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II Caderno - Instituto dos Registos e Notariado

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BOLETIM<br />

DOS REGISTOS E DO NOTARIADO<br />

Maio/Junho/Julho 2005<br />

<strong>II</strong> <strong>Caderno</strong><br />

PARECERES DO<br />

CONSELHO TÉCNICO<br />

4/2005<br />

Proc. nº R.P. 182004 DSJ-CT - Doação a herdeiros legitimários de bem próprio de um <strong>dos</strong> cônjuges<br />

– reserva de usufruto – partilha em vida. 2<br />

Proc. nº R.P. 235/2004 DSJ-CT - Aquisição de 1/3 de determinado prédio com base em sentença que homologou<br />

a transacção – Registo Autónomo – Comprovação do pagamento do IMT. 5<br />

Proc. nº R.Co. 51/2004 DSJ-CT - Constituição de usufruto, por doação, sobre quota ainda inexistente porque<br />

ainda não se encontra constituída a sociedade comercial por quotas<br />

respectiva – Documento particular – Registo – Recusa por manifesta<br />

nulidade do facto – Artº 48. nº 1, al. d) C.R.Com. 12<br />

Proc. nº R.Co. 12/2005 DSJ-CT - Constituição de Empresa intermunicipal de capitais maioritariamente<br />

públicos – Lei nº 58/98, de 18.08 e Dec.-Lei nº 558/99, de 17.12<br />

– Sua sujeição a registo comercial. 18<br />

Proc. nº C.C. 61/2000 DSJ-CT - Processo preliminar de publicações. Nubente estrangeiro residente<br />

em Portugal. Capacidade matrimonial. 20<br />

Proc. nº C.P. 31/2004 DSJ-CT - Certidões – Certificação de requisitos – Emissão de certidão no próprio<br />

dia em que é requerida – Existência de registos pendentes de qualificação<br />

– Confirmação de certidões. 21<br />

Proc. nº R.P. 33/2003 DSJ-CT<br />

- Justificação notarial para estabelecimento do trato sucessivo – Invocação da<br />

usucapião. – Início da posse por um <strong>dos</strong> cônjuges na constância do casamento<br />

celebrado no regime da comunhão de adquiri<strong>dos</strong> – Declaração prestada por<br />

ambos os cônjuges, na escritura de justificação, de que o bem é próprio do<br />

cônjuge justificante. 23<br />

Proc. nº R.P. 122/2003 DSJ-CT - Penhora do usufruto sobre determinado prédio – Forma pela qual se<br />

deve proceder à Penhora: termo no processo ou notificação ao seu<br />

proprietário – Título para o registo. 31<br />

Proc. nº R.P. 51/2004 DSJ-CT<br />

Proc. nº R.P. 57/2004 DSJ-CT<br />

- Duplicação de descrições – Sentença que reconhece o direito de propriedade<br />

<strong>dos</strong> A.A. sobre o prédio misto do qual a parte rústica se encontra duplamente<br />

duplicada e ordena o cancelamento das respectivas descrições – Registo da<br />

decisão final. 33<br />

- Áreas urbanas de génese ilegal (AUGI). – Registo de alvará de loteamento<br />

que abrange vários prédios pertencentes, em compropriedade, a titulares<br />

diversos e diferentes (consoante a descrição predial). – Prédio onerado<br />

com hipotecas incidentes sobre as quotas indivisas de que são titulares<br />

alguns <strong>dos</strong> comproprietários. 40<br />

Proc. nº R.P. 126/2004 DSJ-CT - Destaque. – Prédio inserido em parte no perímetro urbano e noutra parte<br />

em espaço rural. – Exigibilidade ou não de licença camarária. 52<br />

Proc. nº R.Co. 9/2005 DSJ-CT - Nomeação para secretário de uma sociedade por quotas de um <strong>dos</strong> sócios<br />

dessa mesma sociedade – Registabilidade – Designação obrigatória de<br />

secretário suplente – Registo da dissolução da sociedade e encerramento<br />

da liquidação sem que se tenha procedido ao prévio registo da nomeação<br />

de secretário – Inaplicabilidade do Princípio do Trato Sucessivo. 56<br />

Proc. nº C.C. 68/2004 DSJ-CT<br />

- Registo de Nascimento – Dúvidas quanto ao estado civil <strong>dos</strong> progenitores,<br />

de nacionalidade portuguesa - É invocado um estado civil que não podem<br />

provar por o facto modificativo daquele ainda não ter ingressado na ordem<br />

jurídica portuguesa – Menção a levar ao assento de nascimento do filho. 59<br />

Proc. nº C.C. 97/2004 DSJ-CT - Assento de óbito com estado civil ignorado – pedido de completamento, no<br />

sentido de que o estado civil é o de casado, mediante a invocação de que<br />

houve desistência de acção de revisão e confirmação de sentença estrangeira<br />

de divórcio. 65<br />

Proc. nº R.Co. 18/2005 DSJ-CT - Constituição de AEIE com sede em Portugal, participado por Sociedade de<br />

Proc. nº R.P. 55/2004 DSJ-CT<br />

Advoga<strong>dos</strong> portuguesa – sua admissibilidade e sujeição a registo comercial. 69<br />

- Acção em que se requer a declaração de transmissão de direito real de habitação<br />

periódica, relativamente a imóvel cujo regime ainda não se encontra<br />

constituído, nem registado – sua (i)registabilidade. 76


Nº 4/2005 – Maio/Junho/Julho 2005 2<br />

Proc. n.º R.P. 18/2004 DSJ-CT – Doação a<br />

herdeiros legitimários de bem próprio de um<br />

<strong>dos</strong> cônjuges – reserva de usufruto – partilha<br />

em vida.<br />

1. A senhora Advogada Dra. Luísa M,<br />

identificada nos autos, vem recorrer<br />

hierarquicamente da provisoriedade por dúvidas<br />

oposta pela Conservatória do Registo Predial de …<br />

à ap.21 de 22 de Outubro de 2003, que incidia<br />

sobre o prédio nº 01088 da freguesia de …, desse<br />

concelho, e que consistiu no pedido de aquisição<br />

do referido prédio a favor de José CPM, c.c. Maria<br />

Alexandrina SF, sendo a causa da aquisição uma<br />

partilha em vida.<br />

2. Com efeito, a senhora Conservadora<br />

recorrida lavrou nessa requisição o seguinte<br />

despacho: ”provisório por dúvidas pelo facto de se<br />

suscitarem dúvidas quanto à forma de pagamento<br />

atendendo à operação anterior no que respeita aos<br />

usufrutuários. Artº 68º e 70º do CRP”.<br />

3. Discordando deste despacho, alega a<br />

recorrente, em síntese, que, para além de ser<br />

“obscuro”, pois não se compreende o que<br />

significará a referência à forma de pagamentos<br />

atendendo à operação anterior no que respeita aos<br />

usufrutuários, o que se requereu foi a transmissão<br />

da nua propriedade, suficientemente titulada na<br />

escritura de partilha em vida, título este que a<br />

Conservatória não considerou inválido, pelo que<br />

não existiu “qualquer violação do disposto nos<br />

artºs 68º e 70º do Código do Registo<br />

Predial”.Termina pedindo que seja esse registo<br />

lavrado definitivamente, sendo inscritos,<br />

oficiosamente, os usufrutos a favor da doadora, por<br />

reserva na doação, e de seu marido, por partilha<br />

em vida.<br />

4. Sustentando a posição tomada, a senhora<br />

Conservadora, após referir que nessa escritura a<br />

doadora reservou o usufruto <strong>dos</strong> prédios a seu<br />

favor e de seu marido, lembra que foi adjudicado a<br />

este, na partilha <strong>dos</strong> bens, o usufruto de todas as<br />

verbas a partilhar. Assim sendo, levantam-se<br />

dúvidas “quer quanto às operações efectuadas <strong>dos</strong><br />

bens a partilhar, quer à forma de pagamento,<br />

mencionada no título. É que na partilha<br />

apresentada não é perceptível a composição das<br />

quotas legitimárias que cada um <strong>dos</strong> cônjuges<br />

receberá do outro” que são herdeiros legitimários<br />

recíprocos, pelo que, “para efeitos do cálculo do<br />

quinhão do cônjuge sobrevivo os bens terão que<br />

ser comuns”.<br />

5. As partes são legítimas, o recurso<br />

atempado e não existem factos prejudiciais que<br />

impeçam a emissão de parecer.<br />

6. A questão levantada pela senhora<br />

Conservadora recorrida prende-se, apenas, como<br />

se viu, com o pagamento feito na escritura ao<br />

cônjuge da doadora. Todavia, não será dispicienda<br />

uma breve referência ao instituto da partilha em<br />

vida, bem como a análise da escritura em questão.<br />

7. A “partilha em vida”, regulada no artº<br />

2029º do Código Civil, é um acto complexo,<br />

constituindo uma forma especial de doação, desta<br />

se afastando em alguns pontos relevantes. Com<br />

efeito, nela não se revela o espírito de liberalidade<br />

característico da doação. Por outro lado, são<br />

donatários to<strong>dos</strong> ou algum (ou alguns), <strong>dos</strong><br />

presumíveis herdeiros legitimários do doador (artº<br />

2029º nº 1), sendo necessário, no entanto, o<br />

consentimento de to<strong>dos</strong> eles. Também se exige que<br />

a partilha <strong>dos</strong> bens doa<strong>dos</strong> seja feita no próprio<br />

