois tornou-se uma potência e, de 147 a 30<br />

a.C., controlou quase todo o Mediterrâneo, inclusive o mundo grego.<br />

Estabeleceu um império que deveria prover um grau sem<br />

precedentes de paz, coesão e lei a uma região que se estendia do<br />

Egito à Bretanha.<br />

A uni<strong>da</strong>de cultural imposta por esse império, foi responsável<br />

pela transmissão de conhecimento do Mediterrâneo para as áreas<br />

anteriormente atrasa<strong>da</strong>s <strong>da</strong> Europa. Essa uni<strong>da</strong>de foi ameaça<strong>da</strong> no<br />

século III d.C. e o império dividido em dois, o oriental, com base<br />

em Bizâncio (que sobreviveria até o século XV) e ocidental, ain<strong>da</strong><br />

com base em Roma. O Ocidental ficou ca<strong>da</strong> vez mais sujeito a<br />

invasões bárbaras, mas a dominação cultural de Roma se manteve<br />

nas instituições <strong>da</strong> Igreja Cristã.<br />

Roma Roma e e a a ciência<br />

ciência<br />

Comparar o desenvolvimento científico e filosófico de<br />

civilizações distintas não é uma tarefa simples. No caso de Roma<br />

que é compara<strong>da</strong> com a Grécia há algumas ponderações<br />

interessantes. A ver<strong>da</strong>de, segundo parece, é que os romanos, embora<br />

altamente dotados na oratória, literatura e história, muito eficientes<br />

como advogados, sol<strong>da</strong>dos e administradores, não se interessavam<br />

pelos trabalhos científicos e filosóficos e, em conseqüência, não<br />

foram bem sucedidos nesses campos.<br />

Esse fato chega a intrigar quando se considera as complexas<br />

formulações do direito romano, o arrojo de sua arquitetura nos<br />

grandes aquedutos e basílicas, o seu gênio militar no domínio de<br />

146<br />

outros povos e na influência que exerceram. Mas é em vão que se<br />

procura um cientista ou filósofo romano <strong>da</strong> originali<strong>da</strong>de ou<br />

vastidão de conhecimentos de um Aristóteles ou Platão; um<br />

astrônomo comparável a Aristarco, Hiparco ou Ptolomeu; um<br />

filósofo naturalista <strong>da</strong> categoria de Demócrito ou Epicuro; um<br />

pioneiro <strong>da</strong> medicina como Hipócrates de Cos.<br />

Parece certo, então, que os romanos se apoderaram dos<br />

conhecimentos acumulados pelos gregos, sem enriquecê-los e devese<br />

ressaltar, ain<strong>da</strong>, o respeito e a profun<strong>da</strong> admiração que este povo<br />

tinha pelos gregos. Há uma máxima que diz que no primeiro século<br />

a.C. os romanos conquistaram os gregos e a cultura grega<br />

conquistou os romanos.<br />

Engenharia e arquitetura<br />

Há um traço característico <strong>da</strong> civilização romana, em que<br />

revelou extraordinária habili<strong>da</strong>de e alcançou grande primazia,<br />

mostrando-se superior a todos os seus predecessores. É o seu gênio<br />

para a engenharia, tanto militar como civil. Basta mencionar o que<br />

resta <strong>da</strong>s muralhas, fortalezas, estra<strong>da</strong>s, aquedutos, teatros,<br />

estabelecimento de banhos e pontes por eles construídos.<br />

Nunca, quer antes quer depois dos romanos, um império erigiu<br />

tantos e tão perduráveis monumentos para utili<strong>da</strong>de de seus povos<br />

na paz e na guerra. Os territórios <strong>da</strong> Europa Meridional, <strong>da</strong> Ásia<br />

Ocidental e do norte <strong>da</strong> África ain<strong>da</strong> se acham cobertos, após vinte<br />

séculos, de relíquias romanas que prometem resistir por outros dois<br />

mil anos à destruição e à ruína. A engenharia dos romanos é quase<br />

tão admirável quanto as suas leis.<br />

Os agrimensores formavam uma corporação bem organiza<strong>da</strong>,<br />

mas eram apenas os práticos de uma arte tradicional, perpetuando os<br />

erros de seus antigos predecessores egípcios, sem sonhar com novos<br />

descobrimentos e nem sequer comunicando os conhecimentos que<br />

possuíam, fora do âmbito <strong>da</strong> corporação.<br />

A mais famosa obra sobre construção e assuntos correlatos,<br />

inclusive os materiais de construção, é a De Architectura de<br />

Vitrúvio, arquiteto e engenheiro romano que a escreveu por volta do<br />

ano 14 a.C. Esse livro célebre era o único importante que se


147<br />

conhecia na I<strong>da</strong>de Média e no Renascimento sobre tal matéria,<br />

sendo o guia e manual dos construtores <strong>da</strong>queles períodos.<br />

A obra é, em parte, uma compilação de autores anteriores<br />

(gregos principalmente) e, em parte, original. Nos cálculos usava-se<br />

1<br />

3 , menos exato do que o de Arquimedes. Da vi<strong>da</strong><br />

para π o valor 8<br />

e demais trabalhos de Vitrúvio quase na<strong>da</strong> se sabe, mas nenhum<br />

outro tratado antigo, de caráter técnico como esse, exerceu em seu<br />

campo tão grande influência sobre a posteri<strong>da</strong>de.<br />

O Calendário Juliano<br />

Júlio César empreendeu pessoalmente a solução de dois grandes<br />

problemas de matemática prática: a reforma do calendário e o<br />

levantamento geográfico de todo o Império.<br />

A exemplo dos mesopotâmios e dos gregos, os romanos<br />

também dividiam o ano em doze meses lunares, ou seja, 355 dias,<br />

começando em março, com a intercalação de um mês adicional<br />

sempre que isso se tornasse necessário para o reajustamento <strong>da</strong>s<br />

estações.<br />

Como o senado, por motivos políticos, recusasse decretar meses<br />

intercalares, a diferença entre as <strong>da</strong>tas oficiais e as solares elevavase<br />

a cerca de 85 dias no ano 47 a.C. No Egito César obteve o auxílio<br />

de Sosígenes para a organização de um calendário que fosse<br />

independente <strong>da</strong> política. É provável que lhe tenham falado do ano<br />

egípcio de 365 dias e um quarto Resultou assim o decreto de 45<br />

a.C., prolongando esse ano com três meses a mais e estabelecendo o<br />

início de uma nova era, a primeiro de janeiro de 45 a.C.<br />

Esse calendário, chamado Juliano, fixava um ano de 365 dias<br />

dividido em doze meses, mais ou menos iguais, devendo o primeiro<br />

começar oito dias depois do solstício do inverno. Após quatro anos,<br />

um dia adicional (chamado bissextus) era interpolado antes de 24 de<br />

fevereiro (sexto dia antes do primeiro de março). O nascimento<br />

helíaco de Sírio correspondia ao dia 20 de julho, e era a partir dessa<br />

que se computavam to<strong>da</strong>s as <strong>da</strong>tas.<br />

148<br />

O levantamento geográfico, cujos resultados deveriam ser<br />

incorporados num grande mapa, mostrando as rotas de marcha dos<br />

exércitos romanos, só foi levado a efeito no reinado de Augusto.<br />

<strong>Matemática</strong> <strong>Matemática</strong> <strong>Matemática</strong> Greco Grecoromana<br />

Greco romana<br />

O declínio gradual <strong>da</strong> matemática grega nesse período, em<br />

geral, é atribuído ao pragmatismo dos romanos, interessados,<br />

apenas, nos assuntos de natureza prática, como a engenharia e o<br />

direito. O gosto grego pelas questões teóricas jamais o fascinaram e,<br />

na matemática, somente a aritmética elementar recebeu alguma<br />

atenção, por seu uso nas transações comerciais, na guerra, nas<br />

construções e na tributação.<br />

A aritmética comercial desdenha<strong>da</strong> pelos matemáticos gregos,<br />

passou a ocupar um lugar de honra. O sistema de numeração romano<br />

superou o alfabético dos gregos e era usado também um útil sistema<br />

de contagem pelos dedos, que complementava o hábil emprego do<br />

ábaco. Não havendo ábaco à mão, as linhas correspondentes eram<br />

rapi<strong>da</strong>mente traça<strong>da</strong>s na terra ou na areia e pedrinhas ou calculi<br />

serviam de uni<strong>da</strong>des.<br />

Alexandria, no período chamado greco-romano, continuaria<br />

sendo o centro <strong>da</strong> matemática e fonte de trabalhos originais, embora<br />

as compilações e os comentários se tornassem, ca<strong>da</strong> vez mais, a<br />

forma de ciência predominante.<br />

A influência de outras culturas seria observa<strong>da</strong> com freqüência<br />

nas obras dos principais matemáticos dessa época e a matemática de<br />

Alexandria, desse modo, não seria apenas a tradicional euclidianoplatônico.<br />

A aritmética computacional e mesmo a álgebra prática<br />

dos egípcios e mesopotâmios foram amplamente desenvolvi<strong>da</strong>s,<br />

lado a lado, com demonstrações geométricas abstratas.<br />

A despeito <strong>da</strong> decadência que se deu na matemática e filosofia<br />

com a expansão do Império Romano, alguns eruditos alimentaram a<br />

débil chama <strong>da</strong> sabedoria antiga. A seguir um pouco <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> e obra<br />

dos matemáticos mais importantes dessa época considera<strong>da</strong> “último<br />

suspiro” <strong>da</strong> matemática grega. Há o acréscimo de Lucrécio e Boécio<br />

que eram romanos, mas se inspiravam muito nos gregos.


LUCRÉCIO LUCRÉCIO (98 – 55 a.C.)<br />

149<br />

Foi praticamente no final do período helenístico que floresceu o<br />

maior filósofo romano, Tito Lucrécio Caro. Pouco se sabe sobre sua<br />

vi<strong>da</strong>, apenas que nasceu em Roma, onde foi educado e que era<br />

alguns anos mais moço do que os contemporâneos Cícero e Júlio<br />

César.<br />

Lucrécio é hoje considerado não só um grande poeta romano,<br />

mas também o mais perfeito expoente <strong>da</strong> escola atomista de grande<br />

importância para a filosofia. Foi continuador de Epicuro e estava<br />

familiarizado com as obras de Demócrito, Anaxágoras e muitos<br />

outros sábios gregos.<br />

Os dois primeiros e o quinto livro de sua obra De Rerum Natura<br />

(Da natureza <strong>da</strong>s coisas) apresentam interesse para o cientista <strong>da</strong><br />

atuali<strong>da</strong>de, por tratarem de problemas de permanente importância<br />

para a humani<strong>da</strong>de. O titulo desse famoso poema revela o interesse<br />

que votava à filosofia natural, e há indícios de ter sido também um<br />

mestre e um reformador. Combateu a superstição e propôs<br />

vigorosamente o racionalismo, sem ser contudo, irreverente.<br />

PTOLOMEU PTOLOMEU (85 – 165 d.C.)<br />

A obra mais importante de Cláudio<br />

Ptolomeu – Syntaxis mathematica<br />

(Coleção <strong>Matemática</strong>) – chama<strong>da</strong> mais<br />

tarde pelos árabes de Almagesto (o maior)<br />

em essência era um trabalho de<br />

trigonometria e astronomia que tinha por<br />

objetivo descrever matematicamente o<br />

movimento do sistema solar, usando a<br />

teoria geocêntrica.<br />

De forma resumi<strong>da</strong> tem-se, a seguir, o<br />

conteúdo dos treze livros que compõem a obra:<br />

- Livros I e II: Incluem preliminares ao sistema Ptolomaico, com<br />

explicações gerais sobre os diferentes corpos celestes em relação à<br />

Terra como centro, proposições sobre geometria esférica, assim<br />

como uma tábua de cor<strong>da</strong>s e seus métodos de cálculo.<br />

- Livro III: Traz informações sobre a duração do ano e o movimento<br />

do Sol.<br />

150<br />

- Livro IV: São focaliza<strong>da</strong>s as durações dos meses e uma teoria<br />

sobre a Lua.<br />

- Livro V: Contém a construção do astrolábio e mais materiais sobre<br />

a teoria <strong>da</strong> Lua.<br />

- Livro VI: Revela informações sobre conjunção e oposições do Sol<br />

e <strong>da</strong> Lua, eclipses solares e lunares e seus períodos.<br />

- Livros VII e VIII: catálogos de 1028 estrelas fixas.<br />

- Livros IX a XIII: São dedicados ao estudo do movimento dos<br />

cinco planetas.<br />

Trigonometria<br />

Ptolomeu construiu uma tabela ou tábua de cor<strong>da</strong>s, em notação<br />

sexagesimal dos mesopotâmios, variando o ângulo α de 0,5º em<br />

0,5º, de 0 a 180º. Dividiu a circunferência em 360 partes, o diâmetro<br />

em 120 partes e ca<strong>da</strong> uma dessas partes era dividi<strong>da</strong> em 60 partes<br />

chama<strong>da</strong>s partes minutae primae e ca<strong>da</strong> umas dessas era dividi<strong>da</strong> em<br />

60 partes chama<strong>da</strong>s partes minutae secun<strong>da</strong>e. Daí os nomes minutos<br />

e segundos ain<strong>da</strong> usados atualmente.<br />

Segue um roteiro de como Ptolomeu construiu a tabela de<br />

cor<strong>da</strong>s, porém com as notações atuais. Essa construção encontra-se<br />

no Livro I do Almagesto.<br />

Considera-se C n a cor<strong>da</strong> de<br />

°<br />

α =<br />

n<br />

360 , do círculo com raio 60, ou<br />

360 °<br />

seja, Cn = crd .<br />

n<br />

Teorema de Ptolomeu<br />

B<br />

A<br />

E<br />

C<br />

D<br />

Se ABCD é um quadrilátero inscrito numa<br />

circunferência de raio 60, então a soma dos<br />

produtos dos lados opostos é igual ao<br />

produto <strong>da</strong>s diagonais, ou seja,<br />

AB . CD + BC.<br />

AD = AC.<br />

BD .


151<br />

Para demonstrar esse fato, considera-se um ponto E sobre a diagonal<br />

AC de modo que o ângulo A BE<br />

)<br />

seja igual ao ângulo D BC<br />

)<br />

.<br />

Desse modo os triângulos BCE e BDA são semelhantes, pois os<br />

ângulosC BE<br />

)<br />

e A BD<br />

)<br />

são iguais (por construção) e os ângulos<br />

B CA<br />

) e B DA<br />

) são iguais (referem-se ao mesmo arco). Logo<br />

BC CE<br />

= ou AD . BC = CE.<br />

BD (i). De modo análogo os<br />

BD AD<br />

triângulos BAE e BDC são semelhantes, pois os ângulos assinalados<br />

em B são iguais e ain<strong>da</strong> os ângulos B AC<br />

)<br />

e B DC<br />

)<br />

também são<br />

iguais( referem-se ao mesmo arco).<br />

AB AE<br />

Logo = ⇒ AB . CD = AE.<br />

BD (ii).<br />

BD CD<br />

Somando (i) e (ii), tem-se: AD . BC + AB.<br />

CD = CE.<br />

BD + AE.<br />

BD =<br />

= ( CE + AE ). BD = AC.<br />

BD . Logo; AB . CD + BC.<br />

AD = AC.<br />

BD .<br />

Cor<strong>da</strong> <strong>da</strong> diferença<br />

Ptolomeu demonstrou a seguir que, <strong>da</strong>dos dois arcos e suas<br />

cor<strong>da</strong>s, pode-se encontrar a cor<strong>da</strong> do arco diferença em termos <strong>da</strong>s<br />

cor<strong>da</strong>s dos arcos <strong>da</strong>dos.<br />

Na figura são <strong>da</strong><strong>da</strong>s as cor<strong>da</strong>s DB e<br />

AC, e procura-se BC. Traçando o<br />

diâmetro AD, pode-se encontrar as<br />

cor<strong>da</strong>s suplementares pelo teorema de<br />

Pitágoras, e, o teorema de Ptolomeu<br />

garante que AB.CD + BC.AD = AC.BD.<br />

Como AD = 120, temos 120BC =<br />

AC.BD – AB.CD, que fornece BC pois,<br />

o segundo membro é conhecido.<br />

Chamando os arcos AB de α e AC de β tem-se BC = β - α .<br />

Assim 120 ( β − α)<br />

= crdβ.<br />

crd(<br />

180°<br />

− α)<br />

− crdα.<br />

crd ( 180°<br />

− β)<br />

crdβ.<br />

crd<br />

seja, ( )<br />

( 180° − α)<br />

crdα.<br />

crd(<br />

180°<br />

− β)<br />

crd β − α =<br />

−<br />

.<br />

crd , ou<br />

120<br />

120<br />

Como aplicação tem-se, por exemplo: crd72° = 70; 32 ,3 e<br />

crd60° = 60, logo crd12° = crd(72° – 60°) .<br />

152<br />

Analogamente, Ptolomeu deduziu as fórmulas para o cálculo de<br />

cor<strong>da</strong>s para o arco metade de um arco <strong>da</strong>do e <strong>da</strong> soma de dois arcos<br />

2 α<br />

<strong>da</strong>dos, ou seja, crd = 60.<br />

( 120 − crd(<br />

180 − α)<br />

) e<br />

2<br />

120 . crd 180°<br />

− α + β = crd 180 − α . crd 180 − β − crdα.<br />

crdβ<br />

( ( ) ) ( ) ( ) .<br />

Com os resultados anteriores, Ptolomeu construiu sua tábua de<br />

cor<strong>da</strong>s com bastante precisão, conforme cálculos relacionados<br />

abaixo:<br />

• cor<strong>da</strong> de 120º, usando os teoremas de Tales e de Pitágoras;<br />

• cor<strong>da</strong> de 60º, usando o raio do círculo;<br />

• cor<strong>da</strong>s de 72º e 36º, a partir <strong>da</strong> construção do pentágono e do<br />

decágono regulares, inscritos numa circunferência;<br />

• cor<strong>da</strong>s dos suplementares de 72º e 36º, usando os teoremas de<br />

Tales e de Pitágoras;<br />

• cor<strong>da</strong> de 12º = (72º-60º), utilizando-se <strong>da</strong> cor<strong>da</strong> <strong>da</strong> diferença;<br />

• cor<strong>da</strong>s de 6º, 3º, 1º30’ e 45º usando a fórmula do arco metade;<br />

• cor<strong>da</strong> de 1º, por interpolação linear.<br />

Sistema geocêntrico<br />

O sistema de<br />

Ptolomeu era uma<br />

representação<br />

geométrica dos<br />

movimentos<br />

celestes que não<br />

se preocupava em<br />

<strong>da</strong>r uma imagem<br />

exata do<br />

ver<strong>da</strong>deiro<br />

universo. Adotou<br />

o modelo geocêntrico e precisou conceber os chamados epiciclos<br />

para explicar o movimento aparente dos planetas entre as estrelas<br />

fixas.<br />

Tal modelo produzia resultados práticos, razoavelmente<br />

concor<strong>da</strong>ntes com as observações e isso ajudou a fazer do


153<br />

geocentrismo, até o trabalho de Copérnico, uma doutrina acima de<br />

qualquer contestação. Durante 1400 anos foi o guia <strong>da</strong> astronomia<br />

teórica e não importava quais fossem as opiniões de ca<strong>da</strong> um sobre a<br />

constituição do universo, o sistema de Ptolomeu era quase<br />

universalmente aceito.<br />

Ptolomeu aperfeiçoou muitos cálculos que fora destaque na<br />

obra de Hiparco: distâncias do Sol e <strong>da</strong> Lua, catálogo de 1028<br />

estrelas e um estudo sobre a precessão dos equinócios. As<br />

contribuições originais referem-se aos planetas e à construção de<br />

instrumentos de observações, tais como o astrolábio.<br />

Outros trabalhos de Ptolomeu<br />

Além de suas realizações científicas, Ptolomeu escreveu sobre<br />

vários outros assuntos, inclusive um minucioso tratado sobre<br />

astrologia. Numa obra perdi<strong>da</strong>, sobre geometria, realizou a primeira<br />

de uma interminável série de tentativas para provar o postulado<br />

154<br />

euclidiano <strong>da</strong>s paralelas, tentativa essa que, naturalmente estava<br />

predestina<strong>da</strong> ao fracasso.<br />

Num grande tratado de geografia, quase tão importante como o<br />

Almagesto, descreveu as regiões conheci<strong>da</strong>s <strong>da</strong> Terra indicando a<br />

latitude e a longitude de na<strong>da</strong> menos de 5.000 locali<strong>da</strong>des. Além <strong>da</strong><br />

posição, deu também a duração máxima do dia para 39 pontos <strong>da</strong><br />

Índia. Vários métodos de projeção, a estereográfica, por exemplo,<br />

foram por ele estu<strong>da</strong>dos ao resolver questões sobre o traçado de<br />

mapas.<br />

Escreveu também sobre acústica e óptica e nesse campo, tratou<br />

especialmente <strong>da</strong> refração, realizando o que foi chamado “o<br />

primeiro exemplo de uma série de experimentos fora do âmbito <strong>da</strong><br />

astronomia”, em que descobriu a lei do desvio dos raios luminosos<br />

em direção à perpendicular, ao passarem de um meio transparente<br />

menos denso para outro de maior densi<strong>da</strong>de.<br />

Inventou, ain<strong>da</strong>, um aparelho simples para medir os ângulos de<br />

incidência e de reflexão. Aceitou a idéia de Platão, de que a visão se<br />

deve ao encontro dos raios que partem do olho com os que<br />

procedem do objeto.<br />

HERON HERON HERON (75 – 150 d.C.)<br />

Heron de Alexandria é conhecido, sobretudo, pela fórmula<br />

K = p p − a p − b p − c que tem o seu nome e é usa<strong>da</strong> para<br />

( )( )( )<br />

encontrar a área de triângulos de lados a, b, c e perímetro<br />

2p = a + b + c.<br />

A demonstração dessa fórmula encontra-se em A Métrica, uma<br />

de suas obras mais importantes que, a exemplo de O Método de<br />

Arquimedes ficou perdi<strong>da</strong> durante muito tempo, até ser redescoberta<br />

em Constantinopla em 1896 num manuscrito de 1100.<br />

Embora atualmente seja, em geral, demonstra<strong>da</strong> por<br />

trigonometria, a fórmula de Heron é convencionalmente geométrica.<br />

Os trabalhos de Heron atestam que nem to<strong>da</strong> a matemática na<br />

Grécia era do tipo “clássico” como Os Elementos de Euclides ou As<br />

Cônicas de Apolônio. Influências de outras culturas são observa<strong>da</strong>s<br />

em vários aspectos, por exemplo, o uso de frações unitárias<br />

(egípcias) e a tabulação (mesopotâmia) <strong>da</strong>s áreas An dos polígonos


155<br />

regulares de n lados em termos do quadrado de um lado sn,<br />

13 2<br />

45 2<br />

começando com A 3 = s3<br />

e indo até A12<br />

= s12<br />

.<br />

30<br />

4<br />

Em A Geométrica Heron resolve alguns problemas sobre<br />

mensuração, inclusive envolvendo grandezas de naturezas<br />

diferentes, algo já discutido e suprimido por Eudoxo. Um problema,<br />

por exemplo, pede o diâmetro, o perímetro e a área de um círculo,<br />

<strong>da</strong><strong>da</strong> a soma dessas três grandezas. De um ponto de vista numérico<br />

não crítico, o problema faz sentido. Além disso, Heron não resolveu<br />

o problema em termos gerais; sua solução foi como as receitas<br />

antigas, em que só os passos, sem razoes, são <strong>da</strong>dos.<br />

Lei <strong>da</strong> Reflexão<br />

Heron se interessava por todo tipo de mensuração, em especial<br />

na óptica, na mecânica ou na geodésia. A lei de reflexão <strong>da</strong> luz já<br />

era conheci<strong>da</strong> por Euclides e Aristóteles (possivelmente também por<br />

Platão), mas foi Heron quem mostrou por um argumento geométrico<br />

simples, numa obra chama<strong>da</strong> Catóptrica (ou reflexão), que a<br />

igual<strong>da</strong>de dos ângulos de incidência e reflexão é uma conseqüência<br />

do princípio aristotélico que diz que a natureza na<strong>da</strong> faz do modo<br />

mais difícil. Isto é, se a luz deve ir de uma fonte S a um espelho<br />

MM’ e, então ao olho E de um observador, o caminho mais curto<br />

possível SPE é aquele em que os ângulos SPM e EPM’ são iguais.<br />

156<br />

A prova de que nenhum outro caminho SP’E pode ser mais<br />

curto que SPE fica claro, traçando-se a reta SQS’, perpendicular a<br />

MM’, com SQ = QS’, e comparando o caminho SPE com o caminho<br />

SP’E. Como os caminhos SPE e SP’E são de comprimentos iguais<br />

aos caminhos S’PE e S’P’E respectivamente, e como S’PE é uma<br />

reta (porque o ângulo M’PE é igual ao ângulo MPS), resulta que<br />

S’PE é o caminho mais curto.<br />

Heron é lembrado também como inventor de um tipo primitivo<br />

de máquina a vapor, descrita em Pneumática; de um precursor do<br />

termômetro e de vários brinquedos e engenhos mecânicos baseados<br />

nas proprie<strong>da</strong>des dos fluidos e em leis <strong>da</strong>s máquinas simples. Seu<br />

nome está ligado, ain<strong>da</strong>, ao “algoritmo de Heron” para encontrar<br />

raízes quadra<strong>da</strong>s, mas esse método de iteração era na ver<strong>da</strong>de devido<br />

aos mesopotâmios.<br />

Embora com claras influências dos mesopotâmios, Heron não<br />

adotou o sistema de base 60 e nem avaliou a importância do<br />

princípio posicional <strong>da</strong>s frações. As frações sexagesimais tinham se<br />

tornado o instrumento usual dos astrônomos e físicos, mas<br />

continuavam pouco familiares para o homem comum. Heron,<br />

escrevendo para o homem prático, parece ter preferido as frações<br />

unitárias egípcias. Ao dividir 25 por 13, deu a resposta como<br />

1 1 1<br />

1 + + + . Essa preferência por frações unitárias continuaria na<br />

2<br />

3<br />

78<br />

Europa pelo menos mil anos depois de Heron.<br />

Alguns métodos de Heron confirmam o seu conhecimento <strong>da</strong><br />

trigonometria de Hiparco e do princípio <strong>da</strong>s coordena<strong>da</strong>s. Calculava<br />

áreas de regiões irregulares somando as áreas de retângulos<br />

inscritos, processo esse, que correspondia ao atual emprego do papel<br />

quadriculado<br />

Problemas de torneiras.<br />

Encontra-se em Heron problemas veneráveis como os dos canos<br />

ou de torneiras. “Um recipiente é enchido por um cano no tempo t1<br />

e por outro no tempo t2. Quanto tempo será preciso para enchê-lo,<br />

estando os dois canos abertos?”


157<br />

Heron definiu, ain<strong>da</strong>, os triângulos esféricos e demonstrou<br />

teoremas simples a seu respeito: por exemplo, que a soma dos<br />

ângulos está compreendi<strong>da</strong> entre 180° e 540°. Determinou o volume<br />

de sólidos irregulares medindo a quanti<strong>da</strong>de de água por esses<br />

desloca<strong>da</strong>.<br />

Finalmente ficaria conhecido como o primeiro a usar números<br />

imaginários ao ter, por equívoco, introduzido num cálculo a<br />

quanti<strong>da</strong>de 63<br />

− e que habilmente trocou por 63 .<br />

DIOFANTO DIOFANTO (século III d.C.)<br />

Diofanto de Alexandria é freqüentemente chamado de o pai <strong>da</strong><br />

álgebra, mas veremos que tal designação não deve ser toma<strong>da</strong><br />

literalmente. Sua obra não é de modo algum o tipo de material que<br />

forma a base <strong>da</strong> álgebra elementar moderna; nem se assemelha à<br />

álgebra geométrica de Euclides.<br />

Pouco se sabe sobre a vi<strong>da</strong> de Diofanto e a sua principal obra é<br />

A Arithmética, tratado originalmente composto de treze livros, dos<br />

quais somente os seis primeiros se preservaram.<br />

A Arithmética era caracteriza<strong>da</strong> por um alto grau de habili<strong>da</strong>de e<br />

engenhosi<strong>da</strong>de matemáticas, que poderia ser equipara<strong>da</strong> aos grandes<br />

clássicos <strong>da</strong> I<strong>da</strong>de Alexandrina anterior. No entanto, quase na<strong>da</strong> tem<br />

em comum com esses ou, na ver<strong>da</strong>de, com qualquer matemática<br />

grega tradicional. Representou essencialmente um novo ramo e usou<br />

um método diferente.<br />

Como Diofanto se dedicou, em A Arithmética, à resolução de<br />

equações, tanto determina<strong>da</strong>s quanto indetermina<strong>da</strong>s e devido à<br />

ênfase <strong>da</strong><strong>da</strong> à solução de problemas indeterminados, o assunto, às<br />

vezes chamado análise indetermina<strong>da</strong>, tornou-se conhecido como<br />

análise diofantina.<br />

Como esse tipo de trabalho atualmente é parte integrante de<br />

disciplinas sobre teoria dos números e não de álgebra, faltam<br />

argumentos para considerar Diofanto como pai <strong>da</strong> álgebra.<br />

Considera-se em geral, que podem ser reconhecidos três<br />

estágios no desenvolvimento histórico <strong>da</strong> álgebra: o primitivo ou<br />

retórico, em que tudo é completamente escrito em palavras; um<br />

estágio intermediário, sincopado, em que são adota<strong>da</strong>s algumas<br />

158<br />

abreviações; e um estágio simbólico ou final. A Arithmética deve ser<br />

coloca<strong>da</strong> na segun<strong>da</strong> categoria.<br />

Nos seis livros preservados faz-se uso sistemático de<br />

abreviações para potências de números e para relações e operações.<br />

Um número desconhecido é representado por um símbolo parecido<br />

ν<br />

com a letra grega δ , o quadrado disso aparece como ∆ , o cubo<br />

ν<br />

como Κ , a quarta potência dita quadrado-quadrado como ∆ ∆<br />

ν<br />

, a<br />

ν<br />

quinta potência ou quadrado-cubo como ∆Κ e a sexta potência ou<br />

ν<br />

cubo-cubo como ΚΚ .<br />

Diofanto naturalmente conhecia regras de combinação<br />

equivalentes a nossas leis sobre expoentes e tinha nomes especiais<br />

para os recíprocos <strong>da</strong>s seis primeiras potências <strong>da</strong>s incógnitas,<br />

quanti<strong>da</strong>des equivalentes às potências negativas. Coeficientes<br />

numéricos eram escritos depois dos símbolos para as potências a que<br />

estavam associados: a adição era indica<strong>da</strong> por justaposição adequa<strong>da</strong><br />

dos símbolos para ca<strong>da</strong> termo e a subtração representa<strong>da</strong> por uma<br />

abreviação de uma só letra coloca<strong>da</strong> antes dos termos a serem<br />

subtraídos ou ain<strong>da</strong> o símbolo ↑ . Com essa notação Diofanto podia<br />

escrever polinômios numa incógnita quase concisamente quanto<br />

atualmente.<br />

4 3 2<br />

Exemplo: 3x<br />

+ 2x<br />

− 3x<br />

+ 4x<br />

−1<br />

se escrevia<br />

∆ ∆γ<br />

ν<br />

o<br />

ν ν<br />

K β ↑ ∆ γδδ ↑ M α sendo o<br />

M a uni<strong>da</strong>de.<br />

A Arithmética não fazia uma exposição sistemática sobre as<br />

operações algébricas ou funções algébricas, em vez disso,<br />

apresentava uma coleção de 150 problemas, todos enunciados em<br />

termos de exemplos numéricos específicos, embora, talvez,<br />

pretendendo conseguir generali<strong>da</strong>de de método.<br />

Nos problemas que requerem duas incógnitas, admitiu-se<br />

apenas uma de ca<strong>da</strong> vez e para equações do segundo grau, só<br />

encontrou uma raiz, mesmo quando as duas eram positivas. No seu<br />

modo de ver, os números negativos eram destituídos de reali<strong>da</strong>de.<br />

Evitou as quanti<strong>da</strong>des irracionais e admitiu, entretanto, os resultados<br />

fracionários e, com efeito, Diofanto foi o primeiro matemático na<br />

Grécia a considerar as frações como números e não uma razão entre<br />

duas grandezas.


159<br />

Exemplo de problema apresentado e resolvido por Diofanto:<br />

“Encontrar dois números tais que um deles somado ao quadrado do<br />

outro resultará um quadrado”.<br />

2 2<br />

Solução de Diofanto com notações atuais: x + y = z<br />

2<br />

2 3<br />

19<br />

x + ( 2x<br />

+ 1)<br />

= ( 2x<br />

− 2)<br />

⇒ x = , o outro número 2 x + 1 = .<br />

13<br />

13<br />

Quanto aos procedimentos empregados por Diofanto com<br />

relação às equações pode-se afirmar que:<br />

• Resolvia completamente as equações do primeiro grau com<br />

raízes positivas, mostrando notável habili<strong>da</strong>de na redução de<br />

equações simultâneas a uma única e de uma só incógnita;<br />

• Possuía um método geral para a solução <strong>da</strong>s equações do<br />

segundo grau, mas só o empregava para a obtenção de uma<br />

única raiz positiva;<br />

• Mais notáveis ain<strong>da</strong> que as próprias soluções foram os<br />

engenhosos métodos pelos quais evitou equações que sabia ser<br />

incapaz de resolver.<br />

Até onde vai a originali<strong>da</strong>de dos seus trabalhos não se pode<br />

determinar com exatidão, o certo é que Diofanto conseguiu separar a<br />

geometria <strong>da</strong> álgebra e merece o título de grande matemático. Um<br />

fato notável é que Fermat, no século XVII, foi levado ao seu célebre<br />

“grande” ou “último” teorema quando procurou generalizar um<br />

problema de A Arithmética de Diofanto: dividir um <strong>da</strong>do quadrado<br />

em dois quadrados.<br />

PAPUS PAPUS (século IV d.C.)<br />

Papus de Alexandria compôs uma obra chama<strong>da</strong> Synagoge<br />

(Coleção), por volta de 320 d.C., que tornou-se muito importante<br />

por várias razões. Em primeiro lugar fornece um registro histórico<br />

muito valioso de parte <strong>da</strong> matemática grega que, de outro modo, não<br />

seria conheci<strong>da</strong>. Por exemplo, é pelo Livro V <strong>da</strong> Coleção que se<br />

sabe <strong>da</strong> descoberta por Arquimedes dos treze poliedros semiregulares<br />

ou “sólidos arquimedianos”. Além disso, a Coleção<br />

contém novas provas e lemas suplementares para proposições <strong>da</strong>s<br />

160<br />

obras de Euclides, Arquimedes, Apolônio e Ptolomeu. Finalmente, o<br />

tratado contém descobertas e generalizações próprias.<br />

A Coleção era composta por oito livros, porém o primeiro livro<br />

e a primeira parte do segundo se perderam. O Livro III mostra que<br />

Papus compartilhava totalmente <strong>da</strong> clássica apreciação grega pelas<br />

sutilezas <strong>da</strong> precisão lógica em geometria. Fazia distinção clara<br />

entre problemas planos, sólidos e lineares – os primeiros sendo<br />

construtíveis com retas e círculos apenas, os segundos resolúveis por<br />

uso de secções cônicas e os terceiros exigindo outras curvas que não<br />

retas, círculos ou cônicas.<br />

A seguir, Papus descreveu algumas soluções dos três famosos<br />

problemas de construção, sendo que a duplicação do cubo e a<br />

trissecção do ângulo seriam problemas <strong>da</strong> segun<strong>da</strong> categoria, isto é,<br />

sólidos, e a quadratura do círculo um problema linear. Afirmou ser<br />

impossível resolver os problemas clássicos sob as condições<br />

platônicas, ou seja, com régua e compasso apenas, pois não estão<br />

entre os problemas planos. Papus não provou essa afirmação, mas<br />

percebeu a dificul<strong>da</strong>de dos problemas que só teriam provas rigorosas<br />

no século XIX.<br />

Trissecções propostas por Papus<br />

1. Seja AOB um ângulo, num círculo com centro O, cuja<br />

bissetriz é OC.<br />

O<br />

B<br />

.<br />

C<br />

T<br />

A<br />

Traça-se a hipérbole tendo A como um foco, OC como a diretriz<br />

correspondente e com excentrici<strong>da</strong>de igual a 2. Então um ramo<br />

dessa hipérbole cortará a circunferência do círculo num ponto T tal<br />

que o ângulo AOT é um terço do ângulo AOB.


161<br />

2. Seja o ângulo AOB cujo lado OB é uma diagonal do retângulo<br />

ABCO. Por A traça-se a hipérbole eqüilátera tendo BC e OC<br />

(prolongados) como assíntotas.<br />

Sendo A o centro e o<br />

raio duas vezes OB<br />

C B T<br />

traça-se um círculo que<br />

corta a hipérbole em P e<br />

Q<br />

P<br />

de P baixa-se a<br />

perpendicular PT a CB<br />

prolongado.<br />

O<br />

A<br />

Então, usando as<br />

proprie<strong>da</strong>des <strong>da</strong><br />

hipérbole, mostra-se<br />

que a reta que passa por<br />

O e T é paralela a AP e<br />

que o ângulo AOT é um<br />

terço do ângulo AOB.<br />

Extensão do teorema de Pitágoras<br />

Uma contribuição importante de Papus encontra-se no Livro IV <strong>da</strong><br />

Coleção. Trata-se <strong>da</strong> seguinte extensão do teorema de Pitágoras: Se<br />

ABC é um triângulo qualquer e se ABDE e CBGF são quaisquer<br />

paralelogramos construídos sobre dois dos lados, então pode-se<br />

E<br />

L<br />

D<br />

B<br />

A J<br />

H<br />

G<br />

K<br />

F<br />

162<br />

construir sobre o lado AC um terceiro paralelogramo ACKL com<br />

área igual a soma <strong>da</strong>s áreas dos dois anteriores.<br />

Isso se faz prolongando os lados FG e ED até se encontrarem em H,<br />

depois traçando HB e prolongando até encontrar o lado AC em J, e<br />

finalmente traçando AL e CK paralelos a HBJ.<br />

O Livro V <strong>da</strong> Coleção foi o favorito dos comentadores, porque<br />

levantava a questão <strong>da</strong> sagaci<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s abelhas. Tendo Papus<br />

mostrado que, de dois polígonos regulares de mesmo perímetro, o<br />

que tem maior número de lados tem maior área, ele concluiu que as<br />

abelhas provavam algum entendimento matemático, ao construir<br />

suas células como prismas hexagonais, em vez de quadrados ou<br />

triangulares. O livro examina outros problemas de isoperimetria,<br />

inclusive uma prova de que, para um perímetro <strong>da</strong>do, o círculo tem<br />

maior área que qualquer polígono regular.<br />

O livro VII contém o primeiro enunciado conhecido <strong>da</strong><br />

proprie<strong>da</strong>de foco-diretriz <strong>da</strong>s três secções cônicas. Apolônio<br />

conhecia as proprie<strong>da</strong>des focais para as cônicas, mas é possível que<br />

a proprie<strong>da</strong>de foco-diretriz não fosse conheci<strong>da</strong> antes de Papus.<br />

Outro teorema do livro VII que merece destaque, curiosamente<br />

recebe o nome de Paul Guldin, um matemático do século XVII: “se<br />

uma curva plana fecha<strong>da</strong> gira em torno de uma reta que não a corta,<br />

o volume do sólido gerado é obtido tomando o produto <strong>da</strong> área<br />

limita<strong>da</strong>, pela distância percorri<strong>da</strong> durante a revolução, pelo centro<br />

de gravi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> área”. Papus, com razão, se orgulhava desse<br />

teorema geral, que envolvia, simultaneamente, muitos tipos de<br />

curvas, superfícies e sólidos. E de fato esse foi o teorema mais geral,<br />

envolvendo o cálculo, encontrado na antigui<strong>da</strong>de.<br />

Papus provou também o teorema análogo ao anterior que diz<br />

que “a área <strong>da</strong> superfície gera<strong>da</strong> pela revolução de uma curva em<br />

torno de uma reta que não a corta é igual ao produto do<br />

comprimento <strong>da</strong> curva pela distância percorri<strong>da</strong> pelo centróide <strong>da</strong><br />

curva durante a revolução”.<br />

A Coleção de Papus foi o último tratado matemático antigo,<br />

realmente significativo. Obras matemáticas continuariam a ser<br />

escritas em grego por mais de mil anos, <strong>da</strong>ndo continui<strong>da</strong>de a uma<br />

influência inicia<strong>da</strong> há quase um milênio. Porém os autores que<br />

vieram depois de Papus jamais chegaram ao seu nível.


HIPATIA HIPATIA (370 – 415)<br />

163<br />

Hipatia de Alexandria, a primeira mulher matemática, era filha<br />

de Teon de Alexandria, autor de uma importante edição de os<br />

Elementos de Euclides e um Comentário, em onze livros, com a<br />

colaboração de Hipatia no segundo, sobre o Almagesto de Ptolomeu.<br />

Exímia professora, Hipatia lecionava matemática e filosofia.<br />

Suas aulas eram elogia<strong>da</strong>s e muito freqüenta<strong>da</strong>s. Os seus estudos<br />

incluíam, além de filosofia e matemática, astronomia, astrologia,<br />

geometria e medicina.<br />

Escreveu Comentários sobre seis dos trezes livros de A<br />

Arithmética de Diofanto, que só não se perderam por esse motivo. O<br />

mesmo se deu com As Cônicas de Apolônio, onde quatro dos oito<br />

livros tiveram seus Comentários. Teve uma morte trágica, envolvi<strong>da</strong><br />

em muito mistério. Consta que, por ser pagã, foi assassina<strong>da</strong> por<br />

cristãos.<br />

PROCLO PROCLO (410 – 485)<br />

Proclo de Alexandria, jovem estudioso de matemática e<br />

filosofia, foi para Atenas onde se tornou chefe <strong>da</strong> escola<br />

neoplatônica. Já destacamos a importância, como fonte histórica, de<br />

seu Comentário sobre o livro I de Os Elementos de Euclides.<br />

Enquanto o escrevia, Proclo certamente tinha à mão um exemplar <strong>da</strong><br />

<strong>História</strong> <strong>da</strong> Geometria de Eudemo, agora perdi<strong>da</strong>. A inclusão em<br />

seu Comentário de um sumário ou extrato substancial <strong>da</strong> <strong>História</strong> de<br />

Eudemo, chamado sumário eudemiano, foi considera<strong>da</strong> a sua<br />

principal contribuição à matemática.<br />

BOÉCIO BOÉCIO (475 – 524 d.C.)<br />

Boécio de Roma foi autor <strong>da</strong>s famosas Consolações <strong>da</strong><br />

Filosofia, a última obra <strong>da</strong> literatura romana. Escreveu também os<br />

livros Da Música e Da Aritmética, que por muito tempo foram os<br />

representantes <strong>da</strong> matemática grega no mundo medieval. Da Música<br />

foi usado como manual até o século XVIII e Da Aritmética<br />

considerado o padrão do ensino matemático.<br />

164<br />

Durante sua carreira de homem público, Boécio interessou-se<br />

pela reforma <strong>da</strong> moe<strong>da</strong> e pela introdução dos relógios de água e dos<br />

quadrantes solares. Sua geometria constava apenas de algumas <strong>da</strong>s<br />

proposições mais simples dos quatro primeiros livros de Euclides,<br />

com algumas demonstrações, e aplicações aos processos de<br />

medição.<br />

Assim começava Da Aritmética de Boécio: por todos os<br />

homens de reputação antiga que, emulando a fama de Pitágoras, se<br />

distinguiram pelo intelecto puro, foi sempre considerado coisa<br />

assente que ninguém poderá alcançar a suprema perfeição <strong>da</strong>s<br />

doutrinas filosóficas, se não buscar os píncaros do saber numa<br />

certa encruzilha<strong>da</strong> – o quadrívium.<br />

Para Boécio as coisas do universo seriam descontínuas (grupos)<br />

ou contínuas (grandezas). Os grupos são representados por números,<br />

e por suas relações com a música; as grandezas em repouso são<br />

estu<strong>da</strong><strong>da</strong>s pela geometria e as em movimento pela astronomia.<br />

Desse modo, as sete artes liberais seriam constituí<strong>da</strong>s por<br />

quadrívium (aritmética, música, geometria e astronomia) e trivium<br />

(gramática, dialética e retórica).<br />

Boécio traduziu para o latim obras de Ptolomeu, Nicômaco,<br />

Euclides, Arquimedes e Aristóteles, contribuindo assim com a<br />

divulgação <strong>da</strong> cultura grega na Europa Ocidental. Cristão pela fé e<br />

pagão pela cultura, Boécio tem sido chamado “a parte que une a<br />

antigui<strong>da</strong>de aos tempos modernos”, “o último dos romanos e o<br />

primeiro dos escolásticos”.<br />

Exercícios<br />

Exercícios<br />

1. Explique o fato de ser o período do desenvolvimento <strong>da</strong><br />

trigonometria grega um período de declínio <strong>da</strong> geometria grega?<br />

2. Por que os antigos preferiam um sistema astronômico geocêntrico<br />

a um heliocêntrico?<br />

3. Prove a fórmula de Heron para a área de um triângulo.<br />

4. Escreva em notação grega a cor<strong>da</strong> de 45°.


165<br />

5. Encontre, sem tabelas, o sen15° e usando isso, escreva em<br />

notação alfabética grega o valor de Ptolomeu para a cor<strong>da</strong> de 30°.<br />

6. Se você fosse um matemático vivendo em 500 d.C., escolheria<br />

Alexandria, Roma, Atenas ou Constantinopla para viver? Dê razões<br />

para sua escolha.<br />

7. Prove a extensão de Papus do teorema de Pitágoras.<br />

166


EUROPA EUROPA NA NA IDADE IDADE IDADE MÉDIA, MÉDIA,<br />

MÉDIA,<br />

CHINA, CHINA, CHINA, ÍNDIA ÍNDIA ÍNDIA E E E ARÁBIA ARÁBIA<br />

ARÁBIA<br />

“Durante a I<strong>da</strong>de Média o brilho estava no Oriente” (o autor)<br />

167<br />

Apesar dos que procuram reabilitar a I<strong>da</strong>de Média, quando o<br />

foco é a Europa Ocidental, ela continua sendo a i<strong>da</strong>de obscura, a<br />

i<strong>da</strong>de <strong>da</strong> ignorância e <strong>da</strong>s trevas, principalmente no período entre os<br />

séculos V e XII.<br />

Pelo fato de encontrarmos, de cem em cem anos, um Sto.<br />

Agostinho, um Sto. Anselmo, um Duns Scoto ou um Fibonacci, nem<br />

por isso deixa de ser a I<strong>da</strong>de Média um longo período de ver<strong>da</strong>deira<br />

passivi<strong>da</strong>de intelectual e absoluta ausência de qualquer idéia<br />

criadora.<br />

O cristianismo impregnara de sua essência mística e irreal todos<br />

os espíritos. A cultura universal desaparecera praticamente. Deus e a<br />

essência divina do Cristo eram o único objetivo digno de estudo.<br />

Nele sintetizaram to<strong>da</strong> a ciência e to<strong>da</strong> a filosofia.<br />

A natureza e o mundo haviam-se tornado irreais. Os homens<br />

viraram os olhos para dentro procurando Deus. O mundo era apenas<br />

um castigo, uma provação com que o homem se conformava e que<br />

devia durar o menos possível para mais depressa penetrar no céu.<br />

Na<strong>da</strong> poderia alterá-lo ou modificar sua marcha.<br />

Para compreender as razoes dessa ausência de espírito criador,<br />

quer na ciência, quer na filosofia e mesmo na literatura, será preciso<br />

penetrar no espírito desses longos séculos e, indo mais além, nas<br />

próprias raízes <strong>da</strong> I<strong>da</strong>de Média, que se encontram nos escombros do<br />

Império Romano.<br />

Confundindo-se com as ruínas do Império, encontra-se também,<br />

as raízes do cristianismo que, nascendo no seio de um pequeno povo<br />

<strong>da</strong> Ásia Menor quase sem papel na história, chegou a ter influência<br />

primordial quase absoluta no caráter econômico, político e espiritual<br />

<strong>da</strong> Europa inteira, durante cerca de mil anos.<br />

168<br />

A destruição do Império<br />

Não importa muito aqui analisar as causas <strong>da</strong> decadência e<br />

esfacelamento do Império, assunto tão polêmico. Destaca-se apenas,<br />

de passagem, que a invasão dos bárbaros, ou melhor, a vitória dos<br />

bárbaros sobre Roma com a vitória do cristianismo sobre o<br />

paganismo, a que se atribui freqüentemente a dissolução do Império,<br />

não foram senão suas causas imediatas.<br />

As ver<strong>da</strong>deiras causas encontravam-se dentro do próprio<br />

Império, e estavam, sem dúvi<strong>da</strong>, nas contradições econômicas e<br />

políticas características dos últimos três séculos de sua história.<br />

Entre essas contradições destacava-se a escravidão e as suas<br />

conseqüências. Os escravos romanos em na<strong>da</strong> se pareciam com os<br />

escravos negros <strong>da</strong> América. Eram, em geral, eram cultos e tinham<br />

consciência de sua condição e, por isso mesmo, não se<br />

conformavam com ela. Daí uma série de rebeliões (a de Espartacus,<br />

por exemplo) que tornavam inseguros e pouco produtivos os<br />

trabalhos do campo e <strong>da</strong> produção em geral.<br />

A existência <strong>da</strong> escravidão, por outro lado, tornava o trabalho<br />

indigno do homem livre. Lá, onde a escravidão é a forma<br />

dominante <strong>da</strong> produção, afirmava Engels, o trabalho torna-se<br />

ativi<strong>da</strong>de própria do escravo, desonroso para o homem livre.<br />

Graças a esse fato, fica excluí<strong>da</strong> qualquer possibili<strong>da</strong>de de<br />

abandonar tal modo de produção, enquanto que, por outro lado,<br />

sua supressão torna-se necessária a fim de que a escravidão deixe<br />

de ser um obstáculo no desenvolvimento <strong>da</strong> produção.<br />

Outra causa foi, sem dúvi<strong>da</strong>, a expansão demasiado rápi<strong>da</strong> do<br />

Império e <strong>da</strong>s dificul<strong>da</strong>des <strong>da</strong> administração e <strong>da</strong> manutenção de<br />

uma burocracia complica<strong>da</strong> e exigente. Com as dificul<strong>da</strong>des do<br />

trabalho escravo, os grandes proprietários abandonavam suas terras,<br />

na Itália, para viver <strong>da</strong> exploração dos países conquistados.<br />

Quando os germanos invadiram Roma, encontraram um povo<br />

empobrecido, escravos fugidos desocupados pelas ci<strong>da</strong>des,<br />

pequenos lavradores sobrecarregados de dívi<strong>da</strong>s e arruinados, um<br />

proletariado esfarrapado e faminto, todos ansiosos por uma nova<br />

ordem social, e que, por isso mesmo, não deviam estar muito<br />

interessados em repelir os bárbaros.


