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O ermitão de Muquen - a casa do espiritismo

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procuran<strong>do</strong> escutar-lhe a respiração e o palpitar <strong>do</strong> coração. Curiosa e<br />

inquieta não podia arredar sua atenção daquele leito, em que jazia o mísero<br />

prisioneiro, e o sono se recusava a cerrar-lhe as pálpebras mimosas. A pouca<br />

distância <strong>de</strong> Gonçalo, Andiara, o pajé encarrega<strong>do</strong> <strong>de</strong> sua cura, <strong>de</strong>ita<strong>do</strong> em<br />

uma esteira <strong>de</strong> juncos, ressonava profundamente.<br />

Enfim lá pela madrugada Gonçalo fez um ligeiro movimento, e um<br />

fraco gemi<strong>do</strong> quase imperceptível escapou-lhe <strong>do</strong> peito. Guaraciaba<br />

estremeceu e o coração pulsou-lhe com violência.<br />

— Está vivo! murmurou com alegre sobressalto a filha da floresta, e<br />

escutou ainda; mas não ouviu mais som, nem notou movimento algum.<br />

Aproximou-se <strong>de</strong> novo ao leito, e cui<strong>do</strong>u notar um leve arquejar <strong>do</strong> peito <strong>do</strong><br />

prisioneiro; mas este, páli<strong>do</strong> e imóvel, não apresenta ainda no semblante<br />

sinal algum <strong>de</strong> vida. Guaraciaba enfim afoita-se a pôr-lhe <strong>de</strong> manso a mão<br />

sobre o coração. Gonçalo com o frescor da madrugada e graças aos<br />

bálsamos eficazes que o experiente pajé lhe vertera nas feridas, ia pouco e<br />

pouco recuperan<strong>do</strong> os senti<strong>do</strong>s, e acordava lentamente <strong>de</strong> seu longo<br />

<strong>de</strong>sfalecimento. As idéias se <strong>de</strong>spertavam em sua alma como em um sonho<br />

nebuloso e vago, e duvidava se era ainda em corpo e alma um habitante<br />

<strong>de</strong>ste mun<strong>do</strong>, ou se já era um espírito errante pelos limbos da eternida<strong>de</strong>.<br />

No meio porém daquele penível <strong>de</strong>lírio <strong>de</strong> suas confusas idéias ele sentiu a<br />

mão mimosa <strong>de</strong> Guaraciaba pousar-lhe <strong>do</strong>cemente sobre o coração; mas em<br />

vão tentou abrir os olhos; suas pálpebras amortecidas e inertes não<br />

obe<strong>de</strong>ceram à sua vonta<strong>de</strong>; quis falar, mas não lhe saiu <strong>do</strong> peito mais que<br />

um rali<strong>do</strong> imperceptível. Este aflitivo pesa<strong>de</strong>lo já há alguns minutos o<br />

atormentava, quan<strong>do</strong> Gonçalo ouviu confusamente uma voz <strong>do</strong>ce e infantil<br />

murmuran<strong>do</strong> em língua indígena estas palavras a espaços interrompidas:<br />

— Pobre mancebo! meus irmãos foram bem cruéis em maltratá-lo<br />

assim! É bem triste ver um guerreiro assim na flor da vida, tão belo e tão<br />

valente, prostra<strong>do</strong> e morto a golpes <strong>de</strong> tacape, como se fora um jaguar! E<br />

por que havia ele <strong>de</strong> ser tão louco e temerário! Se não resistisse, acharia<br />

talvez entre nós agasalho amigo e franco. Como é gentil, e diferente <strong>do</strong>s<br />

meus companheiros da floresta! seus cabelos negros e luzentes como as<br />

penas <strong>do</strong> anu enroscam-se como serpentes em re<strong>do</strong>r <strong>do</strong> pescoço, seu porte é<br />

como o <strong>do</strong>s heróis; em sua larga frente ressumbra como que alguma coisa<br />

<strong>de</strong> superior e <strong>de</strong> celeste. Entretanto, ai <strong>de</strong> mim! esse belo estrangeiro é a<br />

vítima <strong>de</strong>stinada a ser sacrificada a Tupá no dia em que eu for entregue<br />

como esposa entre as mãos <strong>de</strong> Inimá para tornar os manitós propícios à<br />

nossa união! Se assim é, ó meu pai, ó Inimá, possa nunca mais raiar esse<br />

dia <strong>de</strong> tão nefasto e abominável sacrifício!<br />

Ao som <strong>de</strong>ste suave monólogo o espírito <strong>de</strong> Gonçalo começava a<br />

<strong>de</strong>snevoar-se pouco a pouco como aos acor<strong>de</strong>s <strong>de</strong> uma música celestial.<br />

Recorda-se então confusamente <strong>do</strong> me<strong>do</strong>nho combate da véspera, e pasma<br />

<strong>de</strong> se achar ainda no número <strong>do</strong>s vivos. Entretanto essa voz suave, que com<br />

tanta ternura o lastima, anuncia-lhe também que ele é prisioneiro, e que sua<br />

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