acto da doação, com intervenção não só do doador<br />

como de to<strong>dos</strong> esses herdeiros legitimários.<br />

Aqueles que não receberem bens na partilha terão<br />

direito a receber tornas (mesmo em momento<br />

posterior – artº 2029º nº 3) e, se se vier a revelar,<br />

futuramente, a existência de outros herdeiros<br />

legitimários, terão estes o direito de exigir a sua<br />

parte, mas apenas em dinheiro (artº 2029º nº 2).<br />

A “partilha em vida” não está sujeita a<br />

colação, na medida em que a igualização <strong>dos</strong><br />

herdeiros, que é o fundamento desta, fica<br />

assegurada com a intervenção de to<strong>dos</strong> os<br />

herdeiros legitimários. No entanto, pode haver<br />

lugar à sua redução por inoficiosidade.<br />

A este propósito escreve ESPERANÇA<br />

PEREIRA MEALHA (obra infra citada, pp 553),<br />

referindo-se aos bens certos e determina<strong>dos</strong><br />

incluí<strong>dos</strong> na partilha : “Quanto a estes, os


Nº 4/2005 – Maio/Junho/Julho 2005 3<br />

presumi<strong>dos</strong> herdeiros legitimários que consentiram<br />

na partilha nada poderão dizer à data da<br />

morte do doador-partilhante. Designadamente,<br />

não poderão intentar acção de redução por<br />

inoficiosidade com fundamento na desvalorização<br />

<strong>dos</strong> bens recebi<strong>dos</strong> ou na valorização <strong>dos</strong> bens<br />

consenti<strong>dos</strong> doar. A tal se opõem os efeitos<br />

próprios e a eficácia ex-tunc da partilha feita em<br />

vida, traduzida na transferência imediata <strong>dos</strong> bens<br />

para o património <strong>dos</strong> donatários e no<br />

consentimento dado por to<strong>dos</strong> a essas doações,<br />

com recebimento das respectivas tornas. Apenas<br />

na hipótese de surgir um novo presumido herdeiro<br />

legitimário após a morte do doador, uma vez que<br />

se torna necessário achar a sua legítima, dispõe<br />

aquele da faculdade de interpor acção de redução<br />

por inoficiosidade, ao abrigo <strong>dos</strong> artºs 2168º e<br />

seguintes (do Código Civil)”.<br />

Finalmente, cumpre salientar que não se<br />

trata da partilha da herança, (uma vez que esta só<br />

existe à morte do “de cujus”), ainda que<br />

partilha<strong>dos</strong> sejam, nesse momento, to<strong>dos</strong> os bens<br />

do doador. No fundo, trata-se de uma antecipação<br />

da partilha ”mortis causa” normalmente com a<br />

finalidade de evitar eventuais futuras desavenças<br />

entre os herdeiros. (Sobre este tema cfr., por<br />

exemplo, OLIVEIRA ASCENÇÃO, “Direito<br />

Civil-Sucessões, 4ª Ed. pp 552 e seguintes; PIRES<br />

DE LIMA e ANTUNES VARELA, “Código Civil<br />

Anotado”, vol.VI-1998,pp 20 e seguintes, NETO<br />

FERREIRINHA e ZULMIRA LINO DA SILVA,<br />

“Manual de Direito Notarial”, Coimbra 2004, pp<br />

369 e seg., ESPERANÇA PEREIRA MEALHA,<br />

“Partilha em vida e seus efeitos sucessórios”, in<br />

“Estu<strong>dos</strong> em homenagem ao Prof.Doutor<br />

Inocêncio Galvão Telles”, I vol, pp 523 e seg.,<br />

bem como os Pareceres extraí<strong>dos</strong> no Pº64/96 RP4,<br />

publicado no BRN 4/97, e no Pº 33/88 RP3<br />

publicado no vol.<strong>II</strong> da colectânea de Pareceres do<br />

Conselho Técnico da DGRN editado pela<br />

Associação Sindical <strong>dos</strong> Conservadores <strong>dos</strong><br />

<strong>Registos</strong> em 1993, a fls 236.).<br />

8. Á luz deste enquadramento, analisemos a<br />

escritura que titulou o acto de registo requisitado.<br />

São nela outorgantes a dona inscrita <strong>dos</strong><br />

prédios, Laurinda P, e seu marido, Manuel M,<br />

casa<strong>dos</strong> na comunhão de adquiri<strong>dos</strong>, e os filhos do<br />

casal: José C e mulher Maria Alexandrina, e<br />

Marlene e marido Domingos. Os prédios objecto<br />

da doação e subsequente partilha são bem próprio<br />

da outorgante Laurinda, por terem sido adquiri<strong>dos</strong><br />

por doação.<br />

Assim, esta faz doação (devidamente aceite)<br />

de um <strong>dos</strong> prédios (o que consta <strong>dos</strong> autos) ao seu<br />

filho José C, por conta da legítima, e do outro<br />

prédio à filha Marlene, por conta da quota<br />

disponível, reservando o usufruto simultâneo e<br />

sucessivo de ambos os prédios a seu favor e de seu<br />

marido, Manuel M, que aceitou e autorizou a<br />

mulher a fazer a doação.<br />

Em seguida, com a declaração de serem os<br />

outorgantes os únicos presumi<strong>dos</strong> herdeiros<br />

legitimários da doadora Laurinda (cfr. Artº 2157º e<br />

seg. do Código Civil), procedem imediatamente à<br />

“partilha em vida” <strong>dos</strong> bens doa<strong>dos</strong>, antecedida<br />

das operações de cálculo do valor das respectivas<br />

quotas. Escreve-se, na escritura, que os<br />

interessa<strong>dos</strong> vão proceder à partilha <strong>dos</strong> bens<br />

doa<strong>dos</strong> “fixando o valor desses bens, não obstante<br />

a pendência do usufruto reservado a favor da<br />

doadora”, expressão esta que nos parece querer<br />

significar que o valor desse usufruto não seria tido<br />

em conta no cálculo do valor <strong>dos</strong> prédios para a<br />

composição das quotas de cada um, como, de<br />

facto, não foi.<br />

Finalmente, nos pagamentos em preenchimento<br />

das respectivas quotas, o Manuel M recebe<br />

o usufruto <strong>dos</strong> dois prédios (usufruto este que não<br />

se qualifica), o filho José C a nua propriedade do<br />

prédio em questão nestes autos (01088 da<br />

freguesia de ...), e a filha Marlene a nua<br />

propriedade do outro prédio, sendo também<br />

declaradas recebidas as tornas devidas por quem a<br />

elas tinha direito. Saliente-se que, na perspectiva<br />

desta partilha, tinha já sido atribuído valor ao<br />

usufruto então reservado a favor do Manuel M.<br />

9. O acto assim lavrado suscita-nos algumas<br />

reservas.<br />

Desde logo, não nos parece compatível com<br />

o regime da “partilha em vida” o facto de ter sido<br />

doado um <strong>dos</strong> prédios por conta da quota<br />

disponível. É que, como já se salientou, não existe


Nº 4/2005 – Maio/Junho/Julho 2005 4<br />

neste instituto o espírito de liberalidade característico<br />

da doação que permite atribuir tal<br />

qualificação a um bem doado, até porque a<br />

intenção que preside à partilha em vida é a da<br />

antecipação da partilha por morte do doador entre<br />

os herdeiros legitimários. Assim sendo, não parece<br />

possível fazer a partilha em vida de bens doa<strong>dos</strong><br />

por conta da quota disponível.<br />

Outro aspecto que julgamos muito<br />

questionável prende-se com a inclusão na partilha<br />

em vida do usufruto reservado para o marido da<br />

doadora. Não se discute, evidentemente, a<br />

possibilidade de esta reservar o usufruto para o<br />

marido que, recorde-se, não é dono <strong>dos</strong> prédios<br />

doa<strong>dos</strong>. Esta reserva de usufruto constitui uma<br />

verdadeira doação. Escrevem PIRES DE LIMA e<br />

ANTUNES VARELA, ob. Cit., vol <strong>II</strong>, pp 283: “A<br />

reserva de usufruto para terceiro constitui uma<br />

segunda doação ao lado da que é feita ao<br />

beneficiário da propriedade, necessitando de ser<br />

aceite em vida do doador, segundo a regra geral<br />

do nº 1 do artº 945º”<br />

Todavia, é preciso não esquecer que se trata,<br />

neste caso, de uma doação entre casa<strong>dos</strong>, prevista<br />

e regulada nos art. 1761º e seg. do Código Civil. E<br />

se esta doação, em si mesma, é admissível, nada<br />

existindo na lei que a impeça, já o mesmo não se<br />

pode dizer quanto à possibilidade de esse usufruto<br />

reservado (doado) ser objecto da partilha em vida.<br />

Isto porque a transmissão <strong>dos</strong> bens doa<strong>dos</strong>partilha<strong>dos</strong><br />