169<br />

O cristianismo<br />

Segundo Guingnebert, uma religião, qualquer que ela seja, não<br />

cai prontinha do céu, nasce de uma iniciativa particular ou de uma<br />

necessi<strong>da</strong>de geral. E quando deixa de corresponder aos interesses e<br />

às necessi<strong>da</strong>de de um povo, ele busca outra.<br />

O cristianismo levou alguns séculos para conquistar a Europa, e<br />

isso só se tornou possível quando o ambiente se tornou favorável.<br />

Os sol<strong>da</strong>dos, fartos de lutar, o povo, cansado de passar fome,<br />

buscaram uma saí<strong>da</strong> e encontraram consolo no cristianismo.<br />

Por outro lado, essa religião, pregando a submissão e a<br />

humil<strong>da</strong>de, serenando os ânimos do povo aflito e exaltado, viria do<br />

mesmo modo servir aos interesses dos novos senhores feu<strong>da</strong>is. Eis<br />

porque o cristianismo pode finalmente vencer as resistências que lhe<br />

opunha anteriormente um império em pleno florescimento.<br />

Espírito <strong>da</strong> I<strong>da</strong>de Média<br />

Esse misticismo a que se atirou o povo foi, ao mesmo tempo, a<br />

base e o conteúdo <strong>da</strong> filosofia medieval. O cristianismo foi, antes de<br />

tudo, um protesto contra um estado moral e social intolerável, mas<br />

um protesto, ao mesmo tempo, radical e ignorante.<br />

Em nome dos oprimidos, dos pobres, <strong>da</strong> massa sofredora, ele<br />

lançou seu desafio, não a esta ou àquela concepção filosófica, mas a<br />

to<strong>da</strong> a filosofia, não a uma socie<strong>da</strong>de mal organiza<strong>da</strong>, mas a to<strong>da</strong><br />

socie<strong>da</strong>de. Seria a negação absoluta <strong>da</strong> razão como <strong>da</strong> experiência e,<br />

de tal modo, envolveu os espíritos que se tornou a filosofia não só<br />

de um povo, mas de uma época.<br />

Esse espírito místico de abandono <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de e desprezo pelo<br />

mundo, evidencia-se muito bem nas palavras com que Sto.<br />

Agostinho procura justificar a casti<strong>da</strong>de. Respondendo à objeção,<br />

que alega ser a abstinência o fim do gênero humano, ele diz:<br />

Prouvera a Deus que todos estivessem de acordo: o mundo se<br />

acabaria mais depressa, e com a destruição <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de terrestre,<br />

mais depressa teríamos a ci<strong>da</strong>de celeste.<br />

Tem-se atribuído freqüentemente a Aristóteles a culpa <strong>da</strong><br />

ausência de qualquer progresso <strong>da</strong> ciência e <strong>da</strong> filosofia, desde que<br />

suas obras, traduzi<strong>da</strong>s por Boécio, foram sendo conheci<strong>da</strong>s,<br />

sobretudo a partir do século VII.<br />

170<br />

Mas a ver<strong>da</strong>de é que o grande filósofo não teve culpa de ter se<br />

tornado a Bíblia Cultural dos filósofos medievais. A causa real foi a<br />

estagnação completa <strong>da</strong> história, o estado <strong>da</strong>s relações sociais e<br />

econômicas, numa palavra, o feu<strong>da</strong>lismo, e o espírito místico que<br />

envolvera os homens.<br />

Não havia qualquer produção social e três classes principais<br />

vegetavam lentamente: os nobres, os camponeses e o clero. Os<br />

nobres, sem nenhuma aspiração social ou política, vivendo <strong>da</strong> sua<br />

proprie<strong>da</strong>de e para sua proprie<strong>da</strong>de, comiam embebe<strong>da</strong>vam-se e<br />

brigavam entre si. Apenas os camponeses trabalhavam e sua<br />

produção era individual, para sua família e para a família do senhor<br />

feu<strong>da</strong>l. Nenhum ideal, nenhum objetivo para além <strong>da</strong>s suas<br />

necessi<strong>da</strong>des imediatas, enquanto não chegava a hora de se juntar<br />

aos anjos do paraíso.<br />

Não havia preocupação com o saber, tanto que nobres e<br />

camponeses eram classes completamente incultas, pela<br />

desnecessi<strong>da</strong>de absoluta de qualquer instrução para o gênero de vi<strong>da</strong><br />

que levavam, nem mesmo do conhecimento <strong>da</strong> leitura. Os próprios<br />

reis (Carlos Magno, por exemplo) eram analfabetos. As ci<strong>da</strong>des,<br />

centros de vi<strong>da</strong>, de agitação, de cultura, haviam praticamente<br />

desaparecido.<br />

Somente o clero, sobretudo nos claustros e em particular os<br />

franciscanos e os dominicanos, estu<strong>da</strong>vam Aristóteles, Ptolomeu,<br />

Orígenes, Sto. Agostinho e Sto. Anselmo. Fora do terreno<br />

puramente metafísico e espiritual e <strong>da</strong> preocupação em torno de<br />

questões excessivamente transcendentais, o pouco que se sabia <strong>da</strong><br />

natureza vinha de Aristóteles ou dos árabes.<br />

A escolástica, que posteriormente se consolidou numa filosofia<br />

particular, oficial ou oficiosa <strong>da</strong> igreja, limitava-se então, ao ensino<br />

sistematizado, nas escolas, <strong>da</strong> teologia e <strong>da</strong>s chama<strong>da</strong>s sete artes<br />

liberais (ver Boécio).<br />

Carlos Magno (uma curiosa exceção)<br />

Embora o rei dos lombardos e dos francos fosse um homem de<br />

ação e de comportamento rude, <strong>da</strong>va muita importância ao<br />

desenvolvimento intelectual e ao enriquecimento <strong>da</strong> alma.<br />

Interessava-se pela música, pelas línguas e pela teologia, e seu


171<br />

interesse cresceu ain<strong>da</strong> mais quando ele se instalou em<br />

Aquisgrano, onde tinha mais tempo para se dedicar às ativi<strong>da</strong>des<br />

culturais.<br />

Com a aju<strong>da</strong> dos mestres, Carlos estudou retórica, dialética e<br />

astronomia. Tentou até mesmo aprender a escrever, mas, segundo<br />

diz seu biógrafo Eginardo, havia começado demasiado tarde e por<br />

isso obteve escassos resultados.<br />

Ansioso por difundir o conhecimento, fundou uma escola no<br />

palácio para a qual convidou os sábios de todo o reino. Embora a<br />

escola fosse freqüenta<strong>da</strong> principalmente pelos filhos dos nobres, as<br />

crianças de origem humilde também podiam se beneficiar, e muitas<br />

vezes até apresentavam os melhores resultados. Carlos, que sonhava<br />

poder um dia oferecer educação a todos em seu reino, aprovava a<br />

educação <strong>da</strong>s mulheres, atitude rara naquela época.<br />

A reputação <strong>da</strong> escola do palácio logo se espalhou, atraindo<br />

professores de to<strong>da</strong> a Europa. Entre eles, havia um que chamou a<br />

atenção do rei: era um monge inglês chamado Alcuin, de<br />

inteligência extraordinária. Carlos fez-lhe uma proposta irrecusável<br />

para morar no palácio e coordenar seu programa educacional.<br />

ALCUIN ALCUIN (735 – 804)<br />

Além de coordenar o programa de educação de Carlos Magno,<br />

Alcuin de York ensinava retórica, lógica, matemática e teologia. Em<br />

sua aritmética, por exemplo, havia problemas do tipo: se cem<br />

alqueires de trigo são distribuídos entre cem pessoas, de modo que<br />

ca<strong>da</strong> homem receba três alqueires, ca<strong>da</strong> mulher dois e ca<strong>da</strong> criança<br />

meio alqueire, quantos são os homens, as mulheres e as crianças?<br />

Das seis soluções possíveis, encontrou apenas uma.<br />

Alcuin escreveu livros escolares, em substituição aos usados<br />

anteriormente pelos francos, repletos de erros. Usou a própria escola<br />

do palácio para treinar professores, que iriam se estabelecer nas<br />

escolas fun<strong>da</strong><strong>da</strong>s nas muitas abadias que havia no reino.<br />

Essas abadias, residência e lugar de oração dos monges, eram<br />

também centros de cultura e conhecimento. A matemática ensina<strong>da</strong><br />

nessas escolas incluía naturalmente o uso do ábaco, a tábua de<br />

multiplicação, e a geometria de Boécio.<br />

Desse modo, o importante foi que sob a direção do monge<br />

erudito, o sonho do rei, de elevar o padrão educacional dos francos,<br />

172<br />

começou a se tornar reali<strong>da</strong>de. Quinze anos depois já havia<br />

educação acessível para todos os súditos.<br />

Esse foi um magnífico marco na história, ocorrido em plena<br />

I<strong>da</strong>de Média e, como já se sabe, o conhecimento intelectual era um<br />

privilégio dos religiosos. Para confirmar ain<strong>da</strong> mais esse fato, eis um<br />

matemático que se tornou Papa.<br />

GERBERT GERBERT GERBERT ( 940 – 1003)<br />

Gerbert de Aurillac na França foi outro sábio do chamado<br />

renascimento carolingiano e que consagrou à matemática uma parte<br />

de suas varia<strong>da</strong>s aptidões. Viveu alguns anos na Espanha, ensinou<br />

na escola monástica de Reims, na Alemanha e, de 999 até sua morte,<br />

foi o Papa Sivestre II.<br />

Construiu ábacos, globos terrestres e celestes, e reuniu uma<br />

valiosa biblioteca. Também lhe são atribuídos um relógio e um<br />

órgão acionado por vapor. Escreveu livros sobre o emprego do<br />

ábaco, sobre aritmética e sobre geometria. Esse ultimo contém a<br />

solução de um problema relativamente difícil: encontrar os catetos<br />

de um triângulo retângulo, <strong>da</strong><strong>da</strong>s a área e a hipotenusa.<br />

Foi o primeiro a expor os chamados “números de ghubar”<br />

(algarismos hispano-arábicos), que constituíam uma transição para<br />

os algarismos hindo-arábicos, introduzidos na Europa alguns séculos<br />

depois.<br />

Enquanto a Europa seguia o passo lento <strong>da</strong> I<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s Trevas,<br />

sob o domínio dos reis-papas, esperando o fim do mundo que,<br />

segundo crenças, ocorreria no ano 1000, no Oriente, livre <strong>da</strong><br />

repressão <strong>da</strong> Igreja, a ciência encontrou espaço para se desenvolver,<br />

principalmente na China, Índia e Arábia.<br />

CHINA CHINA<br />

CHINA<br />

Embora a civilização chinesa seja mais antiga que a grega, sua<br />

contribuição para a moderni<strong>da</strong>de não a superou. Vários fatores<br />

contribuíram para isso, inclusive as arbitrarie<strong>da</strong>des dos imperadores


173<br />

chineses, que pareciam deuses, e o isolamento cultual <strong>da</strong> China em<br />

relação à cultura ocidental.<br />

Consta que por volta do século II a.C., sob a dinastia Han, o<br />

imperador ordenou a destruição de todos os livros do país, bem<br />

como a execução, em praça pública, <strong>da</strong>queles que se diziam<br />

intelectuais. Isso por acreditar que se o gosto pela leitura se<br />

expandisse, em breve, não se teria mais ninguém para plantar arroz<br />

nas margens do rio Amarelo.<br />

O comércio <strong>da</strong> se<strong>da</strong> entre chineses e árabes só se tornaria<br />

freqüente no século VII <strong>da</strong> nossa era, enquanto o comércio de<br />

especiarias com os europeus só aconteceria no fim do século XIV.<br />

O primeiro documento matemático dos chineses é do século XII<br />

a.C.: Chow Pei Suang Ching (calendário <strong>da</strong>s horas solares), um<br />

pergaminho de dois metros e trinta que abor<strong>da</strong> diversos assuntos<br />

científicos sob a forma de diálogos entre o imperador e um de seus<br />

ministros. O autor, desconhecido, inicia sua obra afirmando ser o<br />

quadrado um símbolo <strong>da</strong> Terra e o círculo do Céu. Percebe-se dos<br />

escritos, que já nessa época conheciam as quatro operações, bem<br />

como as proprie<strong>da</strong>des dos triângulos eqüiláteros e retângulos. Pela<br />

igual<strong>da</strong>de obti<strong>da</strong> com os números 3, 4 e 5, isto é, 3 x 3 + 4 x 4 = 5 x<br />

5, notamos que já haviam descoberto o Teorema de Pitágoras.<br />

Desse documento conclui-se, também, que o conhecimento <strong>da</strong><br />

época era tutelado pelo imperador. É flagrante a preocupação do<br />

autor em agradá-lo, o que se depreende especialmente do método de<br />

somar duas frações, em que os exemplos são todos tirados <strong>da</strong>s<br />

medi<strong>da</strong>s dos corpos dos familiares do imperador. Outro fato curioso<br />

do livro são os temas aos quais aplicavam a matemática: i<strong>da</strong>des,<br />

censo populacional, colheitas, astrologia, medi<strong>da</strong>s de áreas e<br />

volumes, impostos e construção civil.<br />

Sistemas de numeração<br />

Na China, desde os tempos primitivos, dois sistemas de<br />

numeração estiveram em uso. Num predominava o princípio<br />

multiplicativo, no outro era usa<strong>da</strong> uma forma de notação posicional.<br />

No primeiro havia símbolos diferentes para os dígitos de um a dez e<br />

símbolos adicionais para as potências de dez, e nas formas escritas<br />

os dígitos em posições ímpares (<strong>da</strong> esquer<strong>da</strong> para a direita ou de<br />

174<br />

baixo para cima) eram multiplicados pelo seu sucessor. Assim o<br />

número 678 seria escrito como um seis seguido do símbolo para<br />

100, depois um sete seguido do símbolo para dez e, finalmente, o<br />

símbolo para oito.<br />

No sistema de “numerais em barras” os dígitos de um a nove<br />

apareciam como | || ||| |||| ||||| | || ||| ||||<br />

, e os nove primeiros<br />

múltiplos de dez como<br />

Usando esses dezoito símbolos alterna<strong>da</strong>mente em posições<br />

conta<strong>da</strong>s <strong>da</strong> direita para a esquer<strong>da</strong>, podiam ser escritos números tão<br />

grandes quanto se desejasse. Como na Mesopotâmia, só<br />

relativamente mais tarde é que apareceu um símbolo para uma<br />

posição vazia.<br />

A matemática em nove capítulos<br />

A obra mais importante <strong>da</strong> ciência chinesa é, sem dúvi<strong>da</strong>, o<br />

famoso Chui Chang Suan Shu (a matemática em nove capítulos) de<br />

Chuan Tsanom (200 a.C.), que traz 246 problemas resolvidos.<br />

Ao contrário <strong>da</strong> matemática grega, a chinesa, assim como a<br />

egípcia e mesopotâmia, também é caracteriza<strong>da</strong> pela ausência<br />

completa de teorias. O Chuí Chang Suan Shu mais parece um<br />

receituário para resolução de problemas específicos.<br />

Outra peculiari<strong>da</strong>de <strong>da</strong> obra são os estilos de apresentação dos<br />

exercícios, indicando que essa foi modifica<strong>da</strong> por vários escritores<br />

ao longo do tempo. Na apresentação verifica-se uma separação dos<br />

nove capítulos destinados a usuários específicos: aparentemente<br />

ministros e homens de confiança do imperador – cobradores de<br />

impostos, engenheiros, agrimensores e astrólogos.<br />

A seguir, um resumo dos nove capítulos.<br />

1º – Medi<strong>da</strong>s de Terras<br />

A preocupação fun<strong>da</strong>mental seria ensinar a medir terras,<br />

baseando a divisão <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong>de rural em retângulos e triângulos.<br />

A forma de calcular a área do círculo indica a característica de<br />

receituário <strong>da</strong> obra, bem como o valor de π , que conheciam como


175<br />

sendo 3: “multiplique o diâmetro pelo diâmetro do círculo e tome<br />

três quartos do valor encontrado...”<br />

2º – Cereais<br />

São comuns nessa segun<strong>da</strong> parte, problemas do tipo: “para vinte<br />

sacos de arroz, o imposto a ser pago é de dois sacos, enquanto para<br />

oitenta sacos são oito...”<br />

Tais problemas articulam regra de três simples, bem como<br />

proporções volumétricas.<br />

3º – População<br />

Foi com base nesse capítulo que muitos historiadores <strong>da</strong><br />

matemática afirmaram ser de autoria dos chineses o estudo de<br />

matrizes.<br />

4 9 2<br />

Exemplo: O quadrado<br />

3<br />

8<br />

5<br />

1<br />

7<br />

6<br />

foi supostamente trazido para os<br />

homens por uma tartaruga do Rio Lo nos dias do lendário imperador<br />

Yii, considerado um engenheiro hidráulico. A preocupação com tais<br />

diagramas levou o autor dos Nove Capítulos a resolver o sistema de<br />

3x<br />

+ 2y<br />

+ z = 39<br />

equações lineares simultâneas 2x<br />

+ 3y<br />

+ z = 34 efetuando operações<br />

sobre as colunas na matriz<br />

0<br />

0<br />

36<br />

99<br />

0<br />

5<br />

1<br />

24<br />

3<br />

2<br />

1<br />

39<br />

x + 2y<br />

+ 3z<br />

= 26<br />

1 2 3<br />

2<br />

3<br />

26<br />

3<br />

1<br />

34<br />

2<br />

1<br />

39<br />

para reduzi-la a<br />

176<br />

A segun<strong>da</strong> forma representava as equações 36 z = 99,<br />

5 y + z = 24 e 3 x + 2y<br />

+ z = 39,<br />

<strong>da</strong>s quais facilmente são calculados<br />

sucessivamente os valores de z, y e x.<br />

Além <strong>da</strong>s matrizes, dos sistemas de equações lineares, do<br />

método <strong>da</strong> soma de progressões aritméticas de n termos, destacamse,<br />

ain<strong>da</strong>, os quadrados mágicos.<br />

4º – Natureza<br />

Aparecem as raízes quadra<strong>da</strong> e cúbica, como sendo,<br />

respectivamente, o lado do quadrado e do cubo, a primeira usa<strong>da</strong> na<br />

medição de áreas de plantio e a segun<strong>da</strong> no cálculo de volumes de<br />

cereais, especificamente o arroz.<br />

5º – Trabalho<br />

São receitas de construção de casas, diques, canais, bem como<br />

de cálculo <strong>da</strong> quanti<strong>da</strong>de de homens necessários à execução do<br />

projeto. Verifica-se aqui o uso de tabelas que relacionavam tamanho<br />

e estilo arquitetônico com horas de trabalho.<br />

6º – Impostos<br />

Certamente o capítulo mais importante para o imperador, pois<br />

contém cálculos de proporcionali<strong>da</strong>de acompanhados de regra de<br />

três composta: “aquele que tem 10 áreas de plantio, 2 filhos e colheu<br />

20 sacos de arroz pagará um de imposto, enquanto aquele que tem<br />

20 áreas de plantio, 4 filhos e colheu 30 sacos de arroz, pagará?”<br />

7º – Ligas Metálicas<br />

Dos problemas aqui apresentados conclui-se, mais uma vez, que<br />

sabiam resolver sistemas de equações: “duas barras de ouro mais<br />

três de prata pesam 18 uni<strong>da</strong>des. Quanto pesará ca<strong>da</strong> uma se duas,<br />

uma de ouro e outra de prata, pesam 7?”<br />

Apesar <strong>da</strong> imprecisão do enunciado, o texto acima reflete uma<br />

matemática bastante evoluí<strong>da</strong>.


177<br />

8º – Tabelas<br />

Um capítulo destinado a registrar tabelas de números que<br />

aparentemente expressavam as uni<strong>da</strong>des de medi<strong>da</strong> <strong>da</strong>quele tempo,<br />

bem como <strong>da</strong>dos sobre meteorologia e astrologia.<br />

9º – Problemas de quadrados<br />

Um capítulo inteiro sobre o teorema de Pitágoras.<br />

2 2 2<br />

Aplica-se x + y = z a problemas relacionados com<br />

profundi<strong>da</strong>de de lagos, bambus quebrados, sombra de árvores,<br />

enfim, exercícios de triângulos e retângulos.<br />

“Um bambu de comprimento 10 é<br />

colocado em pé e quebrado a 6<br />

uni<strong>da</strong>des de altura. Sua ponta<br />

10<br />

6<br />

tocará o chão a que distância?”<br />

O capítulo 9 é concluído com<br />

soluções de equações do segundo<br />

?<br />

grau, através de uma receita<br />

conheci<strong>da</strong> no Brasil como fórmula de Bhaskara, deduzi<strong>da</strong><br />

empiricamente.<br />

Depois do Chuí Chang Suan Shu, duas outras obras destacariam<br />

o desenvolvimento <strong>da</strong> matemática chinesa: Suan hsüeh ch’i meng<br />

(Estudos iniciais sobre matemática) e Ssu Yüan Yüchien (Magnífico<br />

espelho de quatro imagens) escritos pelo lendário Chu Shih Chieh<br />

de Pequim e publicados por volta de 1300 <strong>da</strong> nossa era.<br />

No Suan Meng, a novi<strong>da</strong>de seria a descoberta <strong>da</strong> soma dos n<br />

2 2<br />

2<br />

primeiros números naturais quadrados, 1 + 2 + ...+ n :<br />

“multiplique o último número (n) por dois e some um (2n + 1); esse<br />

resultado deverá ser multiplicado por n(n + 1). Divi<strong>da</strong> tudo por<br />

seis”. Essa receita de Chu Shih Chieh, se escreve<br />

2 2<br />

2 n(<br />

n + 1)(<br />

2n<br />

+ 1)<br />

1 + 2 + ... + n =<br />

6<br />

A obra de Chu Chieh tornou-se um clássico <strong>da</strong> matemática<br />

oriental e pela primeira vez misturam-se filosofia, religião,<br />

matemática e física. O autor relaciona as raízes de uma equação do<br />

quarto grau com terra, céu, homem e tempo, buscando, a seu modo,<br />

interpretar a natureza.<br />

178<br />

Destaca-se nessa obra o triângulo atribuído a Pascal, conhecido<br />

dos chineses muitos anos antes, pois Chu Chieh o descreve com<br />

naturali<strong>da</strong>de, mostrando-o como mecanismo de construção dos<br />

coeficientes dos polinômios formados por ( ) n<br />

x + 1 em que<br />

n = 0,<br />

1,<br />

2,<br />

3,...<br />

Encontra-se também uma pesquisa extremamente curiosa sobre<br />

a descoberta de raízes positivas em equações que vão do grau dois<br />

ao quatorze. À técnica, embora semi-empírica, assemelha-se muito<br />

aos processos de Ruffini, descobertos no século XIX.<br />

2<br />

Exemplo: x − 2x<br />

− 3 = 0<br />

Arbitra-se um valor qualquer como solução; x = 2, por exemplo.<br />

Verifica-se, porém, que esse número não é solução, ou seja,<br />

2<br />

2<br />

x = 2 + d . Então ( 2 + d ) − 2(<br />

2 + d ) − 3 = 0 ou d + 2d<br />

= 3 e Chu<br />

3<br />

Chieh conclui que a solução é x = 2 + = 3 .<br />

1+<br />

2<br />

ÍNDIA<br />

ÍNDIA<br />

As extensas conquistas de Alexandre, o Grande, estimularam<br />

imensamente o intercâmbio de idéias entre o mundo mediterrâneo e<br />

a Ásia. O Oriente pôde, assim, fazer contribuições para a<br />

matemática, e isso no ponto em que os gregos eram relativamente<br />

mais fracos, ou seja, na aritmética (sistema de numeração), álgebra<br />

(resolução de equações) e trigonometria (tabelas de semi-cor<strong>da</strong>s<br />

bem próximas <strong>da</strong>s dos senos atuais).<br />

Alguns séculos antes <strong>da</strong> nossa era, o teorema de Pitágoras e o<br />

cálculo de raízes quadra<strong>da</strong>s com ótimas aproximações eram<br />

conhecidos na Índia em conexão com Sülvasütras, ou seja, as regras<br />

para construção de altares ou regras de cor<strong>da</strong>s.<br />

A mais importante contribuição <strong>da</strong> matemática hindu é,<br />

provavelmente, o nosso moderno sistema decimal de posição para os<br />

números, o qual implica na introdução de um sinal para o zero. Já<br />

séculos antes <strong>da</strong> era cristã, estavam os autores hindus acostumados a<br />

fazer cálculos com grandes números na notação decimal. Para ca<strong>da</strong>


179<br />

potência de dez usava-se um nome diferente, mas, uma vez<br />

conheci<strong>da</strong> a série completa, o valor de ca<strong>da</strong> uni<strong>da</strong>de era <strong>da</strong>do pela<br />

sua posição na ordem.<br />

Um sinal especial para os lugares vagos foi ocasionalmente<br />

usado na Grécia e na Mesopotâmia, mas foram os hindus que deram<br />

pleno desenvolvimento lógico a essa idéia e suas formas numéricas<br />

já adquiriam, então, grande semelhança com os algarismos atuais.<br />

A primeira menção positiva feita fora <strong>da</strong> Índia aos numerais<br />

hindus acha-se no livro de um bispo <strong>da</strong> Síria Ocidental de 662. No<br />

início do século IX os algarismos tornaram-se conhecidos pelos<br />

intelectuais árabes.<br />

A matemática hindu produziu, até o renascimento, grandes<br />

personagens, que muito a enriqueceram. Dentre os quais se<br />

destacaram Aryabhata, Brahamagupta, Sridhara e Bhaskara.<br />

ARYABHATA ARYABHATA (século VI d.C.)<br />

Aryabhata escreveu, em 499 d.C., um livro em quatro partes,<br />

tratando de astronomia, dos elementos <strong>da</strong> trigonometria esférica e<br />

enunciando várias regras de aritmética, álgebra e trigonometria<br />

plana.<br />

Alguns resultados dessa obra merecem destaque: Calculou a<br />

2 2<br />

2<br />

soma de ca<strong>da</strong> uma <strong>da</strong>s séries 1 + 2 + ... + n,<br />

1 + 2 + ... + n ,<br />

3<br />

3<br />

3<br />

1 + 2 + ... + n , resolveu equações do segundo grau, apresentou<br />

3<br />

uma tábua de semi-cor<strong>da</strong>s (senos) dos múltiplos sucessivos de 3<br />

4<br />

graus (isto é, dos vinte e quatro avos do ângulo reto) e usou para π ,<br />

177<br />

o bom resultado 3 = 3,<br />

1416 .<br />

1250<br />

O livro de Aryabhata, composto de 123 estrofes metrifica<strong>da</strong>s,<br />

era uma obra descritiva, sem nenhum espírito lógico ou de<br />

metodologia dedutiva. O que tinha de original e o que era apenas<br />

compilação é difícil decidir.<br />

Original, sem dúvi<strong>da</strong> alguma, é a presença pela primeira vez em<br />

livro do sistema decimal posicional. Não se sabe exatamente como<br />

Aryabhata efetuava seus cálculos, mas sua frase de lugar para lugar<br />

180<br />

ca<strong>da</strong> um vale dez vezes o precedente é uma indicação de que tinha<br />

em mente o princípio posicional. Com a introdução, na notação<br />

hindu, do décimo numeral, um ovo de ganso para o zero, o moderno<br />

sistema de numeração (chamado hindu) para os inteiros positivos<br />

estava completo.<br />

Essa numeração, na ver<strong>da</strong>de, combinou três princípios básicos<br />

de origem bem antiga: base decimal; uma notação posicional e uma<br />

forma cifra<strong>da</strong> para ca<strong>da</strong> um dos dez numerais. Nenhum desses<br />

princípios se deveu originalmente aos hindus, mas foi devido a eles<br />

que os três foram ligados, pela primeira vez, para formar o moderno<br />

sistema de numeração.<br />

BR BRAHMAGUPTA<br />

BR AHMAGUPTA (século VII d.C.)<br />

A matemática hindu ressentiu mais do que a grega a escassez de<br />

fontes históricas, pois os matemáticos raramente se referiam a seus<br />

predecessores e exibiam surpreendente independência em seus<br />

trabalhos. Assim é que Brahmagupta que viveu por volta de 628<br />

d.C. na Índia Central, um pouco mais de cem anos depois de<br />

Aryabhata, tem pouco em comum com seu predecessor, que tinha<br />

vivido no leste <strong>da</strong> Índia.<br />

Brahmagupta mencionou dois valores para π – o “valor<br />

prático” 3 e o “valor bom”<br />

preciso de Aryabhata.<br />

10 = 3,<br />

16 – mas não o valor mais<br />

Talvez o resultado mais significante na obra de Brahmagupta<br />

seja a generalização <strong>da</strong> “fórmula de Heron”, <strong>da</strong><strong>da</strong> por<br />

K = s − a s − . b s − c s − d , para encontrar a área de um<br />

( )( )( )( )<br />

quadrilátero, sendo a, b, c, d os lados e s o semi-perímetro. Há uma<br />

restrição, não observa<strong>da</strong> por Brahmagupta, de que a fórmula só é<br />

correta no caso de um quadrilátero inscrito num círculo.<br />

A fórmula correta para um quadrilátero arbitrário é<br />

2<br />

( s − a)(<br />

s − b)(<br />

s − c)<br />

− abcd cos ,<br />

K =<br />

α sendo que α é a metade <strong>da</strong><br />

soma de dois ângulos opostos.<br />

As contribuições de Brahmagupta à álgebra são superiores às<br />

suas regras de mensuração, pois são encontra<strong>da</strong>s soluções gerais de


181<br />

equações quadráticas, inclusive duas raízes, mesmo quando uma<br />

delas era negativa.<br />

A aritmética sistematiza<strong>da</strong> dos números negativos e do zero, na<br />

ver<strong>da</strong>de, apareceria pela primeira vez em sua obra. Regras sobre<br />

grandezas negativas já eram conheci<strong>da</strong>s através dos teoremas<br />

geométricos dos gregos, como por exemplo<br />

( a − b)(<br />

c − d ) = ac + bd − ad − bc , mas os hindus as converteram em<br />

regras numéricas sobre números negativos e positivos.<br />

Analogamente, foram os hindus os primeiros a interpretar o zero<br />

como número, assim como, as raízes irracionais como números e<br />

não como grandezas incomensuráveis.<br />

Brahmagupta afirmou que positivo dividido por positivo, ou<br />

negativo por negativo, é afirmativo; cifra dividi<strong>da</strong> por cifra é na<strong>da</strong><br />

(0 : 0 = 0); positivo dividido por negativo é negativo; negativo<br />

dividido por afirmativo é negativo e positivo ou negativo dividido<br />

por cifra é uma fração com esse denominador (a : 0 para a ≠ 0 ele<br />

não se comprometeu).<br />

Como muitos de seus conterrâneos, Brahmagupta, também se<br />

dedicava à matemática por ela mesma. Esse fato seria confirmado<br />

quando se soube que foi o primeiro a encontrar uma solução geral <strong>da</strong><br />

equação linear diofantina ax + by = c , em que a, b, c são inteiros.<br />

Para que essa equação tenha soluções inteiras, o máximo divisor<br />

comum de a e b deve dividir c; e Brahmagupta sabia que se a e b<br />

são primos entre si, to<strong>da</strong>s as soluções <strong>da</strong> equação são <strong>da</strong><strong>da</strong>s por<br />

x = p + mb,<br />

y = q − ma , sendo m um inteiro arbitrário. Deve-se<br />

lembrar que Diofanto só encontrou uma solução particular desse tipo<br />

de equação indetermina<strong>da</strong>.<br />

Brahmagupta sugeriu também uma equação diofantina<br />

2<br />

2<br />

quadrática x = 1+ py que erra<strong>da</strong>mente recebe o nome de John<br />

Pell (1611 – 1685) e que apareceu pela primeira vez no problema do<br />

gado de Arquimedes.<br />

Os exemplos a seguir ilustram as notações hindus para as<br />

equações:<br />

182<br />

Exemplo 1:<br />

.<br />

ya v 1 ya 10<br />

.<br />

ru 9<br />

2<br />

significa que x −10x = −9<br />

Passos <strong>da</strong> solução de Brahamagupta, em notação atual:<br />

•<br />

•<br />

− 9<br />

( − 9) . 4 = −36<br />

2 =<br />

• − 36 + ( −10)<br />

64<br />

• 64 = 8<br />

8 − −10<br />

=<br />

• ( ) 18<br />

• 18 : ( 2×<br />

1)<br />

= 9<br />

• A raiz é 9.<br />

Exemplo 2:<br />

.<br />

ya ka 7 bha k(<br />

a ) 12 ru 8<br />

significa que<br />

ya v 3 ya 10<br />

7xy<br />

+<br />

= 3x<br />

2 +<br />

12 − 8<br />

10x<br />

Nomenclatura:<br />

• ya (abreviação de yavattavat) é a primeira incógnita;<br />

• ka representa kalaka (“negro”) é a segun<strong>da</strong> incógnita;<br />

• v representa varga, que significa “quadrado”;<br />

• O ponto sobre um número indica que ele é negativo;<br />

• bha representa bhavita (“produto”);<br />

• k(a) representa karana (“irracional” ou “raiz”);<br />

• ru representa rupa (número “puro” ou “comum”).<br />

• O primeiro membro <strong>da</strong> equação é escrito em uma linha<br />

e o segundo membro abaixo;<br />

• Incógnitas adicionais seriam expressas mediante o uso<br />

de abreviações para cores adicionais, assim: ni para<br />

nilaca (“azul”), pi para pitaca (“amarelo”), pa para<br />

pandu (“branco”) e lo para lohita (“vermelho”).


BHASKARA BHASKARA (1114 – 1185)<br />

183<br />

Cinco séculos depois de Brahmagupta floresceu Bhaskara,<br />

conhecido como “o sábio”. Foi matemático, professor, astrólogo e<br />

astrônomo que preencheria lacunas deixa<strong>da</strong>s por seus antecessores,<br />

2<br />

2<br />

inclusive, <strong>da</strong>ndo a solução geral <strong>da</strong> equação x = 1+ py e de<br />

muitas outras equações diofantinas.<br />

Dos seus seis trabalhos conhecidos os mais importantes são<br />

Lilavati (nome de sua filha e que contém 278 versos) e Vija-Ganita,<br />

ambos com muitos problemas sobre os tópicos favoritos dos hindus:<br />

equações lineares e quadráticas (determina<strong>da</strong>s ou indetermina<strong>da</strong>s),<br />

mensuração, progressões aritméticas e geométricas, radicais, ternas<br />

pitagóricas, regra de três, etc.<br />

Bhaskara fez notáveis progressos na notação algébrica<br />

abrevia<strong>da</strong>, isso pode ser confirmado na solução do problema 2, a<br />

seguir. Segundo suas próprias palavras, ao resolver uma equação<br />

quadrática, aplicava o método de um conterrâneo, Sridhara, que<br />

viveu uns dois séculos antes. Isso vem contrariar o hábito, parece<br />

que só do Brasil, de chamar de “Bhaskara” a fórmula clássica de<br />

resolver equações de grau dois.<br />

Exemplos de problemas do Lilavati:<br />

Problema 1: O quadrado <strong>da</strong> quinta parte do número de macacos de<br />

um bando, subtraí<strong>da</strong> de 3 macacos, entra numa caverna; e um<br />

macaco fica fora pendurado numa árvore. Diga quantos são os<br />

macacos.<br />

1 2<br />

Em notação atual tem-se: ( x − 3 ) + 1 = x ou x − 55x<br />

= −250<br />

.<br />

5<br />

Problema 2: A raiz quadra<strong>da</strong> do número de abelhas de um enxame<br />

voou rumo a um jasmineiro, enquanto 8/9 do enxame permaneceu<br />

atrás; e uma abelha fêmea ficou voando em torno de um macho que<br />

se encontrava preso numa flor de lótus para a qual foi atraído à noite<br />

por seu doce odor. Diga-me adorável mulher, qual é o número de<br />

abelhas.<br />

Na coluna <strong>da</strong> esquer<strong>da</strong> a solução de Bhaskara e na <strong>da</strong> direita a<br />

tradução atual.<br />

2<br />

184<br />

Seja ya v 2 o número de Seja<br />

abelhas do enxame<br />

enxame<br />

A raiz quadra<strong>da</strong> <strong>da</strong> metade<br />

desse número é ya 1<br />

2x 2<br />

= x<br />

2<br />

Oito nonos de todo o enxame Oito nonos de todo o enxame é<br />

é<br />

16<br />

ya v<br />

9<br />

16 2<br />

( ) x<br />

9<br />

A soma <strong>da</strong> raiz quadra<strong>da</strong> com<br />

a fração e o casal de abelhas é<br />

igual à quanti<strong>da</strong>de de abelhas<br />

do enxame, isto é ya v 2<br />

Reduzindo-se ao mesmo<br />

16 2<br />

2<br />

x + ( ) x + 2 = 2x<br />

9<br />

denominador os dois<br />

membros <strong>da</strong> equação e<br />

eliminado o denominador, a<br />

equação transforma-se em<br />

ya v 18 ya 0 ru 0<br />

2<br />

2<br />

9x<br />

+ 16x<br />

+ 18 18x<br />

= ⇔<br />

9 9<br />

2 2<br />

18x<br />

= 16x<br />

+ 9x<br />

+ 18<br />

2<br />

2 x o número de abelhas do<br />

ya v 16 ya 9 ru 18<br />

Após a subtração a equação<br />

torna-se<br />

ya v 2 ya 9 ru 0<br />

2 2<br />

18x<br />

−16x<br />

− 9x<br />

=<br />

2<br />

16x<br />

+ 9x<br />

+ 18 −16x<br />

ya v 0 ya 0 ru 18<br />

2<br />

2x<br />

− 9x<br />

= 18<br />

Portanto ya é 6 Portanto x = 6<br />

Donde ya v 2 é 72 2<br />

Donde 2x<br />

2<br />

= 2.<br />

6 = 72 .<br />

2<br />

− 9x<br />

Bhaskara apresentou uma demonstração do teorema de<br />

Pitágoras de um modo curioso: desenhou a figura abaixo e escreveu<br />

simplesmente “Veja”.


185<br />

A matemática hindu, em comparação grega, ganhou em força e<br />

liber<strong>da</strong>de, à custa de certo sacrifício do rigor lógico. Entre os gregos,<br />

somente os maiores avaliaram a possibili<strong>da</strong>de e a importância de<br />

uma série infinita de números. Um feito notável dos hindus foi a<br />

introdução <strong>da</strong> idéia dos números negativos e a exemplificação <strong>da</strong>s<br />

quanti<strong>da</strong>des positivas e negativas por meio de débito e crédito, etc.<br />

Em conjunto, os hindus, que haviam recebido originalmente dos<br />

gregos uma parte <strong>da</strong> sua matemática, fizeram grandes contribuições<br />

nos campos <strong>da</strong> aritmética e <strong>da</strong> álgebra e sua influência na ciência<br />

européia, com a qual tiveram pouco ou nenhum contato direto,<br />

exerceu-se principalmente por intermédio dos árabes.<br />

ARÁBIA<br />

ARÁBIA<br />

Do outro lado do Mediterrâneo, um povo nômade e<br />

aparentemente inculto, que até meados do século VII vivera<br />

praticamente afastado <strong>da</strong> civilização, surgiu subitamente na história<br />

e, qual um cometa, quase em segui<strong>da</strong> desapareceu deixando,<br />

to<strong>da</strong>via, atrás de si, um rastro luminoso que iria resplandecer ain<strong>da</strong><br />

durante muitos séculos.<br />

Fenômeno ain<strong>da</strong> inexplicável, até hoje, de um pequeno povo de<br />

pastores e comerciantes, os árabes transformaram-se, a despeito <strong>da</strong>s<br />

lutas internas, numa nação organiza<strong>da</strong> e forte que em cem anos<br />

apenas, conquistaria metade do mundo conhecido, estendendo seu<br />

domínio pela Síria, Mesopotâmia, Pérsia e to<strong>da</strong> a Ásia Menor e, de<br />

outro lado, pelo Egito, to<strong>da</strong> a costa africana do Mediterrâneo,<br />

atravessando Gibraltar e atingindo a Espanha.<br />

E, fenômeno ain<strong>da</strong> mais surpreendente e contraditório, um povo<br />

dominado por uma idéia mística, que enveredou através <strong>da</strong> ciência e<br />

<strong>da</strong> filosofia, pelo caminho do materialismo, influindo<br />

poderosamente no desenvolvimento <strong>da</strong> cultura de to<strong>da</strong> a Europa com<br />

um formidável quadro de filósofos e pesquisadores. Não se<br />

consegue, facilmente, explicar um predomínio tão rápido e<br />

avassalador. A história dos árabes dá-nos a idéia de um homem que<br />

passasse longos anos dormindo e que, de repente, como que<br />

despertado por um sonho, se levantasse de um salto, largando a<br />

186<br />

correr pelo mundo até que, exausto, se deixasse cair novamente<br />

em seu antigo canto para prosseguir o seu sono tranqüilo.<br />

Os desertos <strong>da</strong> Arábia, secos e áridos, nunca foram muito<br />

propícios para o desenvolvimento de grandes civilizações e culturas.<br />

O espírito, ao mesmo tempo místico e combativo, de que se viram<br />

subitamente possuídos pelas revelações de Maomé, atiraram-nos a<br />

uma luta de conquista não só de almas e crentes, mas também de<br />

novos mundos e novos mercados.<br />

As ci<strong>da</strong>des <strong>da</strong> Arábia, por si mesmas improdutivas, só poderiam<br />

florescer como entrepostos, mercados, pontos de passagem de<br />

viajantes. Foi nesse sentido que se desenvolveu sua luta: os árabes<br />

transformaram ca<strong>da</strong> nova região conquista<strong>da</strong> num novo mercado,<br />

num novo entreposto.<br />

Hábeis comerciantes, traquejados no ambiente do deserto,<br />

capazes de vencer longas caminha<strong>da</strong>s para colocar sua mercadoria,<br />

de que, a princípio, eram apenas intermediários, não tar<strong>da</strong>ram em<br />

enriquecer. Os califas tornaram-se poderosos e ricos, dominando um<br />

povo possuído de fé cega e sem limites.<br />

As riquezas, as viagens, o contato com outros povos, outras<br />

línguas e outros costumes, permitiram aos árabes novos<br />

conhecimentos. A necessi<strong>da</strong>de de desenvolver o comércio e,<br />

ulteriormente, a agricultura e a indústria, que haviam criado nos<br />

países conquistados, exigiram a penetração <strong>da</strong> ciência, <strong>da</strong><br />

matemática.<br />

Foram os árabes os ver<strong>da</strong>deiros continuadores <strong>da</strong> cultura grega,<br />

embora não tivessem caracteres helenísticos e sim atributos<br />

particulares, derivados <strong>da</strong> grande diferença existente entre os dois<br />

povos e as duas épocas.<br />

Os árabes limitavam-se, a principio, a traduzir e reeditar as<br />

obras dos grandes pensadores e matemáticos gregos. Ao período de<br />

traduções seguiu-se a i<strong>da</strong>de áurea <strong>da</strong> ciência árabe,<br />

aproxima<strong>da</strong>mente de 900 a 1100. Era, to<strong>da</strong>via, “árabe” sobretudo na<br />

língua, pois relativamente poucos cientistas dessa época foram<br />

árabes, ou mesmo maometanos. Eram, na maior parte, sírios, persas<br />

e judeus com nomes árabes. Excetuando-se alguns notáveis<br />

progressos na matemática e na física, suas contribuições positivas<br />

para a ciência não foram grandes, mas prestaram enorme serviço<br />

conservando e coordenando a antiga cultura <strong>da</strong> Grécia, Pérsia e<br />

Índia e mantendo vivo o espírito <strong>da</strong>s ciências e <strong>da</strong>s artes civiliza<strong>da</strong>s,


187<br />

enquanto a Europa cristã se empenhava numa desespera<strong>da</strong> luta conta<br />

a barbárie.<br />

A A <strong>Matemática</strong> <strong>Matemática</strong> <strong>Matemática</strong> Árabe<br />

Árabe<br />

Pode-se aceitar como característica <strong>da</strong> primeira fase do Islã as<br />

palavras atribuí<strong>da</strong>s, pela tradição, ao califa Omar (634-644),<br />

segundo o qual tudo aquilo que, na biblioteca de Alexandria<br />

concor<strong>da</strong>va com o Alcorão, era supérfluo e, o que dele discor<strong>da</strong>va<br />

era inferior, e por conseguinte devia se destruir tudo.<br />

Se, por um lado, os árabes foram responsáveis pelo<br />

desaparecimento de parte do conhecimento ocidental, por outro lado<br />

contribuíram para sua preservação. O extermínio se deu, segundo<br />

consta, em 641 d.C. ao se cumprir as ordens de Omar. E a<br />

preservação foi devi<strong>da</strong> à atuação de três califas, considerados os<br />

grandes patronos <strong>da</strong> cultura: al-Mansur, Harum al-Rachid e al-<br />

Mamum, que durante seus reinados foram responsáveis pela<br />

tradução, do grego para o árabe, dos mais importantes escritos<br />

científicos e filosóficos conhecidos. Al-Rachid, a propósito, foi o<br />

célebre califa imortalizado na literatura pelos “contos <strong>da</strong>s mil e uma<br />

noites”.<br />

AL ALKHOWARIZMI<br />

AL KHOWARIZMI<br />

KHOWARIZMI ( século IX d. C.)<br />

Foi durante o califado de al-Mamum (809 – 833) que os árabes<br />

se entregaram totalmente à sua paixão por tradução. Diz-se que o<br />

califa teve um sonho em que apareceu Aristóteles, e em<br />

conseqüência decidiu que deveria fazer versões árabes de to<strong>da</strong>s as<br />

obras gregas em que conseguisse ter às mãos. Não poderiam faltar,<br />

evidentemente, o Almajesto de Ptolomeu e uma versão completa de<br />

Os Elementos de Euclides.<br />

Al-Mamum estabeleceu em Bagdá uma “Casa <strong>da</strong> Sabedoria”<br />

comparável ao antigo Museu de Alexandria. Entre os mestres havia<br />

um matemático e astrônomo persa, Mohammed ibn-Musa alkhowarizmi<br />

(Maomé, filho de Moisés, de Khowarizmi), que, como<br />

Euclides, iria se tornar muito conhecido na Europa Ocidental.<br />

Esse sábio, que morreu algum tempo antes de 850, escreveu<br />

mais de meia dúzia de obras de astronomia e matemática, <strong>da</strong>s quais<br />

188<br />

as mais antigas provavelmente se baseavam em trabalhos <strong>da</strong> Índia.<br />

Além de tabelas astronômicas e tratados sobre o astrolábio e relógio<br />

de sol, al-Khowarizmi escreveu dois livros sobre aritmética e<br />

álgebra que tiveram papéis decisivos no desenvolvimento <strong>da</strong><br />

matemática.<br />

A monumental Hisab al-jabr w’al muqãbalah (ciência <strong>da</strong><br />

restauração e de redução ou ciência <strong>da</strong>s equações) escrita por volta<br />

de 825, baseava-se em fontes muito mais antigas, talvez hindus ou<br />

mesopotâmias. Essa obra tornou-se básica para muitos tratados<br />

posteriores, sendo que do seu título derivou-se a palavra álgebra, e<br />

do nome do autor os vocábulos algoritmo e algarismo.<br />

A obra era composta de 79 páginas sobre casos de herança; 16<br />

páginas de problemas de medi<strong>da</strong>s e 70 páginas de álgebra. No início<br />

o autor faz uma breve recapitulação de valor relativo na base 10.<br />

A seguir um exemplo do procedimento de al-Khowarizmi para<br />

os casos al-jabr e muqãbalah. Da<strong>da</strong> a equação<br />

2<br />

3<br />

2<br />

3<br />

x + 5x<br />

+ 4 = 5x<br />

− 2x<br />

+ 4 , por al-jabr tem-se x + 7x<br />

+ 4 = 5x<br />

+ 4<br />

2<br />

e por muqãbalah tem-se x + 7x = 5x<br />

.<br />

A álgebra de al-Khowarizmi, era retórica e, na ver<strong>da</strong>de, uma<br />

espécie de cálculo aplicado, em que os conceitos eram seguidos de<br />

numerosos exemplos. O primeiro livro contém uma discussão de<br />

cinco tipos de equações do 2º grau:<br />

2<br />

2<br />

ax = bx,<br />

ax = c,<br />

2<br />

2<br />

2<br />

ax + bx = c,<br />

ax + c = bx,<br />

ax = bx + c . Somente as raízes<br />

positivas foram considera<strong>da</strong>s, apesar de ter admitido a existência de<br />

duas raízes. Apresentou também para essas equações uma<br />

comprovação geométrica denomina<strong>da</strong> “método de completar<br />

quadrados”.<br />

Exemplo: Resolver a equação:<br />

2<br />

x + 12x<br />

= 64 .<br />

Solução geométrica de al-<br />

Khowarizmi: na figura acima<br />

considera-se que AB = BC = x e<br />

que AH = CF = 6 . Logo a área do<br />

quadrado ABCD é <strong>da</strong><strong>da</strong> por: Aq = x 2<br />

e a área dos retângulos HKBA e<br />

BGFC é <strong>da</strong><strong>da</strong> por: Ar = 6x. A soma<br />

3


189<br />

dessas áreas é x 2 + 12x. Completando-se o quadrado HEFD,<br />

pelo acréscimo aos dois retângulos anteriores do quadrado KEGB,<br />

cuja área é 36, tem-se que a área do quadrado HEFD é <strong>da</strong><strong>da</strong> por:<br />

2 2<br />

( x + 6)<br />

= x + 12x<br />

+ 36 = 64 + 36 = 100 , ou seja, x + 6 = 10 ,o que<br />

resulta x = 4.<br />

A aritmética de al-Khowarizmi teve uma tradução latina De<br />

número hindorum, no século XII, muito importante para a<br />

introdução na Europa do sistema hindu de numeração.<br />

ABU’L ABU’LWEFA<br />

ABU’L WEFA (940 – 988)<br />

Abu’l-Wefa foi um competente algebrista, no entanto, suas<br />

contribuições mais importantes foram na trigonometria. Comentou a<br />

álgebra de al-Khowarizmi e traduziu do grego um dos últimos<br />

grandes clássicos – a Arithmética de Diofanto.<br />

Nos cálculos astronômicos houve, a princípio, entre os árabes<br />

dois tipos de trigonometria – a geométrica grega <strong>da</strong>s cor<strong>da</strong>s, como é<br />

encontra<strong>da</strong> no Almajesto, e as tabelas hindus de semi-cor<strong>da</strong>s (senos).<br />

Talvez pela pratici<strong>da</strong>de do sistema hindu não demorou muito para<br />

que quase to<strong>da</strong> a trigonometria árabe se baseasse na função seno. Na<br />

ver<strong>da</strong>de, foi também através dos árabes, e não diretamente dos<br />

hindus, que essa trigonometria chegou à Europa.<br />

Abu’l-Wefa produziu tabelas de senos para arcos, variando de<br />

dez em dez minutos, introduziu o conceito de tangente de um ângulo<br />

e, provavelmente, os de secante e co-secante.<br />

Essas novas funções, ao contrário <strong>da</strong> função seno hindu, em<br />

geral, eram considera<strong>da</strong>s em círculos unitários. Com Abu’l-Wefa a<br />

trigonometria assumiu uma forma mais sistemática em que são<br />

provados teoremas tais como as fórmulas para ângulos duplo e<br />

metade.<br />

OMAR OMAR KHAYYAM KHAYYAM (1043 – 1131)<br />

O persa Omar Khayyam, de Naishapur, conhecido no Ocidente<br />

como o grande poeta, autor dos Rubáiyát, foi o mais ousado dos<br />

matemáticos “árabes”, por se dedicar a problemas fun<strong>da</strong>mentais para<br />

no desenvolvimento <strong>da</strong> matemática.<br />

190<br />

Considerado o descobridor do teorema do binômio, resolveu<br />

equações cúbicas de forma geométrica e também tentou, em vão,<br />

provar o postulado <strong>da</strong>s paralelas de Euclides. Acreditava na<br />

possibili<strong>da</strong>de de se aplicar a razão ao mundo real para refazê-lo mais<br />

de acordo com os desejos do coração.<br />

Em sua álgebra, Omar Khayyam escreveu que, em outra obra,<br />

tinha descoberto uma regra, para encontrar as potências quarta,<br />

quinta, sexta e mais altas de um binômio. Essa obra se perdeu, mas<br />

presume-se que ele se referia ao arranjo do triângulo de Pascal, que<br />

teria surgido, ao mesmo tempo, também na China. Não é fácil<br />

explicar tal coincidência, mas enquanto não for encontra<strong>da</strong> nova<br />

evidência, deve-se presumir a independência <strong>da</strong>s descobertas.<br />

É nessa obra sobre álgebra, que se encontra uma discussão <strong>da</strong>s<br />

equações cúbicas, resolvi<strong>da</strong>s mediante construções geométricas.<br />

Khayyam obteve uma raiz fazendo a intersecção de duas secções<br />

cônicas. Rejeitava as raízes negativas e não encontrava to<strong>da</strong>s as<br />

positivas. Essa obra, no entanto, foi uma notável realização, pois foi<br />

o primeiro a propor a si mesmo o seguinte problema: como pode ser<br />

resolvi<strong>da</strong> uma equação cúbica com coeficientes numéricos?<br />

Os árabes claramente se sentiam mais atraídos pela álgebra e<br />

pela trigonometria do que pela geometria, mas um aspecto <strong>da</strong><br />

geometria tinha um fascínio especial para eles – a prova do quinto<br />

postulado de Euclides. Mesmo entre os gregos a tentativa de provar<br />

o postulado tinha-se transformado virtualmente num “quarto<br />

problema de geometria” e vários matemáticos muçulmanos<br />

continuaram o esforço.<br />

Omar Khayyam partiu de um quadrilátero com dois lados<br />

iguais, ambos perpendiculares à base (usualmente chamado de<br />

quadrilátero de Saccheri) e perguntou como seriam os outros<br />

ângulos (os superiores) do quadrilátero, que são necessariamente<br />

iguais um ao outro. Novamente chegou a um enunciado equivalente<br />

ao postulado <strong>da</strong>s paralelas de Euclides.<br />

Finalmente, confirmando a ousadia, Khayyam afirmou a<br />

impossibili<strong>da</strong>de de se encontrarem dois cubos cuja soma fosse um<br />

cubo. Esse problema foi generalizado muitos anos depois por<br />

Fermat, tornou-se famoso como “o último teorema” e a sua prova,<br />

que desafiou a mente humana, só foi consegui<strong>da</strong> em 1993, após 358<br />

anos, pelo matemático inglês Andrew Willes.


