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O ermitão de Muquen - a casa do espiritismo

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até as portas <strong>de</strong> Vila Boa. Esta ousada e árdua empresa, cujo plano o próprio<br />

Itajiba concebera e propusera, <strong>de</strong>via durar por tempo in<strong>de</strong>termina<strong>do</strong>,<br />

enquanto achasse inimigos para a combater.<br />

Inimá, ten<strong>do</strong> às suas or<strong>de</strong>ns outros tantos guerreiros igualmente <strong>de</strong><br />

sua escolha, <strong>de</strong>via transpor o rio, penetrar pelas florestas que lhe ficam ao<br />

nascente, e levar guerra crua e <strong>de</strong>sapiedada às hordas errantes <strong>do</strong>s Caiapós,<br />

e rechaçá-los para o mais longe que pu<strong>de</strong>sse das vizinhanças <strong>do</strong> gran<strong>de</strong> rio.<br />

Na aurora seguinte o sol, surgin<strong>do</strong> por cima das florestas que<br />

sombreiam as margens <strong>do</strong> Tocantins, iluminava uma das mais curiosas e<br />

animadas cenas da vida selvática. Uma chusma <strong>de</strong> ligeiras pirogas<br />

entulhadas <strong>de</strong> guerreiros seminus, <strong>de</strong> tez bronzeada e aspecto sinistro, ao<br />

som estrugi<strong>do</strong>r <strong>de</strong> ru<strong>de</strong>s cantos <strong>de</strong> guerra e ao ruí<strong>do</strong> das inúbias e maracás,<br />

vogavam lentamente contra a corrente <strong>do</strong> rio. As águas ao bater<br />

compassa<strong>do</strong> <strong>de</strong> uma multidão <strong>de</strong> remos marulhavam cintilan<strong>do</strong> como<br />

escamas <strong>de</strong> ouro aos esplêndi<strong>do</strong>s raios <strong>do</strong> sol matinal, e ao sopro das brisas<br />

os vistosos cocares tremulavam sobre a fronte <strong>do</strong>s guerreiros como filas <strong>de</strong><br />

coqueiros balançan<strong>do</strong> seus leques sobre o veio trêmulo da torrente. Por<br />

outro la<strong>do</strong> e em direção oposta a falange formidável <strong>de</strong> Inimá, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ter<br />

transposto o rio em canoas, <strong>de</strong>sfilava ao longo da margem oposta entoan<strong>do</strong><br />

belicosas pocemas <strong>de</strong> sangue e vingança, e ia mais abaixo engolfar-se e<br />

sumir-se na espessura da floresta como jibóia monstruosa que em sinuosos<br />

giros se esgueira a escon<strong>de</strong>r-se pelas moitas <strong>do</strong> matagal.<br />

Sobre um tope mais eleva<strong>do</strong> da ribanceira Guaraciaba sozinha,<br />

encostada a um tronco, tinha os olhos tristemente fitos sobre as pirogas, que<br />

lá iam resvalan<strong>do</strong> pela superfície <strong>do</strong>urada das águas, principalmente sobre<br />

aquela em que Itajiba, em pé junto à proa, lançava também olhares<br />

repassa<strong>do</strong>s <strong>de</strong> tristeza e <strong>de</strong> sauda<strong>de</strong> sobre aquelas margens e sobre a<br />

virgem da floresta, que ia aban<strong>do</strong>nar por tão longo tempo, oh! e quem sabe<br />

se para sempre! Ela as contemplou até <strong>de</strong> to<strong>do</strong> se sumirem nas <strong>de</strong>rra<strong>de</strong>iras<br />

voltas <strong>do</strong> rio, e quan<strong>do</strong> não viu mais <strong>do</strong> que as águas a correrem monótonas<br />

e as selvas a sussurrarem tristemente ao longo das ribanceiras solitárias,<br />

seus olhos se arrasaram <strong>de</strong> pranto; com as mãos e com as negras ma<strong>de</strong>ixas<br />

abafou soluços e lágrimas que lhe inundavam o seio, caiu <strong>de</strong>salentada sobre<br />

a relva, e chorou, chorou muito e por muito tempo.<br />

Guaraciaba sentia pela primeira vez essa profunda opressão da alma,<br />

essa cruel e pungente <strong>de</strong>solação, que se chama sauda<strong>de</strong>. Pensava nos tristes<br />

e silenciosos dias que iam suce<strong>de</strong>r àqueles tão cheios <strong>de</strong> vida, <strong>de</strong> alegria e<br />

<strong>de</strong> amor que passara junto <strong>de</strong> Itajiba; pensava nos azares que este ia<br />

afrontar em uma guerra longínqua e perigosa, e cuidava morrer <strong>de</strong> angústia<br />

e <strong>de</strong>salento.<br />

Andiara, que solícito a observava, correu a ela e procurou levantá-la <strong>de</strong><br />

seu <strong>do</strong>loroso abatimento com palavras <strong>de</strong> consolação e <strong>de</strong> esperança:<br />

— Não chores, filha <strong>de</strong> minha alma; dizia-lhe Andiara levantan<strong>do</strong>-a nos<br />

braços e arredan<strong>do</strong>-lhe <strong>do</strong> moreno rosto a nuvem <strong>de</strong> cabelos negros, que ela<br />

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