em vida é imediata e definitiva, o que<br />

vem colidir frontalmente com o disposto no nº 1<br />

do artº 1765º do Código Civil, que determina: “As<br />

doações entre casa<strong>dos</strong> podem a todo o tempo ser<br />

revogadas pelo doador, sem que lhe seja lícito<br />

renunciar a esse direito”.<br />

Finalmente, não nos parece que a forma do<br />

acto seja a mais adequada à de uma partilha em<br />

vida, pois que nesta não existe a fase de<br />

“adjudicação” <strong>dos</strong> bens aos herdeiros, como se<br />

verifica na tradicional partilha por morte.<br />

A “partilha em vida” é um acto complexo<br />

mas unitário, não se tratando (como parece resultar<br />

do título) de uma doação seguida de partilha. Feita<br />

a doação ou doações, com a consequente aceitação<br />

por parte de to<strong>dos</strong> os presumi<strong>dos</strong> herdeiros<br />

legitimários, está feita também a conferência e<br />

partilha, incluindo-se nesta o montante das tornas,<br />

se as houver, consoante os valores encontra<strong>dos</strong><br />

para as quotas de cada donatário.<br />

10. Resulta do que se expôs que entendemos<br />

não ser nula a transmissão <strong>dos</strong> prédios objecto<br />

desta partilha em vida, nomeadamente a descrição<br />

01088 da freguesia de ..., que interessa a estes<br />

autos. Com a doação, e aceitação pelos presumi<strong>dos</strong><br />

herdeiros legitimários, estes prédios foram<br />

imediata e definitivamente transmiti<strong>dos</strong> para a<br />

esfera jurídica <strong>dos</strong> respectivos donatários.<br />

Todavia, como a partilha em vida só pode ter por<br />

objecto bens doa<strong>dos</strong> por conta da quota<br />

indisponível, por um lado, e, por outro, não pode<br />

abranger bens doa<strong>dos</strong> segundo o regime de<br />

doações entre casa<strong>dos</strong>, a nulidade reside, sim, na<br />

conferência feita na escritura, o que demanda a<br />

rectificação de ambas.<br />

Por esta razão, e reportando-nos agora ao<br />

prédio <strong>dos</strong> autos, não parece que o seu registo de<br />

aquisição possa ser definitivo, mesmo admitindo-<br />

-se a validade e eficácia da transmissão por virtude<br />

da doação. Considerada a necessidade de<br />

rectificação do título que lhe serve de suporte, tal<br />

registo deve ser lavrado como provisório por<br />

dúvidas, condicionado que está, digamos, à feitura<br />

de tal rectificação.<br />

Assim sendo, pensamos que deve ser<br />

mantida a qualificação do pedido de registo como<br />

provisório por dúvidas, devendo ainda a Senhora<br />

Conservadora rectificar a inscrição do usufruto F1,<br />

para nela incluir a usufrutuária Laurinda (sendo o<br />

usufruto por inteiro até à morte do último que<br />

sobreviver), com alteração da causa para reserva<br />

na doação.<br />

11. Decorre do que se escreveu que somos<br />

do parecer que o recurso não merece provimento,<br />

extraindo-se as seguintes<br />

Conclusões<br />

I – A “partilha em vida”, prevista no artº 2029º<br />

do Código Civil, é uma forma especial de<br />

doação, feita a favor <strong>dos</strong> presumíveis herdeiros<br />

legitimários do doador, e incide sobre bens<br />

determina<strong>dos</strong>, considerando-se tais bens


Nº 4/2005 – Maio/Junho/Julho 2005 5<br />

conferi<strong>dos</strong> e partilha<strong>dos</strong> entre os donatários<br />

com a aceitação da doação ou doações e<br />

apuramento de eventuais tornas.<br />

<strong>II</strong>- Não existe na “partilha em vida” o espírito<br />

de liberalidade presente nas doações em geral,<br />

pelo que não podem ser, para esse efeito,<br />

doa<strong>dos</strong> bens por conta da quota disponível do<br />

doador.<br />

<strong>II</strong>I – Considerando que os bens doa<strong>dos</strong>partilha<strong>dos</strong><br />

em vida são, por força desta<br />

doação, imediata e definitivamente transmiti<strong>dos</strong><br />

para os donatários, não podem ser seu objecto<br />

bens doa<strong>dos</strong> segundo o regime das doações<br />

entre casa<strong>dos</strong>, porque a tal se opõe o disposto<br />

no artº 1765º nº 1 do Código Civil.<br />

IV – Considerando que a partilha em vida,<br />

sendo embora um acto complexo, tem como<br />

suporte uma doação que, esta sim,<br />

verdadeiramente produz o efeito real da<br />

transmissão do direito que as tábuas acolhem,<br />

será de lavrar como provisório por dúvidas o<br />

registo de aquisição, no caso a que se referem as<br />

conclusões anteriores, na expectativa de que as<br />

partes acordem entretanto na modificação do<br />

contrato para o conformar à lei.<br />

Este parecer foi aprovado em sessão do<br />

Conselho Técnico da Direcção-Geral <strong>dos</strong> <strong>Registos</strong><br />

e do <strong>Notariado</strong> de 28.04.2005.<br />

Luís Carlos Calado de Avelar Nobre, relator,<br />

Maria Eugénia Cruz Pires <strong>dos</strong> Reis Moreira, João<br />

Guimarães Gomes de Bastos, José Joaquim<br />

Carvalho Botelho, César Gomes, Vitorino Martins<br />

de Oliveira.<br />

Este parecer foi homologado por despacho<br />

do Director-Geral de 03.05.2005.<br />

Proc. nº R.P. 235/2004 DSJ-CT – Aquisição de<br />

1/3 de determinado prédio com base em<br />

sentença que homologou a transacção – Registo<br />

Autónomo – Comprovação do pagamento do<br />

IMT.<br />

Registo a qualificar: Aquisição a favor do<br />

ora recorrente de 1/3 do prédio descrito na ficha<br />

nº 856, da freguesia de …, requisitado pela Ap. 45,<br />

de 9 de Junho de 2004.<br />

Relatório:<br />

A. Na Conservatória recorrida o prédio da<br />

ficha nº 856 – ... tem a seguinte identificação:<br />

Misto, com a área total de 1.360m2, composto de<br />

casa de rés do chão e 1º andar com 41m2,<br />

dependência com 88m2 e logradouro com 517m2,<br />

inscrito na matriz sob o artigo urbano 551, e de<br />

pinhal com 720m2, inscrito na matriz sob o artigo<br />

rústico 154 Secção H, a confrontar do norte com<br />

Emília RC e António F, sul com serventia,<br />

nascente com estrada municipal e poente com<br />

Filipe JR.<br />

Sobre o identificado prédio existem em vigor<br />

uma inscrição de aquisição de 1/3 a favor de José<br />

TPC, c.c. Maria Palmira GMC, na comunhão de<br />

adquiri<strong>dos</strong>, como bem próprio (insc. G-2), uma<br />

inscrição de aquisição de 2/3 a favor do ora<br />

recorrente, c.c. Maria Leonor BSM, na comunhão<br />

geral (insc. G-3), e uma acção instaurada pelo ora<br />

recorrente e mulher (titulares inscritos de G-3)<br />

contra José T (titular inscrito de G-2) e mulher,<br />

com pedi<strong>dos</strong> de reconhecimento de que o 1/3 da<br />

propriedade a que os RR. têm direito corresponde<br />

à área de 141,60m2, lote B, da divisão matricial<br />

feita em 1972, e de divisão de coisa comum nos<br />

precisos termos em que a mesma foi efectuada em<br />

1972 e exercida ao longo destes anos (insc. F-1).<br />

Na acção com processo ordinário nº<br />

365/2001, da 2ª Vara de Competência Mista de …<br />

(que presumimos ser a acção inscrita no registo<br />

predial em F-1), em conciliação obtida pelo Mmo<br />

Juiz AA. e RR. transigiram sobre o objecto da<br />

causa. Consta inter allia da acta de audiência<br />

preliminar que os RR. José T e mulher “cedem um<br />

terço indiviso do prédio misto descrito na 1ª<br />

Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº<br />

00856 da freguesia de ..., concelho de ..., pelo<br />

valor total de 82.301,65 €, aos Autores António<br />

LVM e Maria Leonor BSM” (1º), que “o preço<br />

será pago no prazo de 30 dias …” (2º), que “os<br />

Réus entregarão devoluto o edifício, onde funciona<br />

a oficina, que ocupam na propriedade, no prazo de<br />

60 dias” (3º), e que “os Réus mantêm o


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arrendamento da parte habitacional que ocupam (a<br />