AL ALTUSI AL TUSI (1201 – 1274)<br />

191<br />

Astrônomo de Hulagu Khan, neto do conquistador Gengis Khan<br />

continuou os esforços para provar o postulado <strong>da</strong>s paralelas,<br />

partindo <strong>da</strong>s hipóteses usuais sobre um quadrilátero de Saccheri. Os<br />

escritos de Nasir Eddin Al-Tusi foram traduzidos e publicados por<br />

Wallis no século XVII e pode ter sido essa obra o ponto de parti<strong>da</strong><br />

para os estudos de Saccheri no início de século XVIII.<br />

Nasir Eddin tinha os interesses característicos dos árabes; por<br />

isso fez contribuições também à trigonometria e à astronomia.<br />

Dando continui<strong>da</strong>de à obra de Abu’l-Wefa, foi responsável pelo<br />

primeiro tratado sistemático sobre trigonometria plana e esférica,<br />

tornando o assunto independente <strong>da</strong> astronomia.<br />

Já operando, normalmente, com as seis funções trigonométricas<br />

usa<strong>da</strong>s atualmente, Nasir Eddin desenvolveu regras para resolver os<br />

vários casos de triângulos planos e esféricos. Trata-se de uma obra<br />

rica com influência limita<strong>da</strong>, talvez, por não ter sido bem conheci<strong>da</strong><br />

na Europa. Em astronomia, no entanto, suas contribuições foram<br />

importantes para o trabalho de Copérnico.<br />

AL ALKASHI AL KASHI (1369 -1436)<br />

Com numerosas obras, escritas em persa e em árabe, al-Kashi<br />

contribuiu para a matemática e a astronomia. Talvez na China tenha<br />

aprendido a usar frações decimais e, sentindo a importância de sua<br />

contribuição ao assunto, passou a se considerar o inventor <strong>da</strong>s<br />

frações decimais.<br />

Al-Kashi era aficionado por cálculos longos e se orgulhava,<br />

com razão, de sua aproximação para π , que era a melhor de<br />

quaisquer <strong>da</strong>s aproximações forneci<strong>da</strong>s por seus predecessores; 2π<br />

era <strong>da</strong>do por 6,2831853071795865.<br />

Nenhum outro matemático, até o final do século XVI, se<br />

aproximou <strong>da</strong> precisão dessa “garra” computacional. Com al-Kashi<br />

o teorema binomial sob a forma do triângulo de Pascal, apareceria<br />

novamente, quase um século depois de sua publicação na China e<br />

cerca de um século antes de ser impresso em livros europeus.<br />

192<br />

Com a morte de al-Kashi encerrou-se a contribuição <strong>da</strong><br />

matemática árabe na I<strong>da</strong>de Média, pois o colapso cultural do mundo<br />

muçulmano acompanhou a desintegração política do Império.<br />

Sistema de numeração indo-arábico<br />

Exercícios<br />

Exercícios<br />

1. Que contribuição matemática teve maior influência no<br />

pensamento moderno, a chinesa ou a hindu?<br />

2. Há alguma evidência de influência grega na matemática hindu? E<br />

a recíproca, é ver<strong>da</strong>deira?<br />

3. Descreva alguns pontos em que a álgebra hindu diferia<br />

marca<strong>da</strong>mente <strong>da</strong> grega.<br />

4. Escreva o número 7.384.679 em numerais chineses em barra.<br />

5. Use um esquema em gelosia para achar o produto de 345 por 256.


6. Divi<strong>da</strong> 56.789 por 273 usando o método do “galeão”.<br />

193<br />

7. Da fórmula de Brahmagupta para a área deduza a de Heron como<br />

caso especial.<br />

8. Mostre que 21x +14y = 3 não tem solução em inteiros.<br />

9. Comparar, quanto ao seu efeito sobre a cultura, a conquista árabe<br />

nas terras vizinhas com as conquistas anteriores de Alexandre, O<br />

Grande, e com as conquistas dos romanos.<br />

10. Mencione algumas partes <strong>da</strong> matemática grega que se teriam<br />

perdido sem a aju<strong>da</strong> árabe.<br />

11. Compare a matemática árabe e a hindu quanto a forma,<br />

conteúdo, nível e influência.<br />

12. Usando um diagrama geométrico como o de al-Khowarizmi,<br />

2<br />

resolva a equação x + 10x<br />

= 39<br />

194


AURORA AURORA DO DO RENASCIMENTO<br />

RENASCIMENTO<br />

“O homem não passa de um caniço, o mais fraco <strong>da</strong> natureza, mas é um<br />

caniço pensante.” (Pascal)<br />

195<br />

Depois de algumas páginas pelo Oriente (China, Índia e<br />

Arábia), volta-se o foco para a Europa, que viveu uma época<br />

sombria, onde a vi<strong>da</strong> se resumia aos feudos e a cultura aos claustros<br />

e conventos.<br />

Houve um oásis incrível nas escolas de Carlos Magno, mas o<br />

predomínio foi <strong>da</strong> escuridão e do silêncio. Apesar disso, o mundo<br />

não se acabou no ano 1000, contrariando a previsão e, o saber que<br />

passou por uma certa agonia, não morreu. Prova disso foi que na<br />

Europa dos séculos XII e XIII pairaram algumas novi<strong>da</strong>des:<br />

1. Foram fun<strong>da</strong><strong>da</strong>s as primeiras universi<strong>da</strong>des – Bolonha<br />

(1088), Paris (1200), Oxford (1214) e Cambridge (1231) – pela<br />

evolução gradual <strong>da</strong>s escolas dos mosteiros e catedrais. E não há<br />

dúvi<strong>da</strong>s de que as universi<strong>da</strong>des sempre desempenharam um papel<br />

primordial no desenvolvimento <strong>da</strong> cultura e <strong>da</strong> ciência;<br />

2. O pequeno regato <strong>da</strong> ciência clássica deriva<strong>da</strong> diretamente<br />

<strong>da</strong>s fontes gregas e romanas misturou-se às águas <strong>da</strong> torrente que<br />

abriu caminho através do norte <strong>da</strong> África e <strong>da</strong> Espanha, sob os<br />

mouros. A obra rudimentar de Boécio foi supera<strong>da</strong> e antes de 1400<br />

os primeiros cinco livros de Euclides já eram ensinados em muitas<br />

universi<strong>da</strong>des. A linguagem corrente <strong>da</strong> ciência ain<strong>da</strong> era o árabe,<br />

mas as principais obras gregas como o Almagesto de Ptolomeu, por<br />

exemplo, foram traduzi<strong>da</strong>s para o latim na segun<strong>da</strong> metade do<br />

século XII, provavelmente com o uso dos algarismos indo-arábicos;<br />

3. Com a formação e crescimento <strong>da</strong>s ci<strong>da</strong>des – inexistentes na<br />

I<strong>da</strong>de Média – o poder dos nobres feu<strong>da</strong>is viu-se terrivelmente<br />

ameaçado, com o fortalecimento acentuado do poder dos reis.<br />

Nessas ci<strong>da</strong>des, intensificou-se o comércio, foram fun<strong>da</strong><strong>da</strong>s algumas<br />

indústrias e uma nova classe começou a germinar: a burguesia. Uma<br />

classe em ascensão é sempre progressista, quer se beneficiar dos<br />

bens materiais, explorar os bens naturais e se interessa pelo<br />

196<br />

progresso <strong>da</strong> ciência. Enfim, faz tudo que for possível para criar<br />

condições de assumir o poder.<br />

A A matemática matemática nos nos séculos séculos séculos XII, XII, XIII XIII e e XIV<br />

XIV<br />

Nesse período a crescente ativi<strong>da</strong>de no campo <strong>da</strong> ciência,<br />

deveu-se em grande parte a Fibonacci na Itália, a Jor<strong>da</strong>nus<br />

Nemorarius na Saxônia, a Roger Bacon na Inglaterra e a Nicole<br />

Oresme na França.<br />

FIBONACCI FIBONACCI (1175 – 1250)<br />

Leonardo de Pisa, ou Fibonacci foi educado no<br />

norte <strong>da</strong> África, onde seu pai era agente<br />

comercial, e desse modo se familiarizou com a<br />

álgebra de al-Khowarizmi e com o sistema<br />

numérico dos árabes (que era hindu). Soube<br />

avaliar as vantagens de ambos e, ao voltar para<br />

a Itália, publicou o seu Líber Abaci em 1202<br />

(revisto em 1228), o qual se propunha divulgálos<br />

na Europa “a fim de que a raça latina já não<br />

se mostre deficiente desse gênero de conhecimentos”. Como obraprima<br />

<strong>da</strong> matemática medieval, esse livro foi considerado um<br />

modelo durante mais de dois séculos. A álgebra de Fibonacci era<br />

retórica, mas empregava muitos métodos geométricos.<br />

Tratava <strong>da</strong>s operações fun<strong>da</strong>mentais com números inteiros e<br />

frações, usando o traço de divisão tal como o empregamos<br />

atualmente. As frações são decompostas em somas de frações<br />

unitárias, como no antigo Egito. Por intermédio dos árabes,<br />

Leonardo recebeu em herança as tradições egípcias não menos que<br />

as gregas, como por exemplo esse tipo de frações, as raízes<br />

quadra<strong>da</strong>s e cúbicas, as progressões e o método de falsa posição. O<br />

livro compreendia também as regras de três e de socie<strong>da</strong>de, as<br />

potências e raízes e solução de equações.<br />

As palavras iniciais do Líber Abaci indicavam muito do<br />

conteúdo de uma obra que, aparentemente, se propunha abor<strong>da</strong>r a<br />

prática do ábaco: Estes são os nove símbolos dos hindus 9, 8, 7, 6, 5,<br />

4, 3, 2, 1. Com esses símbolos e com o sinal 0, que os árabes


197<br />

chamam de zéfiro, qualquer número pode ser escrito. Importante<br />

registrar que a palavra zero vem de hindu sunya que significa vazio<br />

ou vácuo. Em árabe se transformou em sifr que Fibonacci latinizou<br />

para zéfiro.<br />

No Líber Abaci encontramos também a chama<strong>da</strong> sequência de<br />

Fibonacdi: 1, 1, 2, 3, 5, 8, 13, 21, ... u n...<br />

em que ca<strong>da</strong> termo é a<br />

soma dos dois precedentes (isto é − 1 −2<br />

+ = u n un<br />

un<br />

). Essa seqüência<br />

pode ter sido inspira<strong>da</strong> na observação <strong>da</strong> ramificação de certas<br />

árvores (filotaxia) ou mais provavelmente como resposta ao<br />

problema: quantos casais de coelhos se originarão de um único<br />

casal, supondo-se que ca<strong>da</strong> casal procria um novo casal todos os<br />

meses, que ca<strong>da</strong> novo casal começa a multiplicar-se a partir do<br />

segundo mês e que nenhum dos animais morre?<br />

Verificou-se que essa seqüência tem muitas proprie<strong>da</strong>des<br />

significativas. Por exemplo, pode-se provar que dois termos<br />

un−1<br />

consecutivos quaisquer são primos entre si e que lim é o<br />

número áureo φ =<br />

5 − 1<br />

.<br />

2<br />

n→∞ un<br />

Leonardo escreveu ain<strong>da</strong> dois outros livros, um Liber<br />

Quadratorum (1220) e uma Practica Geométrica (1225). O<br />

primeiro era uma obra original sobre análise indetermina<strong>da</strong> que lhe<br />

conferiu um lugar entre Diofanto, Brahmagupta, Bhaskara e Fermat.<br />

O segundo livro contém vasto material de trigonometria e<br />

geometria, talvez derivado, em parte, de fontes gregas atualmente<br />

perdi<strong>da</strong>s.<br />

Em 1225, o imperador <strong>da</strong> Sicília Frederico II, impressionado<br />

pelo que se contava dos talentos de Leonardo, organizou um torneio<br />

de matemática cujas questões foram conserva<strong>da</strong>s, e que em<br />

linguagem atual são:<br />

1. Encontrar um número cujo quadrado, quer acrescido, quer<br />

diminuído de 5, permanece um quadrado;<br />

2. Encontrar, pelos métodos empregados no décimo livro de<br />

Euclides, uma linha cujo comprimento satisfaça a equação<br />

2 10 20<br />

2 3<br />

x + x + x = ; 3. Três homens, A, B e C possuem uma<br />

198<br />

quantia u, guar<strong>da</strong>ndo suas partes entre si as relações de 3:2:1. A tira<br />

x, guar<strong>da</strong> metade e deposita o restante com D; B tira y, guar<strong>da</strong> dois<br />

terços e deposita o restante com D; C tira tudo que resta, a saber z,<br />

guar<strong>da</strong> cinco sextos e deposita o restante com D. Comparados os<br />

três depósitos, verifica-se que são iguais. Encontrar u, x, y e z.<br />

Leonardo deu a solução correta do primeiro e do terceiro<br />

problemas, bem como uma raiz <strong>da</strong> equação cúbica,<br />

x = 1, 3688081075 , com a aproximação de nove casas decimais.<br />

NEMORARIUS NEMORARIUS (1178 – 1237)<br />

Jor<strong>da</strong>nus Nemorarius escreveu importantes obras em latim<br />

sobre a aritmética, geometria e astronomia. De Triangulis, a mais<br />

importante de to<strong>da</strong>s, consta de quatro livros que não só tratam dos<br />

triângulos, mas também dos polígonos e dos círculos. Em geral faz<br />

uso dos algarismos arábicos, indicando por meio de letras, as<br />

quanti<strong>da</strong>des conheci<strong>da</strong>s e desconheci<strong>da</strong>s.<br />

Resolveu o problema de encontrar dois números cuja soma e<br />

produtos são <strong>da</strong>dos, recorrendo a um método equivalente ao <strong>da</strong><br />

álgebra atual. Foi essa, praticamente, a primeira álgebra de notação<br />

sincopa<strong>da</strong> que se publicou na Europa, mas parece ter sido tão pouco<br />

conheci<strong>da</strong> que não lhe seria possível alcançar grandes resultados,<br />

numa época ain<strong>da</strong> não prepara<strong>da</strong> para tais invenções.<br />

Há também de Nemorarius o livro Dos Pesos, contendo<br />

elementos de mecânica.<br />

SACROBOSCO SACROBOSCO (1200 – 1256)<br />

John de Halifax também conhecido por Sacrobosco lecionava<br />

aritmética e álgebra em Oxford, tendo ensinado também em Paris.<br />

Sua obra algorismus vulgaris era uma exposição prática de<br />

cálculo, em que <strong>da</strong>va as regras mas não as provas, contribuiu muito<br />

para divulgar os numerais indo-arábicos, sendo inclusive, a mais<br />

popular fonte de informações no assunto.<br />

O seu Sphaera, uma obra sobre astronomia, foi usado para o<br />

ensino durante todo o final <strong>da</strong> I<strong>da</strong>de Média. Sua apresentação fez


199<br />

desse tratado <strong>da</strong> esfera uma obra que, posteriormente, mereceu mais<br />

de sessenta edições.<br />

BACON BACON (1214 – 1294)<br />

Roger Bacon, membro <strong>da</strong> ordem franciscana, nascido em<br />

Ilchester, na Inglaterra, foi seguramente o mais importante homem<br />

de ciência de sua época. Foi aluno de Robert Grosseteste, que se<br />

dedicava especialmente à matemática e à ciência experimental,<br />

tendo estu<strong>da</strong>do as obras dos autores árabes.<br />

Bacon estudou também na Universi<strong>da</strong>de de Paris, centro <strong>da</strong><br />

cultura européia, onde se doutorou em teologia e também,<br />

provavelmente, se fez frade franciscano.<br />

Lecionou em Oxford, onde tinha uma espécie de laboratório<br />

para experimentos de alquimia. Foi, sem dúvi<strong>da</strong>, por isso que ele se<br />

tornou célebre como cultor <strong>da</strong> “magia” e <strong>da</strong>s “artes negras”, pois em<br />

1257 foi proibido de ensinar pelo superior <strong>da</strong> sua ordem e man<strong>da</strong>do<br />

para Paris, onde passou grandes privações.<br />

Em 1266 o Papa Clemente IV convidou-o a preparar e enviarlhe<br />

um tratado sobre as ciências. No espaço de dezoito meses, Bacon<br />

escreveu e enviou três importantes obras – o Opus Majus, o Opus<br />

Minus e o Opus Tertium. Em 1268 voltou para Oxford, onde<br />

compôs vários outros livros, mas suas obras foram condena<strong>da</strong>s por<br />

um papa posterior e o autor lançado à prisão, onde permaneceu até<br />

um ano antes de sua morte.<br />

Em Paris, Bacon dedicou-se em particular à física e à<br />

matemática. O Opus Majus (1267) na<strong>da</strong> mais é que uma súmula <strong>da</strong><br />

física e uma filosofia <strong>da</strong>s ciências basea<strong>da</strong> nos autores gregos,<br />

romanos e árabes. Acentuava que as ciências naturais, necessitavam<br />

de um fun<strong>da</strong>mento experimental e que a astronomia e as ciências<br />

físicas deviam basear-se na matemática, “o abecê de to<strong>da</strong> filosofia”.<br />

No que diz respeito à mágica, Bacon observou que o ímã, por<br />

exemplo, deve parecer mágico ao ignorante: Como se explica o<br />

maravilhoso poder <strong>da</strong>s palavras? Desde o começo do mundo, por<br />

assim dizer, todos os milagres têm sido realizados por palavras... A<br />

questão <strong>da</strong>s ciências mágicas devia ser profun<strong>da</strong>mente investiga<strong>da</strong><br />

por homens competentes, providos de uma licença especial do<br />

Papa....<br />

200<br />

Bacon enunciou os princípios essenciais <strong>da</strong> reforma do<br />

calendário, reconhecendo que o ano adotado de 365 dias e um<br />

quarto criava um erro de um dia em 130 anos. Submeteu a uma<br />

crítica penetrante as hipóteses arbitrárias e a complexi<strong>da</strong>de artificial<br />

<strong>da</strong> astronomia ptolomaica; discutiu a reflexão e a refração, a<br />

aberração esférica, o arco-íris, os vidros de aumento e as estrelas<br />

cadentes. Atribuiu às marés a ação dos raios lunares. Num capítulo<br />

sobre geografia, pressupondo a forma redon<strong>da</strong> <strong>da</strong> Terra, chegou à<br />

conclusão de que o oceano situado entre a Europa e a costa oriental<br />

<strong>da</strong> Ásia não era muito largo. Isso foi citado por Colombo em 1498:<br />

É grato notar que o perseguido monge inglês, morto havia já dois<br />

séculos, pode prestar um poderoso auxílio na ampliação dos<br />

horizontes humanos.<br />

A maior parte dessa notável obra – que só foi impressa quase<br />

500 anos mais tarde – levava tal adiantamento sobre a sua época<br />

que, além de não ser compreendi<strong>da</strong>, expôs o autor a acusações de<br />

magia e até à prisão. A despeito de suas numerosas conquistas<br />

intelectuais acreditava na astrologia, na doutrina <strong>da</strong>s “signaturas”,<br />

segundo o qual a forma e a cor <strong>da</strong>s folhas e flores correspondiam à<br />

finali<strong>da</strong>de especial a que ca<strong>da</strong> uma delas era destina<strong>da</strong> pelo Criador.<br />

Acreditava também na pedra filosofal e que a quadratura do círculo<br />

já fora consegui<strong>da</strong>. Profetizou a invenção de navios movidos por<br />

meios mecânicos e de carruagens sem cavalos.<br />

Segundo Roger Bacon, nenhum conhecimento poderia ser<br />

adquirido fora <strong>da</strong> experiência e havia quatro grandes obstáculos para<br />

se conhecer a ver<strong>da</strong>de: a autori<strong>da</strong>de frágil e indigna; o costume; a<br />

opinião do vulgo não instruído e o ocultamento <strong>da</strong> própria<br />

ignorância, com uma vã ostentação <strong>da</strong> sabedoria aparente. Roger<br />

Bacon pode ser considerado o fun<strong>da</strong>dor do método experimental.<br />

DANTE DANTE (1265 – 1321)<br />

Dante Alighieri, o maior gênio poético <strong>da</strong> I<strong>da</strong>de Média, merece<br />

atenção não só por causa <strong>da</strong> sua influência, despertando e<br />

estimulando as inteligências <strong>da</strong> sua época e de tempos posteriores,<br />

mas também como autor de um trabalho Da Água e <strong>da</strong> Terra (De<br />

Aqua Et Terra) que, como ele próprio o diz, foi apresentado em<br />

Mântua no ano de 1320, como contribuição ao problema, então


201<br />

muito discutido, de “se em alguma parte <strong>da</strong> superfície <strong>da</strong> Terra a<br />

água é mais alta do que o solo”.<br />

Em a Divina Comédia, o maior dos poemas medievais, Dante<br />

incorpora a astronomia geocêntrica e a astrologia do seu tempo. Em<br />

todo o mundo físico ou espiritual quase não há assunto importante<br />

que ele não tenha aprofun<strong>da</strong>do e em que suas opiniões não sejam as<br />

mais autoriza<strong>da</strong>s <strong>da</strong> época.<br />

ORESME ORESME (1323 – 1382)<br />

As séries infinitas eram<br />

conheci<strong>da</strong>s desde a antigüi<strong>da</strong>de,<br />

e a primeira a ocorrer, como já<br />

vimos, foi uma série<br />

geométrica de razão ¼, que<br />

apareceu em a quadratura <strong>da</strong><br />

parábola de Arquimedes.<br />

Depois dessa ocorrência as<br />

séries infinitas só apareceriam,<br />

cerca de 1500 anos mais tarde,<br />

no estudo de cinemática<br />

realizado por um grupo de<br />

matemáticos <strong>da</strong> universi<strong>da</strong>de de Oxford e de outros centros.<br />

Na universi<strong>da</strong>de de Paris, em particular, havia o professor Nicole<br />

Oresme, um destacado intelectual em vários ramos do conhecimento<br />

tais como filosofia, matemática, astronomia, ciências físicas e<br />

naturais. Além de professor, Oresme era conselheiro do rei,<br />

principalmente na área de finanças públicas; e nessa função revelouse<br />

um homem de larga visão, recomen<strong>da</strong>ndo medi<strong>da</strong>s monetárias<br />

que tiveram grande sucesso na prática.<br />

Foi ain<strong>da</strong>, deão <strong>da</strong> Catedral de Rouen e mais tarde, bispo de<br />

Lisieux, na Normandia. Traduziu Aristóteles, denunciou a astrologia<br />

como pseudo-ciência e seu ardente discurso sobre a reforma <strong>da</strong><br />

Igreja foi útil aos protestantes 200 anos depois.<br />

202<br />

Oresme mantinha contato com o grupo de pesquisadores de<br />

Oxford e contribuiu no estudo de várias séries infinitas estu<strong>da</strong><strong>da</strong>s<br />

nessa época. Uma dessas, ∑ ∞<br />

n<br />

S = , foi considera<strong>da</strong>, por volta de<br />

n<br />

n=<br />

1 2<br />

1350, por Richard Suiseth, mais conhecido em Oxford como<br />

Calculator.<br />

A série surge a propósito de um movimento que se desenvolve<br />

durante o intervalo de tempo [0,1], <strong>da</strong> seguinte maneira: a<br />

veloci<strong>da</strong>de permanece constante e igual a 1 durante a primeira<br />

metade do intervalo; dobra de valor no segundo subintervalo (de<br />

duração 1/4); triplica no terceiro subintervalo (de duração 1/8);<br />

quadruplica no quarto subintervalo (de duração 1/16), etc. Como se<br />

vê, a soma <strong>da</strong> série assim construí<strong>da</strong> é a soma dos produtos <strong>da</strong><br />

veloci<strong>da</strong>de pelo tempo em ca<strong>da</strong> um dos sucessivos subintervalos de<br />

tempo e representa o espaço total percorrido pelo móvel.<br />

v<br />

4 4<br />

3 3<br />

2 2<br />

1 1<br />

½ ¾ 1 t 1<br />

Calculator encontrou o valor 2 para a soma através de um longo<br />

e complicado argumento verbal. Oresme, por outro lado, deu uma<br />

explicação geométrica bastante interessante ao observar que essa<br />

soma é igual a área forma<strong>da</strong> com uma infini<strong>da</strong>de de retângulos<br />

verticais (ver figuras acima).<br />

O raciocínio de Calculator combinado com a interpretação<br />

geométrica de Oresme, traduz-se no seguinte: a soma <strong>da</strong>s áreas dos


203<br />

retângulos verticais é igual a soma <strong>da</strong>s áreas dos retângulos<br />

horizontais. Isso é o mesmo que substituir o movimento original por<br />

uma sucessão infinita de movimentos, todos com veloci<strong>da</strong>de igual a<br />

1: o primeiro no intervalo de tempo [0,1]; o segundo em [1/2,1]; o<br />

terceiro em [3/4,1], etc. Vê-se assim que o espaço percorrido (soma<br />

<strong>da</strong>s áreas dos retângulos) é <strong>da</strong>do pela série geométrica ∑ ∞<br />

1<br />

S = ,<br />

cuja soma é 2.<br />

A seguir alguns resultados inéditos de Oresme:<br />

n<br />

n=<br />

0 2<br />

• expoente racional<br />

Em De proportionibus proportionum, escrito por volta de 1360,<br />

Oresme generalizou as notações de Bradwardine incluindo qualquer<br />

potência de expoente racional e regras para combinar proporções<br />

que são equivalentes às leis sobre expoentes, atualmente expressas<br />

m n m+n<br />

m<br />

como . x = x e ( x )<br />

n<br />

mn<br />

x = x . Sugeriu, ain<strong>da</strong>, a<br />

possibili<strong>da</strong>de de proporções irracionais e<br />

2<br />

x (que ele se esforçou<br />

para definir) pode ser a primeira sugestão de uma função<br />

transcendente.<br />

• gráfico de funções<br />

Um pouco antes de 1361, ocorre a Oresme a seguinte questão:<br />

por que não traçar uma figura ou gráfico <strong>da</strong> maneira pela qual<br />

variam as coisas? Trata-se de uma sugestão antiga do que viria ser<br />

representação gráfica de funções. Tudo que é mensurável, escreveu<br />

ele, é imaginável na forma de quanti<strong>da</strong>de contínua; por isso traçou<br />

um gráfico veloci<strong>da</strong>de-tempo para um corpo que se move com<br />

aceleração constante. Chamou o eixo horizontal (do tempo) de<br />

longitude e o vertical (<strong>da</strong>s veloci<strong>da</strong>des) de latitude.<br />

C<br />

A M B<br />

204<br />

Como a área do triângulo ABC representa a distância percorri<strong>da</strong><br />

por um móvel, Oresme forneceu, assim, uma verificação geométrica<br />

para a regra: veloci<strong>da</strong>de média é a média aritmética entre as<br />

veloci<strong>da</strong>des inicial e final. Do diagrama resulta, claramente, que a<br />

área na primeira metade do intervalo de tempo está para a área na<br />

segun<strong>da</strong> metade na razão de 1 para 3. Se subdividirmos o tempo em<br />

três partes iguais as distâncias cobertas (<strong>da</strong><strong>da</strong>s pelas áreas) estão na<br />

razão 1:3:5. De modo geral, como Galileu mais tarde observou, as<br />

distâncias estão entre si como os números ímpares; e como a soma<br />

dos n primeiros números ímpares consecutivos é o quadrado de lado<br />

n, a distância total percorri<strong>da</strong> varia como o quadrado do tempo e<br />

essa é a lei de Galileu para os corpos que caem.<br />

• geometria analítica<br />

Os termos latitude e longitude que Oresme usou, são equivalentes,<br />

num sentido amplo, às atuais ordena<strong>da</strong> e abscissa, e sua<br />

representação gráfica assemelha-se à geometria analítica, tendo se<br />

antecipado, portanto, a Descartes e Fermat na criação dessa<br />

disciplina. Parece que ele percebeu o princípio fun<strong>da</strong>mental de se<br />

representar uma função de uma variável como uma curva, mas não<br />

soube usar, eficazmente, essa observação, a não ser no caso de<br />

função linear.<br />

• teorema fun<strong>da</strong>mental do cálculo<br />

Oresme se interessava pelos seguintes aspectos do cálculo:<br />

o modo pelo qual a função varia (isto é, a equação diferencial <strong>da</strong><br />

curva) e o modo pelo qual varia a área sob a curva (isto é, a integral<br />

<strong>da</strong> função).<br />

Desse modo antecipa-se também ao famoso teorema fun<strong>da</strong>mental do<br />

cálculo, atribuído a Newton e Leibniz.<br />

• A série harmônica<br />

Entre outras contribuições de Oresme às séries infinitas encontra-se<br />

a sua prova de que a série harmônica é divergente. Tratava-se de um<br />

feito inédito e definitivo. Atualmente ain<strong>da</strong> é usado exatamente o<br />

seu método. Em síntese, Oresme observou que:


1 1 1 1 2 1<br />

+ > + = =<br />

3 4 4 4 4 2<br />

1 1 1 1 1 1 1 1 4 1<br />

+ + + > + + + = =<br />

5 6 7 8 8 8 8 8 8 2<br />

1 1 1 1 1 8 1<br />

+ + ... + > + ... + = =<br />

9 10 16 16 16 16 2<br />

∑ ∞<br />

n=<br />

1<br />

205<br />

1 1 1 1 1 1<br />

Desse modo, = 1+<br />

+ + + ... > 1+<br />

+ + ...<br />

n 2 3 4 2 2<br />

Como a soma de um número infinito de parcelas iguais a<br />

1<br />

cresce indefini<strong>da</strong>mente, a série harmônica diverge.<br />

2<br />

Essa prova mostrou como é decisivo o papel do raciocínio<br />

lógico para se estabelecer uma ver<strong>da</strong>de que jamais seria descoberta<br />

de outra maneira.<br />

Na obra Tractatus de figuratione potentiarum et mensuararum,<br />

Oresme chegou a sugerir uma extensão a três dimensões de sua<br />

“latitude de formas” em que uma função de duas variáveis<br />

independentes era representa<strong>da</strong> como um volume formado de to<strong>da</strong>s<br />

as ordena<strong>da</strong>s erigi<strong>da</strong>s segundo uma regra, <strong>da</strong><strong>da</strong> em pontos numa<br />

parte do plano de referência. Encontra-se até uma insinuação de uma<br />

geometria de quatro dimensões.<br />

Os matemáticos durante o século XIV tinham imaginação e<br />

precisão de pensamento, porém, faltava-lhes técnicas algébrica e<br />

geométrica. Ao contrário dos gregos que tinham horror infiniti, os<br />

filósofos escolásticos do fim <strong>da</strong> I<strong>da</strong>de Média se referiam<br />

freqüentemente ao infinito, tanto como potenciali<strong>da</strong>de, quanto como<br />

uma reali<strong>da</strong>de.<br />

Situação Situação <strong>da</strong> <strong>da</strong> <strong>da</strong> matemática matemática matemática no no final final do do século século XIV<br />

XIV<br />

As expectativas de progresso no século XIV foram frustra<strong>da</strong>s<br />

por duas calami<strong>da</strong>des: a guerra dos cem anos (1337 – 1453), entre<br />

França e Inglaterra, e a peste negra, que começou em 1334 e, em 20<br />

anos, ceifou quase a metade <strong>da</strong> população <strong>da</strong> Europa. Assim, a<br />

produção matemática foi pequena e só se salvou devido à produção<br />

de alguns sábios, dentre os quais o grande destaque ficou com<br />

Nicole Oresme, como foi visto anteriormente.<br />

206<br />

Durante o século XIV verificou-se uma disseminação gradual e<br />

ininterrupta <strong>da</strong> erudição árabe, em grande parte por meio de<br />

almanaques e calendários, de maneira que se tornaram amplamente<br />

conhecidos o cômputo árabe, a geometria euclidiana e a astronomia<br />

ptolomaica. Alguns desses calendários tinham caráter<br />

predominantemente religioso, <strong>da</strong>ndo a incidência <strong>da</strong>s festas <strong>da</strong> Igreja<br />

para uma série de anos; outros se especializavam em astrologia,<br />

medicina ou astronomia.<br />

As principais aplicações <strong>da</strong> matemática relacionavam-se,<br />

portanto, com as necessi<strong>da</strong>des bastante simples do comércio, <strong>da</strong><br />

contabili<strong>da</strong>de e do calendário e para isso eram comuns as<br />

construções gráficas do arquiteto e do engenheiro militar ou, ain<strong>da</strong>,<br />

os senos e tangentes do astrônomo e do navegador.<br />

Para fins eclesiásticos os numerais romanos eram preferidos,<br />

mas, em geral, essas publicações incluíam pelo menos uma<br />

explicação dos novos algarismos árabes e do seu uso. A aritmética<br />

árabe, ou algoritmo, basea<strong>da</strong> no Liber Abaci de Fibonacci,<br />

empregando a escala decimal e incluindo os elementos <strong>da</strong> álgebra,<br />

entrou em uso generalizado entre os mercadores italianos nos<br />

séculos XIII e XIV, embora encontrasse séria oposição.<br />

Fora <strong>da</strong> Itália, entretanto, a contabili<strong>da</strong>de continuou ain<strong>da</strong> por<br />

muito tempo – até o século XVI – a ser feita em números romanos, e<br />

nas instituições religiosas e educacionais mais conservadoras, por<br />

mais cem anos depois disso. Em tais casos o cálculo propriamente<br />

dito era feito com o ábaco e o resultado expresso em numerais<br />

romanos. Os numerais indo-arábicos permitiam dispensar o ábaco.<br />

O estagio <strong>da</strong> matemática nas universi<strong>da</strong>des nessa época pode<br />

ser deduzido nos estudos que se exigiam para o grau de bacharel em<br />

Praga (1384) e Viena (1389), por exemplo. Com poucas diferenças,<br />

em ambas eram estu<strong>da</strong>dos a Esfera de Sacrobosco, os livros de I a<br />

VI de os Elementos de Euclides, aritmética, óptica, hidrostática,<br />

teoria de alavancas, perspectiva, divisão em partes proporcionais,<br />

astrologia, medições e uma versão atualiza<strong>da</strong> do Almajesto.de<br />

Ptolomeu.


Exercícios Exercícios<br />

Exercícios<br />

207<br />

1. De que maneiras é provável que as cruza<strong>da</strong>s tenham aju<strong>da</strong>do<br />

ou prejudicado a transmissão <strong>da</strong> matemática do Islã para o<br />

mundo cristão?<br />

2. A Europa Ocidental em 1150 tinha contatos mais fortes com<br />

o mundo árabe ou grego? Qual tinha relativamente mais a<br />

oferecer em matemática? Dê razões para suas respostas.<br />

3. Considere os matemáticos: Euclides, Arquimedes,<br />

Apolônio, Diofanto, Boécio e al-Khowarizmi. Quais os três<br />

mais influentes na Europa de 1250? Dê razões.<br />

4. Prove que a cúbica de Fibonacci x<br />

tem raiz racional.<br />

+ x + 10x<br />

= 20 não<br />

3<br />

2 2<br />

5. Prove que a equação do exercício 4 não tem raiz <strong>da</strong> forma<br />

a + b em que a e b são racionais.<br />

6. Prove para uma subdivisão do intervalo de tempo em três<br />

partes iguais que a razão 1:3:5 de Oresme, para as distâncias<br />

percorri<strong>da</strong>s está correta.<br />

7. Verifique os processos de Calculator e Oresme para<br />

∞ ∞<br />

n 3n<br />

encontrar a soma de ca<strong>da</strong> uma <strong>da</strong>s séries: ∑ e∑<br />

.<br />

n n<br />

2 4<br />

n=<br />

1 n=<br />

1<br />

8. Prove, usando o método de Oresme, que a série<br />

1 1 1 1<br />

1+<br />

+ + + ⋅⋅<br />

⋅ + + ⋅⋅<br />

⋅ é divergente.<br />

3 5 7 2n<br />

−1<br />

208


O O RENASCIMENTO<br />

RENASCIMENTO<br />

“Foi uma época que exigia gigantes e forjou gigantes pela força do<br />

pensamento, pela paixão e caráter, pela universali<strong>da</strong>de e erudição.”<br />

(Engels)<br />

209<br />

O renascimento foi caracterizado por profun<strong>da</strong>s transformações<br />

ocorri<strong>da</strong>s na vi<strong>da</strong> e na visão de mundo do homem europeu. Os<br />

horizontes geográficos alargaram-se com o desenvolvimento <strong>da</strong> arte<br />

<strong>da</strong> navegação e as conseqüentes descobertas do caminho marítimo<br />

para as Índias, do continente americano e do circuito para uma volta<br />

completa pelo mundo.<br />

A burguesia floresceu, as ci<strong>da</strong>des dedica<strong>da</strong>s ao comércio<br />

internacional enriqueceram e a economia européia deixou de<br />

gravitar dentro <strong>da</strong>s limitações dos feudos medievais. A<br />

personali<strong>da</strong>de individual despertou e os artistas encontraram novos<br />

meios de expressão. Os pintores não mais representavam as<br />

principais personagens do drama humano, descarna<strong>da</strong>s e inseri<strong>da</strong>s<br />

dentro de um mesmo pano de fundo dourado como no estilo<br />

bizantino <strong>da</strong> I<strong>da</strong>de Média. Os grandes <strong>da</strong> época passaram a ser<br />

retratados com feições de homens de carne e osso e integrados em<br />

paisagens naturais, cheias de montanhas, rios, árvores e flores.<br />

A natureza, revaloriza<strong>da</strong>, era mostra<strong>da</strong> como fonte de vi<strong>da</strong> e<br />

beleza e não mais como o perigoso mundo material, ocasião de<br />

pecado. Os músicos substituíam os sons monocórdicos do cantochão<br />

religioso pelas novas tonali<strong>da</strong>des do madrigal amoroso e cortesão,<br />

prenunciando a polifonia barroca<br />

Paralelamente, as regas <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> cristã estavam enfraqueci<strong>da</strong>s e<br />

os rigores <strong>da</strong> moral agostiniana não eram mais obedecidos com tanta<br />

severi<strong>da</strong>de. A ver<strong>da</strong>de é que os homens estavam se relacionando<br />

dentro de novas coordena<strong>da</strong>s e a visão do mundo não mais poderia<br />

seguir a orientação teocêntrica, que prevalecera durante séculos na<br />

I<strong>da</strong>de Média. Como conseqüência, engendraram-se transformações<br />

significativas no pensamento científico e filosófico. Maquiavel<br />

(1469 – 1527) fundou uma nova ciência dos assuntos políticos,<br />

desvinculando-a de preocupações morais e religiosas. Erasmo<br />

(1465 – 1536), Thomas More (1478 – 1535) e outros humanistas<br />

210<br />

renovaram o estudo dos textos antigos e defenderam o homem como<br />

ser capaz de criar seu próprio projeto de vi<strong>da</strong>.<br />

Montaigne (1533 – 1592) expressou o advento do<br />

individualismo do homem moderno e desenvolveu uma atitude<br />

cética diante do mundo. O retorno à antigui<strong>da</strong>de faz ressurgir<br />

filosofias esqueci<strong>da</strong>s, quando não condena<strong>da</strong>s, como o estoicismo, o<br />

materialismo e o neoplatonismo. Uma nova orientação foi <strong>da</strong><strong>da</strong> ao<br />

estudo de Aristóteles.<br />

A religião sofreu abalos profundos e ca<strong>da</strong> vez mais se<br />

questionava a possibili<strong>da</strong>de de fun<strong>da</strong>mentá-la racionalmente através<br />

<strong>da</strong> estrutura conceitual aristotélica. Surgiram as filosofias místicoreligiosas<br />

de Agrippa Von Nettesheim (1468 – 1535), Paracelso<br />

(1493 – 1541) e Jakob Bohme (1575 – 1624) e eclodiu a reforma de<br />

Lutero (1483 – 1546) e Calvino (1509 – 1564).<br />

A revalorização do humano e <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> natural e presente incluía<br />

o interesse pela natureza: o que antes era visto como mero local de<br />

tentações para uma alma que aspirasse a recompensas noutro<br />

mundo, torna-se objeto de conhecimento científico. Em<br />

conseqüência, desenvolveram-se tentativas de estudo experimental<br />

dos fenômenos – esboça<strong>da</strong>s desde o século XIII nas Universi<strong>da</strong>des<br />

de Paris e Oxford (ver Roger Bacon). Esse tipo de investigação<br />

ganharia contornos definidos com os trabalhos científicos de<br />

Leonardo <strong>da</strong> Vinci e de outros pensadores, a prenunciar a física de<br />

Galileu e Newton, desenvolvi<strong>da</strong>s no século XVII. Copérnico<br />

formulou a célebre teoria heliocêntrica, Tycho Brahe fez<br />

observações precisas sobre o movimento dos astros e Kepler<br />

preparou o caminho para a descoberta <strong>da</strong> lei <strong>da</strong> gravitação universal<br />

de Newton.<br />

To<strong>da</strong>s essas transformações não se fizeram sem conflitos<br />

profundos, pois significavam, de maneiras diversas, a derroca<strong>da</strong> de<br />

uma ordem espiritual, social e econômica, que há séculos constituía<br />

o cerne <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> européia. Os setores tradicionais ameaçados, a Igreja<br />

por exemplo, reagiram e enfrentaram as inovações, às vezes com<br />

violência, condenando e levando até à morte alguns representantes<br />

<strong>da</strong> nova mentali<strong>da</strong>de. Foi o que aconteceu, só para citar os mais<br />

famosos, com Roger Bacon, Gior<strong>da</strong>no Bruno e Galileu.


O O renascimento renascimento científico<br />

científico<br />

211<br />

Como já foi visto anteriormente o desenvolvimento de uma<br />

classe social em ascensão – no caso a burguesia – gera necessi<strong>da</strong>des<br />

materiais e espirituais, que somente podem ser satisfeitos pela<br />

ativi<strong>da</strong>de prática e não apenas pela especulação abstrata ou pelas<br />

divagações epistemológicas. O prodigioso desenvolvimento <strong>da</strong>s<br />

ciências foi a característica dos séculos do renascimento.<br />

Essa ativi<strong>da</strong>de prática manifestou-se em particular, no domínio<br />

<strong>da</strong>s invenções e descobertas científicas, na física, na química, na<br />

astronomia e no estudo <strong>da</strong> anatomia e fisiologia humanas. No<br />

terreno <strong>da</strong>s invenções <strong>da</strong> época, tem-se o astrolábio, a bússola, os<br />

relógios, o aperfeiçoamento <strong>da</strong>s cartas geográficas, a pólvora e,<br />

finalmente, o microscópio.<br />

Na astronomia, não encontramos apenas um progresso, mas<br />

uma ver<strong>da</strong>deira revolução de extraordinário alcance científico e<br />

filosófico.<br />

NICOLAU NICOLAU DE DE CUSA CUSA (1401 – 1464)<br />

Nicolau de Cusa, bispo de Brixen, escreveu De docta<br />

ignorantia, em que afirmava que sendo o Universo, infinito em<br />

extensão, não poderia possuir centro e que a Terra seria anima<strong>da</strong> de<br />

um movimento de rotação diurna: É hoje evidente que a Terra na<br />

ver<strong>da</strong>de se move, embora não o notemos imediatamente, pois só<br />

podemos perceber o movimento pela comparação com algo que<br />

permanece imóvel.<br />

Na matemática seguia a orientação de Euclides e Arquimedes,<br />

colaborando na tradução desse último do grego para o latim e<br />

tratando <strong>da</strong> quadratura do círculo. Tentou construir com régua e<br />

compasso um círculo de área igual a um quadrado <strong>da</strong>do,<br />

encontrando para π diversos valores pouco exatos.<br />

Nicolau organizou um mapa do mundo então conhecido,<br />

empregando a projeção central. Diz-se que ele determinava áreas de<br />

perímetro irregular pelo método, então novo, de recortá-las num<br />

mapa de cartão para depois pesá-las.<br />

Foi um dos primeiros a salientar a importância <strong>da</strong><br />

experimentação em to<strong>da</strong>s as investigações. Revelava um<br />

212<br />

pensamento independente, mas suas teorias astronômicas eram<br />

tão pouco desenvolvi<strong>da</strong>s – e tão especulativas – que não podiam<br />

constituir ver<strong>da</strong>deiro progresso numa época ain<strong>da</strong> não prepara<strong>da</strong><br />

para recebê-las.<br />

PEURBACH PEURBACH (1423 – 1461)<br />

George Von Peurbach ou Purbach, que em sua moci<strong>da</strong>de<br />

conhecera Nicolau de Cusa em Roma, tornou-se professor de<br />

astronomia e matemática em Viena e tem sido chamado “o<br />

fun<strong>da</strong>dor, no Ocidente, <strong>da</strong> astronomia matemática basea<strong>da</strong> na<br />

observação”.<br />

Reconhecendo a imperfeição <strong>da</strong>s “tabelas” em uso, publicou<br />

uma nova edição do Almajesto com tábuas de senos naturais ao<br />

invés de cor<strong>da</strong>, calculados com diferenças de dez minutos. Suas<br />

principais fontes eram, no entanto, imperfeitas traduções árabes.<br />

REGIOMONTANUS<br />

REGIOMONTANUS REGIOMONTANUS (1436 – 1476)<br />

O mais eminente discípulo e sucessor de Purbach, Johann<br />

Müller de Königsberg, na Baviera, conhecido como Regiomontanus,<br />

foi o mais ilustre homem de ciência <strong>da</strong> sua época. Quanto ao seu<br />

nome, basta observar que a tradução latina de Königsberg é<br />

Regiomontanus, ou seja, montanha do rei.<br />

Após a que<strong>da</strong> de Constantinopla, foi o primeiro a valer-se <strong>da</strong><br />

oportuni<strong>da</strong>de para buscar conhecimento, mais diretamente, nas obras<br />

de Arquimedes, Apolônio e Diofanto. Suas tábuas, publica<strong>da</strong>s em<br />

1475, revestiram-se de importância não só para a astronomia, mas<br />

para as viagens de descobrimentos de Vasco <strong>da</strong> Gama, Vespúcio e<br />

Colombo.<br />

Essas tábuas abrangiam o período de 1473 a 1560, <strong>da</strong>ndo os<br />

senos de ca<strong>da</strong> minuto de arco, as longitudes do sol e <strong>da</strong> lua, as<br />

latitudes <strong>da</strong> lua e uma lista de eclipses previstos para o período 1475<br />

– 1530. Uma outra obra, que tratava de astrologia, possuía uma<br />

tábua de tangentes naturais para ca<strong>da</strong> grau.<br />

O seu De Triangulis foi o primeiro tratado moderno de<br />

trigonometria. Dos cinco livros que o constituíam, quatro são<br />

consagrados à trigonometria plana e o restante à esférica. Resolveu


213<br />

triângulos mediante três <strong>da</strong>dos, fazendo uso de senos e cossenos<br />

e empregando com êxito as equações do segundo grau e algumas de<br />

suas soluções. Um dos problemas colocados por Regiomontanus foi<br />

o seguinte: determinar um triângulo sendo <strong>da</strong><strong>da</strong>s a diferença entre<br />

dois lados, a perpendicular à base e a diferença dos dois segmentos<br />

em que essa é dividi<strong>da</strong>; isto é: sendo conhecidos<br />

a − b,<br />

asenB e acos<br />

B − bcos<br />

A encontrar a, b, c, A, B, C. Outro<br />

problema pede para construir, partindo de quatro retas <strong>da</strong><strong>da</strong>s, um<br />

quadrilátero que possa ser inscrito num círculo. Sua notação,<br />

to<strong>da</strong>via, deixava um pouco a desejar.<br />

Um rico mercador de Nuremberg construiu para<br />

Regiomontanus, um observatório muito bem aparelhado e com o<br />

prelo que ali se fun<strong>da</strong>ra há pouco tempo, tornou-se o mais<br />

importante <strong>da</strong> Alemanha. No entanto, tendo aceito um convite para<br />

ir a Roma, tratar <strong>da</strong> reforma do calendário, acabou morrendo na<br />

ci<strong>da</strong>de eterna aos quarenta anos.<br />

Condições Condições necessárias necessárias ao ao progresso<br />

progresso<br />

Os gênios de Hiparco e de Ptolomeu levaram ao apogeu a<br />

astronomia grega. Embora aqui e além, a hipótese heliocêntrica<br />

tenha sido adota<strong>da</strong>, não havia mais condições de progresso enquanto<br />

não se cumprissem três importantes requisitos.<br />

Em primeiro lugar, dependia-se de melhores instrumentos<br />

astronômicos e de observações mais exatas, abrangendo longos<br />

períodos. Segundo, necessitava-se aperfeiçoar os métodos de cálculo<br />

para corrigir e interpretar essas observações. Terceiro, cumpria que<br />

as idéias sobre os fatos fun<strong>da</strong>mentais e as leis do movimento se<br />

tornassem muito mais claras.<br />

Essas condições foram preenchi<strong>da</strong>s uma após outra durante os<br />

séculos XVI e XVII, por uma extraordinária plêiade de homens de<br />

gênio, entre os quais sobressaíram Copérnico,Tycho Brahe, Kepler,<br />

Galileu e Newton.<br />

Copérnico e Kepler interessaram-se mais pelo aspecto<br />

matemático e teórico, Tycho Brahe foi um grande observador e<br />

Galileu uniu a habili<strong>da</strong>de de observador e experimentador e fez uma<br />

nova apreciação <strong>da</strong>s leis físicas.<br />

214<br />

Newton, edificando sobre os alicerces lançados pelos<br />

outros, realizou uma síntese magnífica dos resultados por eles<br />

alcançados, criando uma teoria matemática racional e coerente do<br />

sistema solar.<br />

COPÉRNICO COPÉRNICO (1473 – 1543)<br />

Nicolau Copérnico nasceu em Thorn na<br />

Polônia, às margens do Vístula, e, como<br />

tivesse parentes na Igreja, preparou-se para<br />

seguir a carreira eclesiástica. Isso o<br />

conduziu, após estudos de medicina feitos<br />

em Cracóvia, à universi<strong>da</strong>de de Viena e<br />

posteriormente às principais universi<strong>da</strong>des<br />

italianas, Bolonha, Pádua, Ferrara e Roma,<br />

onde teve ocasião de cultivar o seu talento<br />

para a matemática e de assimilar tudo o que<br />

então se sabia de astronomia Em 1497<br />

tornou-se cônego em Frauenburg, no seu país natal e de 1512 até a<br />

sua morte, ali viveu desempenhando vários cargos públicos e<br />

exercendo gratuitamente, quando necessário, a arte médica que<br />

também aprendera.<br />

Apesar disso tudo, ain<strong>da</strong> encontrava tempo para se dedicar aos<br />

estudos astronômicos.<br />

Estu<strong>da</strong>ndo os autores clássicos, soube que certos filósofos<br />

pitagóricos explicavam o fenômeno do dia e <strong>da</strong> noite, bem como os<br />

movimentos anuais dos corpos celestes, supondo que a Terra girava<br />

em torno do seu eixo ao mesmo tempo que possuía um movimento<br />

de translação.<br />

Na apresentação de sua grande obra, De Revolutionibus Orbium<br />

Coelestium (As revoluções dos corpos celestes), dedica<strong>da</strong> ao Papa,<br />

diz ele: empreendi a tarefa de reler todos os livros de grandes<br />

filósofos a que pudesse deitar a mão para ver se alguém sustentara<br />

a opinião de que os movimentos dos corpos celestes fossem outros<br />

que não os postulados por aqueles que ensinavam matemática nas<br />

escolas. E, com efeito, descobri primeiro, em Cícero, que Hicetas<br />

acreditara no movimento <strong>da</strong> Terra; e mais tarde, em Plutarco,<br />

verifiquei que alguns outros eram dessa mesma opinião...


