O ermitão de Muquen - a casa do espiritismo
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nada ver nem ouvir, como o espectro <strong>de</strong> um con<strong>de</strong>na<strong>do</strong> através das<br />
galas e regozijos <strong>de</strong> um esplêndi<strong>do</strong> festim. Imóvel, com a fronte<br />
<strong>de</strong>scaída sobre o peito, concentra<strong>do</strong> em seus pensamentos e ro<strong>de</strong>a<strong>do</strong><br />
<strong>do</strong>s fantasmas que sua consciência evocava <strong>do</strong>s túmulos, dir-se-ia um<br />
cadáver ou estátua <strong>do</strong> <strong>de</strong>sespero, se <strong>de</strong> espaço em espaço um ligeiro e<br />
convulsivo movimento lhe não agitasse os membros.<br />
Foi só quan<strong>do</strong> o sol, reverberan<strong>do</strong> to<strong>do</strong> o seu esplen<strong>do</strong>r sobre a<br />
superfície das águas, inun<strong>do</strong>u <strong>de</strong> luz as pálpebras meio cerradas <strong>de</strong><br />
Gonçalo, que este <strong>de</strong>spertou <strong>de</strong> seu profun<strong>do</strong> e <strong>do</strong>loroso cismar. Só<br />
então Gonçalo, aperceben<strong>do</strong>-se <strong>de</strong> que era leva<strong>do</strong> pelas águas <strong>de</strong> uma<br />
caudalosa torrente sem saber para on<strong>de</strong>, lembrou-se <strong>de</strong> tomar o remo e<br />
dirigir sua canoa... para on<strong>de</strong>?<br />
O primeiro pensamento <strong>de</strong> Gonçalo, logo <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> sua luta com<br />
Inimá, fora <strong>de</strong>ixar-se levar pelas águas abaixo, até que ele e sua canoa<br />
se <strong>de</strong>spedaçassem e submergissem precipita<strong>do</strong>s por alguma cachoeira.<br />
Mas a reflexão, o silêncio e a noite ten<strong>do</strong>-lhe acalma<strong>do</strong> e esclareci<strong>do</strong> o<br />
espírito, e ten<strong>do</strong> compreendi<strong>do</strong> que era vonta<strong>de</strong> <strong>do</strong> céu que ele vivesse,<br />
pensou seriamente no <strong>de</strong>stino que <strong>de</strong>via tomar. Leva<strong>do</strong> durante toda a<br />
noite pela torrente abaixo, Gonçalo não sabia em que paragens se<br />
achava. Difícil lhe seria regressar pelo rio acima, e nem quereria jamais<br />
tornar a ver os sítios fatais em que o céu o fulminara com o mais cruel<br />
<strong>do</strong>s infortúnios. Largar o rio e embrenhar-se sozinho por aquelas<br />
imensas selvas e solidões <strong>de</strong>sconhecidas infestadas <strong>de</strong> Bugres e animais<br />
ferozes era também empresa por <strong>de</strong>mais trabalhosa e arriscada.<br />
Portanto Gonçalo julgou mais acerta<strong>do</strong> e seguro <strong>de</strong>scer em sua canoa<br />
pelo álveo <strong>do</strong> rio, que lhe oferecia estrada natural e franca até chegar à<br />
povoação da Palma, que julgava não <strong>de</strong>ver estar muito longe. Arrancou<br />
<strong>de</strong> si e arrojou ao rio as armas e to<strong>do</strong>s os mais a<strong>do</strong>rnos selváticos com<br />
que estava atavia<strong>do</strong>, calcou indigna<strong>do</strong> aos pés o cinto em que se<br />
encerrava o amuleto <strong>do</strong> Africano, e conservan<strong>do</strong> consigo somente com<br />
religioso cuida<strong>do</strong> a medalha da Virgem, tangeu sua canoa pelo Tocantins<br />
abaixo, confian<strong>do</strong> seu <strong>de</strong>stino às águas <strong>do</strong> rio e à proteção <strong>do</strong> céu.<br />
Assim em luta contínua com uma multidão <strong>de</strong> trabalhos,<br />
obstáculos e perigos, umas vezes rodan<strong>do</strong> precipitadamente arrebata<strong>do</strong><br />
por perigosas corre<strong>de</strong>iras, outras vezes tangen<strong>do</strong> à força <strong>de</strong> remo a sua<br />
canoa pela torrente nimiamente serena e preguiçosa, sofren<strong>do</strong> cruéis<br />
privações e alimentan<strong>do</strong>-se apenas <strong>de</strong> alguns frutos silvestres, que<br />
colhia pelas margens, chegou <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> longa e penosa viagem à<br />
povoação da Palma.<br />
Os habitantes daquele lugar, ao verem chegar sozinho a suas<br />
praias aquele homem quase nu, cobrin<strong>do</strong>-se apenas com um pequeno<br />
saiote, que lhe cingia os rins e lhe <strong>de</strong>scia até os joelhos, e um gran<strong>de</strong><br />
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