que corresponde o nº de polícia 111 – 1º andar) até<br />

31 de Dezembro de 2004” (4º).<br />

A transacção foi homologada por sentença<br />

proferida na mesma audiência preliminar de 6 de<br />

Janeiro de 2004, transitada em julgado em 23 do<br />

mesmo mês e ano, na qual se condenou “a parte a<br />

cumpri-la nos seus precisos termos, em<br />

conformidade com o disposto nos arts. 293º, nº 2,<br />

294º e 300º to<strong>dos</strong> do C.P.C.”.<br />

Com base em certidão judicial com o teor da<br />

acta de audiência donde consta a transacção e a<br />

sentença homologatória requisitou-se (Ap. 45, de 9<br />

de Junho de 2004) o registo de aquisição de 1/3 do<br />

prédio da ficha nº 856 – ....<br />

Prestou-se, porém, a seguinte declaração<br />

complementar:<br />

«O referido prédio é actualmente urbano e<br />

compõe-se de:<br />

a) Casa de rés do chão e 1º andar com<br />

141,60m2, inscrito sob o artigo 551, com o valor<br />

patrimonial de 15.242,28 €;<br />

b) Casa de rés do chão composta de la<strong>dos</strong><br />

esquerdo e direito com 80,25m2, arrecadação com<br />

25,20m2 e logradouro com 614,55m2, inscrito sob<br />

o artigo 1304, com o valor patrimonial de<br />

5.758,13 €;<br />

c) Casa de rés do chão e 1º andar com<br />

100m2, dependência com 35m2 e logradouro com<br />

363,40m2, inscrito sob o artigo 1305, com o valor<br />

patrimonial de 11.250,19 €.<br />

Mantém as confrontações constantes da<br />

descrição».<br />

O pedido de registo foi ainda instruído com<br />

as cadernetas prediais <strong>dos</strong> artigos urbanos 551,<br />

1304 e 1305, com duplicado do pedido de<br />

eliminação do artigo rústico 154 Secção H –<br />

“porquanto toda a sua área constitui os prédios<br />

urbanos inscritos na matriz sob os artigos 551,<br />

1304 e 1305” -, apresentado no Serviço de<br />

Finanças respectivo em 25.05.2004, e com o<br />

documento de cobrança de IMT liquidado e pago<br />

em 25.03.2004.<br />

B. O registo peticionado foi recusado em<br />

extenso despacho de qualificação.<br />

Fundamenta o Senhor Conservador a recusa<br />

no facto de haver contradição entre o objecto da<br />

transacção – o prédio misto com a descrição do<br />

registo predial – e o prédio que se pretende registar<br />

– o prédio urbano com a identificação que lhe foi<br />

dada na declaração complementar -, sendo certo<br />

que to<strong>dos</strong> os edifícios já tinham existência à data<br />

da transacção e que no documento do IMT foram<br />

menciona<strong>dos</strong> os três artigos urbanos e o artigo<br />

rústico, pelo que “quando por falta, contradição ou<br />

obscuridade <strong>dos</strong> elementos forneci<strong>dos</strong> pelo<br />

processo registral não for possível identificar com<br />

um mínimo de consistência o prédio objecto da<br />

respectiva relação jurídica, será o registo recusado<br />

nos termos <strong>dos</strong> artigos 68º e 69º nº 2, do Código<br />

do Registo Predial”.<br />

Sustenta ainda o Senhor Conservador que in<br />

casu a transacção tem efeitos meramente<br />

obrigacionais, “sendo seu objecto o compromisso<br />

reciprocamente aceite de os Réus cederem aos<br />

Autores um terço indiviso do prédio misto, pelo<br />

referido valor”, pelo que a transacção carece de<br />

escritura pública (art. 875º, C.C.), louvando-se a<br />

recusa, nesta vertente, nos art.s 68º e 69º, nº 1, d),<br />

do C.R.P.<br />

Mas outros motivos, agora de provisoriedade,<br />

invoca o recorrido. Desde logo, o registo da<br />

acção em vigor determinaria a provisoriedade por<br />

natureza (art. 92º, nº 2, b)) do registo peticionado.<br />

De provisoriedade por dúvidas elenca a<br />

seguinte motivação:- AA. e RR. não se acham<br />

identifica<strong>dos</strong> pelo respectivo estado civil e regime<br />

de bens, no caso de serem casa<strong>dos</strong> [art.s 44º, nº 1,<br />

a), e 93º, nº 1, e), do C.R.P.], e o prédio não está<br />

completamente identificado [art.s 30º e 44º, nº 1,<br />

b), do C.R.P.];- “do título não constam os valores<br />

atribuí<strong>dos</strong> a cada um <strong>dos</strong> prédios que compõem a<br />

descrição predial, de modo a poder ser efectuada<br />

uma correcta liquidação fiscal, mas apenas o seu<br />

valor global”;- “o acto não se acha instruído com<br />

as necessárias licenças de utilização, nos termos do<br />

artigo 1º do Decreto-Lei nº 281/99, de 26/07/1999,<br />

com as necessárias adaptações”;- “por divergência<br />

na área do prédio inscrito na matriz sob o artigo<br />

551, entre a descrição predial e a matriz, não sendo<br />

esclarecida tal divergência”;- e “por do título<br />

constar no artigo 3º do acordo que existe uma<br />

oficina, enquanto que da guia para pagamento do<br />

IMT se verificar que to<strong>dos</strong> os imóveis são<br />

habitacionais, o que conduziu à isenção do referido<br />

imposto, quando, na realidade, no prédio inscrito<br />

na matriz sob o artigo 1305 a dependência com a


Nº 4/2005 – Maio/Junho/Julho 2005 7<br />

área de 35m2 se destina a oficina e como tal<br />

deveria ser tributada, situação que careceria de<br />

esclarecimento quer em sede de descrição quer em<br />

sede fiscal”.<br />

C. O recurso do despacho de qualificação<br />

assenta basicamente na seguinte argumentação:<br />

a) Foi sobre o prédio descrito sob o nº 856 –<br />

... e não sobre outro que se pretendeu registar o<br />

acto de aquisição de um terço indiviso decidido<br />

por sentença judicial, e é sobre este prédio que<br />

estava registada a acção que foi objecto de<br />

transacção homologada;<br />

b) “Uma decisão judicial transitada em<br />

julgado é meio bastante para aquisição de um terço<br />

indiviso de uma propriedade não podendo – salvo<br />

melhor opinião – o detentor do poder registral pôr<br />

em causa o objecto dessa sentença transitada em<br />

julgado que sendo soberana se impõe entre as<br />

partes e na ordem jurídica sem necessidade de<br />

quaisquer outros actos posteriores das partes”<br />

(cita-se a propósito o art. 1316º do Cód. Civil);<br />

c) A inscrição F-1 perde objecto, porquanto<br />

o processo foi resolvido por transacção judicial;<br />

d) Da certidão judicial constam to<strong>dos</strong> os<br />

elementos necessários para efectuar o registo<br />

porquanto tais elementos já figuravam na ficha;<br />

e) Inexiste preceito legal que obrigue à<br />

discriminação das partes constituintes do prédio<br />

objecto da transacção;<br />

f) Não são necessárias as licenças de<br />

utilização, porquanto “a discriminação matricial é<br />

anterior à legislação que obrigou à sua exibição ou<br />

obtenção”;<br />

g) Não existe qualquer divergência de área<br />

do artigo urbano 551 entre a descrição predial e a<br />

matriz;<br />

h) Aquilo que foi transmitido foi uma<br />

garagem que é bem habitacional e como tal foi<br />

devidamente declarado para efeitos de IMT.<br />

D. O Senhor Conservador recorrido<br />

sustentou a qualificação do registo em despacho<br />

cujos termos aqui se dão por integralmente<br />

reproduzi<strong>dos</strong>.<br />

O processo é o próprio, as partes são<br />

legítimas, o recurso é tempestivo, e inexistem<br />

questões prévias ou prejudiciais que obstem ao<br />

conhecimento do mérito.<br />

Fundamentação:<br />

1- Como é consabido, o nosso sistema de<br />

registo predial é um sistema de base real, que<br />

assenta no prédio. Natural, pois, que a identidade<br />

do prédio seja uma preocupação do sistema, cuja<br />

tarefa o princípio da legalidade comete ao<br />

conservador na qualificação do pedido de registo<br />

(cfr. art. 68º, C.R.P.).<br />

A identidade do prédio é, assim, uma das<br />

vertentes em que se desdobra o princípio da<br />

legalidade. Mas importa acentuar que a identidade<br />

do prédio – ou seja, o reconhecimento da sua<br />

autenticidade – pode sofrer no processo registal<br />

desvios mais ou menos acentua<strong>dos</strong>, e, por isso, não<br />

deve ser sempre a mesma a atitude qualificadora<br />

do pedido de registo de facto de que aquele prédio<br />

seja objecto.<br />

Julgamos que tudo gira à volta da<br />

interpretação da norma do art. 70º do C.R.P. O<br />

registo deve ser feito provisoriamente por dúvidas<br />

quando exista motivo que, não sendo fundamento<br />

de recusa, obste ao registo do acto tal como é<br />

pedido. Catarino Nunes 1 , em face da norma<br />

paralela do Código de 1967 (art. 244º), sustentava<br />

que o conservador só devia recusar o registo a) se<br />

lhe fosse impossível, por falta de elementos, lavrálo,<br />

ao menos, provisoriamente, e b) se o acto fosse<br />

insusceptível do regime de provisoriedade. E,<br />

procurando responder à pergunta: quando é que<br />

pode afirmar-se haver falta de elementos?,<br />

sustentava que «impera, aqui, o bom senso<br />

jurídico», defendendo que «à inscrição, ao<br />

averbamento ou à descrição podem faltar<br />

elementos, mesmo essenciais, se os primeiros<br />

forem lavra<strong>dos</strong> provisoriamente; contanto que<br />

tenham um mínimo de entendimento».<br />

Cremos que esta tem sido, no essencial, a<br />

posição adoptada por este Conselho. A título<br />

meramente exemplificativo, citamos o parecer<br />

emitido no Pº R.P. 197/2000 DSJ-CT 2 , onde se<br />

sustentou que «a incerteza do objecto da relação<br />

1 -In Código do Registo Predial anotado, 1968, págs. 487 e<br />

segs.<br />

2 - In BRN nº 1/2001, págs. 55 e segs.


