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se lograr articulação contínua entre memória e identidade, necessária à formação da<br />

cidadania por meio de lugares transformados em símbolos nacionais. 39<br />

O processo de simbolização ancora-se na memória, mas esta possui caráter de<br />

escolha, porque é lembrança. Para se instalar em certo lugar, memória e lembrança<br />

precisam mobilizar fatos, emoções e outros elementos que não estão presentes,<br />

embora sob liberdade de realizar inversões de ordem, ou posição e de construir<br />

associações imprevistas. A conversão de certo lugar em símbolo (ou seja, em algo<br />

que remete a ausências) é emocional, pois a construção de lembranças está em<br />

função da história interior do sujeito. Por outro lado, na edificação dessa história, a<br />

identidade age mostrando certas permanências no tempo. Por tais motivos, a<br />

articulação entre memória e identidade realiza-se por meio do símbolo em que se<br />

tornou o lugar, e este passa a permitir que localizemos ausências.<br />

Quanto mais esse processo ocorrer por meio da percepção cotidiana das<br />

populações, maior e mais intensa será a formação de vínculos entre ela e lugares<br />

representativos para a memória social. A afetividade em relação a bens<br />

testemunhais possibilita sua incorporação à história pessoal de cada pessoa,<br />

gerando desejo de por eles zelar. Mas, para que isso ocorra, deve haver apreensão<br />

fácil dos traços de identidade dos lugares, os espaços devem prontamente mostrálos.<br />

Utilizando-se licença poética de Chico Buarque, é preciso que identidades<br />

espaciais importantes para a memória dos povos “arrombem a retina” dos<br />

passantes, tal como ele descreveu a força informativa da paisagem em Carioca: “O<br />

poente na espinha / Das tuas montanhas / Quase arromba a retina / De quem vê” -<br />

e, sem dúvida,memoriza como feição do Rio de Janeiro.<br />

Por isso, a educação patrimonial voltada efetivamente à construção da memória<br />

coletiva introduziu a necessidade de se apreciar a percepção cotidiana dos lugares<br />

considerados bens culturais. Como modo de conhecimento, a percepção é seu<br />

principal meio de reconhecimento e valorização, pois está presente em qualquer ser<br />

humano e possibilita a mais irrestrita transmissão de informações sobre identidade<br />

de objetos, ou situações. Ela é a chave do conhecimento da identidade espacial,<br />

captada sempre conforme suas características de conjunto - e nunca de modo<br />

parcial. Não percebemos jamais edifícios e seus detalhes isoladamente: não apenas<br />

edifícios em seu lote, nem nenhum monumento independente de seu entorno.<br />

Percebemos paisagens (a porção de espaço abrangida pela vista), que podem ser<br />

compostas por edifícios, mobiliário urbano, vegetação, eventuais corpos d‟água,<br />

39 Fatos relembrados inscrevem-se, necessariamente, em espaços e só são a outros indivíduos<br />

transmitidos por meio do espaço. Michel de Certeau (A Invenção do Cotidiano, Rio: Ed. Vozes,<br />

1994) observa que a implantação da memória em um lugar é um momento de ação, pois se aproveita<br />

uma ocasião para mobilizar lembranças relacionadas ao que acontece e se reinstalam<br />

acontecimentos passados e retirados de nosso sentir, em um encontro fortuito. Assim, a memória<br />

produz um lugar que não lhe é próprio, pode estar sempre no lugar do outro sem apossar-se dele e<br />

tem a autoridade de tirar certos elementos de lembranças coletivas ou individuais e de realizar<br />

inversões de ordem ou de lugar nos mesmos. Por outro lado, a memória não é localizável, pois os<br />

lugares vividos são presenças de ausências, mas permite que localizemos ausências: conforme<br />

Certeau (ibid.), a inscrição dos fatos relembrados só se exerce em práticas de espaço - isto é,<br />

maneiras de passar ao outro por meio do espaço, e no espaço.

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