215<br />

Partindo <strong>da</strong>í, comecei a considerar a mobili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> Terra; e,<br />

embora a idéia parecesse absur<strong>da</strong>, como eu soubesse que antes de<br />

mim fora concedi<strong>da</strong> a liber<strong>da</strong>de de imaginarem to<strong>da</strong> sorte de<br />

pequenos círculos para explicar os fenômenos <strong>da</strong>s estrelas,<br />

pareceu-me que talvez me fosse permitido, pela suposição de que a<br />

Terra fosse dota<strong>da</strong> de algum movimento, tentar alcançar conclusões<br />

mais fun<strong>da</strong>menta<strong>da</strong>s que as de meus antecessores com respeito às<br />

revoluções dos corpos celestes.<br />

Copérnico não foi um grande observador astronômico. Seus<br />

instrumentos eram medíocres, não tinha bons olhos e na região onde<br />

trabalhava não eram comuns as noites de céu claro. Foram poucas as<br />

observações que registrou, dizendo respeito, sobretudo, a eclipses e<br />

oposições de planetas, sem acusarem um grau elevado de exatidão.<br />

Seus interesses e seu gênio dirigiam-se antes à análise profun<strong>da</strong><br />

e à cui<strong>da</strong>dosa revisão matemática <strong>da</strong> teoria geocêntrica corrente, que<br />

permanecera praticamente inaltera<strong>da</strong> desde a sua formulação por<br />

Ptolomeu, treze séculos antes.<br />

As condições <strong>da</strong> época não permitiam que se desse publici<strong>da</strong>de<br />

a uma inovação tão radical como a teoria heliocêntrica do sistema<br />

planetário; nem estava Copérnico muito interessado em publicar os<br />

resultados a que chegara, pois era ao mesmo tempo indiferente à<br />

fama e inimigo de controvérsias. Na mesma dedicatória diz ele: o<br />

desdém que eu tinha a recear, devido à novi<strong>da</strong>de e a aparente<br />

absurdi<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s minhas idéias, quase me levou a abandonar de<br />

todo a obra inicia<strong>da</strong>.<br />

Sentia, além disso, a inutili<strong>da</strong>de de publicar as suas teorias<br />

revolucionárias enquanto não tivesse um modelo de sistema<br />

planetário, tão perfeitamente organizado, que se tornasse evidente<br />

sua superiori<strong>da</strong>de em relação ao sistema ptolomaico, entrincheirado<br />

na tradição milenar.<br />

Um trabalho hercúleo, conquanto agradável, e foi assim que<br />

elaborou, pouco a pouco, o sistema em manuscrito, e em 1529<br />

publicou um Commentariolus em que <strong>da</strong>va um esboço <strong>da</strong> sua teoria,<br />

que assim foi gradualmente tornando-se conheci<strong>da</strong> pelos homens de<br />

ciência, embora de forma bastante vaga.<br />

Dez anos depois, George Joachim Rheticus (1514 – 1573), jovem<br />

professor de matemática <strong>da</strong> universi<strong>da</strong>de luterana de Wittenberg,<br />

visitou Copérnico, ávido de conhecer melhor a nova doutrina. A<br />

216<br />

igreja luterana não era mais tolerante do que a católica para com as<br />

novi<strong>da</strong>des científicas, e o próprio Lutero qualificava Copérnico de<br />

imbecil.<br />

De Revolutionibus foi publica<strong>da</strong> em 1543, sendo que antes, em<br />

1540, apareceu a Narratio Prima de Rheticus, com muita mistura de<br />

astrologia. Segundo se diz, um exemplar foi ter às mãos de<br />

Copérnico quando se achava em seu leito de morte.<br />

Copérnico iniciou o livro com alguns postulados; primeiro que<br />

o Universo era esférico; segundo que a Terra também era esférica;<br />

terceiro, que os movimentos dos corpos celestes são movimentos<br />

circulares uniformes ou compostos de tais movimentos. Deu<br />

fun<strong>da</strong>mental importância ao caráter relativo dos movimentos<br />

implicados.<br />

Assim, a revolução diária do Sol, <strong>da</strong> Lua e <strong>da</strong>s estrelas em torno<br />

de uma Terra fixa, teria o mesmo efeito aparente que a rotação <strong>da</strong><br />

Terra no sentido oposto, em volta do seu eixo, e o movimento anual


217<br />

aparente do Sol em redor <strong>da</strong> Terra equivale a um movimento de<br />

translação dessa, segundo uma órbita determina<strong>da</strong>.<br />

Não teve receio, pois, de afirmar que a Terra, com a Lua a<br />

rodeá-la, percorria um grande círculo em seu movimento anual entre<br />

os planetas, em torno do Sol. O Universo, contudo, seria tão vasto<br />

que as distâncias dos planetas ao Sol se tornariam insignificantes<br />

quando compara<strong>da</strong>s à esfera <strong>da</strong>s estrelas. Copérnico afirmou ser isso<br />

muito mais fácil de compreender do que <strong>da</strong> outra forma, com a Terra<br />

no centro do Universo.<br />

Sua adesão à hipótese grega do movimento circular uniforme o<br />

fez conservar um complexo sistema de epiciclos, chegando a 34,<br />

contra os 79 de Ptolomeu, que foi suficiente para explicar to<strong>da</strong> a<br />

arquitetura do Universo e a <strong>da</strong>nça dos planetas.<br />

Copérnico fez <strong>da</strong> trigonometria todo o uso que sua obra requer,<br />

procedendo também a uma revisão do catálogo estelar de Ptolomeu.<br />

Fez um cálculo bastante exato <strong>da</strong> precessão dos equinócios e a<br />

interpretou corretamente, como devi<strong>da</strong> a um lento movimento<br />

cônico do eixo <strong>da</strong> Terra, como o de um pião quando começa a parar.<br />

Estimou, ain<strong>da</strong>, os tamanhos relativos <strong>da</strong> Lua, <strong>da</strong> Terra e do Sol<br />

como de 1 : 43 : 6937, e a distância <strong>da</strong> Terra ao Sol (segundo o<br />

método de Aristarco) em 1200 raios terrestres, isto é, mais ou menos<br />

1/20 <strong>da</strong> ver<strong>da</strong>deira distância.<br />

Por mais revolucionárias que fossem as teorias de Copérnico,<br />

não surgiam revesti<strong>da</strong>s de uma forma suficientemente popular, para<br />

provocarem controvérsias imediatas ou generaliza<strong>da</strong>s. Dedicando<br />

sua obra ao Papa, diz Copérnico: a matemática é escrita para os<br />

matemáticos, a quem, se minha opinião não me ilude, nossos<br />

trabalhos parecerão contribuir de certo modo para o ministério<br />

eclesiástico, cujo posto supremo Vossa Santi<strong>da</strong>de ocupa<br />

atualmente; pois não há muito, sob Leão X, a questão de rever o<br />

calendário eclesiástico foi discuti<strong>da</strong> e continuou sem solução,<br />

simplesmente porque se considerava que a duração dos anos e dos<br />

meses e os movimentos do Sol e <strong>da</strong> Lua ain<strong>da</strong> não se achavam<br />

suficientemente determinados... Mas, quanto ao que eu possa ter<br />

realizado aqui, deixo-o ao julgamento de Vossa Santi<strong>da</strong>de em<br />

particular, assim como ao de todos os outros sábios matemáticos...<br />

218<br />

Influência de Copérnico<br />

A publicação <strong>da</strong> De Revolutionibus era, naturalmente, um<br />

poderoso estímulo para os estudos matemáticos e astronômicos.<br />

Assim Rheticus, cujas relações com Copérnico tinha sido tão<br />

fecun<strong>da</strong>s, organizou uma nova e rica coleção de tábuas matemáticas,<br />

enquanto Erasmo Reinhold (1511 – 1553), que sau<strong>da</strong>ra Copérnico<br />

como um novo Ptolomeu, publicou em 1551, baseando-se na obra<br />

de Copérnico, algumas tábuas astronômicas – as chama<strong>da</strong>s<br />

“prutênicas” ou “prussianas” – superiores às que estavam em vigor.<br />

Antes que a nova doutrina pudesse ser completamente<br />

demonstra<strong>da</strong> ou refuta<strong>da</strong> seria necessário esclarecer certos conceitos<br />

de mecânica e reunir sistematicamente <strong>da</strong>dos de observação mais<br />

exatos.<br />

GIORDANO GIORDANO BRUNO BRUNO (1548 – 1600)<br />

Gior<strong>da</strong>no Bruno, nascido em Nola perto de<br />

Nápoles, não foi certamente um astrônomo,<br />

nem tampouco um físico ou um matemático.<br />

Mas, nessa época, a astronomia apresentavase<br />

solidária com a física e ambas vinculavamse<br />

estreitamente à cosmologia. Por uma<br />

intuição genial, antecipando-se às descobertas<br />

telescópicas de Galileu, Bruno apreende o<br />

infinitismo essencial <strong>da</strong> nova astronomia e<br />

opõe-se à visão medieval de um cosmo<br />

ordenado e finito, visão essa que, embora<br />

modifica<strong>da</strong>, domina ain<strong>da</strong> o pensamento de um Copérnico e mesmo<br />

de um Kepler. Em suas obras De l’infinito universo e mondi<br />

(universo infinito) de 1584 e De innumerabili, immenso e<br />

infigurabili (imenso e não inumerável) de 1591, expõe as famosas<br />

teses de que o cosmo estaria povoado de uma infini<strong>da</strong>de de<br />

“mundos” semelhantes ao nosso.<br />

Foi essa visão, acompanha<strong>da</strong> de uma violenta critica ao<br />

aristotelismo, que ele pregou através <strong>da</strong> Europa com o ardor de um<br />

apóstolo e foi por ela que pagou com a própria vi<strong>da</strong>.


219<br />

Em 1584, Bruno já apresentou uma exposição e uma defesa <strong>da</strong><br />

astronomia copernicana, onde enriqueceu e transformou as idéias de<br />

seu mestre, aplicando de forma notavelmente inteligente as noções<br />

elabora<strong>da</strong>s pela nova física.<br />

No mundo de Bruno ou, mais exatamente, no seu universo, não<br />

podem existir lugares privilegiados nem direção determina<strong>da</strong> em si<br />

própria. O alto e o baixo são apenas noções relativas; e quanto ao<br />

“centro do mundo”, esse carecia de algum sentido: o centro está em<br />

to<strong>da</strong> parte, e não está em parte alguma. Por isso os habitantes dos<br />

outros astros têm tanto direito quanto nós de se considerarem no<br />

centro.<br />

O próprio Sol perdeu seu lugar e seu papel privilegiado, não<br />

passando, o centro de nossa “máquina”, de uma estrela entre outras<br />

inumeráveis estrelas que são sóis análogos ao nosso. Bruno via o<br />

universo como um sistema em permanente transformação, no qual,<br />

como já afirmava Heráclito de Éfeso, to<strong>da</strong>s as coisas são e não são<br />

ao mesmo tempo.<br />

O mundo não era, como pretendia o aristotelismo, uma estrutura<br />

hierarquiza<strong>da</strong> na qual o movimento seria coman<strong>da</strong>do, em última<br />

instância, pelo estático. Ao contrário, o universo seria um todo no<br />

qual na<strong>da</strong> é imóvel, nem mesmo a Terra e Copérnico confirmara<br />

com o seu heliocentrismo.<br />

O movimento de to<strong>da</strong>s as coisas, contudo, não seria de natureza<br />

puramente mecânica, como se o mundo fosse um jogo de partículas<br />

móveis, cujo deslocamento e cujos entrechoques resultariam de um<br />

movimento inicial comunicado por um ser superior. O movimento,<br />

para Bruno, seria <strong>da</strong> natureza dos seres vivos e to<strong>da</strong>s as coisas<br />

possuiriam um princípio anímico, que as colocariam em permanente<br />

transformação.<br />

Gior<strong>da</strong>no Bruno, doutor em teologia, clérigo dominicano,<br />

passou por várias universi<strong>da</strong>des européias – Oxford, Sorbone, etc –<br />

divulgando suas várias obras e ensinando astronomia, técnicas de<br />

memorização, filosofia, magia e metafísica. Nunca permanecia<br />

muito tempo num lugar, devido à grande disputa que travava com os<br />

doutores dessas instituições.<br />

A perseguição de Bruno pela Igreja começou muito cedo, já no<br />

convento de Nápoles. Viveu um longo exílio até que regressou à<br />

220<br />

Itália com esperança de reintegrar-se à igreja, mas em maio de 1592,<br />

foi preso e entregue ao tribunal do santo ofício em Veneza.<br />

Iniciado o processo, em 03 de julho de 1592, Bruno declarou<br />

estar arrependido de todos os erros que porventura tivesse cometido<br />

e pronto para reorientar to<strong>da</strong> sua vi<strong>da</strong>. Nesse ponto o processo<br />

poderia ter-se encerrado com a absolvição, mas o papa não o<br />

permitiu e fez com que o processo passasse ao tribunal do santo<br />

ofício em Roma.<br />

Em janeiro de 1593, Bruno foi entregue às autori<strong>da</strong>des romanas<br />

e encarcerado durante sete anos, ao fim dos quais foi condenado à<br />

morte na fogueira, juntamente com suas obras considera<strong>da</strong>s<br />

heréticas. No dia 17 de fevereiro de 1600, Gior<strong>da</strong>no Bruno foi<br />

executado no campo <strong>da</strong>s flores. Desse modo, o final do século XVI<br />

foi iluminado pelas chamas do martírio.<br />

Ain<strong>da</strong> hoje fica-se perplexo em face <strong>da</strong> ousadia e do<br />

radicalismo do pensamento de Bruno que, em to<strong>da</strong> a parte, opõe o<br />

infinitismo do intelecto ao finitismo <strong>da</strong> razão aristotélica e que<br />

operou uma transformação revolucionária na imagem tradicional do<br />

mundo e <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de física.<br />

Infini<strong>da</strong>de do universo, uni<strong>da</strong>de <strong>da</strong> natureza, geometrização do<br />

espaço, levariam em seu séquito à relativi<strong>da</strong>de do movimento; o<br />

cosmo medieval não mais existia, explodiu e sumiu no vazio,<br />

arrastando consigo a física de Aristóteles e deixando o lugar livre<br />

para a nova ciência de Galileu, Descartes e Newton.<br />

TYCHO TYCHO BRAHE BRAHE (1546 – 1601)<br />

Tycho Brahe, de uma família de nobres<br />

dinamarqueses, dedicou-se à primeira grande<br />

necessi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> nova astronomia copernicana,<br />

ou seja, obter <strong>da</strong>dos adequados e exatos.<br />

Enquanto estu<strong>da</strong>va na universi<strong>da</strong>de de<br />

Copenhague o interesse pela astronomia foilhe<br />

despertado por um eclipse e mais tarde,<br />

em Leipzig, deu continui<strong>da</strong>de à sua nova<br />

vocação o tempo que, segundo as idéias <strong>da</strong><br />

época, deveria consagrar a outros assuntos


221<br />

mais dignos de um homem rico e bem-nascido.<br />

Ali também iniciou o trabalho de to<strong>da</strong> a sua vi<strong>da</strong>, que consistiu<br />

em obter e aperfeiçoar os melhores instrumentos para observações<br />

astronômicas, ao mesmo tempo que lhes verificava e corrigia os<br />

erros.<br />

Regressando à Dinamarca de suas viagens pela Alemanha, a<br />

predileção que nutria pela astronomia, foi poderosamente estimula<strong>da</strong><br />

pelo aparecimento, na constelação de Cassiopéia, em novembro de<br />

1572, de uma brilhante estrela nova que se manteve visível durante<br />

16 meses. A grande importância atribuí<strong>da</strong> a esse fenômeno por<br />

Tycho e seus contemporâneos deveu-se ao fato de construir ele uma<br />

prova contra a doutrina aristotélica <strong>da</strong> imutabili<strong>da</strong>de dos céus, pois<br />

suas meticulosas observações demonstravam de maneira cabal que a<br />

estrela estava mais distante do que a Lua e não participava dos<br />

movimentos planetários.<br />

Em 1575, durante uma viagem, Tycho obteve um exemplar do<br />

Commentariolus de Copérnico e no ano seguinte recebeu do rei<br />

Frederico II a ilha de Hveen, com recursos para a manutenção de um<br />

observatório. Quanto àquele pequeno livro, sua opinião era que o<br />

sistema de Ptolomeu é complicado demais e o novo sistema<br />

proposto por Copérnico, seguindo as pega<strong>da</strong>s de Aristarco de<br />

Samos, embora na<strong>da</strong> houvesse de contrário aos princípios<br />

matemáticos, achava-se em oposição aos físicos, pois a Terra pesa<strong>da</strong><br />

e lenta seria incapaz de mover-se e o sistema desmentia até a<br />

autori<strong>da</strong>de <strong>da</strong> Escritura”.<br />

Uraniborg<br />

O observatório de Uraniborg em Hveen – o castelo dos céus –<br />

era um estabelecimento extraordinário. Num amplo recinto de forma<br />

quadra<strong>da</strong>, orientado segundo os pontos cardeais, foram reunidos<br />

vários observatórios, uma biblioteca, um laboratório, salas de<br />

repouso e, mais tarde, oficinas, uma fábrica de papel, um prelo e até<br />

observatórios subterrâneos. Tudo isso era administrado com pródiga<br />

extravagância, não sendo Tycho nem muito zeloso <strong>da</strong>s suas<br />

obrigações nem isento de certa arrogância arbitrária em suas<br />

relações pessoais ou de serviço.<br />

A despeito dessas dificul<strong>da</strong>des, durante na<strong>da</strong> menos de 21 anos<br />

levou avante uma série magnífica de observações, que muito<br />

222<br />

transcendia em extensão e exatidão tudo quanto fora realizado pelos<br />

seus antecessores.<br />

Empenhado como estava em alcançar a maior exatidão possível,<br />

Tycho construiu instrumentos de grandes dimensões como, por<br />

exemplo, um quadrante de madeira para uso ao ar livre com uma<br />

escala de bronze de cerca de três metros de raios, permitindo a<br />

leitura de frações de minuto.<br />

Um quadrante azimutal de bronze, menor, porém mais<br />

prestimoso, <strong>da</strong>va os ângulos com aproximação de um minuto.<br />

Possuía também um globo de cobre, construído com grande<br />

dispêndio, que tinha cui<strong>da</strong>dosamente marca<strong>da</strong>s na sua superfície as<br />

posições de cerca de um milhar de estrelas.<br />

Em 1577, Tycho Brahe pode observar um brilhante cometa,<br />

fazendo importantes deduções teóricas, isto é, que ao invés de ser<br />

um fenômeno atmosférico, o cometa se encontrava pelo menos três<br />

vezes mais afastado que a Lua e girava em torno do Sol. Foi até<br />

levado, na discussão <strong>da</strong>s aparentes irregulari<strong>da</strong>des do seu<br />

movimento, a insinuar que ele poderia mover-se numa órbita oval –<br />

prenunciando assim um dos grandes descobrimentos de Kepler.<br />

De acordo com a opinião corrente <strong>da</strong> época, os cometas eram<br />

formados pelos pecados e pela mal<strong>da</strong>de humana que subiam <strong>da</strong><br />

Terra, se condensavam sob a forma de uma espécie de gás que a<br />

cólera divina inflamava. Essa matéria venenosa torna a cair sobre as<br />

cabeças dos homens, causando to<strong>da</strong> a sorte de malefícios, como a<br />

peste, os franceses (!?), a morte súbita, o mau tempo, etc.<br />

Onze anos depois, Tycho publicou um volume sobre o cometa,<br />

como parte de um extenso tratado astronômico que, entretanto,<br />

jamais se completou. Em 1599 aceitou o convite do Imperador<br />

Rodolfo para que se estabelecesse em Praga. Ali tornou a organizar<br />

um corpo de auxiliares, incluindo, com grande vantagem para ele e<br />

para a sua ciência, o jovem Kepler – mas o progresso dos trabalhos<br />

foi prematuramente cerceado pela sua morte aos 55 anos.<br />

Os principais serviços prestados por Tycho ao avanço <strong>da</strong><br />

astronomia consistiram, em primeiro lugar, na superior exatidão dos<br />

seus instrumentos e observações, repeti<strong>da</strong>s várias vezes, acresci<strong>da</strong><br />

<strong>da</strong> correção sistemática dos erros; segundo, pelo prolongamento<br />

dessas observações durante muitos anos.


KEPLER KEPLER (1571 – 1630)<br />

223<br />

Johannes Kepler nasceu em Weilderstadt de<br />

pais protestantes cuja situação econômica era<br />

aflitiva, aliás, to<strong>da</strong> a sua existência foi uma<br />

luta com a pobreza, a má saúde e a<br />

adversi<strong>da</strong>de. Em 1594, abandonou o estudo<br />

de teologia, embora com certa hesitação,<br />

pois sua aceitação <strong>da</strong> nova hipótese de<br />

Copérnico o desqualificava para isso, e foi<br />

nomeado livre-docente de matemática em<br />

Gratz. Eram poucos os alunos e entre seus<br />

deveres estava incluí<strong>da</strong> a confecção de um<br />

almanaque que deveria conter, além <strong>da</strong> matéria comum dos<br />

almanaques, previsão do tempo e informações astrológicas. A mãe<br />

astronomia, dizia ele, passaria fome fatalmente se a filha astrologia<br />

não ganhasse o sustento de ambas.<br />

Tendo tomado grande interesse pela astronomia, houve três<br />

coisas em particular que submeteu a diligentes pesquisas, a saber, o<br />

número, o tamanho e o movimento dos corpos celestes, procurando<br />

as razões de serem elas como eram e não de outro modo.<br />

O primeiro resultado que lhe pareceu importante, foi uma<br />

espécie de tosca correspondência entre as órbitas planetárias e os<br />

cinco sólidos regulares, publica<strong>da</strong> em 1596 sob um título que pode<br />

ser abreviado em Mistério Cosmográfico.<br />

Kepler, devido à sua difícil situação como protestante em Gratz,<br />

aceitou o cargo de assistente de Tycho Brahe, em Praga, e quando<br />

esse morreu, em 1601, herdou a grande massa de <strong>da</strong>dos brutos, por<br />

eles obtidos, sobre as posições dos planetas em vários intervalos de<br />

tempo. Kepler trabalhou incessantemente sobre esse material por 20<br />

anos, e finalmente conseguiu com brilho ímpar tirar deles suas três<br />

leis do movimento planetário. Essas leis constituem o clímax de<br />

milhares de anos de astronomia puramente empírica:<br />

• A órbita de ca<strong>da</strong> planeta é uma elipse, sendo que o Sol está num<br />

dos focos.<br />

• A linha que une um planeta ao Sol<br />

varre áreas iguais em tempos iguais.<br />

Sol<br />

224<br />

• O quadrado do período de revolução de um planeta é proporcional<br />

ao cubo do semi-eixo maior <strong>da</strong> órbita elíptica do planeta. Isto é, se T<br />

é o tempo que um planeta gasta para completar uma revolução ao<br />

redor do Sol, a é o semi-eixo maior mostrado na figura, a razão<br />

2<br />

T<br />

é a mesma para todos os planetas do sistema solar.<br />

a<br />

3<br />

Esses resultados foram publicados em 1609, como parte dos<br />

Comentários sobre os movimentos de Marte. O que deve ser<br />

observado é que essas leis são conseqüências dos estudos de Kepler<br />

referentes à Terra e Marte e que depois generalizou para os outros<br />

planetas.<br />

As leis de Kepler eram empíricas que se ajustavam aos <strong>da</strong>dos de<br />

observações reais; porém ele não tinha idéia se eram<br />

matematicamente ver<strong>da</strong>deiras e se poderiam estar relaciona<strong>da</strong>s entre<br />

si. Em poucas palavras, não havia uma teoria, a priori, para fornecer<br />

um contexto em que essas leis pudessem ser compreendi<strong>da</strong>s.<br />

O grande passo que restava <strong>da</strong>r seria mostrar que as três leis não<br />

são independentes e empíricas, e sim, conseqüências matemáticas de<br />

uma só lei mecânica, mas esse passo estava reservado ao gênio de<br />

Newton.<br />

As idéias de Kepler com respeito à força e ao movimento eram<br />

ain<strong>da</strong> bastante simples. Reconhecia a necessi<strong>da</strong>de de uma força<br />

exerci<strong>da</strong> pelo Sol, mas supunha-a inversamente proporcional, não ao<br />

quadrado, mas à própria distância do Sol ao outro astro considerado.<br />

Retomando mais tarde a orientação do seu Mistério<br />

Cosmográfico, publicou em 1619 a harmonia do mundo, em que se<br />

encontrava a terceira lei vista anteriormente.<br />

A última obra importante publica<strong>da</strong> por Kepler em 1627, as<br />

suas Tábuas Rodolfinas, trazia as suas próprias conclusões e as<br />

alcança<strong>da</strong>s, um pouco antes, por Tycho Brahe. Esse livro foi um<br />

clássico por mais de cem anos. É digno de nota que durante os seus<br />

trabalhos, na confecção dessas tábuas, estava ocorrendo uma<br />

revolução nos métodos de cálculo graças à introdução dos<br />

logaritmos por Napier e Bürgi.<br />

Foi um dos mais diligentes incentivadores <strong>da</strong> novel arte de<br />

calcular por meio de logaritmos. Causou-lhe profun<strong>da</strong> impressão a<br />

obra de Napier, que veio a ter às suas mãos em 1619. Outra


225<br />

contribuição para a matemática foram os seus trabalhos sobre as<br />

grandezas harmônicas considera<strong>da</strong>s em relação com a geometria<br />

plana e espacial, o que conduziu ao estudo de polígonos e poliedros<br />

estrelados.<br />

Kepler deve ser lembrado também, por seu Dioptrice (1611),<br />

contendo um estudo matemático <strong>da</strong> refração e <strong>da</strong>s diferentes formas<br />

do recém-inventado telescópio. Em seu conjunto, esse livro formou<br />

a base <strong>da</strong> óptica moderna. Desenvolveu o autor a primeira teoria<br />

correta <strong>da</strong> visão: ver significa sentir a estimulação <strong>da</strong> retina, que é<br />

tingi<strong>da</strong> com raios coloridos do mundo visível. O quadro deve ser,<br />

pois transmitido ao cérebro por uma corrente mental e deposto na<br />

sede <strong>da</strong> facul<strong>da</strong>de visual. Supôs que a cor dependia <strong>da</strong> densi<strong>da</strong>de e<br />

<strong>da</strong> transparência e que a refração se devia à maior resistência dos<br />

meios densos. Admitiu também que a veloci<strong>da</strong>de <strong>da</strong> luz era infinita.<br />

Procurando resolver as dificul<strong>da</strong>des com a hipótese <strong>da</strong>s órbitas<br />

elípticas, Kepler viu-se logo às voltas com o problema de determinar<br />

o comprimento de uma elipse. Deu a aproximação π ( a + b ) , em<br />

que a e b são os semi-eixos. Isso é certo para o círculo, em que<br />

a = b, e bastante aproximado quando a e b são quase iguais, o que<br />

sucedia com a maioria <strong>da</strong>s órbitas planetárias.<br />

Interessando-se pelos métodos em uso para medir a capaci<strong>da</strong>de<br />

dos tonéis de vinho, publicou em 1615 a sua nova Stereometria<br />

Doliorum Vinariorum (medi<strong>da</strong>s de volumes de barris de vinho) em<br />

que determinava o volume de muitos sólidos limitados por<br />

superfícies de revolução. Distinguiu 93 diferentes sólidos de<br />

revolução, <strong>da</strong>ndo nomes de frutas a alguns deles: maçã, pera, limão,<br />

etc.<br />

Kepler, rompeu com o rigor arquimediano, não utilizando o<br />

método de exaustão. Dividia a sua figura plana ou o seu sólido em<br />

secções indivisíveis, determinava a área de ca<strong>da</strong> secção e depois<br />

encontrava a soma. O círculo, por exemplo, compunha-se de uma<br />

infini<strong>da</strong>de de triângulos com um vértice no centro e os outros dois<br />

sobre a circunferência; analogamente, a esfera consistia numa<br />

infini<strong>da</strong>de de pirâmides.<br />

Foram encontrados nos seus livros vários exemplos de<br />

integração e somas de séries infinitas, no entanto carecia de um<br />

sistema adequado de coordena<strong>da</strong>s, de um conceito bem definido de<br />

limite e de um método eficaz de somar os termos de uma série. Em<br />

226<br />

face, porém, <strong>da</strong>s dificul<strong>da</strong>des intrínsecas dos problemas que tentou<br />

resolver foi notável o êxito por ele alcançado.<br />

Em 1628, após várias tentativas de receber seus honorários<br />

atrasados de matemático imperial, chegou a ponto de unir-se a<br />

Wallestein na quali<strong>da</strong>de de astrólogo, mas veio a morrer um pouco<br />

depois em Regensburg.<br />

GALILEU GALILEU GALILEU (1564 – 1642)<br />

Galileu Galilei nasceu em Pisa três dias<br />

após a morte de Miguel Ângelo e no<br />

mesmo ano em que Shakespeare veio ao<br />

mundo. Exerceu poderosa influência<br />

sobre o desenvolvimento científico em<br />

muitos campos, em especial assentou as<br />

bases <strong>da</strong> dinâmica moderna. É um fato<br />

notável que a astronomia tenha sido<br />

cultiva<strong>da</strong>, ao mesmo tempo, por três<br />

homens tão ilustres quanto Tycho, Kepler<br />

e Galileu. Enquanto Tycho, com 54 anos,<br />

observava o céu em Praga, Kepler, com apenas 30 anos, aplicava o<br />

seu gênio impulsivo à determinação <strong>da</strong> órbita de Marte, e Galileu,<br />

com 36, dispunha-se a assentar o telescópio para as regiões<br />

inexplora<strong>da</strong>s do espaço.<br />

Tendo nascido numa Europa ain<strong>da</strong> domina<strong>da</strong> pela tradição<br />

aristotélica, Galileu sente-se perplexo diante do conflito entre as<br />

suas próprias observações e as teorias aceitas, mas, firme e<br />

destemido nas suas convicções, investe ardentemente contra as<br />

velhas idéias, ganhando com isso inimigos e também mais<br />

discípulos.<br />

Em to<strong>da</strong>s as suas atitudes e hábitos mentais, Galileu encarnava<br />

o espírito <strong>da</strong> ciência moderna. Era vivo e arguto no observar, no<br />

analisar e no raciocinar sobre os fenômenos naturais. Ardoroso e<br />

convincente nas suas exposições (principalmente nas suas aulas <strong>da</strong><br />

universi<strong>da</strong>de), céptico e intolerante em face <strong>da</strong> mera autori<strong>da</strong>de,<br />

quer na ciência, quer na filosofia ou na teologia.<br />

Ain<strong>da</strong> jovem, descobriu a regulari<strong>da</strong>de dos movimentos<br />

pendulares ao observar lentas oscilações <strong>da</strong> lâmpa<strong>da</strong> <strong>da</strong> catedral


227<br />

de Pisa em. Não atingira ain<strong>da</strong> os 25 anos quando publicou, em<br />

1586, um trabalho sobre a balança hidrostática e sobre o centro de<br />

gravi<strong>da</strong>de dos sólidos.<br />

Muitos anos depois em 1638 mostrou que a hipótese <strong>da</strong><br />

aceleração uniforme explicava devi<strong>da</strong>mente as relações observa<strong>da</strong>s<br />

entre o espaço, o tempo e a veloci<strong>da</strong>de, e que a trajetória descrita<br />

pelos projéteis era uma parábola.<br />

Comportando-se como um sábio típico de renascimento, Galileu<br />

aliou à teoria a solução de vários problemas técnicos. Inventou uma<br />

bomba para fazer subir água, um compasso geométrico militar que<br />

produziu em larga escala, escreveu um tratado sobre fortificações de<br />

ci<strong>da</strong>des além de manter uma oficina para a construção de aparelhos<br />

especiais (bússolas, compassos simples, quadrantes, etc.).<br />

Sabendo <strong>da</strong> invenção do telescópio na Holan<strong>da</strong>, procurou saber<br />

detalhes e logo pode construir para si um desses instrumentos,<br />

graças ao qual descobriu manchas no Sol, montanhas na Lua, os<br />

satélites de Júpiter, os anéis de Saturno e as fases de Vênus. As<br />

descobertas de Galileu no tocante à superfície <strong>da</strong> Lua, foram<br />

naturalmente desagradáveis aos aristotélicos <strong>da</strong> época, para quem<br />

esse astro possuía uma forma perfeitamente esférica e lisa, com<br />

adornos que a tornavam tão varia<strong>da</strong> e tão bela.<br />

Era inevitável que um homem como Galileu aceitasse a<br />

hipótese de Copérnico. Em 1597 escreveu a Kepler: considero-me<br />

feliz por ter encontrado tão grande aliado na busca <strong>da</strong> ver<strong>da</strong>de. É<br />

realmente lamentável que haja tão poucos que pugnem pela ver<strong>da</strong>de<br />

e estejam prontos a abandonar as falsas filosofias. Mas esse não é o<br />

lugar para lamentar as misérias do nosso tempo, ao invés de<br />

desejar-vos êxito em vossas esplêndi<strong>da</strong>s investigações. Faço-o de<br />

tanto melhor grado por ser, desde muitos anos, um adepto <strong>da</strong> teoria<br />

de Copérnico. Ela me aponta a causa de muitos fenômenos que são<br />

completamente ininteligíveis sob a teoria geralmente aceita. Reuni<br />

muitos argumentos para refutar essa última, mas não me atrevo a<br />

publicá-los...”<br />

Conquanto nenhum dos descobrimentos astronômicos de<br />

Galileu fosse necessário ou suficiente para confirmar a teoria<br />

copernicana, o apoio que a essa prestavam, era de extrema<br />

importância.<br />

228<br />

Em 1632 publicou o famoso Diálogo sobre os dois principais<br />

sistemas do mundo, o de Ptolomeu e o de Copérnico, obra<br />

comparável em grandeza e importância às Revoluções de Copérnico.<br />

Na primeira <strong>da</strong>s quatro conversações em que se divide a obra, a<br />

teoria aristotélica do caráter especial dos corpos celestes é submeti<strong>da</strong><br />

a uma crítica demolidora, <strong>da</strong>ndo-se relevo a fenômenos tais como o<br />

aparecimento de estrelas novas, os cometas, as manchas solares, as<br />

irregulari<strong>da</strong>des <strong>da</strong> superfície <strong>da</strong> Lua, as fases de Vênus, os satélites<br />

de Júpiter, etc.<br />

Argumentando não só com as próprias manchas solares, mas<br />

com a própria variação. Insiste ele que o universo não é rígido e<br />

imutável, mas se modifica constantemente, ou então, passa por fases<br />

consecutivas e relaciona<strong>da</strong>s entre si, isto é, evoluciona. É com maior<br />

repugnância que me resigno a escutar quando o atributo <strong>da</strong><br />

imutabili<strong>da</strong>de é defendido como algo de preeminente importância e<br />

em completo contraste com a variabili<strong>da</strong>de. Considero a Terra<br />

sobretudo notável justamente pelas transformações que nela<br />

ocorrem.<br />

Repentinamente, em agosto de 1632, cinco meses após a<br />

publicação do Diálogo, chegou uma ordem <strong>da</strong> inquisição romana<br />

para suspender to<strong>da</strong>s as ven<strong>da</strong>s do livro e, Galileu foi intimado a<br />

comparecer diante do tribunal em Roma. Doente, quase cego, com<br />

70 anos, em pleno inverno, Galileu foi conduzido de Florença a<br />

Roma por estra<strong>da</strong>s difíceis e regiões inteiras isola<strong>da</strong>s por<br />

quarentenas de peste. Foi a Roma para ser humilhado.<br />

O julgamento do tribunal, em quatro sessões, era em síntese o<br />

seguinte: a proposição de que o Sol se acha no centro do mundo e<br />

não pode ser movido do seu lugar é absur<strong>da</strong>, filosoficamente falsa e<br />

formalmente herética, pois é extremamente contrária às santas<br />

escrituras...<br />

No dia 22 de junho de 1633 foi pronuncia<strong>da</strong> a sentença e<br />

Galileu obrigado a recitar publicamente e assinar a abjuração, com<br />

vestes de penitente, no convento de Santa Maria sobre Minerva: Eu,<br />

Galileu Galilei, abjuro, maldigo e renuncio a todos os erros e<br />

heresias mencionados (...) contra a santa igreja.<br />

A len<strong>da</strong> Eppur si muove!...(no entanto a Terra se move!) foi<br />

uma dedução dos estudiosos com base na postura e personali<strong>da</strong>de de<br />

Galileu. Ele pode ter pensado, mas não disse. Um pouco antes do


229<br />

julgamento, teria também confidenciado a alguns amigos: Se é uma<br />

confissão o que eles querem, confessarei até que sou uma lagartixa.<br />

Mesmo após ter sido condenado pela inquisição, enfermo e<br />

cego como estava, não esmoreceu o ardor científico de Galileu. Em<br />

1638, publicou em Leyden uma obra sobre mecânica com o título<br />

Conversações e Demonstrações <strong>Matemática</strong>s sobre dois novos<br />

ramos <strong>da</strong> ciência. Esse livro representava o mais notável progresso<br />

realizado na mecânica desde os tempos de Arquimedes.<br />

Em to<strong>da</strong> a extensão <strong>da</strong> obra, Galileu baseia-se mais em<br />

resultados de experimentos do que na simples especulação, e em<br />

medi<strong>da</strong>s tão exatas quanto lho permitiam os seus instrumentos.<br />

Galileu fez contribuições notáveis a quase todos os ramos <strong>da</strong> física:<br />

dinâmica, estática, hidrostática, termometria, acústica, etc. Presume<br />

que a luz possua uma veloci<strong>da</strong>de finita, mas não consegue medi-la.<br />

Embora o principal objeto do seu interesse não fosse a<br />

matemática, acentua Galileu a dependência <strong>da</strong>s outras ciências em<br />

relação a essa. Fez um estudo sutil <strong>da</strong>s quanti<strong>da</strong>des infinitas,<br />

infinitesimais e contínuas.<br />

Foi o primeiro a propor uma correspondência biunívoca entre<br />

quanti<strong>da</strong>des infinitas e para ele tratava-se de um paradoxo,<br />

considerando o axioma euclidiano: o todo é sempre maior que<br />

qualquer de suas partes. Galileu afirmou categoricamente que o<br />

conjunto dos números inteiros positivos e o conjunto dos números<br />

quadrados perfeitos estão em correspondência um a um. Desse<br />

modo enfrentou a proprie<strong>da</strong>de fun<strong>da</strong>mental dos conjuntos infinitos,<br />

ou seja, uma parte poderia ser equivalente ao conjunto todo.<br />

Pode-se garantir, sem dúvi<strong>da</strong>, que a grande contribuição de<br />

Galileu para a revolução científica que viria após os seus trabalhos<br />

foi o seu moderno método: observação, experimentação e<br />

formalização matemática.<br />

A filosofia está escrita neste livro enorme que continuamente se<br />

acha aberto diante dos nossos olhos (eu digo o universo); mas não<br />

se pode entendê-lo se, antes, não se aprender a língua e conhecer os<br />

caracteres com os quais ele está escrito. O universo está escrito em<br />

linguagem matemática; seus caracteres são triângulos, círculos e<br />

outras figuras geométricas; sem estes meios, é impossível entender<br />

sequer uma palavra, sem eles, equivale a vagar inutilmente, por um<br />

escuro labirinto.<br />

230<br />

A A A matemática matemática matemática no no Renascimento<br />

Renascimento<br />

O período compreendido entre a invenção <strong>da</strong> imprensa, por<br />

volta de 1450, e o início do século XVII foi de grande importância<br />

para a matemática e a mecânica, bem como para a astronomia. No<br />

seu começo, embora os números “arábicos” já fossem conhecidos, a<br />

matemática <strong>da</strong>s universi<strong>da</strong>des quase não ia além dos primeiros livros<br />

de Euclides e <strong>da</strong> solução de equações simples do segundo grau sob a<br />

forma retórica. No fim do período, os fun<strong>da</strong>mentos <strong>da</strong> matemática e<br />

<strong>da</strong> mecânica modernas tinham sido soli<strong>da</strong>mente lançados.<br />

Nesse período os matemáticos se tornaram uma classe de sábios<br />

especializa<strong>da</strong>, os compêndios tomaram forma e a matemática ia<br />

sendo ca<strong>da</strong> vez mais cultiva<strong>da</strong> por si mesma.<br />

As maiores realizações e tendências foram as seguintes: na<br />

aritmética, foram introduzi<strong>da</strong>s as frações decimais e os logaritmos,<br />

simplificando imensamente os cálculos e desenvolveu-se uma teoria<br />

geral dos números; na álgebra, criou-se um sistema compacto e<br />

adequado de símbolos, incluindo o uso de sinais + , ÷ , × , -, =, ( ),<br />

e dos expoentes; equações do terceiro e do quarto graus foram<br />

resolvi<strong>da</strong>s, aceitando-se as raízes negativas e imaginárias, e muitos<br />

teoremas <strong>da</strong> nossa moderna teoria <strong>da</strong>s equações foram descobertos.<br />

Na geometria, o cálculo do π foi feito com aproximação de<br />

muitas decimais, deu-se início à geometria descritiva e desenvolveuse<br />

o chamado método dos indivisíveis. Na trigonometria plana e<br />

esférica deduziram-se teoremas e processos atualmente em uso além<br />

de extensas tábuas.<br />

Na mecânica, pouco a pouco foram adquirindo clareza os<br />

conceitos de força e movimento, de equilíbrio e centro de gravi<strong>da</strong>de.<br />

Na base de alguns desses novos desenvolvimentos encontramse<br />

os conceitos fun<strong>da</strong>mentais que começam a se formar: função,<br />

continui<strong>da</strong>de, limite, deriva<strong>da</strong>, quanti<strong>da</strong>de infinitesimal, sobre os<br />

quais se construiu a matemática moderna.<br />

PAC PACIOLI PAC IOLI (1445 – 1514 )<br />

Luca Pacioli, monge franciscano natural de Toscana, foi o<br />

primeiro matemático a ter um livro impresso sobre a aritmética,


231<br />

publicado em Veneza em 1494. Nele são <strong>da</strong><strong>da</strong>s regras para as quatro<br />

operações fun<strong>da</strong>mentais e para a extração de raízes quadra<strong>da</strong>s. A<br />

aritmética comercial é trata<strong>da</strong> com bastante detalhe pelos novos<br />

métodos algorítmicos ou arábicos. O método <strong>da</strong>s suposições<br />

arbitrárias corrigi<strong>da</strong>s pela proporção (<strong>da</strong> falsa posição), era usado<br />

com bons resultados, por exemplo: “Achar o primitivo capital de um<br />

negociante que gastou a quarta parte do mesmo em Pisa e um quinto<br />

em Veneza, havendo recebido nessas transações 180 ducados e<br />

tendo atualmente em mão 224 ducados. Supondo-se que o capital<br />

primitivo fosse de 100 ducados, o restante seria 100 – 25 – 20 = 55.<br />

Isso, porém, são os 5/4 do ver<strong>da</strong>deiro resto (224 – 180); logo, o<br />

capital primitivo equivale aos 4/5 de 100 = 80 ducados”.<br />

Alguns desses problemas comerciais de Pacioli eram<br />

extremamente complicados. Resolvia equações numéricas do<br />

primeiro e do segundo graus, mas só admitia raízes positivas e<br />

considerava impossível a solução <strong>da</strong>s equações do terceiro grau,<br />

bem como a quadratura do círculo. A adição era indica<strong>da</strong> por p ou<br />

p , abreviação do latim plus, a igual<strong>da</strong>de algumas vezes por ae .<br />

Iniciava-se a álgebra sincopa<strong>da</strong> que teria também a introdução dos<br />

radicais com índices, 2 , 3 , bem como dos sinais + e -.<br />

Pacioli em 1509 fez duas tentativas no campo <strong>da</strong> geometria,<br />

publicando uma edição de Euclides e a De Divina Proportione. Essa<br />

diz respeito a polígonos regulares, a sólidos e à razão mais tarde<br />

chama<strong>da</strong> de “secção áurea”. O trabalho é destacado pela excelência<br />

<strong>da</strong>s figuras que por isso têm sido atribuí<strong>da</strong>s a Leonardo <strong>da</strong> Vinci.<br />

A A geometria geometria <strong>da</strong> <strong>da</strong> arte<br />

arte<br />

Considerado o mais notável movimento artístico e literário <strong>da</strong><br />

cultura ocidental, o renascimento produziu ver<strong>da</strong>deiros gênios na<br />

pintura, na Itália por exemplo, pode-se citar: Leonardo <strong>da</strong> Vinci,<br />

Michelangelo Buonarroti (1475 – 1564) e Rafael Sanzio.<br />

Leonardo rompeu com as limitações <strong>da</strong> arte tradicional e<br />

introduziu o conceito de claro-escuro no espaço pictórico.<br />

Michelangelo reviveu admiravelmente a concepção helênica de luta<br />

do homem com o universo. Rafael, por sua vez, promoveu uma doce<br />

232<br />

revolução, muito mais compatível com seu caráter sereno:<br />

introduziu na arte a tendência à beleza ideal, inspira<strong>da</strong> nos conceitos<br />

artísticos <strong>da</strong> Antigui<strong>da</strong>de clássica.<br />

Os três artistas citados além de outros <strong>da</strong> mesma época,<br />

nota<strong>da</strong>mente Albrecht Dürer (1471–1528), de Nuremberg,<br />

desenvolveram a teoria geométrica <strong>da</strong> perspectiva. A fim de<br />

representar exatamente a cabeça humana, Dürer fazia uso tanto dos<br />

planos como <strong>da</strong> projeção vertical.<br />

LEONARDO LEONARDO DA DA VINCI VINCI (1452 – 1519)<br />

Leonardo <strong>da</strong> Vinci, um dos gigantes<br />

intelectuais do renascimento, igualmente<br />

grande na arte, na ciência e na engenharia,<br />

foi o primeiro a <strong>da</strong>r explicação correta <strong>da</strong><br />

iluminação parcial <strong>da</strong> parte escura do disco<br />

lunar, como sendo devi<strong>da</strong> à luz <strong>da</strong> Terra.<br />

Seus cadernos de notas revelavam<br />

observações muito exatas sobre fenômenos<br />

ópticos causados por um estreito feixe de luz<br />

numa câmara escura. Chamou a mecânica de<br />

paraíso <strong>da</strong>s ciências matemáticas, porque<br />

nela se colhem pela primeira vez os frutos dessas ciências. Negou a<br />

possibili<strong>da</strong>de do movimento perpétuo, dizendo: a força é a causa do<br />

movimento e o movimento é a causa <strong>da</strong> força. Discutiu a alavanca, a<br />

ro<strong>da</strong> e o eixo, os corpos que caem livremente ou sobre planos<br />

inclinados. Antecipou-se assim a Galileu.<br />

Todo aquele que apela para a autori<strong>da</strong>de, dizia ele, não aplica<br />

o intelecto e sim a memória. Ao passo que a natureza começa pela<br />

causa e termina pela experiência, nós devemos seguir o plano<br />

contrário, começando pelo experimento e por meio deste investigar<br />

a causa. Nenhuma pesquisa humana pode aspirar ao nome de<br />

ver<strong>da</strong>deira ciência se não passar pela demonstração matemática e<br />

aquele que desdenha a certeza <strong>da</strong> matemática não conseguirá impor<br />

silêncio a teorias sofísticas que só podem terminar em guerras de<br />

palavras.<br />

Dizia, ain<strong>da</strong>, Leonardo que A felici<strong>da</strong>de está na ativi<strong>da</strong>de e,<br />

convenhamos, ele foi muito feliz. Artista, físico, geômetra, músico,


233<br />

engenheiro, biólogo, atleta e filósofo. Certa vez, ao passar diante de<br />

um açougue, Leonardo apontou, desgostoso, a carcaças de vitelas,<br />

carneiros, bois e suínos, e disse a um dos seus discípulos: - Sim, não<br />

há dúvi<strong>da</strong>, o homem é o rei dos animais, ou para dizê-lo de outra<br />

maneira, é o rei <strong>da</strong>s feras, pois a sua feroci<strong>da</strong>de é, positivamente,<br />

<strong>da</strong>s maiores. E, após breve silêncio, acrescentou, com tristeza: -<br />

Criamos a nossa vi<strong>da</strong> <strong>da</strong> morte dos outros seres. Os homens e as<br />

feras não são mais do que eternos cemitérios ambulantes, túmulos<br />

uns para os outros...<br />

Leonardo <strong>da</strong> Vinci é um caso que segundo suas próprias<br />

palavras quanto mais se conhece, mais se aprecia.<br />

RAFAEL RAFAEL (1483 – 1520)<br />

Rafael Sanzio nasceu em Urbino num ambiente artisticamente<br />

receptivo e estimulante. Seu pai era um pintor muito estimado pela<br />

corte local. Não era, efetivamente, um pintor dotado de quali<strong>da</strong>des<br />

incomuns; mas foi suficiente para incentivar na escolha <strong>da</strong> profissão<br />

do filho.<br />

Depois de viver algum tempo em Florença e em outras ci<strong>da</strong>des,<br />

foi em Roma que Rafael, juntamente com outros artistas, teve<br />

oportuni<strong>da</strong>de de participar <strong>da</strong> decoração <strong>da</strong> nova residência do papa<br />

Júlio II. Em 1509 foi nomeado pintor oficial <strong>da</strong> corte papal. Chegou<br />

a ser arquiteto-chefe na decoração do Vaticano, especialmente <strong>da</strong><br />

Basílica de São Pedro. Tornou-se, então, a principal figura <strong>da</strong><br />

arquitetura romana.<br />

Aceitou também o desafio de pintar um enorme afresco para a<br />

Stanza della Segnatura (sala utiliza<strong>da</strong> pela Igreja para a assinatura de<br />

documentos importantes). E realizou a Disputa do Sacramento, A<br />

Escola de Atenas e O Parnaso. Tal empreendimento, que constituiu<br />

um marco em sua carreira, colocou-o como rival direto de<br />

Michelangelo, que havia pintado os maravilhosos afrescos <strong>da</strong> Capela<br />

Sistina.A Escola de Atenas constitui-se um sumário <strong>da</strong> história <strong>da</strong><br />

matemática grega além de ser um precioso documento para se saber<br />

como os italianos <strong>da</strong> renascença concebiam a vi<strong>da</strong> intelectual <strong>da</strong><br />

Grécia Antiga.<br />

Os filósofos e matemáticos, ca<strong>da</strong> um com as características que<br />

marcaram suas vi<strong>da</strong>s e obras, estão espalhados, com muita simetria,<br />

234<br />

pela sala. Platão e Aristóteles, por exemplo, são as figuras centrais,<br />

com Platão indicando o céu para expressar que sua filosofia situava<br />

a ver<strong>da</strong>deira reali<strong>da</strong>de num plano supra-sensível: o mundo <strong>da</strong>s<br />

idéias, modelos eternos e imutáveis <strong>da</strong>s coisas concretas e<br />

perecíveis. Aristóteles, por sua vez, aponta para baixo, exprimindo<br />

seu pensamento realista, que afirma ser real o mundo concreto e<br />

sensível, a partir do qual o intelecto humano realiza abstrações.<br />

Rafael colocou nos integrantes <strong>da</strong> obra rostos de pessoas<br />

conheci<strong>da</strong>s do seu tempo. Por exemplo, Platão aparece com o rosto<br />

de Leonardo <strong>da</strong> Vinci, Euclides com o de Bramonte, outro grande<br />

arquiteto do Vaticano. O próprio autor se inclui, talvez, como uma<br />

espécie de assinatura.<br />

Sem ser tão inovador como Leonardo ou revolucionário como<br />

Michelangelo, pode-se dizer que Rafael superou a ambos no que se<br />

refere à perfeição <strong>da</strong>s linhas, beleza do colorido e harmonia <strong>da</strong>s<br />

composições.<br />

STIFEL STIFEL STIFEL (1487 – 1567)<br />

Michael Stifel, ministro luterano alemão, ex-monge<br />

agostiniano, publicou em 1544, importante tratado com o título de<br />

Arithmetica Integra. Esse livro, que apareceu com um prefácio de<br />

Melanchton, contém muitos acréscimos originais. Apresentou Stifel<br />

um amplo estudo dos coeficientes binomiais (já sem o caráter


235<br />

místico dos números triangulares neopitagóricos, etc.), trazendo<br />

também o chamado “triângulo de Pascal”. Está muito próximo de<br />

conceber a idéia de logaritmo e foi um dos primeiros a introduzir os<br />

números negativos em seus trabalhos. Também introduziu alguns<br />

melhoramentos na notação em uso.<br />

RECORDE RECORDE (1510 – 1558)<br />

Robert Recorde, “a estrela matutina <strong>da</strong> literatura matemática<br />

inglesa”, estudou em Oxford e graduou-se em medicina por<br />

Cambridge em 1545, tornando-se mais tarde “físico régio”.<br />

Sua obra The Grounde of Artes, ou Aritmética, de 1540, foi um<br />

dos primeiros livros sobre matemática publicados em inglês e que<br />

teve mais de 27 edições exercendo grande influência sobre a<br />

educação na Inglaterra.<br />

Recorde empregou o símbolo +, que indica demasiado, assim<br />

como essa linha -, simples e sem ser cruza<strong>da</strong> por outra, indica<br />

demasiado pouco.<br />

Em 1557 publicou uma álgebra sob o título sedutor de<br />

Whetstone of Witte (pedra de afiar o espírito), usando para a<br />

igual<strong>da</strong>de o sinal =, que diz ter escolhido porque não pode haver<br />

duas coisas mais iguais do que duas retas paralelas.<br />

Equações Equações algébricas algébricas algébricas de de de grau grau superior superior<br />

superior<br />

O maior feito dos matemáticos italianos do século XVI foi<br />

resolver equações do terceiro e, mais tarde, do quarto grau. Grande<br />

parte dos trabalhos iniciais foi realiza<strong>da</strong> na Universi<strong>da</strong>de de Bolonha<br />

onde Scipione del Ferro resolveu, por volta de 1515, a equação<br />

3<br />

x + mx = n , sem publicar o resultado. Por volta de 1535, Tartaglia<br />

descobriu a solução de Ferro, bem como a <strong>da</strong> equação x + px = n .<br />

Havia grande interesse por essas especulações matemáticas e foram<br />

realizados até concursos em público para a solução <strong>da</strong>s equações do<br />

terceiro grau.<br />

3<br />

2<br />

236<br />

TARTAGLIA TARTAGLIA (1500 – 1557)<br />

Niccolò Fontana (Tartaglia), cuja origem era <strong>da</strong>s mais humildes,<br />

lecionou em Verona e Veneza e começou a ganhar fama por ter<br />

respondido com êxito ao desafio de resolver certos problemas<br />

matemáticos que envolviam equações cúbicas.<br />

Na sua obra Nova Scienza, de1537, Tartaglia discutiu a que<strong>da</strong><br />

dos corpos e muitos problemas de engenharia militar e fortificação<br />

tais com o alcance dos projéteis, os meios de pôr a nado galeras<br />

afun<strong>da</strong><strong>da</strong>s, etc.. A página de rosto era ocupa<strong>da</strong> por uma grande<br />

estampa que representava a corte <strong>da</strong> filosofia. Euclides era o porteiro<br />

e Aristóteles e Platão os mestres de uma corte interna, na qual está<br />

entroniza<strong>da</strong> a filosofia, sendo que Platão declara, por meio de um<br />

dístico, que não permitirá a entra<strong>da</strong> de ninguém que não compreen<strong>da</strong><br />

geometria...<br />

A sua solução <strong>da</strong> equação cúbica encontrava-se no livro<br />

Invenzioni enquanto que no Tratado dos Números e <strong>da</strong>s Medi<strong>da</strong>s, de<br />

1556, aparecia um método para encontrar os coeficientes no<br />

desenvolvimento de ( ) n<br />

1 + x , para n de 2 até 6.<br />

Apresentava, também, grande varie<strong>da</strong>de de problemas de<br />

aritmética comercial e uma coleção de enigmas matemáticos. Um<br />

exemplo de tais enigmas tornou-se famoso: “Três belas jovens são<br />

casa<strong>da</strong>s com três moços simpáticos e galantes, mas ciumentos.<br />

An<strong>da</strong>m os seis em viagem e vão ter à margem de um rio. Para<br />

atravessar o qual só dispõem de um botezinho com lugar para duas<br />

pessoas no máximo. Como passarão o rio, ficando entendido que, a<br />

fim de evitar um escân<strong>da</strong>lo, nenhuma <strong>da</strong>s mulheres poderá<br />

permanecer em companhia de um homem a não ser que o seu<br />

marido esteja também presente?”.<br />

Não há outro tratado que contenha tantas informações sobre a<br />

aritmética do século XVI, tanto no que diz respeito à teoria como às<br />

aplicações práticas. A vi<strong>da</strong> do povo, os costumes dos mercadores, as<br />

lutas pelo aperfeiçoamento <strong>da</strong> aritmética, tudo isso foi exposto por<br />

Tartaglia de maneira prolixa, mas interessante.<br />

Antecipando-se a Galileu, ensinou Tartaglia que os corpos de<br />

pesos diferentes percorrem, ao cair, distâncias iguais em intervalos


237<br />

de tempos iguais e que um corpo a que se imprime um movimento<br />

circular, uma vez solto tomará a direção <strong>da</strong> tangente.<br />

CARDANO CARDANO (1501 – 1576)<br />

Girolamo Car<strong>da</strong>no teve uma vi<strong>da</strong> de aventuras, mais ou menos<br />

indecorosas, em estranha combinação com várias formas de<br />

ativi<strong>da</strong>des científicas ou semi-científicas, em especial o exercício <strong>da</strong><br />

medicina e <strong>da</strong> astrologia. Estudou em Pavia e Pádua, viajou pela<br />

França, pela Inglaterra e foi professor em Milão e Pavia.<br />

Sua obra prima Ars Magna, publica<strong>da</strong> em 1545, contém a<br />

solução <strong>da</strong> equação cúbica, fraudulentamente obti<strong>da</strong> do seu rival<br />

Tartaglia. Após a publicação do livro, o afrontado Tartaglia desafiou<br />

Car<strong>da</strong>no para um duelo matemático que acabou se realizando em<br />