Nº 4/2005 – Maio/Junho/Julho 2005 8<br />

jurídica a que o facto registando se refere tanto<br />

poderá motivar a recusa do registo como a sua<br />

feitura como provisório por dúvidas. Depende do<br />

grau e da extensão dessa incerteza, tendo sempre<br />

em vista a publicidade da situação jurídica <strong>dos</strong><br />

prédios». Concluindo-se (conclusão 2ª) que o<br />

registo (no caso, registo de acção) deverá ser<br />

recusado nos termos do º 2 do art. 69º do C.R.P. se<br />

se verificarem omissões ou inexactidões de que<br />

resulte incerteza acerca do objecto da relação<br />

jurídica registanda.<br />

Já no Pº R.P. 146/2002 DSJ-CT 3 concluímos<br />

que «a verificação da identidade do prédio é<br />

imposta ao conservador pelo princípio da<br />

legalidade consagrado no art. 68º do C.R.P.,<br />

decorrendo aliás do nosso sistema de registo de<br />

base real, pelo que bem se justifica a qualificação<br />

do registo como provisório por dúvidas quando,<br />

relativamente aos prédios que dele são objecto<br />

mediato, a descrição, os títulos e a matriz<br />

enfermarem de contradições que coloquem em<br />

causa aquela identidade».<br />

Portanto, assentemos em que o registo só<br />

deverá ser recusado nos termos do nº 2 do art. 69º<br />

do C.R.P. quando o processo registal não permita a<br />

identificação do prédio objecto da relação jurídica<br />

registanda com um mínimo de entendimento ou<br />

consistência 4 .<br />

No caso <strong>dos</strong> autos, é inegável que o prédio<br />

que figura na transacção judicial é o prédio misto<br />

descrito na ficha nº 856 – ..., sendo certo que desta<br />

descrição predial figuram apenas os artigos 551<br />

urbano e 154 Secção H rústico.<br />

E é também indiscutível que o prédio objecto<br />

do pedido de registo é o prédio urbano (artigos<br />

551, 1304 e 1305) identificado na declaração<br />

complementar.<br />

Acontece que o processo registral prova<br />

exuberantemente que a única alteração que ocorreu<br />

após a transacção judicial foi o pedido de<br />

eliminação do artigo rústico 154 Secção H.<br />

Portanto, os edifícios correspondentes aos artigos<br />

3 - In BRN nº 3/2003, págs. 20 e segs.<br />

4 - Situamo-nos no plano da identidade do prédio. Outra será,<br />

evidentemente, a perspectiva quando o plano em que nos<br />

devemos situar é o da própria existência da coisa (cfr., a<br />

propósito, a deliberação tomada no Pº R.P. 125/2003 DSJ-<br />

CT, in BRN nº 8/2004, págs. 5 e segs.).<br />

urbanos 1304 e 1305 já existiam à data da<br />

transacção.<br />

O que vale por dizer que o advérbio<br />

“actualmente” empregado na declaração<br />

complementar só é verdadeiro quanto ao pedido de<br />

eliminação do artigo rústico, e não também quanto<br />

à implantação <strong>dos</strong> edifícios <strong>dos</strong> artigos urbanos<br />

1304 e 1305.<br />

Assim sendo, afigura-se-nos incontroverso<br />

que os edifícios em causa existiam no momento da<br />

transacção, pelo que, manifestamente, não poderão<br />

ser incluí<strong>dos</strong> na composição do prédio dela<br />

objecto, pela singela razão de o título ser<br />

completamente omisso a tal respeito.<br />

Ora, na medida em que é pretensão <strong>dos</strong><br />

interessa<strong>dos</strong> que o facto aquisitivo abranja tais<br />

edifícios, outra solução não restará que não seja a<br />

qualificação do registo como provisório por<br />

dúvidas, devendo a descrição predial ser<br />

actualizada de acordo com a pretensão <strong>dos</strong><br />

interessa<strong>dos</strong>, por anotação nos termos do art. 90º<br />

do C.R.P.<br />

O registo poderá vir a ser convertido<br />

mediante a comprovação da completação do título<br />

– que, a nosso ver, poderá revestir a forma<br />

extrajudicial da escritura pública (cfr. art. 1250º,<br />

ex vi do art. 875º, ambos do C.C.) – com os<br />

edifícios e respectivas inscrições matriciais.<br />

Mas, note-se, a completação do título não se<br />

deve limitar à menção <strong>dos</strong> edifícios e respectivas<br />

inscrições matriciais que não constam da descrição<br />

predial (artigos urbanos 1304 e 1305). Antes deve<br />

também mencionar expressamente os artigos que<br />

já constam da descrição predial (artigos 551<br />

urbano e 154 Secção H rústico). É que, a nosso<br />

ver, o sistema – melhor dizendo, a unidade do<br />

sistema jurídico – não concebe que <strong>dos</strong><br />

documentos notariais, processuais ou outros que<br />

contenham factos sujeitos a registo conste a<br />

descrição de prédios rústicos, urbanos ou mistos<br />

sem a indicação do número da respectiva inscrição<br />

na matriz ou, no caso de nela estarem omissos, a<br />

consignação da declaração de haver sido<br />

apresentada a participação para a sua inscrição,<br />

quando devida. Esta regra está expressamente<br />

prevista no art. 57º, nº 1, do Cód. do <strong>Notariado</strong>, e<br />

não pode deixar de ser aplicável aos documentos<br />

não notariais.


