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O ermitão de Muquen - a casa do espiritismo

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couro <strong>de</strong> onça, que lhe servia <strong>de</strong> capa e <strong>de</strong> leito, com cabelos e barbas<br />

compridas, esquáli<strong>do</strong> e extenua<strong>do</strong>, uns possuí<strong>do</strong>s <strong>de</strong> terror não<br />

ousavam aproximar-se cuidan<strong>do</strong> ver algum fantasma ou algum monstro<br />

vomita<strong>do</strong> pelo rio; outros o toman<strong>do</strong> por algum louco igualmente o<br />

evitavam; não poucos também julgan<strong>do</strong>-o algum Bugre feroz ou algum<br />

malfeitor estavam a ponto <strong>de</strong> o apedrejar. Esta primeira impressão<br />

porém não durou por muito tempo; pelo abatimento e profunda tristeza<br />

que se lia na fisionomia <strong>de</strong> Gonçalo, e por suas palavras cheias <strong>de</strong><br />

senso, que nada condiziam com seu bizarro e selvático exterior, em<br />

breve compreen<strong>de</strong>ram que aquele estranho personagem não era mais<br />

que uma vítima da sorte, a quem longos trabalhos e <strong>de</strong>sgraças tinham<br />

reduzi<strong>do</strong> àquele <strong>de</strong>plorável esta<strong>do</strong>, e o acolheram com cari<strong>do</strong>sa<br />

hospitalida<strong>de</strong>.<br />

Ali tomou Gonçalo o hábito <strong>de</strong> <strong>ermitão</strong>, e viveu por algum tempo<br />

em profun<strong>do</strong> retiro na prática <strong>de</strong> assíduas e austeras penitências,<br />

subsistin<strong>do</strong> das esmolas <strong>do</strong> povo, que o estimava e venerava como a<br />

um santo, posto que ignorasse completamente quem era ele, e <strong>do</strong>n<strong>de</strong><br />

tinha vin<strong>do</strong>. Mas um vivo <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> peregrinar pelo mun<strong>do</strong> o<br />

preocupava <strong>de</strong> contínuo, e sua alma inquieta e atormentada pelos<br />

remorsos, aos quais não achava lenitivo nem nas orações, nem nos<br />

jejuns e penitências, era agitada por um secreto pressentimento <strong>de</strong> que<br />

o céu o chamava a outros lugares a fim <strong>de</strong> cumprir uma pie<strong>do</strong>sa missão,<br />

que ainda não lhe fora revelada.<br />

Gonçalo <strong>de</strong>ixou portanto a Palma, e embrenhou-se por sertões<br />

<strong>de</strong>sconheci<strong>do</strong>s passan<strong>do</strong> voluntariamente uma vida <strong>de</strong> ásperas<br />

mortificações e penitências. Vagueou por um largo tempo através <strong>do</strong>s<br />

ermos com um bordão à mão e um saco às costas, viven<strong>do</strong> <strong>de</strong> esmolas<br />

ou <strong>de</strong> frutos e legumes silvestres, ten<strong>do</strong> por leito o chão frio e duro, por<br />

teto a ramagem das florestas ou a abóbada úmida <strong>de</strong> alguma lapa<br />

cavada pela natureza no viso das montanhas. Mas nem assim conseguia<br />

acalmar os pungentes remorsos que lhe atormentavam a consciência.<br />

Os fantasmas <strong>de</strong> suas vítimas o acompanhavam por toda a parte como<br />

a sombra <strong>de</strong> seu corpo, e noite e dia lhe torturavam a alma. O grosseiro<br />

e parco alimento que tomava parecia-lhe ensopa<strong>do</strong> em lágrimas e<br />

sangue. À noite espectros sinistros o ansiavam e enxotavam-lhe o sono<br />

das pálpebras requeimadas <strong>de</strong> prantos e vigílias. Com os olhos<br />

amorteci<strong>do</strong>s, as faces pálidas e macilentas, o corpo emagreci<strong>do</strong> e<br />

alquebra<strong>do</strong>, parecia um espectro surgi<strong>do</strong> <strong>do</strong>s túmulos, e ninguém mais<br />

reconheceria nele a figura atlética e garbosa <strong>do</strong> vigoroso mancebo <strong>de</strong><br />

outrora. Errante <strong>de</strong> povoação em povoação, <strong>de</strong> fazenda em fazenda,<br />

muitas vezes também estacionava entre as hordas selvagens, que o<br />

respeitavam e veneravam como um pajé, e conhece<strong>do</strong>r <strong>de</strong> sua<br />

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