Milão a 10 de agosto de 1548. Car<strong>da</strong>no, entretanto, não compareceu<br />

tendo enviado seu discípulo Ludovico Ferrari (1522–1565) para<br />

substituí-lo.<br />

Nesse confronto tumultuado Tartaglia não se saiu bem e Ferrari,<br />

demonstrando superiori<strong>da</strong>de conseguiu apresentar, inclusive, uma<br />

fórmula geral para resolver a equação do quarto grau.<br />

Duelos à parte, o importante foi o avanço do estudo <strong>da</strong>s<br />

equações algébricas. Para as de quinto grau ou maiores, somente no<br />

século XIX se demonstrou que a solução, em geral, não pode ser<br />

expressa do modo que se faz para os graus de 1 a 4.<br />

Como jogador inveterado Car<strong>da</strong>no forjou, talvez com o baralho,<br />

uma <strong>da</strong>s contribuições mais importantes para as ciências ao <strong>da</strong>r<br />

início ao estudo <strong>da</strong> teoria <strong>da</strong>s probabili<strong>da</strong>des.<br />

Equações Equações de de 3º 3º e e 4º 4º graus<br />

graus<br />

Car<strong>da</strong>no procedia como um ver<strong>da</strong>deiro discípulo de al-<br />

Khowarizmi, e pensava em suas equações, com coeficientes<br />

numéricos específicos, como sendo representantes de categorias<br />

gerais. Por exemplo, quando escrevia, cubus p 6 rebus aequalis 20<br />

3<br />

(seja o cubo e seis vezes o lado igual a 20), ou seja, x + 6x<br />

= 20 ,<br />

ele pensava nessa equação como típica de to<strong>da</strong>s as que têm um cubo<br />

3<br />

e coisa igual a um número, isto é, <strong>da</strong> forma x + px = q .<br />

238<br />

A solução dessa equação ocupava algumas páginas de retórica<br />

que em notação atual se traduz por: substitua-se x por u − v e<br />

suponha-se u e v relacionados de modo que seu produto (pensado<br />

como área) seja um terço do coeficiente de x , isto é, uv = 2 .<br />

Substituindo na equação <strong>da</strong><strong>da</strong>, chega-se a u − v = 20 ; e eliminado<br />

6<br />

v , tem-se u = u + 8,<br />

uma equação quadrática em<br />

20 3<br />

3<br />

3<br />

3<br />

u . Logo<br />

3<br />

u ,<br />

como é sabido, vale 108 + 10 . Da relação u − v = 20 tem-se que<br />

3<br />

v = 108 −10<br />

; e assim, de x = u − v , conclui-se que<br />

3<br />

3<br />

x = 108 + 10 − 108 −10<br />

.<br />

Tendo efetuado todos os cálculos para esse caso específico,<br />

Car<strong>da</strong>no, de forma verbal, <strong>da</strong>va uma regra equivalente à atual<br />

3<br />

solução de x + px = q , ou seja, a fórmula<br />

3 2<br />

3 2<br />

p q q p q<br />

x 3 + + − 3 + −<br />

q<br />

= , que é chama<strong>da</strong> de<br />

27 4 2 27 2 2<br />

Car<strong>da</strong>no-Tartaglia.<br />

A seguir, Car<strong>da</strong>no passava então a outros casos, tais como cubo<br />

igual a coisa e número. Nesse caso usa-se a substituição x = u + v<br />

em vez de x = u − v , e procede-se de modo análogo ao anterior.<br />

Nesse caso, porém, há uma dificul<strong>da</strong>de. Quando se aplicava a regra<br />

3<br />

a x = 15x<br />

+ 4 , por exemplo, o resultado seria<br />

3<br />

3<br />

x = 2 + −121<br />

+ 2 − −121<br />

.<br />

Car<strong>da</strong>no, acreditando não existir raiz quadra<strong>da</strong> de número<br />

negativo, e, no entanto, sabendo que x = 4 era uma raiz <strong>da</strong> equação<br />

proposta, não conseguiu entender como sua regra faria sentido em<br />

tal situação. Noutra ocasião já ocorrera situação semelhante ao<br />

resolver o problema de dividir 10 em duas partes tais que o produto<br />

fosse 40. As regras usuais levaram às respostas 5 + −15<br />

e<br />

5 − −15<br />

para as partes ou, em sua notação, 5p:Rm:15 e<br />

5m:Rm:15). Car<strong>da</strong>no se referia a essas raízes quadra<strong>da</strong>s de números<br />

negativos como “sofísticas” e concluía que o resultado nesse caso<br />

era “tão sutil quanto inútil”.<br />

3<br />

3


239<br />

Estudiosos posteriores mostrariam que tais manipulações eram<br />

de fato sutis mas na<strong>da</strong> inúteis. Foi um mérito de Car<strong>da</strong>no que, ao<br />

menos, refletiu quanto a essa intrigante situação.<br />

Sobre a regra para resolver equações de grau 4, Car<strong>da</strong>no<br />

escreveu na Ars Magna que era devi<strong>da</strong> a Ferrari, que a inventou a<br />

seu pedido. Novamente, as equações foram resolvi<strong>da</strong>s em casos<br />

separados, num total de vinte.<br />

Como ilustração tem-se o caso: Seja quadrado-quadrado e<br />

quadrado e número igual ao lado, ou seja, x 6x 36 60x<br />

2 4<br />

+ + = .<br />

Car<strong>da</strong>no (ou Ferrari) sabia eliminar o termo cúbico de uma<br />

equação do quarto grau, somando ou subtraindo <strong>da</strong>s raízes um<br />

quarto do coeficiente do termo cúbico. Então os passos para a<br />

resolução desse exemplo são descritos como segue:<br />

1. Somar suficientes quadrados e números a ambos os membros <strong>da</strong><br />

equação para que o primeiro fique um quadrado perfeito, nesse caso<br />

4<br />

2<br />

2 2 ( x 6)<br />

.<br />

x + 12 x + 36 ou +<br />

2. Somar a ambos os membros termos envolvendo uma nova<br />

incógnita y de modo que o primeiro membro permaneça quadrado<br />

2<br />

2<br />

perfeito, como ( x + 6 + y)<br />

= 6x<br />

+ 60x<br />

+ y + 12y<br />

+ 2yx<br />

=<br />

2<br />

2<br />

= ( 2y<br />

+ 6)<br />

x + 60x<br />

+ ( y + 12y<br />

) .<br />

3. Escolher y de modo que o trinômio no segundo membro fique um<br />

quadrado perfeito. Isso se faz igualando a zero o discriminante –<br />

uma regra antiga e bem conheci<strong>da</strong> que nesse caso leva a<br />

2<br />

2<br />

60 − 4(<br />

2y<br />

+ 6)(<br />

y + 12y<br />

) = 0.<br />

4. Do passo 3 resulta uma equação cúbica em y,<br />

15 36 450<br />

2<br />

3<br />

y + y + y = , chama<strong>da</strong> a “cúbica resolvente” <strong>da</strong> equação<br />

quártica <strong>da</strong><strong>da</strong>. Essa é resolvi<strong>da</strong> em relação a y pelas regras<br />

previamente <strong>da</strong><strong>da</strong>s para resolução de equações cúbicas, sendo o<br />

resultado<br />

1 1 1 1<br />

y = 3 287 + 80449 + 3 287 − 80449 − 5 .<br />

2 4 2 4<br />

5. Substituir o valor de y obtido em 4 na equação para x do passo 2 e<br />

extrair a raiz quadra<strong>da</strong> de ambos os membros.<br />

2<br />

2<br />

2<br />

240<br />

6. O resultado do passo 5 é uma equação quadrática, que deve agora<br />

ser resolvi<strong>da</strong> para se encontrar o valor de x desejado.<br />

O mais importante resultado <strong>da</strong>s descobertas publica<strong>da</strong>s na Ars<br />

Magna foi o enorme impulso <strong>da</strong>do à pesquisa em álgebra em várias<br />

direções. Era natural que o estudo fosse generalizado de modo a<br />

incluir equações polinomiais de qualquer ordem e que, em<br />

particular, se procurasse resolver a de quinto grau. Porém, os<br />

matemáticos dos dois séculos seguintes enfrentariam um problema<br />

algébrico insolúvel, comparável aos problemas geométricos<br />

clássicos <strong>da</strong> antigui<strong>da</strong>de. Resultou muito boa matemática, mas<br />

somente uma conclusão negativa.<br />

Outro resultado imediato <strong>da</strong> resolução <strong>da</strong> cúbica, foi a primeira<br />

observação significativa dos números negativos. Os números<br />

irracionais já tinham sido aceitos nessa época, pois eram<br />

aproximáveis por números racionais. Os números negativos<br />

causavam dificul<strong>da</strong>des maiores porque não são aproximáveis por<br />

números positivos e só se tornaram mais plausíveis com a noção de<br />

sentido sobre uma reta.<br />

Um fato interessante foi que no momento em que os números<br />

negativos passaram a ser aceitos, houve necessi<strong>da</strong>de, com a solução<br />

<strong>da</strong> cúbica, de se considerar os números imaginários ou impossíveis.<br />

BOMBELLI BOMBELLI (1526 – 1573)<br />

Rafael Bombelli teve o que chamou “idéia louca”, pois to<strong>da</strong> a<br />

questão dos números imaginários parecia apoiar-se em sofismas. Os<br />

dois radicandos <strong>da</strong>s raízes cúbicas que resultavam na fórmula de<br />

Car<strong>da</strong>no-Tartaglia, diferiam apenas por um sinal. Como já foi visto,<br />

3<br />

a solução de x = 15x<br />

+ 4 , pela fórmula, leva a<br />

3<br />

3<br />

x = 2 + −121<br />

+ 2 − −121<br />

, embora se saiba, por substituição<br />

direta, que x = 4 é a única raiz positiva dessa equação.<br />

Bombelli teve a feliz idéia de que os próprios radicais (as duas<br />

raízes cúbicas) poderiam ser relacionados de modo análogo aos<br />

radicandos que, como se diz atualmente, seriam complexos<br />

conjugados cuja soma é 4.<br />

Para que a soma <strong>da</strong>s partes reais fosse 4, então, raciocinou<br />

Bombelli, a parte real de ca<strong>da</strong> uma seria 2; e para que um número <strong>da</strong>


241<br />

forma 2 + b −1<br />

fosse uma raiz cúbica de 2 + 11 −1<br />

, então b teria<br />

que ser 1. Logo x = 2 + −1<br />

+ 2 − −1<br />

= 4.<br />

Com seu engenhoso raciocínio Bombelli mostrou o papel<br />

importante que os números complexos conjugados viriam<br />

desempenhar; mas na época, a observação não ajudou na operação<br />

efetiva de resolver equações cúbicas, pois ele precisava saber<br />

antecipa<strong>da</strong>mente o valor de uma <strong>da</strong>s raízes. Mas então a equação já<br />

estaria resolvi<strong>da</strong>, e não haveria necessi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> fórmula. Sem tal<br />

conhecimento prévio, seu método falhava e o caso era considerado<br />

irredutível.<br />

Bombelli escreveu sua Álgebra por volta de 1560, mas essa só<br />

foi impressa, em parte, em 1572, cerca de um ano antes de sua<br />

morte. Um dos aspectos significativos desse livro é que contém um<br />

interessante simbolismo. Bombelli escrevia às vezes, 1Zp.5Rm.4 –<br />

2<br />

isto é, 1 zenus plus 5 res minus 4 – para x + 5x<br />

− 4.<br />

Mas usava<br />

também outra forma em que a potência <strong>da</strong> incógnita é representa<strong>da</strong><br />

simplesmente como um número arábico acima de um pequeno arco<br />

2 3<br />

de círculo, de modo que, por exemplo, x , x , x apareciam<br />

respectivamente como 1 2 3 . A álgebra de Bombelli,<br />

naturalmente, usava os símbolos italianos p e m para adição e<br />

subtração, mas ele ain<strong>da</strong> não tinha um símbolo para a igual<strong>da</strong>de. O<br />

sinal de igual<strong>da</strong>de atual, como já foi visto, fora publicado em 1557,<br />

na Inglaterra, por Robert Recorde.<br />

VIÈ VIÈTE VIÈ TE (1540 – 1603)<br />

François Viète não foi matemático profissional,<br />

tendo na sua juventude estu<strong>da</strong>do e praticado<br />

direito, tornando-se membro do parlamento <strong>da</strong><br />

Bretanha. Mais tarde tornou-se membro do<br />

conselho do rei, servindo primeiro sob Henrique<br />

III depois sob Henrique IV ou de Navarra. Foi<br />

na ocasião em que servia a Navarra, que teve<br />

grande sucesso ao decifrar as mensagens em<br />

código dos espanhóis que o acusaram de ter um<br />

pacto com o demônio.<br />

242<br />

Só o tempo de lazer de Viète era dedicado à matemática, no<br />

entanto, fez contribuições à aritmética, álgebra, trigonometria e<br />

geometria. Na aritmética ele deve ser lembrado por seu apelo em<br />

favor do uso de frações decimais em vez de sexagesimais.<br />

Viète conquistou a simpatia de Henrique IV ao resolver um<br />

complicado problema proposto e 1593, pelo matemático belga<br />

Adriaen van Roomen, segundo o costume <strong>da</strong> época de desafiar o<br />

mundo científico. Esse problema envolvia a equação de grau 45,<br />

45 43 41<br />

39<br />

3<br />

x − 45x<br />

+ 945x<br />

−12300x<br />

+ ... − 3795x<br />

+ 45x<br />

= A,<br />

cuja<br />

solução Viète conseguiu encontrar por um método trigonométrico,<br />

observando que a equação resulta de exprimir A = sen45θ<br />

em<br />

termos de x = 2 senθ<br />

. Com o uso de tabelas que dispunha, encontrou<br />

as soluções positivas.<br />

A sua obra In Artem Analyticam Isagoge (introdução a arte<br />

analítica) de 1571, é a mais antiga sobre a álgebra simbólica. Nela,<br />

as quanti<strong>da</strong>des conheci<strong>da</strong>s eram indica<strong>da</strong>s por consoantes e as<br />

incógnitas por vogais, fazendo clara distinção entre incógnita e<br />

parâmetro; recomen<strong>da</strong>va-se o uso de equações homogêneas,<br />

encontrava-se as seis primeiras potências do binômio, além de<br />

introduzir uma notação exponencial especial.<br />

Viète já usava os símbolos + e -, com o sentido atual; as<br />

2 3<br />

potências x, x e x indicava, por A, A quadratum, A cubum, e<br />

posteriormente por A, Aq, Ac,, respectivamente. Assim, nessa<br />

3 3 2 2 3<br />

notação a identi<strong>da</strong>de ( a + b ) = a + 3a b + 3ab<br />

+ b apareceria<br />

como a cubus+ b in a quadratum 3+ a in b quadratum 3+ b cubus<br />

aequalis a + b cubus, em que in era multiplicação e o traço sobre<br />

a + b tinha o significado dos parênteses atuais.<br />

Viète mostrou que os famosos problemas clássicos <strong>da</strong> trissecção<br />

de um ângulo <strong>da</strong>do e <strong>da</strong> duplicação do cubo envolviam a solução de<br />

uma equação cúbica e com isso fez importantes descobertas na<br />

teoria geral <strong>da</strong>s equações, como por exemplo, decompor polinômios<br />

em fatores do primeiro grau e derivar de uma <strong>da</strong><strong>da</strong> equação outras<br />

equações cujas raízes difiram <strong>da</strong>s <strong>da</strong> primeira por uma constante ou<br />

por um fator <strong>da</strong>do.<br />

Resolveu o famoso problema de Apolônio, que consistia em<br />

determinar um círculo tangente a três círculos <strong>da</strong>dos. Seguindo o


243<br />

método de Arquimedes dos polígonos inscritos e circunscritos, Viète<br />

expressou π por uma série infinita. Criou métodos sistemáticos para<br />

a solução de triângulos esféricos.<br />

Ao aplicar a trigonometria a problemas algébricos e aritméticos,<br />

Viète ampliava o alcance do assunto. Foi provavelmente sua<br />

reticência quanto aos números negativos que o impediu – como<br />

impediu seus contemporâneos – de progredir ain<strong>da</strong> mais. O<br />

aperfeiçoamento <strong>da</strong> notação feito por Viète foi seguido, um pouco<br />

mais tarde, pelas aplicações <strong>da</strong> álgebra à geometria, feitas por<br />

Descartes.<br />

2<br />

Para resolver a equação x + 2ax<br />

= b , Viète propõe uma<br />

substituição de variáveis, o que implica na transformação <strong>da</strong><br />

equação inicial em uma equação incompleta. Os passos por ele<br />

utilizados, em nossa linguagem atual, são: seja x + a = u , então<br />

2<br />

2<br />

2<br />

u = x + 2ax + a ; pela equação <strong>da</strong><strong>da</strong> x + 2ax<br />

= b , temos<br />

2<br />

2<br />

2 2 2<br />

= b a . Logo ( x a)<br />

= u = b + a<br />

u +<br />

+ e x = b + a − a .<br />

Para uma equação geral <strong>da</strong> forma ax<br />

Viète seria:<br />

+ bx + c = 0 , o método de<br />

Seja x = u + z . Substituindo em<br />

2<br />

ax + bx + c = 0 , resulta<br />

2 ( u + z)<br />

+ b(<br />

u + z)<br />

+ c = 0<br />

a , ou ( 2az<br />

b)<br />

u ( az bz ) 0<br />

2<br />

2<br />

2<br />

au + + + + + c = .<br />

− b<br />

− b<br />

Considerando 2 az + b = 0 , tem-se z = . Substituindo z = em<br />

2a<br />

2a<br />

2<br />

2<br />

2<br />

2 b − 4ac<br />

au + ( 2az<br />

+ b)<br />

u + ( az + bz + c)<br />

= 0 , resulta au = , ou<br />

4a<br />

2 −<br />

b 4ac<br />

u = ± . Finalmente, substituindo os valores<br />

4a<br />

2 −<br />

b 4ac<br />

u = ± em x = u + z , tem-se<br />

4a<br />

− b ± b 4ac<br />

x = .<br />

2a<br />

2<br />

2<br />

2 −<br />

− b<br />

z = e<br />

2a<br />

Desenvolvimento <strong>da</strong> trigonometria<br />

Muitas circunstâncias se combinaram para promover o<br />

desenvolvimento <strong>da</strong> trigonometria nesse período. Necessitavam dela<br />

244<br />

o engenheiro militar, o construtor de estra<strong>da</strong>s o astrônomo, o<br />

navegador e o cartógrafo, cujo trabalho dependia de todos os outros.<br />

Rethicus, conhecido como colaborador de Copérnico, organizou<br />

uma tábua de senos naturais de 10 em 10 segundos com quinze<br />

casas decimais. A ele devemos nossas fórmulas usuais para sen2 x e<br />

sen3 x.<br />

A notação sen, tg, etc., bem como a determinação <strong>da</strong> área do<br />

triângulo esférico são desse período.<br />

MERCATOR<br />

MERCATOR MERCATOR (1512 -1594)<br />

Gerhard Kremer, conhecido como Mercator dedicou-se à<br />

geografia matemática, primeiro em Lovaina e posteriormente em<br />

Duisburg, fazendo mapas, globos e instrumentos astronômicos como<br />

meio de vi<strong>da</strong>. Mais tarde, acrescentou o ensino a essas ocupações.<br />

Seu grande mapa-mundi, completado em 1569, marcou uma<br />

época na cartografia. Mercator submeteu a uma análise matemática<br />

os princípios que serviram de base à projeção de uma superfície<br />

esférica num plano, por meio <strong>da</strong> qual os meridianos e os paralelos<br />

são transformados, em duas séries de retas paralelas que se cortam<br />

em ângulos retos.<br />

Os ângulos se conservam inalterados, mas as áreas afasta<strong>da</strong>s do<br />

equador expandem-se desmedi<strong>da</strong>mente. Essa projeção de Mercator<br />

constituiu, junto com a projeção estereográfica conheci<strong>da</strong> de<br />

Ptolomeu, um dos mais importantes métodos cartográficos.<br />

O calendário Gregoriano<br />

Até 1582 vigorou o calendário Juliano com o ano de 365 dias e<br />

um quarto e um erro que crescia gradualmente, e por essa época já<br />

estava próximo de 10 dias.<br />

Sob a tutela do papa Gregório XIII, foram suprimidos os dias,<br />

entre 4 e 15 de outubro de 1852 e, o número de anos bissextos em<br />

ca<strong>da</strong> período de 4 séculos, foi diminuído de 100 para 97.<br />

A rivali<strong>da</strong>de religiosa impediu durante um século que essa<br />

reforma fosse adota<strong>da</strong> na Alemanha protestante, enquanto que a<br />

Inglaterra adiou a adoção até o ano de 1752.


NAPIER NAPIER (1550 – 1617)<br />

Os Os Os Logaritmos ogaritmos<br />

245<br />

Muitos matemáticos do século XVI tentaram coordenar<br />

progressões aritméticas e geométricas, principalmente no que diz<br />

respeito a facilitar o trabalho com as complica<strong>da</strong>s tabelas<br />

trigonométricas.<br />

Uma importante contribuição<br />

para esse objetivo foi<br />

empreendi<strong>da</strong> por um<br />

matemático e proprietário de<br />

terras escocês, John Napier (ou<br />

Neper), que em 1614 publicou<br />

em Edimburgo, a Merifici<br />

logarithmorum canonis<br />

descriptio (uma descrição <strong>da</strong><br />

maravilhosa regra dos<br />

logaritmos). A sua idéia<br />

principal foi construir duas<br />

seqüências de números, de tal<br />

modo relaciona<strong>da</strong>s, que o<br />

crescimento de uma em<br />

progressão aritmética implicaria<br />

no decrescimento <strong>da</strong> outra em<br />

progressão geométrica. Como o<br />

produto de dois números na segun<strong>da</strong> tem uma relação simples com a<br />

soma dos números correspondentes na primeira, a multiplicação<br />

poderia ser reduzi<strong>da</strong> à adição.<br />

Napier, segundo consta, dedicou-se por vinte anos antes <strong>da</strong><br />

publicação desse sistema que viria facilitar consideravelmente os<br />

cálculos com senos na astronomia.<br />

Sua definição do logaritmo (logos que é razão e arithmos que é<br />

número) repousa sobre a seguinte base cinemática:<br />

Sejam <strong>da</strong>dos um<br />

segmento de reta AB e<br />

uma semi-reta CDE.<br />

Suponha que um ponto<br />

246<br />

P parta de A e se mova ao longo de AB com veloci<strong>da</strong>de variável,<br />

decrescendo em proporção com sua distância a B; durante o mesmo<br />

tempo, suponha que um ponto Q parta de C e se mova ao longo de<br />

CDE com veloci<strong>da</strong>de uniforme, igual à veloci<strong>da</strong>de inicial de P.<br />

Napier chamava a distância CQ de logaritmo <strong>da</strong> distância PB.<br />

Usando notações atuais sejam PB = x e CQ = y. Napier<br />

considerou AB= 7 1<br />

10 , b = 1 − (um número bem próximo de 1), as<br />

7<br />

10<br />

7 1 L<br />

potências inteiras de b e a expressão N = 10 ( 1−<br />

) . Foi então<br />

7<br />

10<br />

7<br />

que chamou L de logaritmo de N. Assim, seu logaritmo de 10 era<br />

7 1<br />

0, de 10 ( 1 − ) era 1, etc.<br />

7<br />

10<br />

Deve-se lembrar que Napier não tinha o conceito de base de um<br />

sistema de logaritmos, mas pode-se verificar que os seus <strong>da</strong>dos<br />

−1<br />

levariam a um sistema de base e e, para isso, bastaria dividir as<br />

distâncias PB e CQ por<br />

7<br />

10 .<br />

De fato, com uma veloci<strong>da</strong>de inicial de<br />

7<br />

10 , ou seja,<br />

dx<br />

= −x<br />

e<br />

dt<br />

dy 7<br />

= 10 , x0<br />

dt<br />

7<br />

= 10 , y0<br />

= 0 tem-se<br />

dy −10<br />

=<br />

dx x<br />

ou<br />

7<br />

7<br />

y = −10<br />

lncx<br />

e <strong>da</strong>s condições iniciais encontra-se c = 10 . Logo,<br />

7 x y x<br />

y = −10<br />

ln ( ) ou = log ( ).<br />

7<br />

7<br />

7<br />

10 10<br />

−1<br />

e 10<br />

Outras tábuas análogas foram calcula<strong>da</strong>s independentemente<br />

pelo astrônomo e relojoeiro suíço Jobst Bürgi e publica<strong>da</strong>s em Praga<br />

em 1620. Os métodos de Bürgi são essencialmente os mesmos de<br />

Napier.<br />

BRIGGS BRIGGS (1561 – 1631)<br />

Henry Briggs, professor de geometria em Oxford, foi um dos<br />

admiradores mais entusiásticos de Napier, tanto que o visitou na<br />

Escócia em 1615 pouco depois de ter escrito: espero vê-lo neste<br />

7


247<br />

verão, se Deus quiser, porque nunca encontrei um livro que mais<br />

me agra<strong>da</strong>sse ou me despertasse maior admiração.<br />

Durante a visita discutiram possíveis modificações no método<br />

dos logaritmos, Briggs propôs o uso de potências de dez, e Napier<br />

disse que tinha pensado nisso e concor<strong>da</strong>va. Perceberam também<br />

que uma grande simplificação resultaria de se fazer<br />

log 1 = 0 , log10<br />

= 1 e abandonando a restrição dos logaritmos às<br />

quanti<strong>da</strong>des inteiras e fazendo assim com que a parte decimal de<br />

todos os logaritmos dependesse unicamente <strong>da</strong> seqüência dos<br />

algarismos que formam ca<strong>da</strong> número.<br />

Com a morte de Napier, em 1617, coube a Briggs a tarefa de<br />

construir a primeira tabela de logaritmos decimais ou comuns.<br />

Iniciando com log 10 = 1 , encontrou outros logaritmos tomando<br />

raízes quadra<strong>da</strong>s sucessivas. Uma vez que 10 = 3,<br />

162277 , Briggs<br />

encontrou log 3 , 162277 = 0,<br />

5 ; como10 3162277<br />

5 623413<br />

4 = , = , ,<br />

então log 5 , 623413 = 0,<br />

75 . Continuando assim calculou os<br />

logaritmos de 1 a 1000, com 14 casas decimais, tendo publicado os<br />

resultados nesse mesmo ano.<br />

Napier, devido ao interesse pelas aplicações trigonométricas,<br />

construiu sua tábua, com logaritmos <strong>da</strong>s funções trigonométricas<br />

para ca<strong>da</strong> minuto, com 7 decimais e não com logaritmos de números<br />

abstratos. Em conexão com essa mu<strong>da</strong>nça para a base 10,<br />

desenvolveu Briggs interessantes métodos de interpolação, bem<br />

como verificou a exatidão dos logaritmos.<br />

Em 1624, em Arithmetica logarithmica, Briggs ampliou sua<br />

tabela incluindo logaritmos comuns dos números de 1 a 20.000 e de<br />

90.000 a 100.000, com 14 decimais. Organizou também tábuas<br />

trigonométricas com 10 decimais e um intervalo angular de 10<br />

segundos.<br />

Pode-se observar que a revolução causa<strong>da</strong> pelo aparecimento<br />

dos logaritmos estava no fato de que suas proprie<strong>da</strong>des<br />

b<br />

log a bc = log a b + log a c,<br />

log a = log a b − log a c e<br />

c<br />

c<br />

log a b = clog<br />

a b transformavam, com auxílio de tabelas, produto<br />

3<br />

248<br />

em soma, quociente em diferença e potência em produto. Foi por<br />

isso que astrônomos como Kepler, por exemplo, reconheceram<br />

imediatamente a enorme importância do novo método logaritmo.<br />

As tábuas que causaram revolução no cálculo atualmente são<br />

artigos curiosos de museus, mas os logaritmos ou, então, as funções<br />

logarítmicas fazem parte do dia a dia <strong>da</strong> matemática, pura ou<br />

aplica<strong>da</strong>, e de muitos outros ramos <strong>da</strong> ciência.<br />

STEVIN STEVIN STEVIN (1548 – 1620)<br />

Simon Stevin de Bruges, Países Baixos tornou-se engenheiro no<br />

exército do príncipe Maurício de Nassau no qual serviu como<br />

comissário de obras públicas e, durante algum tempo, ensinou<br />

matemática ao príncipe.<br />

O livro de Stevin com o título flamengo De Thiende (O<br />

décimo), publicado e Leyden em 1585, teve uma versão francesa,<br />

bem mais divulga<strong>da</strong>, como La Disme, publica<strong>da</strong> no mesmo ano.<br />

Com ele Stevin introduziu as frações decimais, como parte de um<br />

projeto para unificar o sistema de medições numa base decimal. Seu<br />

empenho nesse sentido foi maior, ain<strong>da</strong>, do que o de Viète.<br />

É claro que Stevin não foi em nenhum sentido o inventor <strong>da</strong>s<br />

frações decimais, nem o primeiro a usá-las sistematicamente. Na<br />

China antiga encontrava-se um uso mais do que incidental dessas<br />

frações, como também na Arábia. Quando Viète as recomendou<br />

diretamente em 1579, elas já eram geralmente aceitas pelos<br />

matemáticos na Europa.<br />

Entre o povo em geral, no entanto, e mesmo entre praticantes de<br />

matemática, as frações decimais só se tornaram amplamente<br />

conheci<strong>da</strong>s quando Stevin se dispôs a explicar o sistema de modo<br />

elementar e completo. Ele queria ensinar a todos como efetuar, com<br />

facili<strong>da</strong>de nunca vista, to<strong>da</strong>s as computações necessárias entre os<br />

homens por meio de inteiros e frações.<br />

Embora Stevin fosse um grande admirador dos tratados teóricos<br />

de Arquimedes, em sua obra notou-se um veio prático que é mais<br />

característico do renascimento do que <strong>da</strong> antigui<strong>da</strong>de clássica. Prova<br />

disso que foi o maior responsável pela introdução no seu país do<br />

sistema de contabili<strong>da</strong>de inspirado no de Pacioli, introduzido na<br />

Itália quase um século antes.


249<br />

De influência muito mais ampla do que outros sábios de sua<br />

época, na prática comercial, na engenharia e na notação matemática,<br />

Stevin recomendou também a adoção de um sistema decimal de<br />

pesos e medi<strong>da</strong>s.<br />

Não escrevia suas expressões decimais com um denominador,<br />

como o fazia Viète; em vez disso, num círculo acima ou depois de<br />

ca<strong>da</strong> dígito, ele escrevia a potência de dez assumi<strong>da</strong> como divisor.<br />

Assim o valor aproximado de π aparecia como 3 0 1 1 4 2 1<br />

3 6 4 ou<br />

3 1 4 1 6.<br />

Homem de idéias independentes, no que dizia respeito aos<br />

problemas <strong>da</strong> mecânica, foi um pioneiro nessa ciência. Realizou<br />

importantes discussões do plano inclinado mediante uma cadeia sem<br />

fim, a pender livremente de um triângulo de lados desiguais.<br />

Realizou também experiências sobre que<strong>da</strong> livre, mas o seu relato<br />

publicado em flamengo e 1586 recebeu muito menor atenção que<br />

uma experiência semelhante, mas posterior, atribuí<strong>da</strong>s a Galileu.<br />

Simon Stevin foi um matemático típico de seu tempo no fato de<br />

gostar <strong>da</strong>s aplicações elementares de ca<strong>da</strong> assunto.<br />

Exercícios<br />

Exercícios<br />

0 1 2 3 4<br />

1. Quais dos fatores seguintes foram importantes para o<br />

desenvolvimento <strong>da</strong> matemática no renascimento. Explique.<br />

a) a que<strong>da</strong> de Constantinopla;<br />

b) a reforma protestante;<br />

c) o surgimento do humanismo;<br />

d) a invenção <strong>da</strong> imprensa;<br />

e) a emergência <strong>da</strong> classe mercantil.<br />

2. Como você explica o fato de a álgebra e a trigonometria terem se<br />

desenvolvido mais rapi<strong>da</strong>mente que a geometria durante o<br />

renascimento?<br />

3. Por que a resolução <strong>da</strong> equação cúbica foi tão importante para o<br />

desenvolvimento dos números complexos?<br />

250<br />

4. Que países lideraram, durante o renascimento, o desenvolvimento<br />

<strong>da</strong> álgebra, trigonometria e geometria? Mencione contribuições<br />

específicas em ca<strong>da</strong> caso.<br />

5. Obtenha uma solução <strong>da</strong> equação de Bombelli x = 15x<br />

+ 4 como<br />

uma soma ou diferença de raízes cúbicas de números complexos.<br />

6. Reduza a resolução <strong>da</strong> quártica de Ferrari x<br />

resolução de uma equação cúbica.<br />

+ x + 36 = 60x<br />

à<br />

4<br />

3<br />

6 2<br />

7. Resolva o problema de Car<strong>da</strong>no de dividir 10 em duas partes cujo<br />

produto seja 40.<br />

8. Usando o sistema de logaritmos de Napier, qual é a relação entre<br />

x<br />

log x,<br />

log y , log( xy ) e log ? Justifique.<br />

y<br />

9. Que vantagens têm as frações decimais sobre as sexagesimais?<br />

Que razões pode <strong>da</strong>r para o seu tardio aparecimento na Europa?


INÍCIOS INÍCIOS DA DA MATEMÁTICA MATEMÁTICA MODERNA<br />

MODERNA<br />

(Século (Século (Século XVII)<br />

XVII)<br />

251<br />

“Há algum ramo do conhecimento que realmente oferece segurança?”<br />

(Descartes)<br />

O O progresso progresso <strong>da</strong> <strong>da</strong> ciência ciência no no no século século século XVII<br />

XVII<br />

O século XVII de grandes realizações, de ver<strong>da</strong>deiras<br />

revoluções na matemática, foi um século de crises profun<strong>da</strong>s na<br />

Europa. Foi a última fase <strong>da</strong> transição geral <strong>da</strong> economia feu<strong>da</strong>l para<br />

a capitalista.<br />

Com a destruição dos feudos onde os trabalhadores eram<br />

servos, houve um deslocamento desses para as ci<strong>da</strong>des à procura de<br />

emprego nas indústrias que surgiam. Tais indústrias exigiam um<br />

grau mínimo de instrução e não havia lugar para todos. O<br />

capitalismo surgiu como um sistema moderno, eficiente, de<br />

produção, mas trazia consigo uma contradição – o desemprego nas<br />

ci<strong>da</strong>des.<br />

Foi nesse século que se verificou a maior parte <strong>da</strong>s conquistas,<br />

senão to<strong>da</strong>s, que marcam a transição do renascimento para a era <strong>da</strong><br />

ciência moderna. Tiveram importância primordial a formulação <strong>da</strong>s<br />

leis matemáticas <strong>da</strong> gravitação, a criação <strong>da</strong> geometria analítica e o<br />

desenvolvimento do cálculo infinitesimal, o descobrimento <strong>da</strong>s leis<br />

do movimento, <strong>da</strong>s leis do pêndulo e <strong>da</strong> pressão atmosférica.<br />

A demonstração <strong>da</strong> circulação do sangue marcou o início <strong>da</strong><br />

fisiologia moderna. Não foi menos importante para a química e a<br />

biologia a descoberta de que a combustão e a vi<strong>da</strong> dependiam de<br />

uma mesma substância, encontra<strong>da</strong> no ar. Foi fun<strong>da</strong>mental, na<br />

biologia, o descobrimento de uni<strong>da</strong>des estruturais, as células, nos<br />

tecidos <strong>da</strong>s plantas e animais, a prova experimental <strong>da</strong> função sexual<br />

<strong>da</strong>s plantas, tal qual nos animais, e a demonstração de que a antiga<br />

crença na geração espontânea de certas espécies de animais era<br />

falsa. O alicerce <strong>da</strong> classificação sistemática dos animais e <strong>da</strong>s<br />

plantas foi lançado pela definição de “espécie”.<br />

252<br />

O progresso <strong>da</strong> ciência basea<strong>da</strong> na observação e na experiêcia<br />

foi acelerado pela invenção de instrumentos tais como a bomba<br />

aspirante, o telescópio de reflexão, os microscópios – simples e<br />

composto – o barômetro, o termômetro e o relógio de pêndulo.<br />

A época, portanto, foi de profun<strong>da</strong>s transformações científicas e<br />

tecnológicas, razão pela qual impunha-se uma matemática mais<br />

integra<strong>da</strong> e operacional. As invenções <strong>da</strong> geometria analítica e do<br />

cálculo diferencial e integral responderam, muito bem, a essa<br />

exigência, tanto que podem ser considera<strong>da</strong>s como o ver<strong>da</strong>deiro<br />

início <strong>da</strong> matemática moderna.<br />

DESCARTES DESCARTES (1596 – 1650)<br />

René Descartes, nasceu em La Haye,<br />

atual Descartes, pequena ci<strong>da</strong>de<br />

situa<strong>da</strong> a 300 km de Paris na<br />

província de Touraine na França.<br />

Matriculou-se aos 8 anos no Colégio<br />

jesuíta de La Flèche, na época<br />

considerado o melhor <strong>da</strong> Europa. Lá<br />

eram ministrados dois tipos de<br />

conhecimentos: as ciências “práticas”,<br />

úteis a um oficial (matemática,<br />

geografia, noções de máquinas e<br />

fortificações, hidrografia, etc.); e as<br />

“letras”, ou conhecimentos humanísticos (gramática, história,<br />

poesia, retórica, filosofia e moral).<br />

Como sempre teve saúde frágil não lhe era cobra<strong>da</strong> no colégio a<br />

regulari<strong>da</strong>de <strong>da</strong> freqüência às aulas e foi nessa época que adquiriu o<br />

hábito de permanecer na cama de manhã, para leituras e meditações.<br />

Às vezes chegava a sonhar e tomava decisões a partir dos sonhos.<br />

Anos mais tarde, diria que seus melhores pensamentos filosóficos e<br />

matemáticos surgiram pela manhã, deitado e em estado de<br />

meditação.<br />

Aos 20 anos graduou-se em Direito pela Universi<strong>da</strong>de de<br />

Poitiers e estabeleceu-se em Paris a fim de iniciar-se na vi<strong>da</strong><br />

mun<strong>da</strong>na, como convinha a alguém <strong>da</strong> sua posição. Mas<br />

reencontrou-se com Marin Mersenne (1588-1648) que conhecera em


253<br />

La Flèche e por dois anos dedicaram-se à matemática com to<strong>da</strong>s as<br />

suas forças.<br />

Integrando-se, curiosamente, ao exército holandês em Bre<strong>da</strong>,<br />

esteve sob o comando do príncipe Maurício de Nassau. O príncipe<br />

logo percebeu que o jovem Descartes não tinha hábitos de um<br />

sol<strong>da</strong>do comum: lia livros complicados, falava de uma forma erudita<br />

e, principalmente, não queria na<strong>da</strong> com as batalhas. Adoecia no<br />

início de ca<strong>da</strong> combate, melhorava depois e, nas raras vezes em que<br />

pegava uma arma (chegou a espa<strong>da</strong>chim), limitava-se a aborrecer os<br />

outros sol<strong>da</strong>dos com perguntas sobre as razões que os levariam a<br />

matar seus semelhantes.<br />

Depois de viver vinte anos na Holan<strong>da</strong>, Descartes foi convi<strong>da</strong>do<br />

pela jovem rainha Cristina <strong>da</strong> Suécia para fazer parte de sua Corte.<br />

A rainha decidiu tomar lições de matemática e filosofia, às cinco<br />

horas <strong>da</strong>s manhãs géli<strong>da</strong>s de Estocolmo. Devido à sua saúde sempre<br />

muito frágil, não resistiu ao frio excessivo, vindo a falecer de<br />

pneumonia aos 54 anos de i<strong>da</strong>de.<br />

A rainha ordenou que lhe decepassem a cabeça, para conservála<br />

no mel. O corpo foi enviado à França, onde o enterraram. A<br />

cabeça de Descartes só voltaria à sua terra natal em março de 1809,<br />

quando os suecos homenagearam o filósofo.<br />

O Discurso do Método<br />

Em 1637 Descartes publicou na Holan<strong>da</strong>, em francês, seu<br />

grandioso Discours de la Méthode pour bien conduire la raison e<br />

chercher la vérité <strong>da</strong>ns les sciences (Discurso sobre o método para<br />

bem conduzir a própria razão e procurar a ver<strong>da</strong>de nas ciências),<br />

conhecido como O Discurso do Método.<br />

O bom senso é a coisa do mundo mais bem distribuí<strong>da</strong>, porque<br />

ca<strong>da</strong> qual pensa ser tão bem provido dele que mesmo os mais<br />

difíceis de contentar noutras coisas não costumam desejar mais do<br />

que o que têm. E não é verossímil que todos se enganem a tal<br />

respeito; antes isso mostra que o poder de bem julgar e distinguir o<br />

ver<strong>da</strong>deiro do falso, que é propriamente que se chama bom senso ou<br />

razão, é naturalmente igual em todos os homens; e que assim a<br />

diversi<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s opiniões não resulta de serem uns mais racionais<br />

do que os outros, mas somente de que conduzimos os nossos<br />

254<br />

pensamentos por caminhos diversos e não consideramos as mesmas<br />

coisas.<br />

Descartes iniciou essa obra com uma nota prefacial: se este<br />

discurso parecer longo demais para ser lido de uma só vez, poderse-á<br />

dividi-lo em seis partes: considerações sobre as ciências; as<br />

principais regras do seu método; algumas regras de moral que<br />

deduziu do método; os raciocínios com que prova a existência de<br />

Deus e <strong>da</strong> alma humana; questões de física, movimento do coração<br />

e a diferença entre a alma humana e a dos brutos; e, o que é<br />

necessário para que sejam feitos, na investigação <strong>da</strong> natureza,<br />

progressos ain<strong>da</strong> maiores do que os realizados até então.<br />

As quatro regras básicas de o método:<br />

• clareza e distinção: só se deve acolher como ver<strong>da</strong>deiro o que se<br />

apresente ao espírito de forma tão clara e distinta que não tenha<br />

como duvi<strong>da</strong>r;<br />

• análise: em presença de dificul<strong>da</strong>des no conhecimento, deve-se<br />

dividi-las em tantas parcelas quantas forem necessárias para se<br />

chegar a partes claras e distintas e, assim, solucionar o<br />

problema;<br />

• ordem: deve-se conduzir os pensamentos por ordem, começando<br />

pelos mais simples e prosseguindo na direção dos mais<br />

complexos ou compostos;<br />

• enumeração: proceder a revisões e enumerações completas, para<br />

ter a certeza de que todos os elementos foram considerados, ou<br />

seja, verificar o resultado final.<br />

O Discurso do Método trazia também, três importantes<br />

apêndices: Les Météores (Os Meteoros), estudo dos corpos celestes;<br />

La dioptrique (A Dióptrica), estudo <strong>da</strong> refração <strong>da</strong> luz e La<br />

Géométrie (A Geometria), primeiros ensaios <strong>da</strong> geometria analítica,<br />

em que mostrou como a geometria poderia ser estu<strong>da</strong><strong>da</strong> por meio <strong>da</strong><br />

álgebra.<br />

Os objetivos de La Géométrie ficam claros logo na primeira<br />

frase do trabalho: todo problema de geometria pode ser facilmente<br />

reduzido a termos tais que o conhecimento dos comprimentos de<br />

certos segmentos basta para construir a solução.<br />

Ao realizar um estudo criterioso sobre equações algébricas,<br />

Descartes apresentou algumas inovações importantes com respeito


255<br />

às notações e que ain<strong>da</strong> são usa<strong>da</strong>s atualmente. Introduziu o uso<br />

sistemático <strong>da</strong>s letras a, b, e c para as quanti<strong>da</strong>des conheci<strong>da</strong>s e de x,<br />

y e z para incógnitas. Apresentou uma regra de sinais para estu<strong>da</strong>r o<br />

número de raízes positivas e negativas (que chamava de falsas) de<br />

uma <strong>da</strong><strong>da</strong> equação. Imaginou até ter encontrado um método para<br />

resolver equações de qualquer grau, mas isso não se concretizou.<br />

2<br />

2<br />

Resolveu equações do tipo: x = bx + c , x = c − bx<br />

2 2<br />

e<br />

2<br />

2<br />

x = bx − c , sempre com b e c positivos.<br />

Por exemplo, para resolver a equação x = bx + c , usou o<br />

seguinte método: Traça-se um segmento LM, de comprimento c, e,<br />

b<br />

em L, levanta-se um segmento NL igual a e perpendicular a LM.<br />

2<br />

Com centro em N, constrói-se<br />

b<br />

um círculo de raio e traça-<br />

2<br />

se a reta por M e N que corta<br />

o círculo em O e P. Então a<br />

raiz procura<strong>da</strong> é o segmento<br />

OM.<br />

Com efeito, no triângulo<br />

MLN, e se OM = x , tem-se:<br />

b 2 b 2 2<br />

2<br />

2<br />

( x − ) = ( ) + c e <strong>da</strong>í: x − bx = c .<br />

2 2<br />

Para encontrar a reta tangente a uma curva, Descartes<br />

desenvolveu um método de construção que era algebricamente<br />

melhor do que os métodos infinitesimais, utilizados até então.<br />

P<br />

f(x) r<br />

x v<br />

y = f(x)<br />

Para encontrar a tangente à curva y = f ( x ) no ponto<br />

P = ( x,<br />

f ( x )) era preciso primeiro localizar o ponto C = ( v,<br />

0 ) de<br />

2<br />

2<br />

256<br />

intersecção <strong>da</strong> reta normal à curva em P, com o eixo x. A tangente<br />

pode então ser toma<strong>da</strong> como a perpendicular à reta normal em P.<br />

Em geral, uma circunferência com centro C = ( v,<br />

0 ) e raio<br />

r = CP intercepta a curva y = f ( x ) em um segundo ponto próximo<br />

de P. Logo<br />

2<br />

2<br />

y + ( x − v)<br />

2<br />

= r . Supondo que [ ( ) ] 2<br />

x<br />

2<br />

polinômio tem-se que a equação: [ f ( x)<br />

] 2 ( v − x)<br />

2<br />

= r<br />

f seja um<br />

+ (com v e r<br />

fixados) terá a coordena<strong>da</strong> x de P como raiz dupla, uma imposição<br />

+ − − = − c e x r x v x f<br />

2<br />

2 2<br />

2<br />

. Essa<br />

de Descartes. ou seja, [ ( ) ] ( ) ( ) ∑<br />

equação em potência de x foi resolvi<strong>da</strong> para v em termos <strong>da</strong> raiz<br />

( v − x)<br />

x = e . A inclinação <strong>da</strong> reta tangente em P seria então e a<br />

f ( x)<br />

recíproca negativa <strong>da</strong> inclinação <strong>da</strong> tangente seria<br />

inclinação <strong>da</strong> normal CP.<br />

f ( x )<br />

− ,<br />

v − x<br />

Por exemplo, considere a parábola<br />

2<br />

y = kx . Então,<br />

2 2 ( v − x)<br />

− = 0<br />

kx + r . Como essa equação é de grau 2, o lado direito<br />

será um polinômio de grau 2. Assim, ( ) ( ) 2<br />

2 2<br />

kx v − x − r = x − e<br />

seja, ( k 2v<br />

+ 2e)<br />

x + v − r − e = 0.<br />

2<br />

2<br />

2<br />

i<br />

i x<br />

+ , ou<br />

− Finalmente, por igual<strong>da</strong>de<br />

1<br />

de polinômios, temos v = e + k , e para e = x, a subnormal<br />

2<br />

1<br />

, e a inclinação <strong>da</strong> reta tangente à parábola ( , kx )<br />

v − x = k<br />

x é<br />

2<br />

k<br />

v − x 1 k<br />

=<br />

2<br />

= .<br />

f ( x ) kx 2 x<br />

Considerado o primeiro filósofo moderno, Descartes tentou<br />

explicar em suas obras, todo o Universo material como uma<br />

máquina. Todos os fenômenos naturais seriam causados por simples<br />

movimentos internos <strong>da</strong> matéria que compõe os corpos, tudo seria<br />

extensão e movimento, o resto aparência. A primeira coisa a fazer,<br />

portanto, seria estu<strong>da</strong>r o movimento.