Nº 4/2005 – Maio/Junho/Julho 2005 9<br />

E não se contra-argumente que a validade da<br />

transacção, depois de homologada por sentença<br />

transitada em julgado, escapa ao poder de<br />

cognição do conservador, pelo que este não pode<br />

censurar a omissão no título das inscrições<br />

matriciais. Salvo o devido respeito, não é a<br />

validade da transacção que está em causa, mas<br />

apenas a regularidade formal do título, matéria em<br />

relação à qual o conservador é competente para<br />

apreciar.<br />

Noutra perspectiva, também se nos afigura<br />

que não é legítimo retirar da apontada omissão<br />

argumento para defender a eficácia meramente<br />

obrigacional da transacção. Como de seguida<br />

procuraremos demonstrar, os termos da transacção<br />

são de tal modo inequívocos que não nos parece<br />

sensato defender que o Mmo. Juiz só não exigiu a<br />

menção <strong>dos</strong> artigos matriciais porque a transacção<br />

tinha eficácia meramente obrigacional.<br />

2- Apreciemos, então, o segundo motivo de<br />

recusa do registo: a transacção tem efeito<br />

meramente obrigacional, pelo que o registo deve<br />

ser recusado (art. 69º, nº 1, d)).<br />

Existe uma patente contradição na<br />

fundamentação do despacho recorrido. É óbvio<br />

que a eficácia meramente obrigacional da<br />

transacção não pode determinar a recusa do registo<br />

por manifesta nulidade do facto. Se a transacção<br />

tem eficácia obrigacional, o facto não está sujeito a<br />

registo [art. 69º, nº 1, c), 2º segmento, do C.R.P.].<br />

Se é pedido o registo do facto enquanto facto<br />

gerador de eficácia real (como aliás foi pedido,<br />

requisitando-se a aquisição do direito de<br />

compropriedade), então a recusa radicará na al. b)<br />

do nº 1 do art. 69º do C.R.P. (é manifesto que o<br />

facto não está titulado nos documentos<br />

apresenta<strong>dos</strong>).<br />

Mas poder-se-á sustentar que in casu a<br />

transacção tem eficácia meramente obrigacional ?<br />

5<br />

Ainda recentemente foi relembrado o<br />

momento 6 em que este Conselho pela primeira vez<br />

admitiu a transacção judicial enquanto facto<br />

gerador de efeitos reais. Vale a pena reproduzir a<br />

conclusão 2ª: «Não é pela circunstância de a<br />

5 - Cfr. parecer emitido no Pº R.P. 237/2004 DSJ-CT, in BRN<br />

nº 1/2005, págs. 9 e segs.<br />

6 - Concretamente, o parecer emitido no Pº R.P. 26/97 DSJ-<br />

CT, in BRN nº 10/97, págs. 42 e segs.<br />

transacção revestir natureza judicial que ela perde<br />

o carácter de negócio jurídico com eficácia real».<br />

Poder-se-á afirmar que o recorrido não<br />

questiona esta posição. Apenas entenderá que no<br />

caso falta a eficácia real. Mas, neste plano, ainda<br />

mais incompreensível se nos afigura a sua tese,<br />

que, se bem ajuizamos, assenta no entendimento<br />

de que o objecto da transacção é o “compromisso<br />

reciprocamente aceite de os Réus cederem aos<br />

Autores um terço indiviso do prédio misto”. Ora,<br />

salvo o devido respeito, os termos da transacção<br />

não autorizam um tal entendimento. De acordo<br />

com o título, os RR. cedem aos AA. um terço<br />

indiviso do prédio por determinado preço que<br />

deverá ser pago em certo prazo. Nada mais claro e<br />

transparente quanto ao acordo de vontades firmado<br />

pelas partes, maxime no que toca ao efeito real –<br />

modificativo, pelo lado do sujeito, do direito de<br />

compropriedade – do contrato celebrado (cfr. art.<br />

408º, nº 1, C.C.).<br />

Neste ponto, afigura-se-nos que a posição do<br />

recorrido é insustentável.<br />

3- Do despacho de qualificação consta um<br />

extenso rol de motivos de provisoriedade (por<br />

natureza e por dúvidas) do registo peticionado.<br />

A ele nos vamos referir (não<br />

necessariamente pela mesma ordem), ainda que<br />

por forma sucinta.<br />

3.1- Resulta por forma espontânea <strong>dos</strong> art.s<br />

23º, 36º, nº 3, 37º, nº 2, e 50º, do CIMT (Anexo <strong>II</strong><br />

a que se refere o art. 2º, nº 2, do D.L. nº 287/2003,<br />

de 12 de Novembro) que nas transmissões<br />

operadas por transacção servem de base à<br />

liquidação os correspondentes instrumentos legais,<br />

devendo o imposto ser pago no prazo de 30 dias<br />

conta<strong>dos</strong> da sentença homologatória, provando-se<br />

o pagamento mediante a apresentação da<br />

declaração referida no art. 19º acompanhada do<br />

comprovativo da cobrança, e o registo definitivo<br />

do facto depende da comprovação do pagamento<br />

do imposto.<br />

O normativo transcrito basta-nos para<br />

afirmar que o documento de liquidação e cobrança<br />

do IMT apresentado não satisfaz as exigências


Nº 4/2005 – Maio/Junho/Julho 2005 10<br />

legais. Dele não resulta ter servido de base à<br />

liquidação a transacção <strong>dos</strong> autos 7 .<br />

Este é, a nosso ver, um motivo para que o<br />

registo não possa ser efectuado definitivamente.<br />

A liquidação do IMT é da exclusiva<br />

competência <strong>dos</strong> serviços tributários. E<br />

compreende-se que estes exijam a discriminação<br />

do preço pelos diversos artigos, com vista à<br />

aplicação das respectivas taxas (cfr. art. 17º, nº 1,<br />

do CIMT). Mas esta será uma exigência fiscal, e<br />

não uma exigência registral 8 .<br />

3.2- Conforme já assinalámos anteriormente,<br />

tudo aponta para que a transacção <strong>dos</strong> autos tenha<br />

sido efectuada na acção inscrita em F-1.<br />

A ser assim – e o recorrido bem poderá<br />

confirmar o facto -, a tese de que o registo da<br />

transacção deverá ser efectuado provisoriamente<br />

por dependência do registo provisório da acção<br />

(art. 92º, nº2, b)) causa-nos perplexidade.<br />

Como ainda recentemente afirmámos 9 , a<br />

transacção pode dar lugar a um cancelamento ou a<br />

uma “conversão” (o averbamento da decisão final),<br />

ou a um novo registo.<br />

No caso <strong>dos</strong> autos, a transacção dará lugar a<br />

um novo registo 10 .<br />

7 - Não está aqui em tabela apreciar se a declaração modelo 1<br />

e respectivos anexos I, <strong>II</strong> e <strong>II</strong>I para a liquidação do IMT,<br />

