O ermitão de Muquen - a casa do espiritismo
O ermitão de Muquen - a casa do espiritismo
O ermitão de Muquen - a casa do espiritismo
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
lábios o relicário, confundin<strong>do</strong> <strong>de</strong>sta maneira em sua tosca imaginação o<br />
culto da mãe <strong>de</strong> Deus com uma grosseira feitiçaria.<br />
Apesar disso não se passava um só dia em que Gonçalo não fizesse<br />
provar a algum pobre cristão a força <strong>de</strong> seu braço ru<strong>de</strong> e vigoroso. Cabeças<br />
e braços quebra<strong>do</strong>s, narizes esmurra<strong>do</strong>s, caras esbofeteadas, costas<br />
<strong>de</strong>rreadas, eram façanhas que to<strong>do</strong>s os dias aumentavam a fama e terror <strong>de</strong><br />
seu nome.<br />
Zombava da justiça, que naquele tempo e naquelas paragens parece<br />
que nenhuma força tinha.<br />
Gonçalo muitas vezes dispersou e espancou as milícias encarregadas<br />
<strong>de</strong> prendê-lo por ocasião <strong>de</strong> alguma das suas falcatruas.<br />
Ele as espalhava a pontapés, como quem arreda com a ponta <strong>do</strong> pé um<br />
tropeço que encontra em seu caminho.<br />
Demais, Gonçalo tinha por si gran<strong>de</strong> número <strong>de</strong> parceiros, vadios e<br />
bandi<strong>do</strong>s como ele, que o temiam e respeitavam, e com os quais contava em<br />
ocasião <strong>de</strong> aperto. Era uma malta <strong>de</strong> rapazes ociosos e <strong>de</strong>vassos, da qual ele<br />
por sua superiorida<strong>de</strong> em forças e <strong>de</strong>streza e por sua riqueza e generosida<strong>de</strong><br />
era o chefe natural.<br />
Posto que temi<strong>do</strong> como uma onça e respeita<strong>do</strong> entre seus camaradas<br />
pela sua valentia, Gonçalo não <strong>de</strong>ixava <strong>de</strong> ser estima<strong>do</strong>, e em qualquer<br />
folgue<strong>do</strong> a sua presença era indispensável, pois era o companheiro mais<br />
alegre e folgazão que se conhecia. Ninguém com mais primor sabia pontear<br />
uma viola, cantar modinhas e lundus ou sapatear com mais <strong>de</strong>sgarro e<br />
<strong>de</strong>senvoltura em uma sala <strong>de</strong> batuque. Gostava <strong>de</strong> moças, e com tais<br />
prendas e uma bonita figura, bem se vê quanto <strong>de</strong>via ser queri<strong>do</strong> <strong>de</strong>las.<br />
Era ele pois parceiro infalível em todas as festas, batuques e partidas<br />
<strong>de</strong> prazer, quaisquer que fossem.<br />
À força <strong>de</strong> ser temi<strong>do</strong> e respeita<strong>do</strong>, pois ninguém mais ousava<br />
experimentar as forças <strong>de</strong> sua mão-<strong>de</strong>-ferro, a vida <strong>de</strong> Gonçalo ia-se por fim<br />
monótona e sem aci<strong>de</strong>ntes, com o que andava ele mui <strong>de</strong>sconsola<strong>do</strong> e<br />
aborreci<strong>do</strong>.<br />
Essa vida tranqüila, que ia passan<strong>do</strong>, sem achar ocasião ao menos <strong>de</strong><br />
dar uns murros ou uns pontapés, o enjoava por tal sorte, que estava<br />
resolvi<strong>do</strong> a ir viajar pelos sertões em busca <strong>de</strong> quanto valentão e facínora<br />
afama<strong>do</strong> por aí houvesse, medir suas forças com eles, matá-los to<strong>do</strong>s e<br />
trazer suas orelhas <strong>de</strong> mimo ao capitão-mor. O <strong>de</strong>stino porém ajeitou as<br />
coisas por tal mo<strong>do</strong>, que não foi preciso a Gonçalo sair <strong>de</strong> Goiás para que<br />
fossem completamente satisfeitos os seus <strong>de</strong>sejos.<br />
Entre os comparsas <strong>de</strong> Gonçalo havia um que, além <strong>de</strong> ser seu<br />
particular amigo, era o único que ousava rivalizar com ele em força e<br />
<strong>de</strong>streza. Era um rapaz por nome Reinal<strong>do</strong>, robusto e bem-feito, e<br />
geralmente estima<strong>do</strong> por sua franqueza e lealda<strong>de</strong>, e que ainda não se tinha<br />
<strong>de</strong>ixa<strong>do</strong> inteiramente eivar <strong>do</strong> espírito <strong>de</strong> <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>m e <strong>de</strong>vassidão <strong>do</strong>s seus<br />
companheiros. Nos exercícios <strong>de</strong> luta, esgrima e outros era o que dava mais<br />
12<br />
12