257<br />

Essa explicação incluía os fenômenos <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> corpórea, que<br />

acreditava ocorrer de acordo com uma necessi<strong>da</strong>de matemática, sem<br />

a intervenção de qualquer espécie de força espiritual, conquanto a<br />

idéia de Deus ocupasse um lugar central na sua filosofia e afirmasse<br />

a imortali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> alma humana, evitando ofender a Igreja.<br />

A propósito apresentou o seguinte teorema: Deus existe. Para<br />

Descartes a idéia de Deus é uma idéia perfeita. Ora, o ser humano<br />

sendo imperfeito, não tem idéias perfeitas. Se o homem é um ser<br />

imperfeito e tem uma idéia perfeita, que é a idéia de Deus, esta idéia<br />

só pode existir no homem <strong>da</strong><strong>da</strong> a ele por Deus. Então, Deus existe.<br />

Sua posição racionalista, numa época em que o espírito<br />

dominante era o do conhecimento pela fé foi, para o seu tempo,<br />

quase revolucionária. Quando alguns contemporâneos diziam que a<br />

ver<strong>da</strong>de estava na fé, na crença cega, pura e simples, seu método era<br />

submeter todos os <strong>da</strong>dos dos sentidos – os fenômenos – ao exame <strong>da</strong><br />

razão.<br />

Outras obras de destaque de Descartes são: Regras para direção<br />

do espírito; Meditações metafísicas; Princípios de filosofia; O<br />

tratado <strong>da</strong>s paixões <strong>da</strong> alma.<br />

O matemático holandês Frans van Schooten (1615-1660)<br />

publicou uma versão para o latim de La Géométrie, em homenagem<br />

a Descartes em 1649. Posteriormente em novas edições, acrescentou<br />

comentários importantes. Assim, pode-se dizer, que Descartes<br />

introduziu a geometria analítica e Schooten a tornou conheci<strong>da</strong>.<br />

Leibniz, por sua vez, foi o primeiro a usar o termo cartesiano de<br />

Cartesius ( Descartes em Latim).<br />

CAVALIERI<br />

CAVALIERI CAVALIERI (1598 – 1647)<br />

Enquanto Descartes lançava, por assim<br />

dizer, os fun<strong>da</strong>mentos <strong>da</strong> moderna<br />

geometria analítica, seu contemporâneo<br />

italiano, Bonaventura Cavalieri prestava<br />

um serviço semelhante ao cálculo integral<br />

com a sua teoria dos indivisíveis. O<br />

argumento em que se baseava o livro<br />

Geometria indivisibilibus continuorum,<br />

publicado em 1635 era essencialmente o<br />

258<br />

sugerido por Kepler e Galileu – que uma área poderia ser pensa<strong>da</strong><br />

como sendo forma<strong>da</strong> de segmentos ou indivisíveis e que um volume<br />

poderia ser considerado como composto de áreas que são volumes<br />

indivisíveis ou quase-atômicos.<br />

Embora Cavalieri na época não tenha percebido, estava<br />

seguindo pega<strong>da</strong>s realmente muito respeitáveis, pois esse é<br />

exatamente o tipo de raciocínio que Arquimedes usou em O método.<br />

Não havia no método de Cavalieri qualquer processo de<br />

aproximação contínua, nem omissão de termos, pois ele usava uma<br />

estrita correspondência um a um dos elementos em duas<br />

configurações. Nenhum elemento era descartado, qualquer que fosse<br />

a dimensão.<br />

Princípio de Cavalieri<br />

“Se dois sólidos têm alturas iguais, e se secções feitas por<br />

planos paralelos às bases e a distâncias iguais dessas estão sempre<br />

numa <strong>da</strong><strong>da</strong> razão, então os volumes dos sólidos estão também nessa<br />

razão”.<br />

Cavalieri se concentrou num teorema geométrico extremamente<br />

a<br />

n+<br />

1<br />

n a<br />

útil, equivalente à afirmação atual ∫ x dx = . O enunciado e a<br />

0 n + 1<br />

prova do teorema são muito diferentes <strong>da</strong>s usa<strong>da</strong>s atualmente, pois<br />

Cavalieri comparava potências dos segmentos, num paralelogramo,<br />

paralelos à base com as potências correspondentes de segmentos em<br />

qualquer dos dois triângulos em que uma diagonal divide o<br />

paralelogramo.<br />

Seja o paralelogramo<br />

A<br />

F<br />

AFDC, dividido em dois<br />

triângulos pela diagonal<br />

H E CF e seja HE um<br />

B<br />

indivisível do triângulo<br />

M<br />

CDF que é paralelo à<br />

C<br />

D<br />

base CD. Então tomando<br />

BC = FE e traçando BM<br />

paralelo a CD é fácil mostrar que o indivisível BM no triângulo ACF<br />

será igual a HE. Assim podemos estabelecer uma correspondência


259<br />

entre todos os indivisíveis do triângulo CDF e os indivisíveis iguais<br />

do triângulo ACF e, portanto, os triângulos são iguais.<br />

Como o paralelogramo é a soma dos indivisíveis nos dois<br />

triângulos, é claro que a soma <strong>da</strong>s primeiras potências dos<br />

segmentos em um dos triângulos é metade <strong>da</strong> soma <strong>da</strong>s primeiras<br />

a<br />

2<br />

a<br />

potências dos segmentos no paralelogramo; ou seja, ∫ xdx =<br />

0 2 .<br />

Com argumentos semelhantes mas consideravelmente mais<br />

elaborado, Cavalieri mostrava que a soma dos quadrados dos<br />

segmentos no triângulo era um terço <strong>da</strong> soma dos quadrados dos<br />

segmentos no paralelogramo. Para os cubos dos segmentos ele<br />

1<br />

encontrou a razão . Mais tarde estudou a demonstração a<br />

4<br />

potências superiores e a importante generalização diz que para<br />

1<br />

potências enésimas a razão é .<br />

n + 1<br />

Outra contribuição importante de Cavalieri se refere à<br />

2<br />

comparação de uma parábola, x = ay e a espiral<br />

de Arquimedes, r = aθ<br />

, na ver<strong>da</strong>de pensou em<br />

comparar indivisíveis segmentos de reta com<br />

indivisíveis curvilíneos. Se, por exemplo, se<br />

2<br />

enrolar a parábola x = ay como uma mola de<br />

relógio de modo que o vértice O permaneça fixo,<br />

enquanto que o ponto P vai sobre o ponto P’,<br />

então as coordena<strong>da</strong>s <strong>da</strong> parábola podem ser pensa<strong>da</strong>s como<br />

transformando-se em raios vetores através <strong>da</strong>s relações x = r e<br />

y = rθ<br />

. Os pontos sobre a parábola vão então cair sobre a espiral.<br />

Cavalieri observou ain<strong>da</strong> que se PP’ for tomado igual à<br />

circunferência do círculo de raio OP’, a área dentro <strong>da</strong> primeira<br />

volta <strong>da</strong> espiral é exatamente igual a área entre o arco parabólico OP<br />

e o raio vetor OP. Tem-se assim um típico problema de geometria<br />

analítica e cálculo, que Cavalieri resolveu com o seu método, às<br />

vezes criticado.<br />

Os indivisíveis careciam de rigor, mas anunciavam um dos<br />

processos mais interessantes e importantes <strong>da</strong> matemática moderna<br />

– a integração como soma.<br />

260<br />

FERMAT FERMAT (1601 – 1665)<br />

Pierre de Fermat não era de nenhum modo um<br />

matemático profissional e a exemplo de<br />

Descartes nunca teve problemas financeiros.<br />

Estudou direito em Toulouse, onde serviu no<br />

parlamento local, primeiro como advogado,<br />

mais tarde como conselheiro. Era um homem<br />

ocupado, no entanto, teve tempo para dedicarse<br />

à literatura clássica, inclusive à ciência e à<br />

matemática, por prazer. O resultado foi que em<br />

1629 começou a fazer descobertas de<br />

importância capital em matemática,<br />

especialmente na restauração de obras perdi<strong>da</strong>s<br />

<strong>da</strong> antigui<strong>da</strong>de, com base em informações<br />

encontra<strong>da</strong>s nos tratados clássicos preservados.<br />

Fermat se propôs a reconstruir a obra Lugares Planos de Apolônio,<br />

com base em alusões conti<strong>da</strong>s na Coleção matemática de Papus.<br />

Foi nessa ativi<strong>da</strong>de que Fermat descobriu o princípio<br />

fun<strong>da</strong>mental <strong>da</strong> geometria analítica: “sempre que numa equação<br />

final encontram-se duas quanti<strong>da</strong>des incógnitas, tem-se um lugar<br />

geométrico, a extremi<strong>da</strong>de de uma delas descrevendo uma linha, reta<br />

ou curva”.<br />

É possível que Fermat desde 1629 tivesse concluído sua<br />

geometria analítica, pois por essa época, fez duas descobertas<br />

significativas que se relacionam com o seu trabalho Sobre Lugares,<br />

publicado somente em 1679.<br />

A mais importante dessas descobertas foi descrita alguns anos<br />

depois em um tratado chamado Método para achar máximos e<br />

mínimos, basicamente de curvas polinomiais, que hoje são chama<strong>da</strong>s<br />

parábolas e hipérboles de Fermat.<br />

A seguir os passos importantes para se aplicar o método, que<br />

atualmente se chama diferenciação, também abor<strong>da</strong>do por Descartes<br />

e Barrow.<br />

Fermat considerava a diferença f ( A + E ) - f ( A ) em que<br />

f ( A ) e f ( A + E ) são as imagens dos pontos vizinhos A e A+E<br />

pela função f. Após, dividir essa diferença pelo acréscimo E,


261<br />

tornava-o igual a zero e finalmente igualava o resultado final<br />

também a zero. Com a resolução dessa igual<strong>da</strong>de obtinha-se o ponto<br />

de máximo ou de mínimo. Resumi<strong>da</strong>mente tem-se:<br />

y<br />

f (<br />

A + E ) −<br />

E<br />

f ( A )<br />

E=<br />

0<br />

= 0<br />

Exemplo: Dividir um número n > 0 em duas partes, A e B, de modo<br />

que o produto seja máximo.<br />

2<br />

Solução: A + B = n e P = AB = A(<br />

n − A ) = nA − A . Seja f a<br />

2<br />

função <strong>da</strong><strong>da</strong> por f ( A ) = nA − A<br />

Assim,<br />

.<br />

2<br />

f ( A + E ) = n(<br />

A + E ) − ( A + E )<br />

2<br />

2<br />

= nA + nE − A − 2AE − E ⇒<br />

f ( A + E ) − f ( A ) = nE − 2AE − E ⇒<br />

f ( A + E ) − f ( A )<br />

= n − 2A<br />

− E ⇒<br />

E<br />

f ( A + E ) − f ( A )<br />

⇒<br />

= n − 2A<br />

=<br />

E<br />

E=<br />

0<br />

2<br />

f(A+E)<br />

n<br />

0 ⇒ A = e<br />

2<br />

A A+E<br />

n n<br />

B = n − A = n − = .<br />

2 2<br />

Desse modo tem-se o produto máximo quando as duas partes<br />

são iguais à metade do número n.<br />

Por volta de 1636, Fermat descobriu um método para<br />

n<br />

determinar a área sob a curva y = x , de 0 até a >0, que tanto vale<br />

para expoentes inteiros como fracionários. Esse método seria o<br />

germe <strong>da</strong> idéia atualmente usa<strong>da</strong> no cálculo integral para esse tipo<br />

de problema.<br />

f(A)<br />

x<br />

262<br />

Fermat dividiu o intervalo [0,a] por meio dos pontos<br />

2<br />

a,<br />

ar,<br />

ar ,... , em que 0 < r < 1. Tomando como bases os<br />

subintervalos assim formados, construiu então a sequência de<br />

n n n n 2n<br />

retângulos de alturas a , a r , a r ,..., e portanto de áreas<br />

a<br />

n+<br />

1<br />

n+<br />

1 n+<br />

1<br />

n+<br />

1 2(<br />

n+<br />

1 )<br />

( 1−<br />

r)<br />

, a r ( 1−<br />

r)<br />

, a r ( 1−<br />

r),...<br />

n+<br />

1<br />

, respectivamente.<br />

a<br />

A soma dessas áreas é , cujo limite, quando<br />

2 n<br />

1+<br />

r + r + ... + r<br />

a n+<br />

1<br />

h →1<br />

, é a área pretendi<strong>da</strong>. Esse limite é . esse resultado em<br />

n + 1<br />

a<br />

n+<br />

1<br />

n a<br />

notação atual, se traduz na igual<strong>da</strong>de ∫ x dx = .<br />

0 n + 1<br />

Os exemplos anteriores colocaram Fermat em condições de ser<br />

considerado um dos criadores do cálculo diferencial e integral.


263<br />

Porém, a exemplo de outros contemporâneos não percebeu a<br />

relação fun<strong>da</strong>mental entre a diferenciação e a integração.<br />

Passando aos fenômenos físicos de máximos e mínimos, Fermat<br />

enunciou o princípio: a Natureza, a grande obreira que não<br />

necessita de nossos instrumentos e máquinas, faz tudo acontecer<br />

com um mínimo de dispêndio – idéia essa que não era estranha a<br />

alguns pensadores gregos. As leis de reflexão e refração dos raios<br />

luminosos são por ele considera<strong>da</strong>s, com razão, como casos<br />

particulares do princípio de economia.<br />

O trabalho de Fermat sobre a teoria <strong>da</strong>s probabili<strong>da</strong>des foi<br />

fun<strong>da</strong>mental. Examinou o caso de dois jogadores, A e B, em que A<br />

precisa de dois pontos para ganhar e B precisa de três. Chegou à<br />

conclusão de que o jogo se decidirá necessariamente no máximo em<br />

quatro lances.<br />

Considerando-se as letras a e b tem-se um total de 16 arranjos<br />

que podem ser formados com quatro letras, a saber: aaaa, aaab,<br />

aaba, aabb, abaa, abab, abba, abbb, baaa, baab, baba, babb, bbaa,<br />

bbab, bbba, bbbb. Pois bem, ca<strong>da</strong> arranjo em que a aparece duas ou<br />

mais vezes representa uma probabili<strong>da</strong>de favorável a A, e todo<br />

arranjo em que b aparece três vezes ou mais, representa uma<br />

probabili<strong>da</strong>de favorável a B. Contando-os, verifica-se que há onze<br />

favoráveis a A e cinco a B, e visto como todos esses casos são<br />

igualmente prováveis, a possibili<strong>da</strong>de de A ganhar o jogo está para a<br />

de B, como onze está para cinco.<br />

Além de suas investigações em geometria, óptica e<br />

probabili<strong>da</strong>de, Fermat produziu uma extraordinária obra sobre teoria<br />

dos números, sendo considerado o fun<strong>da</strong>dor desta disciplina, que<br />

atualmente ain<strong>da</strong> é um campo super-ativo de pesquisas.<br />

Como Fermat se dedicava à matemática em suas horas vagas,<br />

tinha o costume de anotar nas margens dos livros que lia, os<br />

teoremas e demonstrações que ia descobrindo. O chamado “último<br />

n n n<br />

teorema de Fermat” diz o seguinte: a equação x + y = z não tem<br />

solução com x, y, z e n, números inteiros positivos, para n ≥ 3.<br />

Fermat enunciou esse teorema com a seguinte observação: tenho<br />

uma prova ver<strong>da</strong>deiramente notável, mas a margem aqui é<br />

demasiado pequena para contê-la.<br />

264<br />

Essa conjectura, aparentemente simples, ao menos o enunciado,<br />

ocupou as melhores mentes matemáticas do mundo durante três<br />

séculos e meio, até que, finalmente foi demonstra<strong>da</strong>, em 1993, pelo<br />

matemático inglês Andrew Wiles.<br />

Acredita-se que a “prova” que Fermat dizia possuir não era<br />

correta, pois a de Wiles é de tal forma complexa e envolve técnicas<br />

tão avança<strong>da</strong>s que é pouco provável que um matemático do século<br />

XVII pudesse ter solucionado a questão. Mas a dúvi<strong>da</strong> sempre<br />

permanecerá...<br />

Fermat foi ver<strong>da</strong>deiramente “o príncipe dos matemáticos<br />

amadores”. Nenhum profissional de seu tempo fez maiores<br />

descobertas ou contribuiu mais para o assunto; no entanto, era tão<br />

modesto que quase na<strong>da</strong> publicou. Cópias manuscritas de seus<br />

trabalhos circulavam nas mãos de seus seguidores e amigos.<br />

Entretanto, seu filho Clement reuniu algumas de suas brilhantes<br />

descobertas e as publicou em 1679 num livro chamado Varia Opera<br />

Mathematica.<br />

PASCAL PASCAL PASCAL (1623 – 1662)<br />

Blaise Pascal, filósofo, matemático e físico,<br />

nasceu em Clermont Ferrand, França. Seu<br />

pai, Étienne era advogado e um talentoso<br />

matemático amador, integrante do círculo<br />

de correspondentes do padre Marin<br />

Mersenne. Sua vi<strong>da</strong>, curta e turbulenta, foi<br />

marca<strong>da</strong> pela geniali<strong>da</strong>de nas ciências<br />

exatas, pelo misticismo religioso, pela<br />

profundi<strong>da</strong>de filosófica, pela doença e por<br />

intensos sofrimentos físicos. Como<br />

Descartes e Fermat, Pascal não dedicou à<br />

matemática mais do que uma fração do seu<br />

grande talento. Tendo aprendido geometria às escondi<strong>da</strong>s, com 12<br />

anos, aos 16 escreveu um ensaio sobre as Secções Cônicas e aos 19<br />

construiu a primeira máquina de calcular.<br />

Embora a segun<strong>da</strong> parte <strong>da</strong> sua vi<strong>da</strong> fosse dedica<strong>da</strong><br />

principalmente à religião, teologia e literatura, realizou uma grande


265<br />

varie<strong>da</strong>de de experimentos de física e fez importantes<br />

contribuições para a teoria dos números e <strong>da</strong>s probabili<strong>da</strong>des –<br />

teoria então nova – além de uma discussão <strong>da</strong> ciclóide.<br />

O ensaio juvenil sobre<br />

Cônicas contém o belo<br />

teorema, que traz o seu<br />

nome, e que diz: as três<br />

intersecções dos lados<br />

opostos de um hexágono,<br />

inscrito numa secção<br />

cônica, estão em linha<br />

reta.<br />

Sobre a geometria e a<br />

lógica diz Pascal: a lógica<br />

tomou de empréstimo as regras <strong>da</strong> geometria sem lhes compreender<br />

o poder... Estou longe de colocar os lógicos ao lado dos geômetras<br />

que ensinam o ver<strong>da</strong>deiro modo de orientar a razão ... O método de<br />

evitar o erro é buscado por todos. Os lógicos pretendem guiar os<br />

demais nessa procura, mas só os geômetras alcançam a meta, e fora<br />

<strong>da</strong> sua ciência não há ver<strong>da</strong>deira demonstração.<br />

O seu trabalho sobre as probabili<strong>da</strong>des relacionava-se com o<br />

problema dos dois jogadores, ambos igualmente hábeis, que<br />

desejavam encerrar a sua parti<strong>da</strong> – problema que Fermat deu uma<br />

solução, e que foi vista anteriormente. Por um raciocínio<br />

semelhante, Pascal mostrou que, se o primeiro jogador ganhar dois<br />

pontos e o segundo nenhum, as partes de ca<strong>da</strong> um seriam 56 e 8; e,<br />

se o primeiro jogador tiver ganho um ponto e o segundo nenhum,<br />

caberiam àquele 44 e a este 20.<br />

Relacionando ao estudo <strong>da</strong>s probabili<strong>da</strong>des, Pascal criou seu<br />

“triângulo aritmético” em 1654, em que as diagonais sucessivas<br />

contêm os coeficientes do desenvolvimento do binômio cujo<br />

teorema Newton, brevemente, iria generalizar:<br />

1 1 1 1 1 1<br />

1 2 3 4 5 6<br />

1 3 6 10 15<br />

1 4 10 20<br />

1 5 15<br />

1 6<br />

1<br />

266<br />

Esse triângulo, que tem o nome de Pascal, não era entretanto,<br />

nenhuma novi<strong>da</strong>de. Encontramo-lo já em Stifel em 1543 e a idéia<br />

remonta a Pitágoras. Foi nessas pesquisas que utilizou e popularizou<br />

o método <strong>da</strong> indução finita, ferramenta às vezes indispensável na<br />

demonstração de certos teoremas.<br />

É interessante lembrar que em 1645 Pascal deu publici<strong>da</strong>de à<br />

sua idéia de uma máquina de calcular, escrevendo a um chanceler:<br />

meu senhor: se alguma vantagem advier ao público do invento que<br />

acabo de fazer para realizar to<strong>da</strong> sorte de operações aritméticas de<br />

uma forma tão nova quanto vantajosa, ficará ele devendo ain<strong>da</strong><br />

mais a Vossa Alteza do que aos meus modestos esforços, pois eu só<br />

poderei ufanar-me de o ter concebido, ao passo que ele deve o se<br />

nascimento exclusivamente à vossa honrosa determinação. A<br />

demora e a dificul<strong>da</strong>de dos meios geralmente em uso, levaram-me a<br />

pensar num auxiliar mais rápido para facilitar-me os grandes<br />

cálculos com que estive ocupado durante vários anos, em certos<br />

assuntos que dependem dos encargos com que vos aprove honrar<br />

meu pai, no serviço de Sua Majestade na Normandia. Nessa<br />

investigação empreguei todos os conhecimentos que tinha<br />

inclinação e meus laboriosos estudos iniciais de matemática me<br />

permitiram adquirir, e depois de profun<strong>da</strong>s reflexões verifiquei que<br />

não era impossível encontrar esse meio auxiliar.<br />

Pascal foi autor de algumas obras literárias, especialmente os<br />

Pensées (Pensamentos), muito divulga<strong>da</strong>s e que traz alguns<br />

exemplos quase que incorporados à linguagem comum: Nossa<br />

natureza está no movimento, o inteiro repouso é a morte; O coração<br />

tem suas razões que a razão não conhece; O homem não passa de<br />

um caniço, o mais fraco <strong>da</strong> natureza, mas é um caniço pensante.<br />

Não é preciso que o universo inteiro se arme para esmagá-lo: um<br />

vapor, uma gota de água, bastam para matá-lo. Mas, mesmo que o<br />

universo o esmagasse, o homem seria ain<strong>da</strong> mais nobre do que<br />

quem o mata, porque sabe que morre e sabe <strong>da</strong> vantagem que o<br />

universo tem sobre ele, o universo no entanto, desconhece tudo isso.


WALLIS WALLIS (1616 – 1703)<br />

267<br />

Professor em Oxford, John Wallis desenvolveu<br />

com proficiência as idéias de Cavalieri sobre a<br />

integração, empregando na sua Aritmética dos<br />

infinitos de 1655 a nova geometria cartesiana e<br />

um processo equivalente à integração, em casos<br />

algébricos simples. Em especial, explicou os<br />

expoentes negativos e fracionários, passando<br />

depois a procurar a área delimita<strong>da</strong> por OX, a<br />

m<br />

curva y = ax e<br />

qualquer abscissa y<br />

x = h, ou seja, integrar a função<br />

m<br />

y = ax . Desenvolveu engenhosos<br />

métodos de interpolação e conseguiu<br />

expressar π sob a forma de um produto<br />

π 2 2 4 4 6 6 8 O<br />

infinito:<br />

h x<br />

= ⋅ ⋅ ⋅ ⋅ ⋅ ⋅ ⋅⋅<br />

⋅<br />

2 1 3 3 5 5 7 7<br />

Isso assinalou um momento importante na história <strong>da</strong><br />

quadratura do círculo. Antes de se conhecer a obra de Wallis, a<br />

única maneira de determinar π era por meio de perímetros<br />

poligonais.<br />

No seu Tratado de álgebra, disse: é para mim indiscutível que<br />

os antigos possuíam qualquer coisa de natureza semelhante à nossa<br />

álgebra; <strong>da</strong>í derivam muitas de suas prolixas e complica<strong>da</strong>s<br />

demonstrações... Mas essa arte de invenção dos antigos, parecem<br />

tê-la ocultado cui<strong>da</strong>dosamente, contentando-se com demonstrações<br />

apagógicas (isto é, reduzindo ao absurdo a negação) sem nos<br />

mostrarem o método com a aju<strong>da</strong> do qual conseguiram formular<br />

essas proposições, que eles assim provam de outras maneiras...”<br />

Wallis formulou as idéias do espaço e do tempo absolutos, mais<br />

tarde adota<strong>da</strong>s por Newton. Acreditava que o espaço e o tempo eram<br />

absolutos e eternos. Também escreveu uma Exposição Sumária...<strong>da</strong>s<br />

Leis Gerais do Movimento, enunciando as fórmulas <strong>da</strong> veloci<strong>da</strong>de<br />

após o choque recíproco <strong>da</strong>s massas m1 e m 2 , anima<strong>da</strong>s,<br />

v1m1<br />

+ v2m2<br />

respectivamente, com veloci<strong>da</strong>des v1 e v 2 : v =<br />

.<br />

m + m<br />

1<br />

2<br />

268<br />

Em sua obra analítica Secções Cônicas de1655, tornou muito<br />

mais inteligíveis as idéias geométricas de Descartes e a sua Álgebra<br />

de 1685, marcou um importante passo à frente no uso sistemático<br />

<strong>da</strong>s fórmulas.<br />

Wallis concebeu a análise, não mais basea<strong>da</strong> na geometria,<br />

utilizou os produtos infinitos e as séries num momento que não<br />

havia qualquer estudo de convergência. Ficou claro, pelos resultados<br />

que chegou, que era dotado de intuição e imaginação<br />

extraordinárias.<br />

A seguir um exemplo que esclarece, muito bem, o<br />

procedimento de Wallis no cálculo de integrais em sua Arithmetica<br />

Infinitorum de 1655. O resultado fora provado pela geometria dos<br />

indivisíveis de Cavalieri, mas o autor introduziu uma aritmetização<br />

que tornou o cálculo mais operacional.<br />

Por exemplo, Wallis mostrou que<br />

1<br />

2 1<br />

∫ x dx = . Para isso<br />

3<br />

formulou a razão entre as somas dos quadrados de ordena<strong>da</strong>s<br />

2<br />

igualmente espaça<strong>da</strong>s sob a curva y = x e a soma dos quadrados<br />

<strong>da</strong>s ordena<strong>da</strong>s correspondentes sob y = 1. Considerando-se só as<br />

2 2<br />

0 + 1 1 1 1<br />

ordena<strong>da</strong>s em x = 0 e x = 1, a razão é = = + .<br />

2 2<br />

1 + 1 2 3 6<br />

Subdividindo-se o intervalo entre x = 0 e x = 1 em duas partes iguais<br />

e imaginando ca<strong>da</strong> parte como um intervalo unitário, a razão entre<br />

2 2 2<br />

0 + 1 + 2 5 1 1<br />

as somas dos quadrados torna-se<br />

= = + .<br />

2 2 2<br />

2 + 2 + 2 12 3 12<br />

Analogamente, dividindo-se o intervalo de x =0 a x =1 em três<br />

subintervalos iguais e considerando-se ca<strong>da</strong> um deles como um<br />

segmento unitário, a razão torna-se<br />

2 2 2 2<br />

0 + 1 + 2 + 3 7 1 1<br />

= = + .<br />

2 2 2 2<br />

3 + 3 + 3 + 3 18 3 18<br />

Para Wallis ficou claro, através de indução, que a razão<br />

2 2 2 2<br />

2<br />

0 + 1 + 2 + 3 + ... + n 1 1<br />

chegaria a<br />

= + e, que se<br />

2 2 2 2<br />

2<br />

n + n + n + n + ... + n 3 6 ⋅ n<br />

0


1<br />

aproximava ca<strong>da</strong> vez mais de , com o crescimento indefinido<br />

3<br />

269<br />

1<br />

de n, de modo que para n = ∞ a razão seria , o valor <strong>da</strong> integral<br />

3<br />

proposta.<br />

BARROW BARROW (1630 – 1677)<br />

Isaac Barrow, foi por algum tempo<br />

professor em Cambridge e um grande<br />

admirador dos sábios <strong>da</strong> antigui<strong>da</strong>de, tendo<br />

editado as obras de Euclides, Apolônio e<br />

Arquimedes. Publicou as suas próprias<br />

Lectiones: ópticas de 1669 e geometriae de<br />

1670, já com a colaboração de Newton.<br />

Essas Lectiones sobre óptica e geometria<br />

continham uma notável discussão do<br />

problema <strong>da</strong>s tangentes e do que ele<br />

denominou triângulo diferencial, tão<br />

importante na maneira atual de tratar o cálculo diferencial.<br />

O método era semelhante ao de Fermat, mas usava duas<br />

quanti<strong>da</strong>des, em vez <strong>da</strong> letra E única de Fermat, quanti<strong>da</strong>des<br />

equivalentes aos atuais x e y. Barrow explicou sua regra de tangentes<br />

essencialmente do seguinte modo: considere uma curva <strong>da</strong><strong>da</strong> por<br />

uma equação polinomial f ( x,<br />

y ) = 0 e a seguir troque as variáveis x<br />

e y, respectivamente, por x + e e y + a em f ( x,<br />

y ) = 0 . Depois na<br />

equação resultante despreze todos os termos não contendo a ou e e<br />

todos os termos de grau maior do<br />

que um em a e em e. Finalmente<br />

encontre a razão de a por e, que é a<br />

inclinação <strong>da</strong> reta tangente à curva<br />

<strong>da</strong><strong>da</strong>.<br />

Dessa maneira Barrow<br />

impregava o conceito de triângulo<br />

característico, essencialmente a<br />

idéia de reta tangente como a<br />

posição limite <strong>da</strong> reta secante com<br />

a e e, aproxima<strong>da</strong>mente nulos.<br />

y<br />

M<br />

m<br />

N<br />

e R<br />

a<br />

A T t P Q x<br />

270<br />

2<br />

2<br />

Exemplo1: y = x ⇔ f ( x,<br />

y ) = y − x = 0 ⇒<br />

2<br />

⇒ f ( x + e,<br />

y + a ) = ( y + a ) − ( x + e ) = 0 ⇒<br />

2<br />

2<br />

2 a<br />

⇒ y + a − x − 2xe<br />

− e = 0 ⇒ a - 2xe<br />

− e = 0 ⇒ = 2x<br />

e<br />

2 2 2<br />

Exemplo2: f ( x,<br />

y ) = x + y − r = 0 ⇒<br />

2<br />

2 2<br />

⇒ f ( x + e,<br />

y + a ) = ( x + e ) + ( y + a ) − r = 0 ⇒<br />

2<br />

2 2<br />

2 2<br />

⇒ x + 2xe<br />

+ e + y + 2ya<br />

+ a − r = 0 ⇒<br />

2<br />

2<br />

a - x<br />

⇒ 2xe<br />

+ e + 2ya<br />

+ a = 0 ⇒ 2ya<br />

= −2xe<br />

⇒ = .<br />

e y<br />

De todos os matemáticos que anteciparam partes do cálculo<br />

diferencial e integral, nenhum chegou tão perto quanto Barrow, que<br />

reconheceu claramente a relação inversa entre os problemas de<br />

tangentes e de quadraturas.<br />

Mas sua conservadora adesão a métodos geométricos impediu-o<br />

de usar, de forma eficaz, essa relação e, assim, por não apresentar<br />

um senso de universali<strong>da</strong>de nas regras, seus trabalhos tornaram-se<br />

difíceis para se entender.<br />

Barrow em 1669 foi chamado a Londres para ser capelão de<br />

Charles II e assim seu ex-aluno Newton, por sugestão do próprio<br />

Barrow, sucedeu-o na cadeira Lucasiana em Cambridge. Sucessão<br />

essa considera<strong>da</strong> como um acontecimento muito feliz.<br />

NEWTON NEWTON (1642 – 1727)<br />

Isaac Newton nasceu menos de um ano<br />

após a morte de Galileu, em 24 de<br />

dezembro de 1642, pelo calendário<br />

Juliano, ou então, 04 de janeiro de 1643,<br />

pelo calendário gregoriano, em<br />

Woolsthorpe, Lincolnshire, numa<br />

proprie<strong>da</strong>de rural. Com uma infância<br />

melancólica, divertia-se construindo seus<br />

próprios brinquedos - lanternas, ro<strong>da</strong>s<br />

d’água, alavancas, pipas, relógios de sol –


271<br />

corria no temporal a favor ou contra o vento. Na escola <strong>da</strong> vila (que<br />

entrou aos 12 anos) era muito tímido e na<strong>da</strong> indicava sua<br />

geniali<strong>da</strong>de. O tio William o incentivou a estu<strong>da</strong>r em Cambridge.<br />

Newton matriculou-se no Trinity College em 1661, aos 18 anos<br />

como “aluno-servente”.<br />

Em 1665 tornou-se Bacharel em Artes; em l668 doutorou-se e,<br />

um ano depois assumia a cátedra de matemática, com apenas 26<br />

anos, substituindo Isaac Barrow (mestre, amigo e protetor). Foi<br />

Barrow que, como professor de matemática, reconheceu que<br />

Newton estava além <strong>da</strong> normali<strong>da</strong>de e estimulou-o a desenvolver<br />

suas aptidões.<br />

No período de 1665-1666, com a universi<strong>da</strong>de fecha<strong>da</strong> em<br />

virtude <strong>da</strong> peste bubônica que matou 1/10 <strong>da</strong> população <strong>da</strong> Europa,<br />

Newton refugiou-se em sua casa no campo. Nesse período<br />

desenvolveu o teorema do binômio; o método <strong>da</strong>s fluxões; uma<br />

teoria sobre a natureza <strong>da</strong> luz e as primeiras idéias sobre atração<br />

gravitacional.<br />

Newton esteve sempre ligado à universi<strong>da</strong>de de Cambridge,<br />

deixando a cátedra somente em 1701, aos 58 anos, quando passou a<br />

exercer funções públicas de alto nível.<br />

Primeiro foi representante <strong>da</strong> universi<strong>da</strong>de no Parlamento, a<br />

seguir, em 1699, foi nomeado master of mint (diretor <strong>da</strong> casa <strong>da</strong><br />

moe<strong>da</strong>). Nesse cargo demonstrou brilhante capaci<strong>da</strong>de<br />

administrativa, tendo coordenado a fabricação de moe<strong>da</strong>s à prova de<br />

falsificação. Em 1703 foi eleito presidente <strong>da</strong> royal society<br />

(socie<strong>da</strong>de real) tendo ficado até a morte.<br />

Principais Obras:<br />

• De Analysi per aequationes numero terminorum infinitas (Sobre<br />

a análise de equações com um número ilimitado de termos).<br />

Nesse trabalho Newton estudou o método <strong>da</strong>s “séries infinitas”, o<br />

qual foi indispensável para a quadratura <strong>da</strong>s curvas e a retificação<br />

dos arcos; mediante a expansão em séries, foi capaz de resolver a<br />

integral de expressões que envolviam raízes, integrando-as termo a<br />

272<br />

m<br />

termo. Por exemplo, se a área sob uma curva é <strong>da</strong><strong>da</strong> por z = ax , m<br />

1<br />

racional, então a equação <strong>da</strong> curva é max − m<br />

y = .<br />

Newton usou basicamente o procedimento de Barrow que ao<br />

considerar uma curva nas variáveis x e z, <strong>da</strong><strong>da</strong> pela equção<br />

f ( x,<br />

z ) = 0 , trocou x por x + o e z por<br />

z + vo. A seguir, na nova equação<br />

considerou o fato que f ( x,<br />

z ) = 0 e<br />

desprezou potências de o maior do<br />

que um. Finalmente fez v = y para se<br />

chegar ao resultado.<br />

2<br />

x<br />

Exemplo 1: Para z = tem-se y = x.<br />

2<br />

x o<br />

y<br />

v<br />

y<br />

z<br />

x<br />

2<br />

x<br />

De fato, z =<br />

2<br />

e<br />

( x + o )<br />

z + vo =<br />

2<br />

x<br />

=<br />

+ 2xo<br />

+ o<br />

2<br />

, logo<br />

2<br />

2<br />

x o<br />

z + vo = + xo + ou<br />

2 2<br />

o<br />

v = x + . Portanto, y = x.<br />

2<br />

seja,<br />

2<br />

o<br />

vo = xo +<br />

2<br />

e finalmente,<br />

Exemplo2:Para a curva z = 1 + x , primeiro escrevia<br />

2 3<br />

x x x<br />

1+<br />

x = 1+<br />

− + + ... e a seguir adotava o procedimento<br />

2 8 16<br />

do exemplo anterior.<br />

• Methodus fluxionum et serierum infinitorum (O método de<br />

fluxões e séries infinitas<br />

Escrito em 1671, porém publicado apenas em 1742. Newton<br />

representou por v, x, y, z as quanti<strong>da</strong>des fluentes (que aumentam ou<br />

diminuem); por v& , x&<br />

, y&<br />

, z&<br />

as fluxões ou fluxos; por v& & , &x<br />

&,<br />

&y<br />

&,<br />

&z<br />

& os<br />

fluxos dos fluxos; e x + x&<br />

o representando o momento de um fluente<br />

com variação infinitamente pequena “o” do tempo.<br />

2<br />

2<br />

2


273<br />

Problema: Da<strong>da</strong> uma relação entre dois fluentes, encontrar a relação<br />

entre seus fluxos e vice-versa.<br />

2<br />

Exemplo: Da<strong>da</strong> a equação x − axy = 0 , Newton substituía x por<br />

x + x&<br />

o e y por y + y&<br />

o , obtendo-se<br />

2<br />

2<br />

( x + x&<br />

o ) − ( x + x&<br />

o ) − a(<br />

x + x&<br />

o )( y + y&<br />

o ) = o , então<br />

2<br />

2<br />

x + 2xx&<br />

o + ( x&<br />

o ) − axy − axy&<br />

o − ax&<br />

oy − ax&<br />

oy&<br />

o = 0 , ou seja<br />

2<br />

axx& + x&<br />

o − axy&<br />

− ax&<br />

y − ax&<br />

y&<br />

o = 0 e, finalmente<br />

2 xx& − a(<br />

xy&<br />

+ x&<br />

y ) = 0.<br />

A descoberta <strong>da</strong> “fluxões” por Newton estava intimamente<br />

liga<strong>da</strong> aos seus estudos sobre séries infinitas através <strong>da</strong> Arithmetica<br />

de Wallis. Isso levou--o a estender o teorema do binômio a<br />

expoentes fracionários e negativos e, assim, à descoberta <strong>da</strong>s séries<br />

binomiais. Esse fato ajudou-o a estabelecer a sua teoria para to<strong>da</strong>s as<br />

funções algébricas ou transcendetes.<br />

• Tractus de Quadratura Curvarum (Um tratado sobre a<br />

quadratura de curvas).<br />

Escrito em 1676, foi a 3ª abor<strong>da</strong>gem <strong>da</strong> deriva<strong>da</strong> denomina<strong>da</strong><br />

primeiras e últimas razões.<br />

“Por razão última <strong>da</strong>s quanti<strong>da</strong>des evanescentes deve-se<br />

entender a razão <strong>da</strong>s quanti<strong>da</strong>des, nem antes nem depois de elas<br />

desaparecerem, mas a razão com a qual elas desapareceram”.<br />

2<br />

Exemplo: y = x<br />

Newton encontrou a deriva<strong>da</strong> de<br />

( x<br />

x + o − x<br />

+ o )<br />

2<br />

− x<br />

2<br />

o<br />

=<br />

2xo<br />

+ o<br />

2<br />

2<br />

y = x do seguinte modo:<br />

1 1<br />

= = . Para ele 2x era o resultado<br />

2x<br />

+ o 2x<br />

1<br />

procurado e era chama<strong>da</strong> de a última razão dos incrementos<br />

2x<br />

evanescentes.<br />

• Philosophiae Naturalis Principia Mathematica (Princípios<br />

matemáticos <strong>da</strong> filosofia natural, ou os Principia).<br />

274<br />

Publicado em 1687.<br />

Por insistência do amigo Edmond Halley (1656 -1742), Newton<br />

reuniu numa só obra seus tratados sobre a gravitação e as leis <strong>da</strong><br />

mecânica. O compêndio era formado por 3 livros: 1. Princípios <strong>da</strong><br />

mecânica e lei <strong>da</strong> gravitação; 2. Mecânica dos fluidos; 3. Órbitas dos<br />

planetas, movimento <strong>da</strong>s marés e cálculo <strong>da</strong>s massas <strong>da</strong> Lua e do<br />

Sol. Inspirado em os Elementos de Euclides, Newton iniciou o<br />

trabalho com uma série de definições, como por exemplo:<br />

Definição I: a quanti<strong>da</strong>de de matéria é a sua medi<strong>da</strong>, obti<strong>da</strong><br />

conjuntamente a partir de sua densi<strong>da</strong>de e volume.<br />

Definição II: a quanti<strong>da</strong>de de movimento é a sua medi<strong>da</strong>, obti<strong>da</strong><br />

conjuntamente a partir <strong>da</strong> veloci<strong>da</strong>de e quanti<strong>da</strong>de de matéria.<br />

A seguir introduziu os axiomas ou leis do movimento:<br />

Lei I: todo corpo continua em seu estado de repouso ou de<br />

movimento uniforme, em uma linha reta, a menos que seja forçado a<br />

mu<strong>da</strong>r aquele estado por forças a ele aplica<strong>da</strong>s.<br />

Lei II: a mu<strong>da</strong>nça de movimento é proporcional à força motora<br />

aplica<strong>da</strong> e é produzi<strong>da</strong> na direção <strong>da</strong> linha reta na qual aquela força é<br />

aplica<strong>da</strong>.<br />

Lei III: a to<strong>da</strong> ação há sempre oposta uma reação igual, ou, as ações<br />

mútuas de dois corpos um sobre o outro são sempre iguais e<br />

dirigi<strong>da</strong>s em sentidos opostos.<br />

A partir dessas definições e dessas leis, as ver<strong>da</strong>des <strong>da</strong><br />

mecânica foram deduzi<strong>da</strong>s como teoremas encadeados entre si. São<br />

192 proposições, quase sempre de difícil compreensão porque<br />

Newton procurou demonstrá-las utilizando a geometria de Euclides<br />

e isso resultou soluções sofistica<strong>da</strong>s, concebi<strong>da</strong>s, caso a caso.<br />

Curioso foi que Newton, com suspeitas de não ser<br />

compreendido, não utilizou as “deriva<strong>da</strong>s” nos Principia; apenas a<br />

noção intuitiva de limite foi emprega<strong>da</strong>.<br />

• Opticks (Óptica ou tratado <strong>da</strong>s reflexões, refrações, inflexões e<br />

cores <strong>da</strong> luz).


275<br />

Publica<strong>da</strong> em 1704.<br />

Aplicando-se ao aperfeiçoamento do telescópio, Newton<br />

conseguiu eliminar a incômo<strong>da</strong> aberração cromática, devi<strong>da</strong> à<br />

refração desigual <strong>da</strong>s diferentes cores, construindo um telescópio<br />

refletor munido de um espelho côncavo em vez de uma lente<br />

convexa.<br />

Negando qualquer intenção de formular hipóteses especulativas,<br />

Newton discutiu os fenômenos observados <strong>da</strong> luz refrata<strong>da</strong>,<br />

mencionando a sua descoberta <strong>da</strong> diferente refrangilibili<strong>da</strong>de de<br />

raios luminosos o que foi, talvez, a mais importante até então, sobre<br />

as maneiras por que opera a natureza. Embora não insistisse nesse<br />

ponto, parece sempre partir <strong>da</strong> suposição de que a luz consistia em<br />

minúsculas partículas, cujo grau de pequenez correspondia à cor.<br />

Graças à grande autori<strong>da</strong>de que exercia sobre os seus adeptos,<br />

essa teoria corpuscular persistiu, em oposição à teoria ondulatória de<br />

Christiaan Huygens (1629 – 1695), até o século XIX. Nos<br />

experimentos em que se baseava essa obra, Newton não só<br />

decompôs a luz por meio de um prisma ou série de prismas<br />

refratores, mas também conseguiu reunir as cores componentes,<br />

reproduzindo o branco primitivo e, assim, resolvendo finalmente o<br />

problema do arco-íris.<br />

• Enumeratio linearum tertii ordinis.<br />

Publica<strong>da</strong> em 1704.<br />

Newton classificou as cúbicas em vinte e duas espécies,<br />

baseando-se no seu teorema que afirma que qualquer cúbica pode<br />

2 3 2<br />

ser obti<strong>da</strong> de uma parábola divergente y = ax + bx + cx + d<br />

através de uma projeção central de um plano sobre o outro. Esse foi<br />

o primeiro resultado novo importante pela aplicação <strong>da</strong> álgebra à<br />

geometria. Todos os trabalhos anteriores, de outros autores, eram<br />

simplesmente traduções de Apolônio para uma linguagem algébrica.<br />

Outra contribuição de Newton foi o método para encontrar<br />

aproximações de raízes de equações numéricas, que ele explicou<br />

com o exemplo 2 5 0<br />

2 3<br />

x − x − = , econtrando x = 2,09455147. O<br />

método de Newton consiste em encontrar as raízes de uma equação<br />

f ( an<br />

)<br />

f ( x ) = 0 pela fórmula recorrente an+1<br />

= an<br />

− Esse<br />

f ' a<br />

( ) .<br />

n<br />

276<br />

processo pode ser aplicado iterativamente para obter uma<br />

aproximação a n tão precisa quanto se queira.<br />

A demora de Newton para publicar as suas teorias mais<br />

revolucionárias foi, em grande parte, atribuí<strong>da</strong> à sua aversão por<br />

controvérsias. Apesar disso foi envolvido em algumas,<br />

especialmente quanto a questões de priori<strong>da</strong>de de descobertas, a do<br />

cálculo talvez seja a mais famosa.<br />

No campo filosófico recebeu alguns ataques, mas o de maior<br />

repercução foi após a sua morte e que, assim, foram dirigidos aos<br />

seus correligionários. A índole de alguns desses ataques pode ser<br />

ilustra<strong>da</strong> pelas seguintes passagens de um eminente crítico, o bispo<br />

George Berkeley em 1734: quem é capaz de digerir uma segun<strong>da</strong> ou<br />

terceira fluxão, uma segun<strong>da</strong> ou terceira diferença, não tem,<br />

segundo me parece, o direito de se mostrar exigente sobre qualquer<br />

ponto de teologia. E que vem a ser essas fluxões? As veloci<strong>da</strong>des de<br />

acréscimos evanescentes? E que são esses tais acréscimos<br />

evanecentes? Não são nem quanti<strong>da</strong>des finitas, nem quanti<strong>da</strong>des<br />

infinitamente pequenas e tampouco são o na<strong>da</strong>. Não poderíamos<br />

chamá-los os fantasmas de quanti<strong>da</strong>des defuntas?”<br />

Com referência à controvérsia entre os amigos de Newton e os<br />

de Leibniz, sobre a priori<strong>da</strong>de na invenção do cálculo, disse o<br />

próprio Newton num escólio famoso: a troca de correspondência<br />

que se verificou cerca de dez anos atrás entre esse habilíssimo<br />

geômetra, G. W. Leibniz, e a minha pessoa, quando lhe anunciei que<br />

possuía um método para determinar máximos e mínimos, traçar<br />

tangentes e realizar operações semelhantes, método que era<br />

igualmente aplicável às quanti<strong>da</strong>des sur<strong>da</strong>s e às racionais, e ocultei<br />

o mesmo por meio de letras transpostas, formando esta frase – <strong>da</strong>ta<br />

aequatione quotcunque fluentes quantitates involvente, fluxiones<br />

invenire, et vice versaI – esse homem ilustre respondeu que também<br />

havia deparado com um método <strong>da</strong> mesma espécie e comunicou-me<br />

o seu método, que muito pouco diferia do meu, a não ser nas formas<br />

<strong>da</strong>s palavras e na notação (também na concepção de como se<br />

geravam as quanti<strong>da</strong>des).<br />

O fenômeno Isaac Newton foi sempre alvo de elogios,<br />

ba<strong>da</strong>lações, algumas críticas e até ciúmes. Nota-se isso nas palavras<br />

de Voltaire (François-Marie Arouet) (1694 – 1778) que assistiu aos


277<br />

seus funerais: eu vi um professor de matemática, só porque era<br />

grande em sua vocação, ser enterrado como um rei que tivesse feito<br />

bem a seus súditos.<br />

Voltaire não estava errado em sua afirmação; de fato Newton<br />

foi festejadíssimo durante a sua existência, tanto na Inglaterra como<br />

no estrangeiro. Foi decretado luto oficial por ocasião de sua morte e<br />

o sepultamento deu-se na Abadia de Westminster, onde se sepultam<br />

os reis.<br />

Quanto à sua atitude pessoal, essa foi suficientemente<br />

idealiza<strong>da</strong> e resumi<strong>da</strong> pelas palavras: ignoro o que eu possa<br />

aparentar para o mundo, mas aos meus próprios olhos pareço ter<br />

sido apenas um menino a brincar na praia e a entreter-se de tempos<br />

a tempos com o encontro de um seixo mais liso ou uma concha mais<br />

bonita do que os outros, enquanto o grande oceano <strong>da</strong> ver<strong>da</strong>de jazia<br />

inexplorado diante de mim. Se vi mais longe que Descartes, foi<br />

porque estava colocado sobre ombros de gigantes.<br />

LEIBNIZ LEIBNIZ (1646 – 1716)<br />

Gottfried Wilhelm Leibniz nasceu em<br />

Leipzig e passou a maior parte <strong>da</strong> sua vi<strong>da</strong><br />

na corte de Hanôver, foi diplomata por 40<br />

anos a serviço dos duques, um dos quais se<br />

tornou rei <strong>da</strong> Inglaterra. Desde muito<br />

jovem ficou marcante o seu interesse por<br />

história, teologia, lingüística, biologia,<br />

geologia, matemática, diplomacia e a arte<br />

de inventar. Em Londres conheceu<br />

Ondenburg, através do qual manteve<br />

contato com Newton numa série de cartas, e tornou-se sócio <strong>da</strong><br />

Royal Society numa reunião que teve ocasião de exibir sua máquina<br />

de calcular. Foi um dos primeiros, depois de Pascal, a inventar uma<br />

máquina de calcular. Imaginou máquinas a vapor, estudou filosofia<br />

chinesa e tentou promover a uni<strong>da</strong>de <strong>da</strong> Alemanha.<br />

O principal objetivo <strong>da</strong> sua vi<strong>da</strong> foi a procura de um método<br />

universal, através do qual pudesse obter conhecimentos, fazer<br />

invenções e compreender a uni<strong>da</strong>de essencial do universo.<br />

A scientia generalis, que pretendia construir, levou Leibniz a<br />

descobertas em várias áreas, enquanto que a procura por uma<br />

278<br />

characteristica generalis levou-o às permutações, combinações e à<br />

lógica simbólica. De arte combinatória, sua tese de doutorado de<br />

1666, propunha a criar uma espécie de método geral do raciocínio.<br />

O sonho de uma língua universalis, na qual todos os erros de<br />

raciocínio pudessem aparecer como erros computacionais, levou-o<br />

não só à lógica, mas também a muitas inovações na notação<br />

matemática. Leibniz foi um dos maiores inventores de símbolos<br />

matemáticos.<br />

Poucos entenderam tão bem a uni<strong>da</strong>de <strong>da</strong> forma e do conteúdo,<br />

tanto que sua invenção do cálculo deve ser entendi<strong>da</strong> com base<br />

filosófica, ou seja, foi o resultado <strong>da</strong> procura de uma língua<br />

universalis <strong>da</strong> mu<strong>da</strong>nça e do movimento em particular.<br />

Leibniz elaborou o seu cálculo entre 1673 e 1676, em Paris, sob<br />

a influência pessoal de Huygens e pelo estudo de Descartes e Pascal.<br />

Foi estimulado a isso, ao saber por rumores que Newton possuía tal<br />

método.<br />

Enquanto a abor<strong>da</strong>gem de Newton foi basicamente cinemática,<br />

a de Leibniz foi geométrica. Raciocinou em termos do triângulo<br />

característico (dx, dy, ds), que já aparecera noutros escritos,<br />

especialmente em Pascal e nas Geometrical Lectures de Barrow.<br />

Newton foi mais hesitante em suas publicações, escreveu várias<br />

descrições substanciais de seus métodos do cálculo e publicou-as<br />

bem mais tarde. Leibniz, ao contrário, escreveu pouco, mas publicou<br />

quase que de imediato.<br />

Nos primeiros artigos que publicou na Acta eruditorum, um<br />

jornal matemático fun<strong>da</strong>do em 1682, Leibniz mostrou que seu novo<br />

método não apresentava restrições para funções irracionais ou<br />

transcendentes. Deu muita atenção à questão <strong>da</strong>s notações<br />

apropria<strong>da</strong>s e a medi<strong>da</strong> de seu sucesso nessa área foi a<br />

sobrevivência, até os dias atuais, de sua linguagem e de seus<br />

símbolos.<br />

Embora esses artigos tenham sido prejudicados por erros de<br />

impressão e exposição insatisfatória, sua grande importância foi<br />

evidente para os matemáticos suíços Jakob Bernoulli (1654-1705) e<br />

seu irmão Johann (1667-1748). Mais tarde, Leonhard Euler, um exaluno<br />

de Johann e descendente intelectual de Leibniz, <strong>da</strong>ria<br />

continui<strong>da</strong>de de forma decisiva para tornar o cálculo mais acessível<br />

e aceitável.