aprovada pela Portaria nº 1423-H/2003, de 31 de Dezembro,<br />

contempla as situações referidas no art. 23º do CIMT (a<br />

nosso ver não contempla). O que está em causa é que o<br />

documento apresentado não comprova (antes pelo contrário,<br />

sugere que se trata de uma liquidação “pré-contratual”) que<br />

serviu de base à liquidação a transacção <strong>dos</strong> autos. Sendo<br />

certo que o registo definitivo depende dessa comprovação.<br />

8 - Não podemos, assim, sufragar a posição do recorrido nesta<br />

matéria.<br />

Aliás, a este propósito, o recorrido faz uma afirmação<br />

(“prédios que compõem a descrição predial”) que não pode<br />

deixar de merecer a nossa discordância de fundo (cfr. art.<br />

79º, nº 2, do C.R.P.: «De cada prédio é feita uma descrição<br />

distinta»). Portanto, uma descrição predial não pode abranger<br />

mais do que um prédio.<br />

9 - Cfr. parecer citado na nota (5), 2, 2º ponto, pág. 13.<br />

10 - Como tem sido entendimento deste Conselho, a sentença<br />

homologatória da transacção é considerada, nos termos e<br />

para os efeitos do art. 3º, nº 1, c), do C.R.P., uma decisão,<br />

desde que a transacção se contenha no âmbito do pedido (o<br />

que manifestamente não é o caso <strong>dos</strong> autos). Cfr. parecer<br />

emitido nos Pºs 109/97 e 110/97 DSJ-CT, in BRN nº 4/98,<br />

págs. 22 e segs., e parecer emitido no Pº R.P. 22/2000 DSJ-<br />

CT, in BRN nº 8/2000, pág. 5.<br />

A questão que (pela primeira vez, se bem<br />

ajuizamos) se coloca é a de saber o que fazer ao<br />

registo da acção enquanto este não caducar.<br />

Será legítimo exigir o cancelamento deste<br />

registo com base em decisão, transitada em<br />

julgado, que julgue extinta a instância [cfr. art.s<br />

287º, d), do C.P.C., e 59º, nº 4, do C.R.P.], sob<br />

pena de o registo da transacção ser efectuado<br />

provisoriamente por dúvidas (ou por natureza,<br />

como pretende o recorrido) ?<br />

Ou será antes de entender que os efeitos do<br />

registo da acção se transferem para o registo da<br />

“transacção” (art. 10º, C.R.P.), havendo apenas<br />

que trancar a cota de referência daquele registo<br />

(art. 79º, nº 4, C.R.P.)?<br />

A nosso ver, é esta última a posição acertada.<br />

Se a transacção dá lugar a um novo registo, não se<br />

justifica o cancelamento do registo da acção. Os<br />

efeitos do registo da acção transferem-se mediante<br />

o novo registo da “transacção”. É óbvio que os<br />

efeitos do registo da acção não têm que ser os<br />

mesmos efeitos do registo da “transacção” (se<br />

fossem, o que haveria a fazer era “converter” o<br />

registo da acção). O que se passa é que o registo da<br />

acção deixou de produzir efeitos, não por extinção,<br />

mas porque foi efectuado um registo cujos efeitos<br />

absorvem os efeitos daqueloutro registo.<br />

O regime da nulidade e anulabilidade da<br />

transacção não infirma, antes confirma, o que<br />

temos vindo a sustentar. Após o trânsito em<br />

julgado da sentença homologatória, a nulidade ou<br />

a anulabilidade da transacção poderão ser<br />

declaradas como os outros actos da mesma<br />

natureza (os negócios jurídicos), mas terá que ser<br />

intentada uma acção autónoma (cfr. art. 301º, nº 2,<br />

C.P.C.) – que está sujeita a registo (cfr. art. 3º, nº<br />

1, a), C.R.P.) -, devendo, se tal acção for julgada<br />

procedente, ser seguida de recurso de revisão<br />

contra a sentença homologatória da transacção<br />

para destruir os efeitos desta sentença [cfr. art.<br />

771º, d), do C.P.C.] 11 .<br />

11 - Não está aqui em tabela a questão de saber se o<br />

cancelamento do registo da transacção poderá ser efectuado<br />

apenas com base na decisão, transitada em julgado, que<br />

julgue procedente a impugnação do acto das partes ou<br />

carecerá também da comprovação da procedência da<br />

impugnação do acto jurisdicional da homologação. Mas<br />

sempre diremos que se nos afigura líquido que para o<br />

cancelamento do registo da transacção basta a primeira


Nº 4/2005 – Maio/Junho/Julho 2005 11<br />

Portanto, não cremos que faça sentido exigirse<br />

no caso o cancelamento do registo provisório da<br />

acção por extinção da instância 12 .<br />

3.3- Como já referimos anteriormente, do<br />

título aquisitivo não constam os artigos, incluindo<br />

os urbanos, do prédio objecto da transacção. Mas,<br />

a nosso ver, devem dele constar expressamente. E<br />

daí que nos tenhamos pronunciado pela<br />

necessidade de completação do título, por via<br />

judicial ou extrajudicial.<br />

Assim sendo, a questão levantada pelo<br />

recorrido – saber se a disciplina do D.L. nº<br />

281/99, de 26 de Julho, se aplica à transmissão de<br />

quota de prédio urbano a favor do comproprietário<br />

da parte restante – deverá ser resolvida em<br />

primeira linha pelo titulador. Entendemos,<br />

portanto, que nesta fase a pronúncia deste<br />

Conselho sobre o ponto poderia constituir uma<br />

ingerência ilegítima na esfera de actuação do<br />

titulador.<br />

3.4- A restante motivação da qualificação<br />

minguante do pedido de registo não nos parece<br />

pertinente.<br />

Os sujeitos activos e passivos da relação<br />

processual estão devidamente identifica<strong>dos</strong> no<br />

processo e no registo do processo (insistimos em<br />

que partimos do pressuposto de que se trata da<br />

mesma acção), pelo que não compreendemos a<br />

exigência do recorrido.<br />

O antigo logradouro do artigo urbano 551<br />

(517m2) mais a área do artigo rústico (720m2)<br />

foram absorvi<strong>dos</strong> pelas áreas cobertas e<br />

descobertas <strong>dos</strong> artigos urbanos 1304 (720m2) e<br />

1305 (498,40m2) e pelo aumento da área coberta<br />

do artigo urbano 551 (12,60m2). Faltam 6m2, mas<br />

tal diferença já consta da descrição predial (a área<br />

total – 1360m2 – é inferior em 6m2 à soma das<br />

áreas parcelares).<br />

Neste ponto, portanto, a declaração<br />

complementar e os documentos matriciais são<br />

perfeitamente compatíveis, pelo que a posição do<br />

recorrido não se compreende.<br />

Finalmente, o recorrido implica com a<br />

oficina que constitui dependência do edifício<br />

inscrito na matriz sob o artigo urbano 1305.<br />

O que pretende verdadeiramente? Que um<br />

prédio destinado à habitação não pode ter uma<br />

dependência afecta à indústria doméstica? Claro<br />

que, se é isso, não podemos concordar. A<br />

descrição predial é, a nosso ver, perfeitamente<br />

compatível com a implantação de edifícios com<br />

distinta afectação. E mesmo do ponto de vista<br />

estritamente fiscal não duvidamos que um prédio<br />

urbano habitacional – que tem como destino<br />

“normal” a habitação [cfr. art. 6º, nº 1, c), e nº 2,<br />

do CIMI – Anexo I a que se refere o art. 2º, nº 1,<br />

do já citado D.L. nº 287/2003] – pode ter uma<br />

dependência afecta à indústria doméstica.<br />

Ou pretenderá o recorrido tão somente<br />

censurar o acto de liquidação do IMT ? Se é isso,<br />

está manifestamente a intrometer-se em matéria<br />

sobre que não tem competência.<br />

4- Nos termos expostos, somos de parecer<br />

que o recurso merece provimento parcial, devendo<br />

o registo peticionado ser efectuado provisoriamente<br />

por dúvidas, anotando-se à descrição a<br />

identificação do prédio que consta da declaração<br />

complementar.<br />

Em consonância, firmam-se as seguintes<br />

Conclusões<br />

I - O registo só deverá ser recusado nos termos<br />

do nº 2 do art. 69º do C.R.P. quando o processo<br />

registral não permitir a identificação do prédio<br />

objecto da relação jurídica registanda com um<br />

mínimo de entendimento ou consistência.<br />

decisão. Mas já assim não será quando a transacção dá lugar<br />

a um averbamento (de decisão final) à inscrição da acção.<br />

Não nos vamos alongar sobre a matéria (temos consciência<br />

de que nos estamos a afastar do thema decidendum).<br />

12 - A publicidade registral ficará completamente assegurada<br />

se no extracto da inscrição de aquisição se mencionar como<br />

causa: transacção efectuada na acção inscrita em F-1.<br />

<strong>II</strong> - A unidade do sistema jurídico não concebe<br />

que <strong>dos</strong> documentos notariais, processuais ou<br />

outros que contenham factos sujeitos a registo<br />

conste a descrição de prédios rústicos, urbanos<br />

ou mistos sem a indicação do número da


Nº 4/2005 – Maio/Junho/Julho 2005 12<br />

respectiva inscrição matricial ou, no caso de<br />

nela estarem omissos, a consignação da<br />

declaração de haver sido apresentada a<br />

participação para a sua inscrição, quando<br />

devida, sendo certo que esta regra está<br />

expressamente consagrada no art. 57º, nº 1, do<br />

Cód. do <strong>Notariado</strong>.<br />

<strong>II</strong>I- O registo definitivo da transacção que<br />

importe a transmissão do direito de<br />

propriedade sobre imóvel depende da<br />

comprovação do pagamento do IMT liquidado<br />

com base naquele instrumento legal.<br />

Este parecer foi homologado por despacho<br />

do Director-Geral de 03.05.2005.<br />

Proc. nº R. Co. 51/2004 DSJ-CT – Constituição<br />

de usufruto, por doação, sobre quota ainda<br />

inexistente porque ainda não se encontra<br />

constituída a sociedade comercial por quotas<br />

respectiva – Documento particular – Registo –<br />

Recusa por manifesta nulidade do facto – Artº<br />

48. nº 1, al. d) C.R.Com.<br />

IV - A violação das regras ínsitas nas duas<br />

últimas conclusões anteriores conduz ao registo<br />

provisório por dúvidas do respectivo facto.<br />

V - A transacção judicial é um facto susceptível<br />

de gerar eficácia real, e terá seguramente esta<br />

eficácia quando <strong>dos</strong> seus termos resulta que<br />

uma das partes cede à outra um direito real<br />

sobre imóvel por determinado preço a pagar em<br />

certo prazo.<br />

VI - Quando a transacção judicial dá<br />

lugar a um registo autónomo – o que acontece<br />

quando a mesma não se contém no âmbito do<br />

pedido formulado na acção - os efeitos do<br />

registo provisório da acção transferem-se para<br />

o novo registo (definitivo) da “transacção”,<br />

devendo então ser simplesmente trancada a<br />

cota de referência daquele registo da acção.<br />

Este parecer foi aprovado em sessão do<br />

Conselho Técnico da Direcção-Geral <strong>dos</strong> <strong>Registos</strong><br />

e do <strong>Notariado</strong> de 28.04.2005.<br />

João Guimarães Gomes de Bastos, relator,<br />

Luís Carlos Calado de Avelar Nobre, Maria<br />

Eugénia Cruz Pires <strong>dos</strong> Reis Moreira, Vitorino<br />

Martins de Oliveira,<br />

Registo a qualificar: “Registo de constituição de<br />

usufruto do direito correspondente à totalidade da<br />

participação social do Sr. Armando VA, constante<br />

de documento particular anterior à celebração do<br />

contrato de sociedade respectivo, logo, não sujeito<br />

à celebração de escritura pública prévia, nos<br />

termos do nº 1 do art. 23º do C.S. Comerciais,<br />

sendo usufrutuário o Sr. Vítor MSA”, requisitado<br />

pela Ap.63, de 5 de Abril de 2004, sobre a<br />

sociedade …, Ldª, matriculada sob o nº 8521 – … .<br />

Relatório:<br />

A. Por “Contrato de Constituição de Direito<br />

de Usufruto” titulado por escrito particular de 2 de<br />

Setembro de 1993, cujo conteúdo aqui se dá por<br />

integralmente reproduzido, Armando VA<br />

(Primeiro Contraente), fundando a sua<br />

legitimidade na circunstância de que “(…) será o<br />

único e legítimo proprietário e titular de uma quota<br />

social ou participação social representativa, em<br />

percentagem a definir na respectiva escritura<br />

pública de constituição, do capital social da<br />

sociedade comercial a constituir e que exercerá a<br />

sua actividade comercial no âmbito do ensino da<br />

condução de veículos motoriza<strong>dos</strong> e terá a firma<br />

…, Limitada”, que até ali vinha sendo por si<br />

exercida em nome individual (cfr. cláusula 1ª e seu<br />

§ 1º), constituíu em favor de Vítor MSA (Segundo<br />

Contraente) “o usufruto do direito correspondente<br />

à totalidade da participação social de que vier a ser<br />

titular na sociedade comercial por quotas<br />

constituenda (…)”.


