O ermitão de Muquen - a casa do espiritismo
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apenas um <strong>do</strong> outro em temerosa atitu<strong>de</strong>, com os membros estica<strong>do</strong>s a<br />
encurvarem com furor o arco prestes e disparar, e projetan<strong>do</strong> sombras<br />
colossais sobre o esteiro límpi<strong>do</strong> das ondas, recuaria <strong>de</strong> horror cuidan<strong>do</strong><br />
ter visto os espectros da noite a combaterem por cima das águas.<br />
Antes <strong>de</strong> pôr-se em atitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> combate, Gonçalo, que nos trances<br />
arrisca<strong>do</strong>s <strong>de</strong> sua vida nunca se esquecia <strong>de</strong> sua celeste protetora,<br />
beijou com fervorosa <strong>de</strong>voção a imagem da Santa Virgem, e disposto a<br />
morrer encomen<strong>do</strong>u sua alma a Deus. Desta vez porém não se lembrou<br />
<strong>de</strong> tocar no talismã <strong>do</strong> cinturão, ou <strong>de</strong> propósito não o quis fazer, pois<br />
que <strong>de</strong>veras <strong>de</strong>sejava morrer.<br />
Itajiba bateu o pé no fun<strong>do</strong> da canoa o primeiro sinal; daí a um<br />
instante o segun<strong>do</strong>; ao terceiro as flechas voaram <strong>do</strong>s arcos a um<br />
tempo e cruzaram-se nos ares. Inimá, vara<strong>do</strong> no coração, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong><br />
cambalear um instante caiu <strong>de</strong> cabeça para baixo como enorme surubi<br />
escapa<strong>do</strong> à re<strong>de</strong> <strong>do</strong> pesca<strong>do</strong>r, e a líquida sepultura, que o <strong>de</strong>vorou para<br />
sempre, fechou-se <strong>de</strong> novo sobre seu cadáver remoinha<strong>do</strong> com lúgubre<br />
rumorejo. Gonçalo porém vacilou apenas, e conservou-se em pé. Acaso<br />
Inimá em tão curta distância teria erra<strong>do</strong> o ponto? ou algum po<strong>de</strong>r<br />
sobrenatural e misterioso lhe teria turba<strong>do</strong> a vista e <strong>de</strong>svia<strong>do</strong> a seta?<br />
Nada disso era crível, e nada disso acontecera. A flecha bem <strong>de</strong>spedida<br />
<strong>do</strong> arco <strong>de</strong> Inimá voou certeira ao peito esquer<strong>do</strong> <strong>de</strong> Itajiba, mas caiulhe<br />
aos pés sem penetrar!<br />
Mas como po<strong>de</strong>ria isto acontecer a não ser por um milagre?<br />
perguntar-se-á. Milagre ou não, nesse fato teve Gonçalo a mais<br />
evi<strong>de</strong>nte prova da valiosa proteção da Santa Virgem, por quem sempre<br />
tivera a mais viva e fervorosa <strong>de</strong>voção. A flecha <strong>do</strong> selvagem encontrou<br />
no peito <strong>de</strong> Gonçalo a grossa medalha <strong>de</strong> ouro, em que estava esculpida<br />
a imagem da milagrosa Santa, e caiu embotada a seus pés. Ampara<strong>do</strong><br />
por aquele escu<strong>do</strong> celestial o seu corpo nem <strong>de</strong> leve foi toca<strong>do</strong>, e sua<br />
alma foi salva <strong>do</strong>s caminhos da perdição.<br />
Será um acaso? ninguém o dirá; foi manifesta proteção <strong>do</strong> céu,<br />
que queria converter um facínora em instrumento da divina misericórdia<br />
para alívio <strong>do</strong>s males da humanida<strong>de</strong>.<br />
POUSO QUARTO<br />
O ERMITÃO<br />
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