279<br />

No primeiro artigo de Leibniz, de apenas seis páginas, são<br />

apresenta<strong>da</strong>s as regras simples de diferenciação, com aplicações (de<br />

maneira rude, sem provas) e numa linguagem que lembrava as<br />

quanti<strong>da</strong>des infinitamente pequenas de Newton.<br />

As regras eram as seguintes:<br />

• <strong>da</strong> = 0 , se a é constante.<br />

Justificativa: Leibniz considerou a + <strong>da</strong> = a , e assim <strong>da</strong> = 0 .<br />

• d ( u + v ) = du + dv<br />

Justificativa: d( u + v ) = ( u + du ) + ( v + dv ) - ( u + v ) =<br />

= ( u + v ) + du + dv - ( u + v ) = du + dv.<br />

• d ( uv ) = udv + vdu<br />

Justificativa: d( uv ) = ( u + du )( v + dv ) - uv =<br />

= uv + udv + vdu − uv = udv + vdu.<br />

u vdu - udv<br />

• d ( ) =<br />

2 v v<br />

u u + du u v(<br />

u + du ) - u(<br />

v + dv )<br />

Justificativa: d ( ) = − =<br />

=<br />

v v + dv v v(<br />

v + dv )<br />

uv + vdu - uv - udv vdu - udv<br />

=<br />

= .<br />

2<br />

2<br />

v + vdv v<br />

n n-1<br />

• du = nu du .<br />

Para a soma de<br />

to<strong>da</strong>s as áreas,<br />

Leibniz usou o<br />

símbolo ∫ . Assim, a<br />

área total sob a<br />

curva seria ∫ ydx e<br />

como, área (OCD) – área (OAB) = ydx, a diferencial <strong>da</strong><br />

280<br />

área, era <strong>da</strong><strong>da</strong> por d ( ydx ) = ydx .<br />

∫<br />

Leibniz enfatizou o aspecto somatório <strong>da</strong> “integral”, e também<br />

colaborou para fazer com que a própria palavra tivesse aceitação.<br />

Porém, enquanto atualmente se pensa em termos de limites de uma<br />

soma característica de grandezas finitas, Leibniz considerou uma<br />

soma, de fato, de quanti<strong>da</strong>des infinitamente pequenas ou<br />

infinitésimas e isso explica o fato de ter usado como símbolo de<br />

integração uma forma alonga<strong>da</strong> de um tipo antigo <strong>da</strong> letra S, inicial<br />

de summa (soma).<br />

Associado ao nome de Leibniz tem-se ain<strong>da</strong> algumas outras<br />

notações, como o “X” para multiplicação; além de alguns nomes<br />

usados atualmente como, por exemplo, cálculo diferencial, cálculo<br />

integral, função, coordena<strong>da</strong>s cartesianas e o curioso termo<br />

osculação.<br />

Os Os inventores inventores do do Cálculo<br />

Cálculo<br />

Newton e Leibniz são ou não são os inventores ou criadores do<br />

cálculo?<br />

Para responder essa questão alguns pontos precisam ser<br />

ponderados. Afirma-se que Eudoxo inventou o cálculo integral com<br />

o seu método de exaustão e que Arquimedes aprofundou-o<br />

consideravelmente. Fermat foi considerado o ver<strong>da</strong>deiro inventor do<br />

cálculo diferencial, mas Descartes, Pascal, Cavalieri, Barrow, Wallis<br />

e outros contribuíram muito, tanto para o cálculo integral<br />

(quadraturas) como para o cálculo diferencial (encontrar tangentes a<br />

curvas).<br />

E então por que Newton e Leibniz são os criadores do cálculo<br />

diferencial e integral?<br />

A defesa baseia-se em três considerações:<br />

1. Os vários métodos infinitesimais dos predecessores de Newton e<br />

Leibniz eram muito restritos (eles muitas vezes foram aplicáveis<br />

somente para classes especiais de curvas) e não foram reconhecidos<br />

como inter-relacionados. Leibniz e Newton criaram um sistema<br />

coerente de métodos para resolver problemas sobre curvas e o<br />

importante é que esses métodos não dependeram <strong>da</strong> natureza<br />

particular <strong>da</strong>s curvas trata<strong>da</strong>s. Portanto, o alcance de tais métodos


281<br />

foi mais amplo do que o dos métodos anteriores e pode-se dizer que<br />

através deles os métodos infinitesimais chegaram a formar uma<br />

teoria coerente e poderosa. Em resumo, foram as suas obras que<br />

permitiram falar em cálculo pela primeira vez.<br />

2. A coerência dos sistemas de Leibniz e Newton foi atingi<strong>da</strong> devido<br />

ao reconhecimento do teorema fun<strong>da</strong>mental do cálculo: a relação<br />

inversa entre a diferenciação e a integração. Através dele<br />

reconheceu-se o relacionamento recíproco entre os problemas de<br />

quadraturas e tangentes, que foram considerados anteriormente<br />

como problemas separados.<br />

3. Newton e Leibniz criaram um sistema de notações pelo qual<br />

podiam aplicar analiticamente seus novos métodos que, assim,<br />

foram explicitados na forma de algoritmo mais claro e por um<br />

aparato de fórmulas para as regras do cálculo.<br />

Exercícios Exercícios<br />

Exercícios<br />

1. A dúvi<strong>da</strong> sistemática, como a de Descartes, aju<strong>da</strong> ou não no<br />

desenvolvimento <strong>da</strong> matemática? Explique.<br />

2. Compare a influência de Descartes com a de Fermat no<br />

desenvolvimento <strong>da</strong> matemática.<br />

3. Usando o método de Descartes, encontre a normal a y² = 4x no<br />

ponto (1,2).<br />

2 = no<br />

4. Usando o método de Fermat, encontre a tangente a x 4y<br />

ponto (2,1).<br />

5. Use o método de Fermat para encontrar os valores máximo e<br />

2<br />

mínimo de f (x) = ( x + 1)(<br />

2x<br />

+ 5x<br />

− 7).<br />

6. Encontre 2 1<br />

2 n<br />

+<br />

7. Escreva 3 como fração contínua.<br />

para n = 0, 1, 2, 3 e verifique que são primos.<br />

282<br />

8. Escreva a raiz positiva <strong>da</strong> equação x + 3x<br />

= 4 como fração<br />

contínua.<br />

9. Use o método de Barrow para achar a subtangente à curva<br />

2 3<br />

y = x + 2x no ponto (2,20).<br />

0 + 1 + 2 + ⋅⋅<br />

⋅ + n 1 1<br />

10. Verifique a fórmula de Wallis = + ,<br />

3 3 3<br />

3<br />

n + n + n + ⋅⋅<br />

⋅ + n 4 4n<br />

para n = 1, 2, 3, 4.<br />

1<br />

2 n<br />

11. Verifique a fórmula de Wallis ( ) ( n!<br />

)<br />

x − x dx =<br />

n = 1, 2, 3, 4.<br />

3<br />

3<br />

2<br />

3<br />

∫ , para<br />

0<br />

( 2 n + 1)!<br />

12. Compare as contribuições de Newton e Leibniz à notação<br />

matemática.<br />

3<br />

2


O O SÉCULO SÉCULO DAS DAS LUZES<br />

LUZES<br />

(Século (Século XVIII)<br />

XVIII)<br />

“Senhor, não precisei dessa hipótese.” (Laplace)<br />

283<br />

Trata-se de um século interessante se for considerado que a<br />

geometria analítica e o cálculo foram inventados no século XVII e o<br />

surgimento do rigor matemático e o florescimento <strong>da</strong> geometria, <strong>da</strong><br />

álgebra, <strong>da</strong> análise, etc., estão associados ao XIX. Nunca é para o<br />

século XVIII que se olha para destacar as tendências significativas<br />

na matemática e isso está em contraste marcante com o que ocorre<br />

em outros campos.<br />

Para os americanos (do norte) a <strong>da</strong>ta 1776 foi decisiva para a<br />

sua independência; na França o ano de 1789 foi crucial para a<br />

chega<strong>da</strong> <strong>da</strong> burguesia ao poder. E a era de revoluções não se<br />

restringiu à política. A revolução Industrial, causa<strong>da</strong> pela utilização<br />

de máquinas modernas, mudou to<strong>da</strong> a estrutura social do ocidente.<br />

O século XVIII foi o do Iluminismo, movimento surgido na<br />

Europa, em oposição ao Absolutismo. Teve origem nas idéias de<br />

Descartes e Newton, her<strong>da</strong>ndo delas o racionalismo, a dúvi<strong>da</strong>, o<br />

formalismo e o mecanicismo. Representou a busca <strong>da</strong> razão e a<br />

predominância <strong>da</strong> lógica. De forma genérica, a razão seria o<br />

supremo guia do indivíduo. Vem dessa época também, a crença na<br />

liber<strong>da</strong>de econômica, na liber<strong>da</strong>de individual e, na igual<strong>da</strong>de de<br />

todos os homens perante a lei.<br />

Esse contexto forçou a imagem de um Deus destituído de<br />

poderes; um ser que teria criado tudo de modo lógico e<br />

conseqüentemente matemático. Assim, dispensaram-se os ritos e as<br />

orações para louvar o Senhor, pois a nova ordem era alimenta<strong>da</strong><br />

apenas pela observação <strong>da</strong> natureza. O homem descobriu que o<br />

universo era regido por leis físicas eternas e imutáveis; portanto, o<br />

Criador, se existisse um, estaria refletido na própria natureza.<br />

Com esse novo pensamento, sérias críticas foram feitas à Igreja,<br />

que se preocupava com as suas missas artificiais e distanciava-se<br />

ca<strong>da</strong> vez mais dos ideais iluministas. Em suma, o Iluminismo<br />

284<br />

opunha-se à superstição, à autori<strong>da</strong>de despótica e à tradição.<br />

Prescrevia a razão cartesiana, como única maneira para se construir<br />

um mundo melhor.<br />

A ativi<strong>da</strong>de científica dessa época, centrava-se geralmente nas<br />

academias, <strong>da</strong>s quais se destacavam as de Paris, Berlim e São<br />

Petersburgo. O ensino universitário desempenhava um papel menor<br />

ou mesmo nulo. Alguns dos principais estados europeus eram<br />

governados por aqueles que têm sido chamados de déspotas<br />

iluminados.<br />

Frederico-o-grande, Catarina-a-grande, aos quais se<br />

acrescentam Luís XV, Luís XVI e o Marquês de Pombal são alguns<br />

desses déspotas que aspiravam à glória e, para seu prazer,<br />

rodeavam-se de homens cultos. Esse prazer era uma espécie de<br />

esnobismo intelectual, temperado por uma certa compreensão do<br />

papel importante que as ciências naturais e a matemática aplica<strong>da</strong><br />

desempenhavam na modernização <strong>da</strong>s manufaturas e no aumento de<br />

eficácia <strong>da</strong> força militar.<br />

Diz-se, por exemplo, que a perfeição <strong>da</strong> arma<strong>da</strong> francesa se<br />

devia ao fato de, na construção de fragatas e barcos de linha, os<br />

mestres de construção naval terem sido guiados, em parte, pela<br />

teoria matemática. Os trabalhos de Euler eram ricos em aplicações a<br />

questões importantes para o exército e a marinha. A astronomia<br />

continuou a desempenhar um papel de destaque como mãe adotiva<br />

<strong>da</strong> investigação matemática sob a proteção real e imperial.<br />

A matemática no século <strong>da</strong>s luzes começou com os métodos<br />

infinitesimais. Foi nele que se desenvolveram os cálculos,<br />

diferencial, integral e <strong>da</strong>s variações e também as teorias analíticas e<br />

infinitesimais de curvas e superfícies.<br />

Nesse período pode-se dizer que a matemática era escrava <strong>da</strong><br />

física, sendo sua característica principal a falta de rigor absoluto. O<br />

objetivo maior dos matemáticos seria estu<strong>da</strong>r as ciências <strong>da</strong> natureza<br />

e, assim, preocupados com as aplicações usavam mais a intuição que<br />

a perfeição lógica.<br />

A grande expansão do volume de conhecimentos científicos,<br />

adquiridos nesse período, gerou a crescente especialização. Tornavase<br />

ca<strong>da</strong> vez mais dificil a um único sábio abarcar, simultaneamente,<br />

o âmbito <strong>da</strong> filosofia, <strong>da</strong> matemática, <strong>da</strong> física, <strong>da</strong> química e <strong>da</strong>s<br />

ciências naturais.


A A <strong>Matemática</strong> <strong>Matemática</strong> e e a a Mecânica<br />

Mecânica<br />

285<br />

Dentre os matemáticos importantes do século XVIII, Euler e os<br />

Bernoulli, no continente, e MacLaurin, na Escócia, desempenharam<br />

os primeiros papéis no sentido de sistematização do cálculo,<br />

enquanto Lagrange e Laplace tiveram proeminência no<br />

desenvolvimento <strong>da</strong> mecânica analítica e <strong>da</strong> mecânica celeste,<br />

respectivamente.<br />

Colin MacLaurin (1698 – 1746), foi professor de matemática<br />

em Edimburgo e o seu Tratado <strong>da</strong>s Fluxões de 1742 representou a<br />

primeira exposição lógica e sistemática do método <strong>da</strong>s fluxões de<br />

Newton. As aplicações do método a certos problemas, nele conti<strong>da</strong>s,<br />

foram qualifica<strong>da</strong>s por Lagrange como a obra-prima <strong>da</strong> geometria,<br />

comparável aos mais belos e engenhosos trabalhos de Arquimedes.<br />

Nesse livro encontrava-se o chamado desenvolvimento em série<br />

de MacLaurin, que constituiu um dos capítulos mais importantes do<br />

cálculo atual. No entanto, o próprio MacLaurin reconheceu que a<br />

autoria desse método era devi<strong>da</strong> ao matemático inglês, Brook Taylor<br />

(1685 – 1731). E, de fato, Taylor havia publicado em 1715 a série,<br />

atuamente chama<strong>da</strong> de Taylor, que se escreve,<br />

f ''<br />

( x ) 2<br />

f ( x + h ) = f ( x ) + f ' ( x ) h + h + ... , para uma função f<br />

2<br />

num ponto x.<br />

Bernoulli trata-se de um dos mais notáveis exemplos de uma<br />

família de matemáticos famosos que se sucederam durante varias<br />

gerações. Os irmãos Johann (1667 -1748), professor em Groninga, e<br />

Jakob (1645 – 1708), professor em Basiléia, foram os mais celebres<br />

discípulos de Leibniz.<br />

Irmãos e rivais ferozes que descobriram muitos teoremas de<br />

cálculo a respeito de catenárias, linhas geodésicas, braquistócronas,<br />

etc. A obra póstuma de Jakob, Ars conjectandi de 1713 assinalou<br />

uma época na teoria <strong>da</strong>s probabili<strong>da</strong>des.<br />

Um filho de Johann, Daniel (1700 – 1782), também professor<br />

em Basiléia, depois de permanecer por um certo tempo em São<br />

Petersburgo, usou muito bem os métodos matemáticos em<br />

problemas de mecânica, até então sem solução. Por isso foi<br />

considerado o fun<strong>da</strong>dor <strong>da</strong> física matemática, tendo reconhecido a<br />

286<br />

importância do princípio <strong>da</strong> conservação <strong>da</strong> força, antevisto em<br />

parte por Huygens.<br />

EULER EULER EULER (1707 – 1783)<br />

Leonhard Euler nasceu na Basiléia, Suiça,<br />

e iniciou seus estudos com a intenção de<br />

se tornar ministro religioso, como seu pai.<br />

Adquiriu gosto pela matemática e fez dela<br />

sua principal ocupação após as aulas que<br />

freqüentou como estu<strong>da</strong>nte de Johann<br />

Bernoulli na universi<strong>da</strong>de local. Passou a<br />

maior parte de sua vi<strong>da</strong> nas cortes de São<br />

Petersburgo (1727 – 1741 e de 1766 até<br />

sua morte) e de Berlim (1741 – 1766). A<br />

produção científica de Euler é extensa e<br />

varia<strong>da</strong>, superando a de qualquer outro matemático e distribuindo-se<br />

por todos os ramos – matemática, física, astronomia, engenharia e<br />

construção naval. Em decorrência de uma produção de alta<br />

quali<strong>da</strong>de, ganhava muitos prêmios, que constituíam numa<br />

complementação regular de seu salário.<br />

Um dos mais ambiciosos empreendimentos foi a publicação de<br />

suas obras completas em 45 volumes, mediante a cooperação<br />

internacional. Disciplinas básicas como álgebra, geometria analítica<br />

e cálculo, devem sua forma atual em grande parte aos trabalhos de<br />

Euler.<br />

Muitas notações por ele introduzi<strong>da</strong>s ain<strong>da</strong> estão em uso, como<br />

por exemplo: f(x) para funções; e para a base dos logaritmos<br />

naturais; a, b, c para os lados de um triângulo ABC; s para o<br />

semiperímetro do triângulo ABC; r para o inraio do triângulo ABC;<br />

R para o circunraio do triângulo ABC; Σ para somatórios; i para a<br />

uni<strong>da</strong>de imaginárian − 1 . Também deve-se a Euler a fórmula<br />

= cos x + isenx , que, para x = π torna-se e + 1 = 0 .<br />

Sua Introcutio in analysin infinitorum, de 1748, contém<br />

discussões algébricas e um pouco de cálculo, inclusive, os<br />

desenvolvimentos de e , senx cos x<br />

x<br />

e em séries e, a fórmula<br />

e ix<br />

fun<strong>da</strong>mental = cos x + isenx , com as funções trigonométricas já<br />

e ix<br />


287<br />

com as notações usa<strong>da</strong>s atualmente. As obras fun<strong>da</strong>mentais de Euler<br />

sobre o cálculo são as Institutiones calculi differentialis, de 1755, e<br />

as Institutiones calculi integralis de 1768.<br />

A Introdução completa à álgebra de Euler <strong>da</strong>ta de 1770. Essa<br />

Introdução foi um dos livros que maior influência exerceu sobre a<br />

álgebra do século dezoito e uma <strong>da</strong>s razões, dentre várias, foi o fato<br />

de ser apresentado numa linguagem clara e sob uma forma<br />

facilmente compreensível. Foi esse livro que, completando o<br />

desenvolvimento iniciado por Viète, fez <strong>da</strong> álgebra uma espécie de<br />

taquigrafia matemática internacional.<br />

Euler formulou a idéia de função, que tem desempenhado papel<br />

tão fun<strong>da</strong>mental na matemática atual, tanto pura como aplica<strong>da</strong>.<br />

Entre os seus trabalhos inclui-se o primeiro tratado sistemático <strong>da</strong>s<br />

variações, de1744.<br />

Em outros campos, Euler foi o primeiro a tratar analiticamente<br />

as vibrações <strong>da</strong> luz e a deduzir a equação <strong>da</strong> curva vibratória em<br />

função <strong>da</strong> elastici<strong>da</strong>de e <strong>da</strong> densi<strong>da</strong>de. Deduziu analiticamente a lei<br />

de refração e explicou que os raios de maior comprimento de on<strong>da</strong><br />

devem sofrer o menor desvio.<br />

Estudou a dispersão em busca de um corretivo para a aberração<br />

cromática <strong>da</strong>s lentes, que Newton declarara irremediável. Foram<br />

essas pesquisas que levaram Dolland a fabricar as suas lentes<br />

acromáticas. Euler foi, assim, o único físico do século XVIII que fez<br />

progredir a teoria ondulatória.<br />

Na sua Mechanica de1736, fez uma exposição coerente <strong>da</strong><br />

mecânica de Newton desenvolvendo, em 1744, suas idéias sobre<br />

astronomia teórica.<br />

A seguir, alguns exemplos do procedimento formal de Euler,<br />

especialmente no tratamento com séries infinitas.<br />

O primeiro volume de Introductio apresentava, do princípio ao<br />

fim, os processos infinitos - produtos infinitos e frações contínuas<br />

infinitas, bem como inúmeras séries infinitas. Quanto a isso, a obra é<br />

generalização natural <strong>da</strong>s idéias de Newton, Leibniz e Bernoulli, que<br />

muito contribuíram no estudo de séries infinitas.<br />

Embora, ocasionalmente, Euler prevenisse quanto ao riso de<br />

trabalhar com séries divergentes, ele próprio usou a série de<br />

288<br />

1<br />

2<br />

potências, = 1+<br />

x + x + ⋅⋅<br />

⋅ para x ≥ 1.<br />

Na ver<strong>da</strong>de, combinou<br />

1−<br />

x<br />

x<br />

2 3<br />

as duas séries = x + x + x + ⋅⋅<br />

⋅ e<br />

1−<br />

x<br />

x 1 1<br />

= 1+<br />

+ 2<br />

x −1<br />

x x<br />

+ ⋅⋅<br />

⋅ e<br />

1<br />

concluiu que ... + 2<br />

x<br />

1<br />

2 3<br />

+ + 1+<br />

x + x + x + ⋅⋅<br />

⋅ = 0.<br />

x<br />

Apesar de sua audácia, por manipulações de séries infinitas,<br />

Euler obteve resultados que tinha fugido a seus predecessores. Entre<br />

esses está a soma de recíprocos dos quadrados perfeitos,<br />

1 1<br />

+ 2 2<br />

1 2<br />

1<br />

+ + ⋅⋅<br />

⋅ . Oldenburg, numa carta a Leibniz de 1673,<br />

2<br />

3<br />

perguntara qual a soma dessa série, mas Leibniz não deu resposta.<br />

Em 1689, Jakob Bernoulli confessou sua incapaci<strong>da</strong>de para<br />

encontrar a soma, embora provasse a sua convergência. Sabe-se<br />

<strong>da</strong> teoria de equações algébricas que a soma dos recíprocos <strong>da</strong>s<br />

raízes , i = 1, 2,<br />

⋅⋅⋅,<br />

n , de um polinômio do tipo<br />

x i<br />

2<br />

n<br />

n x<br />

a x a x a ) x ( p + ⋅ ⋅ ⋅ + + + = 1 é o oposto do coeficiente de x, ou<br />

1<br />

n<br />

2<br />

seja, − = ∑<br />

i= i x<br />

1<br />

a1<br />

.<br />

1<br />

Euler, por descuido ou geniali<strong>da</strong>de, usou esse resultado típico<br />

de polinômios para as séries infinitas. Começou com a já conheci<strong>da</strong>,<br />

3<br />

5<br />

z z z<br />

na época, senz = z − + − + ⋅⋅<br />

⋅ e, então, considerou<br />

3!<br />

5!<br />

7!<br />

senz = 0 , como uma equação polinomial infinita, cujas raízes são<br />

0, ± π,<br />

± 2π,...<br />

Dividindo-se, a seguir, senz por z, tem-se a equação<br />

2<br />

4<br />

6<br />

z z z<br />

0 = 1−<br />

+ − + ⋅⋅<br />

⋅ , cujas raízes são ± π,<br />

± 2π,<br />

± 3π,<br />

⋅⋅<br />

⋅<br />

3!<br />

5!<br />

7!<br />

2<br />

Considerou depois z = w e a equação anterior tornou-se<br />

w w w<br />

0 = 1−<br />

+ −<br />

3!<br />

5!<br />

7!<br />

2<br />

3<br />

+ ⋅⋅<br />

⋅<br />

7<br />

, cujas raízes são π , 4π<br />

, 9π<br />

, ⋅⋅<br />

⋅<br />

Finalmente, aplicando o resultado para polinômios − a1<br />

= ∑<br />

=<br />

2<br />

2<br />

2<br />

n<br />

x<br />

1<br />

,<br />

i 1 i


289<br />

1 1<br />

obtém-se +<br />

2 2<br />

π 4π<br />

1<br />

+<br />

2<br />

9π<br />

1<br />

+ ⋅ ⋅ ⋅ =<br />

3!<br />

e,<br />

finalmente,<br />

1<br />

1 +<br />

2<br />

2<br />

1<br />

+<br />

2<br />

3<br />

1<br />

+ ⋅ ⋅ ⋅ = ∑ 2<br />

n 1 n<br />

2<br />

π<br />

= .<br />

6<br />

∞<br />

=<br />

Usando a série do cosseno em vez do seno, Euler encontrou, de<br />

modo análogo, o resultado ∑ ∞ 2<br />

π<br />

8<br />

1<br />

=<br />

2<br />

n ( 2n<br />

−1<br />

)<br />

e, como corolário,<br />

∞<br />

( −1)<br />

n+<br />

1<br />

= 1<br />

tem-se ∑ = ∑ −<br />

2<br />

2 ∑<br />

∑ ∞<br />

n=<br />

1<br />

n+<br />

1<br />

n<br />

∞<br />

( 2n<br />

−1<br />

)<br />

n= 1 n= 1 n=<br />

1<br />

2<br />

2<br />

2<br />

1<br />

∞<br />

1<br />

( 2n<br />

)<br />

2<br />

, ou seja,<br />

( −1)<br />

π 1 π π<br />

= − ⋅ = .<br />

2<br />

n 8 4 6 12<br />

O interesse de Euler por essas séries sempre foi muito grande, e<br />

mais tarde publicou no Introductio, a soma de recíprocos de<br />

potências pares de n= 2 até n = 26.<br />

D´ALEMBERT D´ALEMBERT (1717 – 1783)<br />

Jean Le Rond d’Alembert, filho natural de<br />

uma marquesa com um Chevalier, foi<br />

abandonado como criança enjeita<strong>da</strong>,<br />

próximo <strong>da</strong> igreja de Saint Jean Le Rond,<br />

em Paris, e levado a um orfanato para ser<br />

<strong>da</strong>do em adoção.<br />

Seu pai biológico, entretanto, providenciou<br />

uma dotação aos pais adotivos para que<br />

d’Alembert recebesse a melhor educação<br />

possível. Os resultados foram excelentes e<br />

não demorou muito para que fosse<br />

reconhecido como grande matemático, cientista e filósofo francês.<br />

Dotado de vasta cultura foi editor, juntamente com Denis Diderot<br />

(1713-1784), <strong>da</strong> famosa Encyclopédie, de 1751 (Enciclopédia, ou<br />

dicionário explicativo <strong>da</strong>s ciências, <strong>da</strong>s artes e dos ofícios) com 28<br />

volumes, <strong>da</strong> qual escreveu muitos tópicos que corporificavam a<br />

crença iluminista no conhecimento racional e na ciência.<br />

D’Alembert correspondeu-se por vários anos com Euler e as<br />

discussões foram de tal modo produtivas que contribuíram para<br />

290<br />

avanços em áreas como equações diferenciais ordinárias ou parciais,<br />

dinâmica, fun<strong>da</strong>mentos do cálculo, convergência de séries, etc.<br />

Reconhecendo que a idéia de grandezas infinitesimais era muito<br />

frágil, como fun<strong>da</strong>mento para o cálculo, d’Alembert foi o primeiro a<br />

defender o uso do conceito de limite nos artigos Différential, de<br />

1754, e Limite, de1765, publicados na Encyclopédie.<br />

No artigo Sur les principles métaphysiques du calcul<br />

infinitesimal (Sobre os princípios metafísicos do cálculo<br />

infinitesimal), de 1768, d’Alembert argumentou que o cálculo<br />

operava com os limites <strong>da</strong>s razões de diferenças finitas, de<br />

quanti<strong>da</strong>des variáveis inter-relaciona<strong>da</strong>s. A seguir formalizou a<br />

seguinte definição: Limite substantivo (matemática). Diz-se que uma<br />

grandeza é o limite de outra grandeza quando a segun<strong>da</strong> pode<br />

aproximar-se <strong>da</strong> primeira tanto quanto se queira, embora a<br />

primeira grandeza nunca possa exceder a grandeza <strong>da</strong> qual ela se<br />

aproxima; de modo que a diferença entre tal quanti<strong>da</strong>de e seu limite<br />

é absolutamente indeterminável.<br />

D’Alembert escrevia facilmente sobre vários assuntos,<br />

incluindo questões fun<strong>da</strong>mentais em matemática, como essa<br />

tentativa de definir limites. O teorema fun<strong>da</strong>mental <strong>da</strong> álgebra é<br />

chamado, ao menos na França, de teorema de d’Alembert, devido a<br />

sua tentativa de prová-lo em 1746. Escreveu também sobre<br />

probabili<strong>da</strong>des, embora nem sempre com grande êxito.<br />

Progressos Progressos <strong>da</strong> <strong>da</strong> mecânica mecânica teórica teórica e e celeste celeste<br />

celeste<br />

LAGRANGE LAGRANGE (1736 – 1813)<br />

Joseph-Louis Lagrange nasceu em Torino,<br />

Itália, onde tornou-se professor de<br />

matemática <strong>da</strong> Escola Real de Artilharia aos<br />

19 anos. Aos 25 anos já era reconhecido<br />

como um dos maiores matemáticos e, em<br />

1776, aceitou o convite para substituir Euler<br />

em Berlim, já que este voltaria para São<br />

Petersburgo. Viria satisfazer assim o<br />

expresso desejo de Frederico II, segundo o<br />

qual era preciso que o maior geômetra <strong>da</strong>


291<br />

Europa vivesse junto ao maior dos reis. Com a morte de Frederico<br />

em 1787, Lagrange transferiu-se para Paris, onde permaneceu pelo<br />

resto de sua vi<strong>da</strong>. É claro que Lagrange escreveu muito menos que<br />

Euler, mas a perfeição e o grande alcance de seus trabalhos deramlhe<br />

fama, podendo até ser equiparado a Euler.<br />

Sua obra mais famosa, a Mécanique Analytique, concebi<strong>da</strong> em<br />

sua juventude, mas só publica<strong>da</strong> em 1788, foi um estudo magistral e<br />

completo sobre o assunto. Nela, com o auxílio dos novos métodos<br />

matemáticos, mostrou a sua dependência de alguns princípios<br />

fun<strong>da</strong>mentais e, com isso, a mecânica se estabelecia como um ramo<br />

<strong>da</strong> análise matemática. A significação e a importância desse trabalho<br />

são, dentro do seu campo, comparáveis às dos Princípia de Newton.<br />

Em 1797, Lagrange publicou um livro intitulado Théorie des<br />

fonctions analytiques, no qual procurava resolver o problema <strong>da</strong><br />

fun<strong>da</strong>mentação do cálculo em bases puramente algébricas, sem a<br />

necessi<strong>da</strong>de de considerar grandezas infinitesimais.<br />

Partindo <strong>da</strong> série de Taylor de uma <strong>da</strong><strong>da</strong> função, ele introduziu<br />

as sucessivas deriva<strong>da</strong>s dessa função, em termos dos coeficientes de<br />

sua série. Em outras palavras, para ca<strong>da</strong> função f, e para ca<strong>da</strong> ponto<br />

x, f(x + h) poderia ser desenvolvi<strong>da</strong> como uma série de potências em<br />

'<br />

h: f(x + h) = f(x) + Ah + Bh²+ + Ch³ + etc. em que, A = f ( x ) ,<br />

''<br />

'''<br />

f ( x ) f ( x )<br />

B = , C = , etc. Importante observar que a notação f’,<br />

2!<br />

3!<br />

'''<br />

f’’, f , etc., usa<strong>da</strong> atualmente, foi introduzi<strong>da</strong> por Lagrange nesse<br />

trabalho.<br />

Essa construção se assentava na premissa de que to<strong>da</strong> função<br />

possui desenvolvimento em série de Taylor, o que em geral é falso.<br />

Ao fazê-lo, Lagrange pensava ter eliminado a inexatidão inerente<br />

aos infinitesimais e aos limites, e pensava ter reduzido os conceitos<br />

do cálculo a simples álgebra.<br />

Mas sua tentativa esbarrou nessa questão; não é ver<strong>da</strong>de que<br />

f(x + h) possa sempre ser desenvolvi<strong>da</strong> como uma série de potências<br />

em h, e, para as que podem, há ain<strong>da</strong> o problema <strong>da</strong> convergência<br />

<strong>da</strong>s séries, que pode ser discutido somente em termos de limites.<br />

Entretanto, o enfoque de Lagrange foi importante, pois<br />

apresentou uma concepção diferente <strong>da</strong> deriva<strong>da</strong>. Os matemáticos<br />

292<br />

dy<br />

antes dele consideravam como a razão de duas diferenciais,<br />

dx<br />

correspondendo a duas variáveis independentes x e y. Lagrange<br />

especificou a relação entre x e y considerando y como uma função<br />

de x e as deriva<strong>da</strong>s sucessivas de f também como funções de x. Seu<br />

trabalho, portanto, contém um passo importante para a<br />

transformação do cálculo, de uma teoria de variáveis e suas<br />

diferenciais para uma teoria de funções e suas deriva<strong>da</strong>s.<br />

Vale lembrar que, embora, não tenha tomado parte significativa<br />

no desenrolar dos acontecimentos políticos, Lagrange foi um dos<br />

matemáticos que participaram <strong>da</strong> revolução francesa, chegando a ser<br />

chefe <strong>da</strong> comissão de pesos e medi<strong>da</strong>s. Na disputa para se escolher a<br />

base do sistema métrico, se dez ou doze, Lagrange argumentou que<br />

a base deveria ser um número primo, onze, por exemplo. Em 1799 o<br />

trabalho <strong>da</strong> comissão estava pronto e o sistema métrico decimal, em<br />

uso atualmente, se tornou uma reali<strong>da</strong>de.<br />

Os trabalhos de Lagrange incluem importantíssimas<br />

contribuições para a solução <strong>da</strong>s equações diferenciais e para o<br />

cálculo <strong>da</strong>s variações. A sua grande capaci<strong>da</strong>de de análise foi<br />

aplica<strong>da</strong> com êxito também a problemas de astronomia e cartografia.<br />

LAPLACE LAPLACE (1749 – 1827)<br />

Pierre-Simon, marquês de Laplace, de<br />

procedência norman<strong>da</strong>, desempenhou papel de<br />

grande destaque nas ativi<strong>da</strong>des cientificas do<br />

período napoleônico. Os cinco volumes <strong>da</strong> sua<br />

Mécanique Celeste não deixou dúvi<strong>da</strong>s quanto a<br />

sua importância para a continui<strong>da</strong>de dos<br />

trabalhos de mecânica, desde os tempos de<br />

Newton.<br />

Laplace alimentava a eleva ambição de oferecer<br />

uma solução completa do grande problema de mecânica apresentado<br />

pelo sistema solar e fazer com que a teoria coincidisse de modo tão<br />

exato com a observação, que já não houvesse equações empíricas<br />

nas tábuas astronômicas.


293<br />

Via no cálculo apenas um meio necessário para resolver<br />

problemas físicos, embora tivesse mostrado uma habili<strong>da</strong>de quase<br />

fenomenal com os métodos utilizados. Contanto que os resultados<br />

obtidos fossem ver<strong>da</strong>deiros, <strong>da</strong>va-se pouco trabalho para explicar os<br />

meios por que chegara até eles.<br />

Nunca buscou a elegância ou a simetria nos seus métodos e<br />

estava satisfeito quando podia, por qualquer meio, resolver a questão<br />

particular em exame. Nathaniel Bowditch, o tradutor americano <strong>da</strong><br />

sua grande obra, fez a respeito uma observação significativa: sempre<br />

que encontro um dos “assim se torna evidente” de Laplace, adquiro<br />

a certeza de que terei de despender horas de trabalho aturado para<br />

preencher a lacuna, descobrindo e demonstrando o porquê de tal<br />

evidência.<br />

Empreendeu Laplace um estudo completo do grande problema<br />

dos três corpos, ou seja, “<strong>da</strong><strong>da</strong>s, em qualquer instante, as posições e<br />

os movimentos de três corpos que gravitam uns para os outros,<br />

determinar suas posições e movimentos em qualquer outro instante”.<br />

Sem o resolver inteiramente, conseguiu explicar, em grande parte as<br />

discrepâncias em questão.<br />

Na sua Exposition du système du monde, Laplace nunca usou<br />

uma fórmula algébrica ou um diagrama geométrico, e apresentou os<br />

argumentos em favor <strong>da</strong> sua hipótese nebular, dentro <strong>da</strong>s seguintes<br />

linhas gerais: a despeito <strong>da</strong> separação dos planetas, mantêm eles<br />

entre si certas relações dignas de nota – todos os planetas revolvem<br />

em redor do Sol, na mesma direção e quase no mesmo plano; os<br />

satélites também revolvem em torno dos seus planetas, nessa mesma<br />

direção e quase no mesmo plano; finalmente, Sol, planetas e<br />

satélites revolvem no mesmo sentido em torno dos seus eixos, e essa<br />

rotação se verifica aproxima<strong>da</strong>mente no plano orbital.<br />

Essas concordâncias não podem ser acidentais. Laplace<br />

procura-lhes a causa na existência de uma vasta massa nebulosa<br />

primitiva, formando uma espécie de atmosfera em volta do Sol e<br />

estendendo-se até além do planeta mais exterior. Em especial,<br />

Laplace sustentou a estabili<strong>da</strong>de do sistema solar. Sua Mecânica<br />

Celeste foi qualifica<strong>da</strong> como edição “infinitamente” amplia<strong>da</strong> e<br />

enriqueci<strong>da</strong> dos Princípia de Newton.<br />

294<br />

Laplace fez também importantes avanços na teoria <strong>da</strong>s<br />

probabili<strong>da</strong>des e seus trabalhos sobre equações diferenciais ain<strong>da</strong><br />

são úteis na engenharia e no eletromagnetismo.<br />

O O conhecimento conhecimento matematizado<br />

matematizado<br />

matematizado<br />

A partir do século XVIII a matemática passou a ser considera<strong>da</strong><br />

por muitos sábios como o ideal, cujos métodos exatos e completos<br />

deviam ser igualados por outros ramos de conhecimento menos<br />

desenvolvidos. Desse modo, a versão popular <strong>da</strong> Mecânica Celeste<br />

de Laplace, por ele mesmo apresenta<strong>da</strong>, foi recebi<strong>da</strong> com avidez, e o<br />

próprio Voltaire se encarregou de defender a filosofia newtoniana.<br />

A lógica e a própria moral foram atraí<strong>da</strong>s para o séquito <strong>da</strong><br />

matemática. Para alguns, o Bem seria uma quanti<strong>da</strong>de positiva e o<br />

Mal, uma quanti<strong>da</strong>de negativa. Para outros, as alegrias e os<br />

desgostos comporiam a vi<strong>da</strong> humana de acordo com as leis <strong>da</strong><br />

adição e competiria aos estadistas tornar o saldo positivo tão grande<br />

quanto possível. Buffon acrescenta à sua história natural, um<br />

suplemento relativo à aritmética moral. A matemática aspira ao<br />

papel de dirigente, tanto na ciência natural como nos assuntos<br />

humanos.<br />

A propósito, é bem divulga<strong>da</strong> uma anedota sobre Napoleão, que<br />

teria provocado Laplace com a observação de que Deus não fora<br />

mencionado no seu livro. Ao que Laplace respondeu: senhor, não<br />

precisei dessa hipótese.<br />

A despeito dessa predileção <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de culta e poli<strong>da</strong>, os<br />

programas oficiais de ensino permaneciam fracos e se mantinham<br />

fiéis à orientação conservadora. Entretanto, poderosas tendências<br />

progressistas, nasci<strong>da</strong>s <strong>da</strong> revolução francesa, concretizaram-se na<br />

fun<strong>da</strong>ção <strong>da</strong> Escola Politécnica, a qual ain<strong>da</strong> tem sido um importante<br />

centro de ativi<strong>da</strong>de matemática. O seu programa incluía, no primeiro<br />

ano, a geometria analítica a três dimensões e a geometria descritiva;<br />

no segundo, a mecânica dos sólidos e dos líquidos; no terceiro, a<br />

mecânica teórica.<br />

O diretor <strong>da</strong> Escola Politécnica, Gaspar Monge (1746 – 1818),<br />

não só era um grande administrador, mas também um eminente<br />

geômetra e professor. A sua Geometria Descritiva, resultado de<br />

preleções feitas na Escola, tornou-se um manual clássico no assunto,


295<br />

sobretudo no capítulo de projeções ortográficas. As suas Aplicações<br />

<strong>da</strong> análise à geometria representaram uma importante contribuição<br />

para a geometria diferencial. Muitos manuais do século XIX<br />

originaram-se de cursos ministrados na Escola Politécnica.<br />

Exercícios<br />

Exercícios<br />

1. Quais ramos <strong>da</strong> matemática foram mais ativamente desenvolvidos<br />

durante os meados do século XVIII?<br />

2. Cite quatro revistas que publicavam artigos de matemática<br />

durante o século XVIII.<br />

3.No século XVIII muitos matemáticos conhecidos mu<strong>da</strong>ram de um<br />

país para outro. Mencione alguns deles, indicando as circunstâncias<br />

que cercaram a mu<strong>da</strong>nça.<br />

4. Descreva as mais importantes contribuições feitas por Euler às<br />

notações matemáticas.<br />

5. Obtenha, a maneira de Euler, a soma <strong>da</strong> série<br />

1 1<br />

+ 2 2<br />

1 3<br />

1<br />

+ 2<br />

5<br />

+ ⋅⋅<br />

⋅ +<br />

1<br />

2<br />

2n<br />

−1<br />

⋅⋅<br />

⋅.<br />

( )<br />

6. Mencione três matemáticos de renome na França que apoiaram a<br />

Revolução e descreva suas ativi<strong>da</strong>des nessa direção.<br />

296


A A MATEMÁTICA MATEMÁTICA MATEMÁTICA SE SE ESTRUTUROU<br />

ESTRUTUROU<br />

(Século (Século XIX)<br />

XIX)<br />

297<br />

“Os filósofos limitaram-se a interpretar o mundo de diversas maneiras; o<br />

que importa é trasformá-lo.” (Karl Marx)<br />

No século XIX muitos são os ramos <strong>da</strong> ciência, <strong>da</strong> técnica, <strong>da</strong>s<br />

artes, etc. que reivindicam a fama de “a mais revolucionária”. A<br />

partir do renascimento a astronomia foi o que mais influiu no<br />

espírito dos filósofos e do ci<strong>da</strong>dão comum.<br />

Copérnico destronou a Terra de sua posição central no universo,<br />

ao passo que Galileu e Newton provaram que os corpos celestes, não<br />

mais divinos e incorruptíveis, também se moviam de acordo com a<br />

dinâmica. Revolucionou-se a concepção que o homem tinha do<br />

Cosmos.<br />

Essa alteração, já assimila<strong>da</strong> no século XIX, não mais causava<br />

preocupação. Os físicos baniram a filosofia de seus laboratórios e<br />

trabalhavam à luz de um realismo apoiado no bom senso, jamais<br />

duvi<strong>da</strong>ndo de que suas descobertas revelassem a estrutura real do<br />

mundo.<br />

A revolução seguinte no pensamento científico viria <strong>da</strong><br />

biologia, sendo Charles Darwin (1809 – 1882) com A origem <strong>da</strong>s<br />

espécies, de 1859, a sua principal figura. A velha teoria <strong>da</strong> evolução<br />

tornou-se digna de crédito mercê de seu conceito de seleção natural,<br />

tendo o homem de reconhecer o seu ver<strong>da</strong>deiro lugar no reino<br />

animal. Então as idéias evolucionistas se espalharam <strong>da</strong> biologia<br />

para outros ramos do conhecimento.<br />

Nas ciências sociais, filosofia, história, economia política, etc.<br />

teria a revolução chama<strong>da</strong> Karl Marx (1818 -1883). O seu livro mais<br />

famoso O Capital, pouco lido e muito temido, ocupou um lugar de<br />

destaque entre os mais editados no mundo. O ponto fun<strong>da</strong>mental <strong>da</strong><br />

doutrina econômica de Marx era que o capitalismo se baseia na<br />

exploração do trabalho.<br />

No plano filosófico, Marx, como um renascentista, se voltou<br />

para a Grécia retomando as teorias de Demócrito e Epicuro,<br />

esqueci<strong>da</strong>s e deturpa<strong>da</strong>s por séculos. Apoiado nos progressos <strong>da</strong><br />

298<br />

ciência, formulou a sua concepção dialética e materialista dos<br />

fenômenos <strong>da</strong> natureza e <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de.<br />

No mundo <strong>da</strong>s artes brilhou Beethoven, que dizia que o objetivo<br />

de sua música era exprimir a essência <strong>da</strong>s coisas, penetrar<br />

profun<strong>da</strong>mente no âmago <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>, até extrair um raio de luz, no qual<br />

poderiam ser vistas as maravilhas <strong>da</strong> natureza humana.<br />

O conhecimento <strong>da</strong> eletrici<strong>da</strong>de levou ao telégrafo elétrico, as<br />

experiências de Fara<strong>da</strong>y sobre o eletromagnetismo conduziram ao<br />

dínamo e à grande indústria <strong>da</strong> engenharia elétrica, e as equações<br />

eletromagnéticas de Maxwell, após experiência de cinqüenta anos,<br />

deram origem à telefonia sem fio, ao ra<strong>da</strong>r e à transmissão pelo<br />

rádio.<br />

Esses fatos mencionados acima são apenas alguns exemplos que<br />

poderiam ser multiplicados quase indefini<strong>da</strong>mente. O século XIX<br />

marcou o início <strong>da</strong> era ver<strong>da</strong>deiramente científica.<br />

E na matemática, houve alguma revolução?<br />

Na matemática prevaleceu o espírito do século; foram várias<br />

revoluções na geometria, álgebra e análise.<br />

A revolução francesa e o período napoleônico criaram<br />

condições favoráveis para o desenvolvimento continuado <strong>da</strong><br />

matemática e demais ciências. O caminho estava aberto para a<br />

revolução industrial no continente europeu e isso criou novas classes<br />

sociais com uma nova visão <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>, interessa<strong>da</strong>s na ciência e na<br />

educação técnica.<br />

As idéias democráticas invadiram a vi<strong>da</strong> acadêmica; o<br />

criticismo ergueu-se contra as formas antiqua<strong>da</strong>s de pensamento; as<br />

escolas e as universi<strong>da</strong>des tiveram de ser reforma<strong>da</strong>s e<br />

rejuvenesci<strong>da</strong>s.<br />

A matemática progrediu com mais fulgor na França e um pouco<br />

mais tarde na Alemanha, países nos quais o corte ideológico com o<br />

passado foi sentido mais profun<strong>da</strong>mente e onde foram feitas<br />

transformações mais radicais, ou tiveram de ser feitas, para preparar<br />

terreno para a nova estrutura econômica e política capitalista. A<br />

nova pesquisa matemática emancipou-se gradualmente <strong>da</strong> antiga<br />

tendência de ver na mecânica e na astronomia a meta final <strong>da</strong>s<br />

ciências exatas.


299<br />

Multiplicaram-se os especialistas interessados na matemática<br />

pela matemática. A ligação com a prática nunca se quebrou<br />

inteiramente, mas tornou-se muitas vezes obscura. Uma divisão<br />

mais acentua<strong>da</strong> que no passado, entre matemáticos “puros” e<br />

“aplicados”, acompanhou o crescimento <strong>da</strong> especialização.<br />

Os matemáticos do século XIX não se encontravam mais nas<br />

cortes reais ou nos salões <strong>da</strong> aristocracia como no século anterior. A<br />

sua principal ocupação não consistia mais em ser membro de uma<br />

academia culta; eram freqüentemente empregados por universi<strong>da</strong>des<br />

ou escolas técnicas e eram professores, assim como pesquisadores.<br />

Lagrange, Bernoulli e Laplace tinham ensinado apenas<br />

ocasionalmente; quanto a Euler houve apenas uma ocorrência, a de<br />

ter ensinado uma jovem princesa quando morou em Berlim. Porém,<br />

agora, aumentava a responsabili<strong>da</strong>de de ensinar e os matemáticos<br />

tornaram-se educadores ou, então, examinadores <strong>da</strong> juventude.<br />

O latim científico foi gradualmente substituído pelas línguas<br />

nacionais e, os matemáticos passaram a ser rotulados segundo sua<br />

especialização. Leibniz, Euler e d’Alembert foram descritos como<br />

matemáticos (ou géomètres), Cauchy por sua vez seria um analista,<br />

Cayley um algebrista e Cantor um pioneiro <strong>da</strong> teoria dos conjuntos.<br />

A época se mostrava favorável aos físicos matemáticos e<br />

também aos estudiosos de estatística matemática ou lógica<br />

matemática. A especialização seria somente quebra<strong>da</strong> por grandes<br />

gênios; e foi dos trabalhos de um Gauss, de um Riemann, de um<br />

Klein ou de um Poincaré que a matemática do século XIX recebeu o<br />

seu maior impulso.<br />

GAUSS GAUSS (1777 – 1855)<br />

Na linha divisória entre a matemática dos<br />

séculos XVIII e XIX dominou a figura<br />

majestosa de Carl Friedrich Gauss – o plebeu<br />

que se tornou príncipe através <strong>da</strong> matemática.<br />

Gauss teve uma existência mais ou menos<br />

solitária como diretor do observatório<br />

astronômico de Göttingen, enriqueceu a<br />

matemática de muitas maneiras e de certa<br />

forma estabeleceu o ritmo <strong>da</strong> expansão dessa<br />

300<br />

ciência. Suas mais profun<strong>da</strong>s descobertas foram realiza<strong>da</strong>s durante a<br />

juventude. Com 18 anos descobriu o método dos mínimos<br />

quadrados, com 19 a possibili<strong>da</strong>de de construir um polígono regular<br />

de 17 lados, com régua e compasso e, com 20, alcançou resultados<br />

de fun<strong>da</strong>mental importância sobre as funções elípticas, assim como,<br />

a primeira prova do teorema fun<strong>da</strong>mental <strong>da</strong> álgebra (ou teorema de<br />

Girard).<br />

Pouco tempo depois publicou a sua obra clássica sobre a teoria<br />

dos números, Disquisitiones arithmeticae (Pesquisas aritméticas),<br />

contribuindo para que essa teoria, como ele mesmo dizia,<br />

continuasse sendo a rainha <strong>da</strong> matemática que, por sua vez, era a<br />

rainha <strong>da</strong>s ciências.<br />

Gauss atuou em muitas outras áreas; em astronomia, por<br />

exemplo, calculou as órbitas dos planetóides, tendo publicado os<br />

resultados em 1809. Trabalhou com geometria diferencial, <strong>da</strong>ndo<br />

grande avanço nessa disciplina introduzi<strong>da</strong> por Euler. Usou funções<br />

complexas em resultados famosos como na demonstração do<br />

teorema fun<strong>da</strong>mental <strong>da</strong> álgebra e na construção do polígono de 17<br />

lados. Contribuiu, ain<strong>da</strong>, na termodinâmica, em geometrias não<br />

euclidianas e foi, com Weber, um dos inventores do telégrafo em<br />

1833.<br />

Probabili<strong>da</strong>des: Probabili<strong>da</strong>des: a a curva curva de de de er erro er ro<br />

Os matemáticos do século XVIII haviam mostrado grande<br />

interesse pela teoria <strong>da</strong>s probabili<strong>da</strong>des. Foi, porém, George-Louis<br />

Leclerc (1707 – 1783), conde de Buffon, um naturalista famoso, que<br />

em 1777 introduziu o primeiro exemplo de uma probabili<strong>da</strong>de<br />

geométrica, conheci<strong>da</strong> como “o problema <strong>da</strong> agulha”: tome-se uma<br />

agulha de comprimento 2L e, de pequena altura, deixe-se cair numa<br />

mesa onde se tenham traçado linhas paralelas separa<strong>da</strong>s uma <strong>da</strong>s<br />

outras por uma distância D, maior que 2L. Desse modo, ao cair, a<br />

agulha poderá ou não cruzar uma dessas linhas. Suponhamos que a<br />

experiência seja feita N vezes e que a agulha cruze C vezes uma<br />

dessas linhas. Então π poderá ser computado dentro de certos<br />

NL<br />

limites prováveis de erro, mediante a fórmula: π<br />

= 4 .<br />

CD


301<br />

O tratamento matemático <strong>da</strong>do por Laplace às probabili<strong>da</strong>des<br />

não só deu precisão às conclusões de astronomia, mas encontrou<br />

aplicação semelhante em muitos campos. Sua Teoria Analítica <strong>da</strong>s<br />

Probabili<strong>da</strong>des marcou época do assunto.<br />

Diz ele no preâmbulo: as questões mais importantes <strong>da</strong> vi<strong>da</strong><br />

giram quase sempre em torno de problemas de probabili<strong>da</strong>de. A<br />

rigor, podemos mesmo dizer que quase to<strong>da</strong> a nossa ciência é<br />

problemática; e entre o pequeno número de coisas que podemos<br />

conhecer com certeza, mesmo nas próprias ciências matemáticas, a<br />

indução e a analogia, os principais meios de descobrir a ver<strong>da</strong>de,<br />

baseiam-se em probabili<strong>da</strong>des, de modo que todo o sistema dos<br />

conhecimentos humanos está relacionado com essa teoria. É<br />

notável que uma ciência que começou pela consideração dos jogos<br />

de azar, se tenha tornado o mais importante objeto de conhecimento<br />

humano. No fundo, a teoria <strong>da</strong>s probabili<strong>da</strong>des na<strong>da</strong> mais é do que<br />

o senso comum reduzido ao cálculo; ela nos permite avaliar com<br />

exatidão aquilo que os espíritos argutos sentem por uma espécie de<br />

instinto que eles próprios são amiúde incapazes de explicar.<br />

Da teoria <strong>da</strong>s probabili<strong>da</strong>des, Gauss deduziu a chama<strong>da</strong> lei dos<br />

erros, representa<strong>da</strong> por uma curva de distribuição normal e<br />

posteriormente aplica<strong>da</strong><br />

à representação gráfica<br />

de grande número de<br />

fenômenos não só de<br />

física e biologia, mas<br />

também de sociologia e<br />

higiene.<br />

Curva de Gauss<br />

Por mais que a ação dos indivíduos moleculares ou humanos<br />

possa parecer inteiramente arbitrária, esse método estatístico<br />

fun<strong>da</strong>mental permite prever o comportamento médio de uma<br />

população.<br />

Trabalhos inaugurais foram realizados neste campo pelo<br />

astrônomo belga Adolphe Quetelet (1796 – 1874). Profun<strong>da</strong>mente<br />

influenciado por Laplace, publicou em 1828, as suas Instructions<br />

populaires sur le calcul des probabilitès, uma <strong>da</strong>s primeiras obras<br />

de divulgação do assunto. Sua obra principal, sobre O homem e o<br />

desenvolvimento de suas facul<strong>da</strong>des, ou Ensaio de física social, de<br />

302<br />

1835, um dos livros mais importantes do século XIX, foi a primeira<br />

tentativa de aplicar a análise matemática ao estudo do homem, e não<br />

só do seu corpo, mas do seu comportamento e <strong>da</strong> sua morali<strong>da</strong>de.<br />

Quetelet mostrou que o método estatístico constitui o único<br />

ponto de vista científico sobre a sociologia e pode ser considerado<br />

como o fun<strong>da</strong>dor desse ramo <strong>da</strong> ciência. Além de outras obras<br />

escreveu também sobre a história <strong>da</strong> ciência na Bélgica.<br />

Depois de Quetelet o método estatístico, deixando de limitar-se<br />

à astronomia e à sociologia, revelou-se o melhor instrumento para<br />

abor<strong>da</strong>r numerosos problemas de biologia, química e física.<br />

Geometrias Geometrias não não euclidianas<br />

euclidianas<br />

A exemplo dos três problemas clássicos de construção, foi<br />

resolvido também no século XIX o intrincado “problema <strong>da</strong>s<br />

paralelas”.<br />

A questão de saber se o postulado <strong>da</strong>s paralelas de Euclides era<br />

independente ou poderia ser derivado dos outros, tinha confundido<br />

os matemáticos por 2000 anos. Ptolomeu tentara encontrar uma<br />

resposta na antigui<strong>da</strong>de, Omar Kayyan e Nasir Eddin na I<strong>da</strong>de<br />

Média e Lambert e Legendre, no século XVIII. Todos esses homens<br />

tinham tentado provar o postulado e haviam falhado, embora<br />

tivessem encontrado alguns resultados interessantes no decurso <strong>da</strong>s<br />

suas investigações.<br />

Gauss foi o primeiro a acreditar na independência do postulado<br />

<strong>da</strong>s paralelas, o que implicava que outras geometrias, basea<strong>da</strong>s numa<br />

outra escolha de axiomas, fossem logicamente possíveis. Gauss<br />

nunca publicou os seus pensamentos sobre esse assunto.<br />

Os primeiros a desafiarem abertamente a autori<strong>da</strong>de de dois<br />

milênios e a construírem uma geometria não euclidiana foram um<br />

russo, Nicolai Ivanovich Lobachevski (1793 – 1856) e um húngaro,<br />

János Bolyai (1802 -1860).<br />

Lobachevski, professor <strong>da</strong> universi<strong>da</strong>de de Kazan, foi o<br />

primeiro a publicar suas idéias. O seu primeiro livro apareceu em<br />

1829 e foi escrito em russo. Poucas pessoas tiveram conhecimento<br />

dele e mesmo uma edição alemã, posterior, recebeu pouca atenção,<br />

embora Gauss tivesse mostrado algum interesse.


303<br />

Bolyai era filho de um professor de matemática de uma ci<strong>da</strong>de<br />

de província <strong>da</strong> Hungria. Esse professor, Farkas Bolyai, estudou em<br />

Göttingen ao mesmo tempo que Gauss e ambos mantiveram uma<br />

correspondência ocasional. Farkas passou muito tempo tentando<br />

provar o quinto postulado de Euclides, mas não chegou a qualquer<br />

conclusão. O seu filho herdou essa paixão e, ao perceber a<br />

impossibili<strong>da</strong>de propôs um novo tipo de geometria, publica<strong>da</strong> quase<br />

na mesma época de Lobachevski.<br />

As teorias de Gauss, de Bolyai e de Lobachevski eram<br />

semelhantes em princípios, embora os seus artigos fossem muito<br />

diferentes. É notável como as novas idéias surgiram<br />

independentemente em Göttingen, Bu<strong>da</strong>peste e Kazan, e no mesmo<br />

período.<br />

Os princípios dessa nova geometria eram estranhos e bem<br />

diversos dos euclidianos. Era possível traçar mais de uma paralela a<br />

uma reta <strong>da</strong><strong>da</strong> por um ponto que esteja fora dessa; a soma dos<br />

ângulos internos de um triângulo era sempre menor que dois retos e<br />

a diferença, em relação a dois retos, era determina<strong>da</strong> em proporção à<br />

área do triângulo. Além disso, a razão entre o comprimento de uma<br />

circunferência e o seu diâmetro seria sempre maior do que π .<br />

Estranhos princípios, mas perfeitamente coerentes; nenhum deles<br />

contradiz os demais.<br />

A geometria não euclidiana – o nome é devido a Gauss –<br />

permaneceu durante várias déca<strong>da</strong>s como um campo obscuro <strong>da</strong><br />

matemática. A maior parte dos matemáticos ignorou-a, a filosofia<br />

kantiana, predominante, recusava tomá-la a sério.<br />

O primeiro grande cientista a compreender plenamente a sua<br />

importância foi Riemann, cuja teoria geral <strong>da</strong>s varie<strong>da</strong>des de 1854,<br />

legitimava de maneira clara não só os tipos existentes de geometrias<br />

não euclidianas, como também outras, chama<strong>da</strong>s depois de<br />

riemannianas. Porém, a aceitação total dessas teorias só chegou<br />

quando a geração posterior a Riemann começou a entender o seu<br />

significado depois de 1870.<br />

304<br />

RIEMANN RIEMANN (1826 – 1866)<br />

George Friedrich Bernhard Riemann, filho de<br />

um pastor luterano, foi educado em condições<br />

modestas. Era uma pessoa tími<strong>da</strong> e fisicamente<br />

frágil. Teve boa instrução em Berlim e depois<br />

em Göttingen onde obteve seu doutoramento<br />

com uma tese sobre teoria <strong>da</strong>s funções de<br />

variáveis complexas, em que aparecem as<br />

equações denomina<strong>da</strong>s de Cauchy-Riemann,<br />

embora essas já fossem conheci<strong>da</strong>s por Euler e<br />

D'Alembert. Nesse trabalho já estabeleceu o<br />

conceito de superfície de Riemann que desempenharia papel<br />

fun<strong>da</strong>mental em análise.<br />

Nomeado professor na Universi<strong>da</strong>de de Göttingen em 1854,<br />

apresentou um trabalho perante o corpo docente e que resultou numa<br />

célebre conferência. Nele estava uma ampla e profun<strong>da</strong> visão <strong>da</strong><br />

geometria e seus fun<strong>da</strong>mentos que até então permanecia<br />

marginaliza<strong>da</strong>.<br />

Ao contrário de Euclides e em sentido mais amplo do que<br />

Lobachevsky, observou que seria necessário tratar-se de pontos, ou<br />

retas, ou do espaço não no sentido comumk, mas como uma coleção<br />

de n-uplas que são combina<strong>da</strong>s segundo certas regras, uma <strong>da</strong>s quais<br />

era a de achar distância entre dois pontos infinitamente próximos.<br />

Para Riemann, o plano era a superfície de uma esfera e uma reta<br />

era um círculo máximo sobre a esfera. De sua sugestão de estu<strong>da</strong>r<br />

espaços métricos em geral com curvatura, tornou-se possível a teoria<br />

<strong>da</strong> relativi<strong>da</strong>de, contribuindo-se assim para o desenvolvimento <strong>da</strong><br />

física.<br />

Riemann provou muitos resultados importantes em teoria dos<br />

números, relacionando-os com a análise, através de uma concepção<br />

intuitiva e geométrica, em contraste com a aritmetização de<br />

Weierstrass.<br />

Um de seus brilhantes resultados foi perceber que a integral<br />

exigia uma definição mais cui<strong>da</strong>dosa do que a de Cauchy e baseado<br />

em seus conceitos geométricos, concluiu que as funções limita<strong>da</strong>s<br />

são sempre integráveis.


Teoria Teoria Teoria dos dos grupos<br />

grupos<br />

305<br />

A álgebra até o início do século XIX era constituí<strong>da</strong> apenas de<br />

técnicas de resoluções de equações algébricas, sendo que há três<br />

séculos não conseguia um progresso significativo. No final do<br />

século XVIII foram vários os fracassos na tentativa de resolver a<br />

equação geral de quinto grau, por meio de radicais.<br />

Os trabalhos de Niels Henrik Abel (1802 - 1829) e Évariste<br />

Galois (1811 - 1832), que revolucionaram a álgebra, colocariam um<br />

ponto final nessas tentativas ao mostrar que uma equação algébrica<br />

de grau maior do que 4, em que os coeficientes são reais ou<br />

complexos, não são resolúveis por radicais.<br />

Galois nesses estudos lançou os fun<strong>da</strong>mentos iniciais <strong>da</strong> teoria<br />

dos grupos que serviria como elemento unificador <strong>da</strong>s diversas áreas<br />

<strong>da</strong> matemática. A partir <strong>da</strong> segun<strong>da</strong> metade do século XIX a álgebra<br />

passaria a tratar do estudo <strong>da</strong>s estruturas algébricas.<br />

Épsilons Épsilons e e Deltas<br />

Deltas<br />

O primeiro matemático a tratar com mais rigor as idéias do<br />

cálculo foi d’Alembert em seu artigo Limite, publicado em 1784 na<br />

Encyclopédie. Os próximos passos, após as críticas severas sofri<strong>da</strong>s<br />

por Newton e Leibniz devido à falta de rigor e fun<strong>da</strong>mentação,<br />

seriam realizados, principalmente, por Bolzano e Cauchy, a<br />

princípio, e posteriormente por Weierstrass e Heine. Foi de Cauchy<br />

o primeiro tratamento detalhado a ser baseado em uma definição<br />

razoavelmente clara do conceito de limite.<br />

BOLZANO (1781-1848)<br />

Bernhard Bolzano viveu sempre em Praga,<br />

Tchecoslováquia, e embora fosse padre, tinha<br />

idéias contrárias às <strong>da</strong> Igreja. Suas descobertas<br />

matemáticas foram muito pouco reconheci<strong>da</strong>s por<br />

seus contemporâneos. Em 1817 publicou o livro<br />

Rein Analytisches Beweis (Prova puramente<br />

analítica), em que prova através de métodos<br />

aritméticos o teorema do anulamento em álgebra,<br />

306<br />

exigindo para isso um conceito não geométrico de continui<strong>da</strong>de de<br />

uma curva ou função.<br />

Bolzano, a essa época, a exemplo de outros matemáticos, já havia<br />

percebido a necessi<strong>da</strong>de de rigor no cálculo.<br />

Mostrou que a prova geométrica intuitiva – uma curva contínua<br />

deve em algum lugar cruzar a reta que separa seus pontos extremos<br />

– era basea<strong>da</strong> em uma inadequa<strong>da</strong> concepção de continui<strong>da</strong>de.<br />

Entender corretamente o conceito de continui<strong>da</strong>de, disse ele, seria<br />

compreender o significado <strong>da</strong> frase: A função f varia de acordo com<br />

a lei <strong>da</strong> continui<strong>da</strong>de para todos os valores de x, que estão dentro<br />

de determinados limites, se x for um valor tal que a diferença<br />

f ( x + ω ) - f(x) possa se tornar menor do que qualquer quanti<strong>da</strong>de<br />

<strong>da</strong><strong>da</strong>, ao se fazer ω tão pequeno quanto se queira. Em outras<br />

palavras, f é contínua em um intervalo contanto que<br />

lim f ( x + ω ) = f ( x ) , para ca<strong>da</strong> x do intervalo.<br />

ω→∞<br />

Em uma obra póstuma de 1850, Bolzano chegou a enunciar<br />

proprie<strong>da</strong>des importantes dos conjuntos infinitos e, apoiando-se nas<br />

teorias de Galileu, mostrou que existem tantos números reais entre 0<br />

e 1, quanto entre 0 e 2, ou tantos em um segmento de reta de um<br />

centímetro quanto em um segmento de reta de dois centímetros.<br />

Parece ter percebido que a infini<strong>da</strong>de de números reais é de tipo<br />

diferente <strong>da</strong> infini<strong>da</strong>de de números inteiros, sendo não enumeráveis,<br />

estando mais próximo <strong>da</strong> matemática atual do que qualquer um de<br />

seus contemporâneos.<br />

Em 1834, Bolzano havia imaginado uma função contínua num<br />

intervalo e que não tinha deriva<strong>da</strong> em nenhum ponto desse intervalo,<br />

mas o exemplo <strong>da</strong>do não ficou conhecido em sua época, sendo todos<br />

os méritos <strong>da</strong>dos a Weierstrass que se ocupou em redescobrir esses<br />

resultados, cinqüenta anos mais tarde.<br />

Embora o tratamento de Bolzano fosse aritmético ao contrário<br />

do geométrico de Cauchy e, embora os dois nunca tivessem se<br />

encontrado, suas definições de limite, deriva<strong>da</strong>, continui<strong>da</strong>de e<br />

convergência eram semelhantes. Como tinha menos influência que<br />

Cauchy e sua linguagem era mais sofistica<strong>da</strong>, os resultados<br />

passariam a ser conhecidos com o nome de Cauchy. Há quem diga<br />

que Bolzano era "uma voz clamando no deserto".


CAUCHY CAUCHY (1789 – 1857)<br />

307<br />

Augustin-Louis Cauchy nasceu em Paris, logo<br />

após a que<strong>da</strong> <strong>da</strong> Bastilha. Cursou a Escola<br />

Politécnica, onde mais tarde seria um ótimo<br />

professor. Ain<strong>da</strong> como estu<strong>da</strong>nte contou com o<br />

apoio de Laplace e Lagrange que se<br />

interessaram muito por seu trabalho. Cauchy,<br />

que chegou a ser um dos engenheiros militares<br />

de Napoleão era católico devoto e reacionário<br />

convicto que defendia vigorosamente a Ordem<br />

dos Jesuítas. Quando o rei Carlos X foi exilado,<br />

Cauchy também deixou Paris, recebendo mais tarde o título de barão<br />

como recompensa por sua fideli<strong>da</strong>de.<br />

Cauchy produziu grande quanti<strong>da</strong>de de livros e memórias<br />

(artigos), a maioria dedica<strong>da</strong> à matemática pura e sempre <strong>da</strong>ndo<br />

ênfase às demonstrações rigorosas. Uma de suas características<br />

marcantes era que, obtendo um resultado novo, logo tratava de<br />

publicá-lo, ao contrário do que fazia Gauss, que só publicava<br />

quando tivesse atingido a perfeição.<br />

Provavelmente, graças a esse “defeito” de Gauss, cujos padrões<br />

pessoais do rigor eram igualmente elevados é que Cauchy foi<br />

considerado o fun<strong>da</strong>dor do rigor no cálculo, que nessa época passou<br />

a ser denominado, com mais freqüência, de análise matemática.<br />

Não obstante, foram de Cauchy as exposições que marcaram<br />

primeiramente o cálculo com o caráter geral que mantém<br />

atualmente. Continuando a tradição pe<strong>da</strong>gógica <strong>da</strong> École<br />

Polytechnique de Paris, escreveu quatro grandes trabalhos – o Cours<br />

d’analyse de 1821; Résumé des leçons sur le calcul infinitesimal de<br />

1823; Mémoire sur les intégrales definies de 1825 e Leçons sur le<br />

calcul différentiel de 1829 – que foram os primeiros a determinar,<br />

como um objetivo principal, o estabelecimento do rigor completo na<br />

análise matemática.<br />

No início de seu livro Résumé, Cauchy escreveu: Os métodos<br />

que eu segui diferem de muitos modos <strong>da</strong>queles que foram<br />

explicados em outros trabalhos do mesmo tipo. Meu alvo principal<br />

foi reconciliar o rigor com a simplici<strong>da</strong>de com que a consideração<br />

direta de quanti<strong>da</strong>des infinitamente pequenas produz. Por esta<br />

308<br />

razão eu acredito que é meu dever rejeitar o desenvolvimento <strong>da</strong>s<br />

funções em séries infinitas, quando a série obti<strong>da</strong> não for<br />

convergente... no cálculo integral isso ocorre, necessariamente,<br />

para se demonstrar a existência de integrais ou funções primitivas,<br />

antes de tornar conheci<strong>da</strong>s suas diversas proprie<strong>da</strong>des. A fim de<br />

realizar esse objetivo, foi preciso estabelecer inicialmente a noção<br />

de integrais entre dois valores, ou, integrais defini<strong>da</strong>s.<br />

O dispositivo que permitiu “reconciliar o rigor com<br />

infinitesimais” foi uma definição nova dos infinitesimais que evitava<br />

os números fixos infinitamente pequenos de matemáticos anteriores<br />

a ele. Cauchy definiu infinitesimal (un infiniment petit) ou<br />

quanti<strong>da</strong>des infinitamente pequenas (quantite infiniment petite)<br />

como sendo, simplesmente, uma variável cujo limite é zero, ou seja,<br />

diz-se que uma quanti<strong>da</strong>de variável pode ser infinitamente pequena<br />

quando seu valor numérico diminui indefini<strong>da</strong>mente de tal maneira<br />

que ela converge para o valor zero.<br />

Cauchy, em seu Résumé proporcionou um grande avanço em<br />

direção ao rigor. Inicialmente caracterizou um número real através<br />

de classes de seqüências de números racionais, equivalentes entre si,<br />

considerando equivalentes aquelas, cuja diferença tende a zero.<br />

Dispensando a geometria e os infinitésimos ou veloci<strong>da</strong>des,<br />

Cauchy apresentou as seguintes definições:<br />

• Limite: quando valores sucessivos atribuídos a uma variável se<br />

aproximam indefini<strong>da</strong>mente de um valor fixo de modo a finalmente<br />

diferir deste de tão pouco quanto se queira, esse ultimo chama-se o<br />

limite de todos os outros;<br />

• Deriva<strong>da</strong>: ao definir a deriva<strong>da</strong> de y = f(x) com relação a x, Cauchy<br />

deu à variável x um incremento ∆ x = i e formou a razão<br />

∆y<br />

f ( x + i ) − f ( x )<br />

=<br />

. O limite desse quociente de diferenças<br />

∆x<br />

i<br />

quando i se aproxima de zero foi definido como deriva<strong>da</strong> de y com<br />

relação a x.<br />

• Integral: durante o século XVIII a integração tinha sido trata<strong>da</strong><br />

como a inversa <strong>da</strong> derivação. Cauchy definiu a integral em termos<br />

de limites de somas, tomando o valor <strong>da</strong> função sempre na<br />

extremi<strong>da</strong>de esquer<strong>da</strong> dos subintervalos.


309<br />

Se S ( x − x ) f ( x ) + ( x − x ) f ( x ) + ... + ( x − x ) f ( x )<br />

n = 1 0 0 2 1 1<br />

n n−1<br />

n−1<br />

então o limite S dessa<br />

soma, quando os tamanhos<br />

dos intervalos x i − xi−1<br />

,<br />

i = 1, 2 ... n, decresce<br />

indefini<strong>da</strong>mente é a integral<br />

<strong>da</strong> função f no intervalo<br />

x a xn<br />

b.<br />

=<br />

= até<br />

Com a definição de número complexo por classes de<br />

equivalência e, posteriormente com o teorema <strong>da</strong> fórmula integral<br />

e o cálculo de resíduos, Cauchy lançou as bases <strong>da</strong> teoria <strong>da</strong>s<br />

funções de variável complexa. Introduziu várias idéias que fariam<br />

desse ramo uma área de estudos extremamente interessante e fértil<br />

em aplicações.<br />

Data de 1812 seu primeiro trabalho sobre determinantes, com<br />

84 páginas, passando a aplicá-los nas mais diversas situações como,<br />

por exemplo, na propagação de on<strong>da</strong>s, sendo inclusive o primeiro a<br />

usar o termo “determinante”. Juntamente com Navier, Cauchy foi<br />

fun<strong>da</strong>dor <strong>da</strong> teoria matemática <strong>da</strong> elastici<strong>da</strong>de e também auxiliou no<br />

desenvolvimento <strong>da</strong> mecânica celeste.<br />

Cauchy, tanto quanto seu contemporâneo Gauss, contribuiu<br />

para quase to<strong>da</strong>s as áreas <strong>da</strong> matemática e sua grande quanti<strong>da</strong>de de<br />

obras publica<strong>da</strong>s só foi supera<strong>da</strong> por Euler. Foram 789 publicações<br />

entre livros e memórias, algumas muito longas, e é por esse motivo<br />

que a revista Comptes Rendus adotou a norma, ain<strong>da</strong> em vigor, de<br />

limitar a quatro páginas os seus artigos.<br />

0<br />

310<br />

WEIERSTRASS WEIERSTRASS (1815 – 1897)<br />

Durante as suas conferências, Karl Theodor<br />

Wilhelm Weierstrass <strong>da</strong>va ênfase ao que às<br />

vezes se chamou a “teoria estática <strong>da</strong><br />

variável”. Como parte de um programa de<br />

aritmetização, não só contribuiu para uma<br />

definição satisfatória de número real, como<br />

também para uma definição melhora<strong>da</strong> do<br />

conceito de limite. Em 1872, Heinrich Eduard<br />

Heine (1821 – 1881) em seu Elemente<br />

apresentou as principais idéias de seu mestre Weierstrass. Observou<br />

η tal que para 0 < η < η , a<br />

que: Se, <strong>da</strong>do qualquer ε , existir um 0<br />

diferença f ( x0<br />

± η ) − L é menor em valor absoluto queε ,, então L<br />

é o limite de f(x) para x = x0<br />

.<br />

Nessa definição não há sugestão de enti<strong>da</strong>des fluindo e gerando<br />

magnitudes de dimensão superior, nenhum recurso a pontos ou retas<br />

móveis, nenhum abandono de quanti<strong>da</strong>des infinitamente pequenas.<br />

Só restam os números reais, a operação de adição ( e sua inversa) e a<br />

relação “menor que”.<br />

A linguagem sem ambigui<strong>da</strong>des e o novo simbolismo<br />

expulsaram do cálculo a noção de variabili<strong>da</strong>de e tornaram<br />

desnecessário o persistente apelo a infinitesimais fixos. A “i<strong>da</strong>de do<br />

rigor” chegara ver<strong>da</strong>deiramente, substituindo os antigos artifícios<br />

heurísticos e os antigos conceitos intuitivos por precisão lógica<br />

crítica.<br />

Hoje o η de Weierstrass foi substituído por outra letra grega,<br />

δ , mas as definições de limite, continui<strong>da</strong>de e deriva<strong>da</strong> de uma<br />

função, usa<strong>da</strong>s atualmente, são essencialmente as mesmas<br />

introduzi<strong>da</strong>s por Weierstrass e Heine. As chama<strong>da</strong>s provas por<br />

épsilons e deltas são agora parte do instrumental comum dos<br />

matemáticos.<br />

E o que se faz para ensinar esses conceitos difíceis para alunos<br />

iniciantes? Em geral, tenta-se uma conciliação entre o simbolismo<br />

rigoroso de Heine e o apelo geométrico de Cauchy.<br />

0


Números úmeros Reais<br />

Reais<br />

311<br />

No século XIX ocorreu, assim, a chama<strong>da</strong> aritmetização <strong>da</strong><br />

análise, em que, como foi visto, os conceitos de função, limite e<br />

continui<strong>da</strong>de foram melhor definidos. O problema <strong>da</strong> continui<strong>da</strong>de<br />

<strong>da</strong> reta – do conjunto dos números reais – foi solucionado quase<br />

simultaneamente, por George Cantor (1845 – 1918) e Richard<br />

Dedekind (1831 – 1916) em trabalhos independentes, sendo que<br />

para analisar o infinito numérico, Cantor criou a “teoria dos<br />

conjuntos”.<br />

Os Os problemas problemas de de Hilbert<br />

Hilbert<br />

Pode-se constatar também que no século XIX foram construídos<br />

os pilares <strong>da</strong> matemática atual, ou seja, as teorias de conjunto, grupo<br />

e função, além <strong>da</strong>s geometrias não euclidianas.<br />

Apesar desses grandes progressos, o século terminou com uma<br />

série de problemas a serem resolvidos, sendo famoso o discurso de<br />

Hilbert num congresso internacional de matemáticos, realizado em<br />

Paris em 1900, no qual mencionou 23 problemas que aguar<strong>da</strong>vam<br />

solução.<br />

David Hilbert (1862 – 1943), professor em<br />

Göttingen, já havia recebido nessa época o<br />

reconhecimento pelos seus trabalhos sobre<br />

formas algébricas e pelo seu famoso livro,<br />

denominado Grundlagen der geometrie<br />

(Fun<strong>da</strong>mentos <strong>da</strong> Geometria). Esse era, em<br />

muitos aspectos, inspirado no trabalho<br />

pioneiro de Moritz Pasch que estendeu aos<br />

fun<strong>da</strong>mentos <strong>da</strong> geometria o modo de<br />

raciocínio axiomático que, ao mesmo<br />

tempo, levou Frege ao seu trabalho sobre os<br />

fun<strong>da</strong>mentos <strong>da</strong> aritmética.<br />

Hilbert, no seu livro, fez uma análise dos axiomas em que a<br />

geometria euclidiana se baseava e explicou como a pesquisa<br />

axiomática moderna seria capaz de melhorar as realizações dos<br />

gregos antigos.<br />

312<br />

Nessa alocução de 1900, Hilbert tentou captar a direção <strong>da</strong><br />

pesquisa matemática de algumas déca<strong>da</strong>s passa<strong>da</strong>s e esboçar as<br />

linhas gerais do trabalho produtivo futuro.<br />

A seguir tem-se um resumo dos 23 projetos de investigação<br />

pronunciados por Hilbert:<br />

1. O problema <strong>da</strong> cardinali<strong>da</strong>de do contínuo de Cantor. Haverá<br />

algum cardinal entre o contínuo e o enumerável? E o contínuo pode<br />

ser considerado bem ordenado?<br />

2. A consistência dos axiomas aritméticos. Se essa consistência<br />

existe, então a dos axiomas geométricos poderia ser estabeleci<strong>da</strong>.<br />

3. A igual<strong>da</strong>de do volume de dois tetraedros, se a base, a área e a<br />

altura forem iguais. Prová-lo só com a aju<strong>da</strong> <strong>da</strong> divisão e <strong>da</strong><br />

combinação (portanto, sem infinitesimais).<br />

4. O problema <strong>da</strong> linha reta como a ligação mais curta entre dois<br />

pontos. Essa questão foi coloca<strong>da</strong>, por exemplo, pela geometria de<br />

Minkowski e por certos problemas do cálculo <strong>da</strong>s variações.<br />

5. O conceito de Lie de grupo de transformações contínuas sem<br />

postular a diferenciabili<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s funções que definem o grupo. A<br />

questão pode levar a equações funcionais.<br />

6. O tratamento matemático dos axiomas <strong>da</strong> física. Dos axiomas <strong>da</strong><br />

geometria podemos passar aos <strong>da</strong> mecânica racional (tal como, por<br />

exemplo, fez Boltzmann em 1897) e a campos tais como a mecânica<br />

estatística, probabili<strong>da</strong>des, etc.<br />

7. A irracionali<strong>da</strong>de e transcendência de certos números. São<br />

β<br />

exemplos os números <strong>da</strong> forma α para α ≠ 0 algébrico e β<br />

2<br />

algébrico irracional, tal como 2 . Esses números são algébricos ou<br />

transcendentes?<br />

8. Problemas na teoria dos números primos. Referimo-nos à função<br />

zeta de Riemann e à conjectura de Goldbach, segundo a qual


313<br />

qualquer número par é, pelo menos de uma maneira, a soma de dois<br />

primos (Goldbach em 1742 numa carta a Euler).<br />

9. Prova <strong>da</strong> lei mais geral de reciproci<strong>da</strong>de em corpos arbitrários de<br />

números. Isso referia-se a alguns trabalhos mais recentes de Hilbert<br />

sobre corpos de números relativos quadráticos.<br />

10. Decidir se uma equação diofantina com números inteiros é<br />

resolúvel com os tais números relativos quadráticos. Este era um<br />

antigo problema resolvido para certas equações de grau maior que<br />

dois e que se relacionava com o último “teorema” de Fermat.<br />

11. A teoria <strong>da</strong>s formas quadráticas com coeficientes algébricos.<br />

Mais uma vez esse assunto se relaciona com o trabalho de Hilbert<br />

sobre corpos de números.<br />

12. Generalização do teorema de Kronecker sobre corpos abelianos<br />

para um domínio de racionali<strong>da</strong>de arbitrário. Essa questão leva-nos<br />

a um domínio em que as funções algébricas, a teoria dos números e<br />

a álgebra abstrata se encontram.<br />

13. A impossibili<strong>da</strong>de de resolver a equação geral de grau sete<br />

através de funções com duas variáveis apenas. Foi um problema<br />

sugerido pela nomografia, tal como Maurice d’Ocagne o tinha<br />

explicado.<br />

14. A prova do caráter finito de certos sistemas de funções inteiras<br />

relativas. Alargando a noção de funções inteiras a relativganz, esse<br />

problema pede a generalização dos teoremas de finitude <strong>da</strong> teoria<br />

clássica dos invariantes, devi<strong>da</strong> a Hilbert e a Gor<strong>da</strong>n.<br />

15. A fun<strong>da</strong>mentação rigorosa <strong>da</strong> geometria enumerativa de Shubert.<br />

Para isso será necessária uma firme fun<strong>da</strong>mentação algébrica.<br />

16. O problema <strong>da</strong> topologia <strong>da</strong>s curvas e superfícies algébricas. A<br />

resolução desse problema encontra-se apenas no início, embora<br />

tenhamos alguns conhecimentos, especialmente no caso de curvas.<br />

314<br />

17. A representação de funções defini<strong>da</strong>s através de quocientes de<br />

somas de quadrados de funções.<br />

18. Construção (preenchimento) do espaço por poliedros<br />

congruentes. Esse problema relaciona-se com uma questão de teoria<br />

dos grupos e cristalografia e com o trabalho de E. S. Fedorov e A.<br />

Schoenfliesz.<br />

19. As soluções dos problemas variacionais regulares são sempre<br />

analíticas? O termo “regular” está especificamente definido. Hilbert<br />

observou que to<strong>da</strong>s as superfícies de curvatura constante positiva<br />

têm de ser analíticas, não sendo isso válido para as superfícies de<br />

curvatura constante negativa.<br />

20. Os problemas de fronteiras em geral, demonstrando em<br />

particular a existência de soluções de equações diferenciais a<br />

deriva<strong>da</strong>s parciais com valores de fronteira <strong>da</strong>dos e generalizações<br />

de problemas variacionais regulares.<br />

21. Prova <strong>da</strong> existência de equações diferenciais lineares com grupo<br />

de monodromia <strong>da</strong>do. Esse problema foi sugerido pela teoria <strong>da</strong>s<br />

funções fuchsianas de Poincaré.<br />

22. Uniformização de relações analíticas através de funções<br />

automórficas. Foi também sugerido pela prova de Hilbert que a<br />

uniformização de qualquer relação algébrica entre duas variáveis<br />

pode ser obti<strong>da</strong> através de funções automórficas de uma variável.<br />

23. Extensão dos métodos do cálculo <strong>da</strong>s variações. Hilbert<br />

acrescentou esta sugestão de “propagan<strong>da</strong>”, porque achava que,<br />

apesar <strong>da</strong>s contribuições de Weierstrass, esse domínio ain<strong>da</strong><br />

continha muitos pontos insuficientemente investigados e que eram<br />

potencialmente úteis para vários campos <strong>da</strong> matemática e <strong>da</strong><br />

mecânica (tal como o problema dos três corpos).<br />

Hilbert terminou o seu discurso com palavras de encorajamento<br />

e otimismo perante o crescimento praticamente exponencial <strong>da</strong><br />

matemática.


Exercícios<br />

Exercícios<br />

315<br />

1. Descreva algumas diferenças na origem familiar, temperamento e<br />

interesse, entre Gauss e Cauchy.<br />

2. O papel <strong>da</strong> École Polytechnique, uma escola de engenharia,<br />

ajudou ou prejudicou o desenvolvimento <strong>da</strong> geometria no século<br />

XIX? Explique.<br />

3. Dê os nomes de três matemáticos importantes <strong>da</strong> França e três <strong>da</strong><br />

Alemanha durante o século XIX, citando algumas de suas<br />

contribuições principais.<br />

4. Descreva vários aspectos em que a geometria de coordena<strong>da</strong>s no<br />

século XIX diferia <strong>da</strong> de Fermat e Descartes.<br />

5. Considere a proposição:” <strong>da</strong>dos um ponto A e uma reta a, A∉ a ,<br />

no plano determinado por A e a não existe mais do que uma reta que<br />

passa por A e não corta a”. Prove que essa proposição equivale ao V<br />

Postulado de Euclides.<br />

6. Considere o seguinte modelo de geometria não euclidiana (devido<br />

a Felix Klein): chamamos de plano ∑ o interior de um círculo <strong>da</strong>do.<br />

Um ponto de ∑ é um ponto euclidiano nesse plano e uma reta de<br />

∑ é a intersecção de uma reta euclidiana, do plano desse círculo,<br />

com ∑ . Prove que: “<strong>da</strong><strong>da</strong> uma reta a e um ponto P não em a, há<br />

uma infini<strong>da</strong>de de retas por P, paralelas a a.”<br />

7. Defina precisamente as expressões “número real” e “número<br />

Irracional”. Quando e como foi pela primeira vez reconheci<strong>da</strong> a<br />

necessi<strong>da</strong>de de admitir números irracionais e quando e como surgiu<br />

a necessi<strong>da</strong>de de ter uma definição precisa? Explique.<br />

8. Compare a definição de limite de uma função <strong>da</strong><strong>da</strong> por<br />

Weierstrass-Heine com a formula<strong>da</strong> antes por Cauchy, indicando as<br />

vantagens ou desvantagens relativas.<br />

316<br />

9. Faça um resumo sobre a vi<strong>da</strong> e a obra de Galois e Abel. Você<br />

considera também que eles foram gênios ingênuos?<br />

10. Faça um resumo sobre a vi<strong>da</strong> e a obra de Hilbert, principalmente<br />

sobre os 23 projetos conhecidos como “Os Problemas de Hilbert”.<br />

Procure investigar sobre a situação atual de tais problemas indicando<br />

aqueles que ain<strong>da</strong> persistem sem solução.


A A MATEMÁTICA MATEMÁTICA PROPICIOU PROPICIOU MARAVILHAS<br />

MARAVILHAS<br />

(Séculos (Séculos XX XX e e XXI)<br />

XXI)<br />

317<br />

“Enquanto um ramo <strong>da</strong> ciência oferece uma abundância de problemas, ele<br />

está vivo”. ( Hilbert )<br />

Os “problemas de Hilbert”, pronunciados em sua famosa<br />

conferência, estimularam profun<strong>da</strong>mente boa parte <strong>da</strong> pesquisa em<br />

matemática no século XX. Alguns problemas logo foram resolvidos:<br />

o número 3 por Max Dehn em 1904, tendo demonstrado que a prova<br />

nem sempre é possível; o número 17, por Emil Artin (1898 – 1962)<br />

em 1920.<br />

Outros só foram resolvidos em parte, tal como o número 7, por<br />

Alexander Gelfond (1906 – 1968) em 1934. Essa situação é<br />

compreensível, visto que esses problemas, são mais propriamente<br />

programas. É o caso do número 16, que abriu o caminho a um<br />

domínio inteiramente novo. A vasta utilização do cálculo <strong>da</strong>s<br />

variações, não só na matemática pura, mas também em campos tais<br />

como a relativi<strong>da</strong>de, revelou que havia boas razões para a inclusão<br />

do problema 23.<br />

A matemática no mesmo período em que era utiliza<strong>da</strong> por<br />

outras ciências, <strong>da</strong>ndo base a novas teorias (a <strong>da</strong> relativi<strong>da</strong>de, por<br />

exemplo), também era marca<strong>da</strong> pela chama<strong>da</strong> “crise dos<br />

fun<strong>da</strong>mentos”.<br />

As três principais correntes envolvendo os princípios básicos<br />

dessa ciência foram o logicismo, o intuicionismo e o formalismo.<br />

Além de matemáticos, lógicos e lingüistas também se envolveram<br />

nessas discussões.<br />

O logicismo tinha como expoentes Bertrand Russel (1872 –<br />

1970) e Alfred North Whitehead (1861 – 1947). Em sua obra<br />

fun<strong>da</strong>mental, o Principia Mathematica, escrita em 3 volumes entre<br />

1910 e 1913, propuseram-se a reconstruir, sob a influência de Frege,<br />

Cantor e Giuseppe Peano (1858 – 1932), to<strong>da</strong> a base <strong>da</strong> matemática<br />

moderna, começando com hipóteses precisas, fun<strong>da</strong>mentais e<br />

prosseguindo com princípios de lógica estrita. O uso de um<br />

318<br />

simbolismo preciso não deixaria lugar para as ambigüi<strong>da</strong>des <strong>da</strong><br />

linguagem humana.<br />

O Principia permanecerá por muito tempo como um<br />

monumento de trabalho árduo e excelentes intenções. Mas seus<br />

autores conseguiram erigir uma estrutura basea<strong>da</strong> na razão pura, não<br />

macula<strong>da</strong> pela intuição humana? Difícil responder esse tipo de<br />

pergunta e folheando os três volumes constata-se que sua leitura não<br />

é uma tarefa comum. Para consolo há, inclusive, uma anedota<br />

corrente nos meios matemáticos de que apenas duas pessoas leram o<br />

Principia do começo ao fim. Só não é certo se os próprios autores<br />

estão incluídos nessa estimativa.<br />

Essa tentativa de tornar a matemática uma parte <strong>da</strong> lógica não<br />

perturbou muito o ambiente matemático, pois além de não estarem<br />

dispostos a destruir na<strong>da</strong> do conhecimento acumulado, era um<br />

movimento constituído, em sua maioria, por filósofos <strong>da</strong> ciência e<br />

não de matemáticos conceituados.<br />

O intuicionismo foi uma doutrina que teve origem entre os<br />

próprios matemáticos. Segundo ela “só possuem existência real e<br />

significado aqueles objetos matemáticos que podem ser construídos<br />

a partir de certos objetos primitivos, de maneira finita”. Destacam-se<br />

como precursores dessa tendência os matemáticos Leopold<br />

Kronecker (1823 – 1891) e Jan Brouwer (1881 – 1966). Por volta de<br />

1905, Emile Borel (1871 – 1956), René Baire (1874 – 1932) e Henri<br />

Lebesgue (1875 – 1941) também se aproximaram <strong>da</strong>s idéias de<br />

Kronecker, ao criticarem o axioma <strong>da</strong> escolha e os trabalhos de<br />

Ernst Zermelo (1871 – 1953).<br />

Entre outras coisas os intuicionistas não aceitavam as<br />

demonstrações indiretas de tão largo uso desde os gregos. Isso<br />

abalou a matemática tradicional obrigando os especialistas em<br />

fun<strong>da</strong>mentos, a desenvolverem novos métodos para manter as<br />

teorias clássicas.<br />

O formalismo, por sua vez, tentou mostrar que a matemática<br />

consistia num jogo de símbolos com regras defini<strong>da</strong>s, ou seja,<br />

axiomas, definições e teoremas. Seu principal expoente foi Hilbert,<br />

sendo que, mais recentemente, na França, o grupo “Bourbaki” se<br />

aproximou bastante de suas idéias.<br />

Quando em 1931, Hilbert parecia ter atingindo a perfeição com<br />

sua matemática formalista, um lógico-matemático, Kurt Gödel


319<br />

(1906 - 1978) publicou resultados, demonstrando que tal projeto era<br />

irrealizável. No entanto, o formalismo tornou-se a corrente<br />

predominante nos textos matemáticos, ficando as outras correntes<br />

com poucos adeptos.<br />

Relativi<strong>da</strong>de: Relativi<strong>da</strong>de: nova nova forma forma de de de pensar pensar espaço espaço espaço e e tempo tempo<br />

tempo<br />

Em primeiro lugar, deve-se lembrar que a teoria <strong>da</strong> relativi<strong>da</strong>de<br />

tem um suporte matemático incrível. Entendê-la um dia talvez seja a<br />

meta de muitos estu<strong>da</strong>ntes e professores e, plagiando Euclides, não<br />

há caminho mais curto do que aquele de aprender cálculo, física,<br />

álgebra linear e principalmente geometria diferencial.<br />

Mas será mesmo que tudo é relativo?<br />

A propósito, pesquisas realiza<strong>da</strong>s por Ernest Rutherford (1831 –<br />

1937) e outros levaram à conclusão de que o átomo, a uni<strong>da</strong>de<br />

básica de qualquer elemento químico e anteriormente visto como um<br />

corpo sólido, na ver<strong>da</strong>de compreendia uni<strong>da</strong>des ain<strong>da</strong> bem menores.<br />

Max Planck (1858 – 1947), Albert Einstein e outros<br />

demonstraram que o fluxo, aparentemente contínuo, de energia do<br />

Sol, <strong>da</strong>s estrelas e de outras fontes chega em uni<strong>da</strong>des discretas,<br />

finitas, denomina<strong>da</strong>s quantum de energia. Assim, a energia total<br />

passava a ser entendi<strong>da</strong> como forma<strong>da</strong> por um grande número<br />

dessas pequenas quanti<strong>da</strong>des.<br />

Na física clássica entraram em cena um grande número de<br />

partículas transitórias e um elemento de indeterminação, fazendo<br />

com que seus fun<strong>da</strong>mentos fossem revolvidos, nas duas primeiras<br />

déca<strong>da</strong>s do século XX, pela teoria <strong>da</strong> relativi<strong>da</strong>de.<br />

Como to<strong>da</strong>s as teorias revolucionárias, a relativi<strong>da</strong>de teve um<br />

ancestral venerável. Em 1632, em seu Diálogo referente aos dois<br />

principais sistemas de mundo, Galileu escrevera a respeito do<br />

movimento relativo, mostrando que as experiências físicas sobre<br />

corpos em movimento, feitas a bordo de um navio em uma cabina<br />

abaixo dos tombadilhos, não indicariam ao observador se o navio<br />

estava parado ou navegando a veloci<strong>da</strong>de constante. O argumento de<br />

Galileu tinha a finali<strong>da</strong>de de responder a seus críticos sobre as leis<br />

<strong>da</strong> física e <strong>da</strong> Terra em movimento, mas não importava – o princípio<br />

estava lá.<br />

320<br />

Descartes também analisou a questão, e Newton declarou<br />

que o movimento relativo de dois corpos em determinado espaço,<br />

seria o mesmo, quer o espaço estivesse em repouso ou em<br />

movimento uniforme em linha reta, embora, infelizmente, ele tenha<br />

obscurecido o assunto com suas concepções de movimento absoluto<br />

e tempo absoluto.<br />

Em certo sentido, naturalmente, parece que existem padrões<br />

absolutos; julga-se que alguma coisa está estacionária ou se move<br />

apenas por observação. No entanto, não se pode fazer uma<br />

determinação absoluta; se um corpo está parado em relação à Terra,<br />

não o está, certamente, em relação ao Sol. E o Sol não pode ser<br />

considerado como um corpo absolutamente fixo, pois como Willian<br />

Herschel (1792 – 1871) provou, o Sol está se movimentando no<br />

espaço em relação às estrelas, e essas estão to<strong>da</strong>s em movimento.<br />

Parece, portanto, não haver lugar que possamos considerar<br />

como absolutamente em repouso, conclusão confirma<strong>da</strong> em 1889,<br />

depois de um estudo muito cui<strong>da</strong>doso feito por Henri Poincaré.<br />

A análise de Poincaré teve profun<strong>da</strong>s implicações porque, em<br />

sua época, as leis <strong>da</strong> física eram to<strong>da</strong>s basea<strong>da</strong>s em observações<br />

feitas na Terra, que, por conveniência era tacitamente considera<strong>da</strong><br />

em repouso. Entretanto, se em nenhum lugar se estivesse em<br />

repouso, essas leis precisariam ser reexamina<strong>da</strong>s; seriam elas váli<strong>da</strong>s<br />

em um universo onde tudo estivesse em movimento relativo?<br />

Questões como essa foram motivo de dedicação, por muitos anos, de<br />

físicos e matemáticos.<br />

EINSTEIN EINSTEIN (1879 - 1955)<br />

Albert Einstein, nascido em Ulm, na<br />

Alemanha e com formação em física,<br />

trabalhava como examinador no<br />

departamento de patentes, em Berna, na<br />

Suíça, quando publicou seu primeiro artigo<br />

sobre relativi<strong>da</strong>de. O texto apareceu em<br />

1905 nos anais <strong>da</strong> física, sob o título Sobre<br />

a eletrodinâmica dos corpos em<br />

movimento, e era um modelo de clareza,<br />

mostrando que tinha examinado a fundo o<br />

problema e repensado a física básica nele envolvi<strong>da</strong>.


321<br />

Isso levou Einstein a rejeitar qualquer espaço estacionário<br />

absoluto e a existência de um éter; levou-o também a formular novas<br />

equações, a partir <strong>da</strong>s quais resultados de outros estudiosos se<br />

tornam uma conseqüência espera<strong>da</strong>; também concluiu que a<br />

veloci<strong>da</strong>de <strong>da</strong> luz era a maior existente na natureza; na<strong>da</strong> poderia<br />

viajar mais depressa que ela.<br />

Conheci<strong>da</strong> mais tarde como a teoria <strong>da</strong> relativi<strong>da</strong>de restrita<br />

(limitava-se a corpos em movimento relativo entre si, em<br />

veloci<strong>da</strong>des uniformes), foi reconheci<strong>da</strong> imediatamente como de<br />

imensa importância, embora alguns físicos não a tenham aceito.<br />

Com isso Einstein conseguiu um cargo acadêmico em Berna e,<br />

depois, a cadeira de física em Zurique; em 1910 ele se transferiu<br />

para a cátedra de física em Praga.<br />

Einstein não se satisfez com sua teoria especial; começou a<br />

tratar <strong>da</strong> situação muito mais difícil em que os corpos estão em<br />

movimento relativo entre si, mas acelerado, isto é, nas condições<br />

gerais encontra<strong>da</strong>s no mundo natural. Além disso, ain<strong>da</strong> em 1905,<br />

publicou outro texto nos anais <strong>da</strong> física – A inércia de um corpo<br />

depende de seu conteúdo de energia?<br />

2<br />

Foi nele que propôs sua famosa equação E = mc , fórmula<br />

que expressava a relação entre a energia (E) e a massa (m). A letra c<br />

representava a veloci<strong>da</strong>de <strong>da</strong> luz; a fórmula significa que, se<br />

eliminarmos determina<strong>da</strong> massa, a energia emiti<strong>da</strong> será enorme. A<br />

equação <strong>da</strong> energia que está na base <strong>da</strong> geração <strong>da</strong> força nuclear e,<br />

naturalmente, <strong>da</strong> bomba atômica; também tem importantes<br />

implicações em astronomia.<br />

O desenvolvimento <strong>da</strong> teoria geral <strong>da</strong> relativi<strong>da</strong>de, que<br />

incorporaria o movimento acelerado, precisou de tempo; requeria<br />

uma matemática especial, o cálculo tensorial, e só em 1915 é que<br />

Einstein se viu em condições de publicá-la. Quando ela apareceu,<br />

ficou claro que ali estava outro grande passo no entendimento <strong>da</strong><br />

natureza. Como a teoria li<strong>da</strong>va com movimento acelerado e a<br />

gravi<strong>da</strong>de fazia os corpos caírem a uma veloci<strong>da</strong>de acelera<strong>da</strong>, a<br />

relativi<strong>da</strong>de geral era também uma teoria <strong>da</strong> gravi<strong>da</strong>de.<br />

Provava que, embora a gravi<strong>da</strong>de seja associa<strong>da</strong> à massa do<br />

corpo, ela acontece porque o espaço fica distorcido pela presença de<br />

uma grande massa. Na ver<strong>da</strong>de, pode-se dizer que é a distorção do<br />

espaço que ocasiona o que se chama de gravi<strong>da</strong>de.<br />

322<br />

A teoria de Newton estabelecia que a força de atração entre<br />

os corpos depende <strong>da</strong> distância entre eles, mas, na relativi<strong>da</strong>de geral,<br />

essa distância é afeta<strong>da</strong> pela presença <strong>da</strong> matéria. A distância não é a<br />

simples linha reta que normalmente se imagina, mas uma curva, pois<br />

em relativi<strong>da</strong>de as equações atingem sua forma mais elegante e<br />

certamente a mais simples, quando o espaço considerado é não<br />

euclidiano e sim curvo, tal como sugerido no fim <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de 1850<br />

por Riemann.<br />

A diferença é desprezível quando se trata de distâncias<br />

terrestres, mas é significativa para as distâncias astronômicas, como<br />

por exemplo, quando se considera as órbitas planetárias. Na<br />

ver<strong>da</strong>de, uma <strong>da</strong>s primeiras provas <strong>da</strong> vali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> relativi<strong>da</strong>de geral<br />

foi o fato de ela poder determinar com grande precisão a órbita do<br />

planeta Mercúrio, para a qual a gravitação de Newton deu um valor<br />

demasia<strong>da</strong>mente pequeno.<br />

A relativi<strong>da</strong>de geral teve muitas outras conseqüências que<br />

foram verifica<strong>da</strong>s através dos anos e confirma<strong>da</strong>s pela observação,<br />

por mais estranhas que algumas possam parecer. Assim verificou-se<br />

que o tempo não é absoluto; ele parece an<strong>da</strong>r mais depressa para um<br />

observador que está olhando um corpo que viaja muito depressa em<br />

relação a ele, observador.<br />

Isso foi constatado no tempo de vi<strong>da</strong> observado dos mésons e,<br />

sob outras maneiras, usando-se os modernos relógios atômicos de<br />

grande precisão. Corpos que se movem muito depressa em relação a<br />

um observador também parecem crescer em massa, como foi<br />

confirmado por medi<strong>da</strong>s feitas em aceleradores de partículas, onde<br />

as partículas nucleares são acelera<strong>da</strong>s até veloci<strong>da</strong>des que são uma<br />

fração apreciável <strong>da</strong> veloci<strong>da</strong>de <strong>da</strong> luz. Pois aqui, como em todos os<br />

casos esses efeitos <strong>da</strong> relativi<strong>da</strong>de só são notados quando as<br />

veloci<strong>da</strong>des relativas envolvi<strong>da</strong>s são realmente muito grandes.<br />

Talvez a mais espetacular, e certamente a mais significativa, <strong>da</strong>s<br />

novi<strong>da</strong>des <strong>da</strong> relativi<strong>da</strong>de geral tenha sido a curvatura <strong>da</strong> luz <strong>da</strong>s<br />

estrelas. Normalmente pensa-se na luz viajando em linha reta, mas,<br />

se o espaço é curvo, sua trajetória será uma curva – uma geodésia;<br />

mais particularmente, se a luz passa perto de um corpo maciço como<br />

o Sol, então o espaço será mais curvo e a luz irá viajar em um<br />

percurso que se vai desviar ain<strong>da</strong> mais <strong>da</strong> reta.


323<br />

Um eclipse total do Sol é uma ocasião ideal para se<br />

observar tal efeito, já que, quando a Lua passa em frente ao Sol e o<br />

obscurece completamente, as estrelas perto do Sol podem ser<br />

observa<strong>da</strong>s. De acordo com a relativi<strong>da</strong>de geral, tais feixes de luz<br />

estelar deviam ser defletidos pela presença do Sol. Em 1919 ocorreu<br />

um eclipse total em que esse aspecto <strong>da</strong> teoria pôde ser comprovado.<br />

E a teoria de Newton?<br />

A mecânica newtoniana continuou a existir após a teoria <strong>da</strong><br />

relativi<strong>da</strong>de porque é muito mais simples e desempenha<br />

perfeitamente o papel que lhe cabe em um domínio limitado. A idéia<br />

nova fixou talvez definitivamente, as fronteiras desse domínio.<br />

Uma <strong>da</strong>s lições a ser aprendi<strong>da</strong> com a história <strong>da</strong>s realizações<br />

científicas é que nenhuma teoria sobrevive para sempre e que,<br />

muitas vezes, quando parecem solidifica<strong>da</strong>s, novas observações e<br />

novas idéias a substituem por conceitos atualizados. Mas isso é parte<br />

<strong>da</strong> aventura que é a Ciência, parte <strong>da</strong> lenta conquista do enigma que<br />

é o mundo natural.<br />

O O computador computador mudou mudou tudo<br />

tudo<br />

A grande era dos computadores eletrônicos só começou depois<br />

<strong>da</strong> segun<strong>da</strong> guerra mundial; no entanto, os computadores tiveram a<br />

sua interessante pré-história, que remonta a Wilhelm Schickard,<br />

amigo de Kepler, Pascal e Leibniz.<br />

Em 1808, o tecelão Joseph-marie Jacquard, inventou um<br />

método para programar um tear mecânico com cartões perfurados.<br />

Essa idéia foi desenvolvi<strong>da</strong> por Charles Babbage (1792 – 1871)<br />

através <strong>da</strong> sua máquina analítica em 1833. Babbage foi aju<strong>da</strong>do por<br />

Lady Ann Lovelace, filha de Byron.<br />

Essa máquina, que não chegou a ser concluí<strong>da</strong>, continha muitas<br />

idéias básicas usa<strong>da</strong>s em qualquer computador automático: podia<br />

acumular, fazer cálculos, <strong>da</strong>r à manivela e controlar. Mas, visto que<br />

as operações tinham de ser totalmente mecânicas, somente a<br />

eletrônica atual as pôde tornar práticas.<br />

Entre 1884 e 1890, Herman Hollerith, um estatístico norte<br />

americano que colaborou no recenseamento de 1890, desenvolveu<br />

um sistema de mecanismos que operavam sobre cartões perfurados,<br />

um para ca<strong>da</strong> pessoa; ca<strong>da</strong> posição dos furos representava uma<br />

324<br />

condição – profissão, i<strong>da</strong>de, etc. Em 1934, Konrad Zuse, <strong>da</strong><br />

Alemanha, melhorou esse sistema, estu<strong>da</strong>ndo as idéias de Leibniz<br />

sobre o uso do sistema binário.<br />

De forma independente, Vannevar Bush, no MIT<br />

(Massachusetts Institute of Technology), em colaboração com<br />

Norbert Wiener, construiu em 1939, um computador analógico para<br />

calcular certas integrais e para resolver alguns tipos de equações<br />

diferenciais.<br />

Em 1936, em Princeton, Alan M. Turing (1913 – 1954), um<br />

jovem inglês, definiu a máquina de Turing, um modelo abstrato de<br />

uma máquina lógica possível, construí<strong>da</strong> mentalmente para resolver<br />

questões tais como o problema <strong>da</strong> decisão de Hilbert. Mais tarde,<br />

depois de 1945, em Manchester, na Inglaterra, Turing desenvolveu<br />

as idéias para construir computadores práticos. Claude E. Shannon,<br />

então no MIT, deu mais alguns passos em projetos em lógica a<br />

propósito <strong>da</strong> sua teoria <strong>da</strong> informação.<br />

A nova fase dos computadores operacionais começou com o<br />

Mark I, iniciado em 1937, em Harvard, por Howard H. Aiken, com<br />

o apoio <strong>da</strong> IBM (International Business Machines Corporation). A<br />

grande indústria começava a interessar-se, o Mark I tinha todos os<br />

benefícios, financeiros e <strong>da</strong> tecnologia, mas, embora tivesse<br />

dispositivos magnéticos, ain<strong>da</strong> era essencialmente mecânico. Os<br />

aperfeiçoamentos surgiram rapi<strong>da</strong>mente; o Mark I (1945-47)<br />

realizava to<strong>da</strong>s as operações aritméticas e de transferência através de<br />

relais eletromagnéticos.<br />

O primeiro computador eletrônico, o ENIAC, foi concluído na<br />

universi<strong>da</strong>de de Pensilvânia, em Filadélfia, em 1946. Tudo isso era<br />

ain<strong>da</strong> trabalho de universi<strong>da</strong>de, mas pouco tempo depois os<br />

computadores já foram utilizados com objetivos comerciais: a era<br />

dos computadores tinha começado.<br />

Ensino Ensino e e pesquisa pesquisa em em matemática<br />

matemática<br />

O computador entrou na vi<strong>da</strong> <strong>da</strong>s pessoas sem pedir licença e é<br />

difícil encontrar um setor que não esteja informatizado por questão<br />

de comodi<strong>da</strong>de ou pela concorrência. As escolas foram equipa<strong>da</strong>s<br />

com micros e ficou ca<strong>da</strong> vez mais comum a pesquisa, a apresentação<br />

de trabalhos e até aulas completas com a utilização <strong>da</strong> multimídia.


325<br />

A matemática que propiciou a grande revolução digital<br />

também mudou e deverá usufruir <strong>da</strong>s facili<strong>da</strong>des consegui<strong>da</strong>s por<br />

to<strong>da</strong>s as áreas. O ensino <strong>da</strong> matemática ganhou recursos que poderão<br />

facilitar bastante a vi<strong>da</strong> do professor e dos alunos, principalmente.<br />

Resultados positivos se encontram a todo momento em to<strong>da</strong>s os<br />

ramos do conhecimento.<br />

Com bilhões de bits de informação sendo processados ca<strong>da</strong><br />

segundo por computadores, e com mais de 200.000 teoremas de<br />

matemática do tipo tradicional e artesanal sendo demonstrados a<br />

ca<strong>da</strong> ano, está claro que o mundo se encontra em uma i<strong>da</strong>de do ouro<br />

<strong>da</strong> produção matemática.<br />

Essa produção que é grande tem crescido de forma exponencial<br />

mas, apesar dos progressos, há muitos problemas em aberto,<br />

inclusive <strong>da</strong> lista de Hilbert.<br />

Sempre que se procura a solução de um problema, surgem<br />

problemas novos e até novas áreas de pesquisa. A solução<br />

normalmente, é resultado cumulativo de muitos pesquisadores e,<br />

como regra geral, encontram-na mais de uma pessoa ao mesmo<br />

tempo, trabalhando de forma independente.<br />

Como foi mencionado no início deste texto a história <strong>da</strong><br />

matemática poderá ser um guia importante para docentes ou<br />

pesquisadores <strong>da</strong> matemática e até de algumas áreas afins.<br />

Exercícios<br />

Exercícios<br />

1. Descreva as idéias <strong>da</strong>s três principais escolas de pensamento do<br />

século dezenove e início do século XX, quanto aos fun<strong>da</strong>mentos <strong>da</strong><br />

matemática, mencionando uma ou duas figuras importantes de ca<strong>da</strong><br />

uma.<br />

2. Os matemáticos gregos antigos seriam classificados como<br />

formalistas, intuicionistas ou logicistas? Explique.<br />

3. Quais dos números seguintes, são ao que se sabe, transcendentes:<br />

e π e π<br />

π , e , e , π , ( e<br />

2 ) , π<br />

3<br />

, ( 3 π i<br />

2 ) , ln1,<br />

tg , i , log3. Explique.<br />

3<br />

326<br />

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SOBRE O AUTOR<br />

Hermes Antonio Pedroso nasceu em<br />

Aramina, São Paulo, em 26 de fevereiro<br />

de 1953. Licenciou-se em <strong>Matemática</strong><br />

pela Facul<strong>da</strong>de de Filosofia Ciências e<br />

Letras de Araraquara em 1975. Concluiu<br />

o mestrado em <strong>Matemática</strong>, em Teoria<br />

<strong>da</strong>s Singulari<strong>da</strong>des, no Instituto de<br />

Ciências <strong>Matemática</strong>s de São Carlos –<br />

USP, em 1980. É professor junto ao Departamento de <strong>Matemática</strong><br />

<strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho –<br />

UNESP, Campus de São José do Rio Preto, desde 1978. Sua área de<br />

atuação em pesquisa, atualmente, é <strong>História</strong> <strong>da</strong> <strong>Matemática</strong>.

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