Nº 4/2005 – Maio/Junho/Julho 2005 13<br />

De acordo com a cláusula 3ª do contrato “o<br />

usufruto ora contratado determinará, a partir da<br />

data da constituição da sociedade referida e da<br />

consequente concretização da quota de<br />

participação social efectiva de que nela vier a ser<br />

titular o Primeiro Contraente, a transmissão do<br />

correspondente direito ou do direito que constituir<br />

o seu objecto para a esfera jurídica do Segundo<br />

Contraente, a título vitalício, reservando o<br />

Primeiro Contraente para si a nua-propriedade da<br />

participação social que se mostre existir a partir da<br />

acima indicada data”.<br />

Consta da cláusula 4ª que “para to<strong>dos</strong> os<br />

efeitos, concretiza o Primeiro Contraente que o<br />

que expressamente deseja é a transmissão gratuita<br />

para o Segundo Contraente do direito de usufruto<br />

sobre a quota ou participação social de que vier a<br />

ser titular no capital social da sociedade<br />

constituenda, logo a presente constituição de<br />

usufruto em benefício do Segundo Contraente é<br />

realizada a título gratuito”.<br />

O § 6º da cláusula 6ª dispõe: “Fica<br />

expressamente entendido, para to<strong>dos</strong> os efeitos,<br />

que nos termos do pacto social da sociedade<br />

constituenda e com o apoio na lei, não dependerá<br />

de deliberação <strong>dos</strong> sócios a constituição do direito<br />

de usufruto aqui contratada”.<br />

Na cláusula 13ª os contraentes expressamente<br />

reiteram que a produção <strong>dos</strong> efeitos do<br />

contrato “se reportará à data da constituição da<br />

mencionada sociedade e na condição de a quota ou<br />

participação social referida se tornar existente e na<br />

medida em que esta vier a integrar o património ou<br />

esfera do Primeiro Contraente”.<br />

B. Entretanto 1 foi celebrado o contrato de<br />

sociedade com a firma …, Limitada, e este<br />

submetido a registo comercial em 15 de Dezembro<br />

de 1993, de que resultou a matrícula nº 8521 – … .<br />

No capital social de 2 000 000$00, o sócio<br />

Armando VA subscreveu uma quota do valor<br />

nominal de 1 670 000$00 (€ 8 329,92).<br />

C. Foi o apontado contrato de constituição de<br />

direito de usufruto que serviu de base ao registo<br />

1 - Em 21 de Outubro do mesmo ano de 1993, segundo refere<br />

a recorrente, sendo certo que <strong>dos</strong> autos não consta a<br />

respectiva escritura pública.<br />

peticionado cuja qualificação foi objecto de<br />

impugnação.<br />

A qualificação foi a recusa, assente na<br />

seguinte fundamentação: “Recusada (…) por falta<br />

de título. O documento junto é apenas um<br />

documento particular, a constituição de usufruto<br />

está sujeita à forma necessária para a transmissão<br />

da quota. É um documento particular, vale entre as<br />

partes. Fundamenta-se no art. 80º C.N., art. 3º al.<br />

f), 47º e 48º, nº 1, al. b), do Código do Registo<br />

Comercial (…)”.<br />

Da qualificação foi interposta reclamação,<br />

cujos termos aqui se dão por integralmente<br />

reproduzi<strong>dos</strong>.<br />

D. Em despacho de sustentação da recusa, a<br />

Senhora Conservadora reclamada veio defender<br />

que “cabe definir, em primeiro lugar, qual o direito<br />

que o apresentante pretende registar”, porquanto,<br />

se o reclamante distingue entre, por um lado, o<br />

“usufruto sobre uma quota” e, por outro lado, o<br />

“usufruto sobre um eventual direito à quota”, só o<br />

“usufruto sobre uma quota” constitui facto sujeito<br />

a registo nos termos do art. 3º, nº 1, f), do CRCom.<br />

Aliás, adianta a reclamada, «o contrato destinado a<br />

constituir um “usufruto sobre um eventual direito<br />

à quota” ou ainda “sobre quotas ou participações<br />

sociais que inexistem” seria nulo por o seu<br />

objecto ser indeterminável (artigo 280º nº 1 do<br />

Código Civil)».<br />

Sustenta ainda a Senhora Conservadora que<br />

“a forma legal do contrato que tem por efeito a<br />

constituição de usufruto de quota (seja a causa<br />

deste a compra e venda, a doação ou cumpra o<br />

mesmo qualquer outra função económico-social) é<br />

a escritura pública (artigos 23º nº 1 e 228º do<br />

Código das Sociedades Comerciais e 80º do<br />

Código do <strong>Notariado</strong>). E que “a redacção do artigo<br />

23º nº 1 do Código das Sociedades Comerciais<br />

exprime tão só que a forma legal de escritura<br />

pública e as limitações da constituição do usufruto<br />

são idênticas quer este seja constituído em<br />

simultâneo, no próprio título do contrato de<br />

sociedade (sendo que ao tempo da entrada em<br />

vigor do Código o contrato de sociedade era sem<br />

excepções celebrado por escritura pública) ou<br />

posteriormente a este”.


Nº 4/2005 – Maio/Junho/Julho 2005 14<br />

Conclui que “a qualificação efectuada é a<br />

correcta face à inexistência de título para o acto<br />

submetido a registo”.<br />

E. Do despacho de sustentação foi interposto<br />

o presente recurso hierárquico, cujo extenso<br />

articulado aqui se dá por integralmente<br />

reproduzido.<br />

Nele se formularam as conclusões do teor<br />

seguinte:<br />

«1- O contrato de constituição de usufruto do<br />

direito em causa à participação social de que veio a<br />

ser titular, após a constituição da sociedade, o<br />

sócio Armando VA, não dependia de escritura<br />

pública e podia ser celebrado – como o foi e erga<br />

omnes – por documento particular;<br />

2- Tal negócio entre as partes constitui um<br />

contrato válido e eficaz, sendo registáveis e<br />

oponíveis erga omnes os factos respectivos,<br />

buscando a sua força no regime da doação previsto<br />

no Código Civil, este o mais consentâneo com a<br />

sua letra e com o seu espírito;<br />

3- Adicionalmente, o contrato foi celebrado<br />

antes da constituição da sociedade …, Ldª;<br />

4- Determinando a lei, no artigo 23º do<br />

Código das Sociedades Comerciais, que só após o<br />

contrato de sociedade as limitações de forma e<br />

outras exigidas para a transmissão de quotas ou<br />

participações sociais se aplicariam;<br />

5- Acresce que não se afigura ou afigurava a<br />

necessidade de celebração de qualquer escritura<br />

pública de constituição de usufruto sobre um<br />

eventual direito sobre uma participação social<br />

constituenda ou futura;<br />

6- Participação social essa que podia nem<br />

sequer ter vindo a ter existência jurídica, caso a<br />

sociedade não tivesse sido efectivamente<br />

constituída (como o veio a ser);<br />

7- O contrato destinado a constituir um<br />

usufruto sobre um eventual direito à quota ou,<br />

ainda, quotas ou participações sociais que<br />

inexistiam à data da sua celebração, não é nulo,<br />

uma vez que o seu objecto não era indeterminável,<br />

mas antes determinável, isto na medida e com o<br />

alcance conferi<strong>dos</strong> pelo pacto social que viesse a<br />

ser celebrado e registado;<br />

8- O contrato destinado a constituir um<br />

usufruto sobre um eventual direito à quota ou,<br />

ainda, quotas ou participações sociais que<br />

inexistiam à data da sua celebração, não é nulo<br />

porque, de facto, a sociedade em causa foi<br />

posteriormente constituída tendo ficado nessa<br />

altura determinado o seu objecto;<br />

9- O contrato destinado a constituir um<br />

usufruto sobre um eventual direito à quota ou,<br />

ainda, quotas ou participações sociais que<br />

inexistiam à data da sua celebração, não é nulo<br />

porque o seu objecto era possível;<br />

10- O contrato destinado a constituir um<br />

usufruto sobre um eventual direito à quota ou,<br />

ainda, quotas ou participações sociais que<br />

inexistiam à data da sua celebração, não é nulo<br />

porque se reportava a coisa futura que não estava<br />

em poder do disponente à altura da declaração<br />

negocial ou a que o disponente não tinha direito a<br />

esse tempo;<br />

11- A doação, regime jurídico que mais se<br />

adequa ao contrato de constituição de usufruto em<br />

análise, não pode abranger bens futuros, mas pode<br />

abranger direitos sobre coisas futuras, nos termos<br />

conjuga<strong>dos</strong> <strong>dos</strong> art.s 211º, 399º e 942º, to<strong>dos</strong> do<br />

Código Civil, pelo que o contrato referido deve ser<br />

registado para to<strong>dos</strong> os devi<strong>dos</strong> e legais efeitos;<br />

12- Pelo contrato de usufruto em apreço, o<br />

disponente Armando VA dispôs gratuitamente de<br />

um direito sobre quota ou participação social que<br />

não estava ao seu dispor aquando da sua<br />

declaração negocial, mas cuja disponibilidade<br />

podia vir a existir, logo dispôs de coisa (direito)<br />

futura, o que a lei lhe permitia (neste sentido, Vd.<br />

Pereira Coelho, Obrigações, 1967, 21, nota), não<br />

existindo nada na lei que obrigasse à celebração de<br />

escritura pública então, como hoje mesmo;<br />

13- Estas razões e estes fundamentos<br />

determinam a total procedência do presente<br />

recurso e a necessidade e legalidade de ser<br />

concedido por V. Exª [Director-Geral <strong>dos</strong> <strong>Registos</strong><br />

e do <strong>Notariado</strong>] justo deferimento ao registo do<br />

direito ao usufruto em causa sobre o direito à quota<br />

ou participação social que constitui o seu objecto».<br />

F. O processo é o próprio, as partes são<br />

legítimas, a recorrente está devidamente<br />

representada, o recurso é tempestivo, e inexistem<br />

questões prévias ou prejudiciais que obstem ao<br />

conhecimento do mérito.<br />

Fundamentação:


Nº 4/2005 – Maio/Junho/Julho 2005 15<br />

1- A primeira dificuldade com que nos<br />

deparamos no caso <strong>dos</strong> autos é interpretar o<br />

negócio jurídico que se pretende ver acolhido nas<br />

tábuas. Para atestar tal dificuldade invoca-se o<br />

próprio texto da petição de recurso, onde<br />

(conclusão 13ª) se pede o registo do “direito ao<br />

usufruto em causa sobre o direito à quota ou<br />

participação social que constitui o seu objecto”.<br />

Haverá, portanto, que tentar fixar o sentido e<br />

alcance do negócio jurídico <strong>dos</strong> autos, maxime<br />

quanto à caracterização do direito que se pretende<br />

ver inscrito no Registo.<br />

1.1- O art. 1439º do Cód. Civil define<br />

usufruto como o direito de gozar temporária e<br />

plenamente uma coisa ou direito alheio, sem<br />

alterar a sua forma ou substância. Assim, o direito<br />

de usufruto apresenta a particularidade de poder<br />

ter por objecto tanto coisas como direitos (que, em<br />

qualquer caso, são alheios – ius in re aliena) 2 . Por<br />

outras palavras, o “usufruto vale, inclusive, para<br />

todas as coisas lato sensu (envolvendo os<br />

direitos)» 3 .<br />

Relativamente ao usufruto de direitos,<br />

coloca-se a questão de saber qual o seu verdadeiro<br />

objecto. Para quem admita a categoria de direitos<br />

sobre direitos, o objecto do usufruto (direito<br />

sobreposto) será o direito sotoposto, que assim se<br />

comporta «verdadeiramente como se fosse uma<br />

coisa» 4 . Para quem rejeite tal categoria, o objecto<br />

do usufruto «não é o direito que o usufruto limita,<br />

mas sim o objecto desse direito – ou seja, a coisa»,<br />

e «também no usufruto de crédito o usufruto não<br />

tem por objecto a propriedade ou titularidade do<br />

crédito, mas sim o objecto sobre que esse direito<br />

de crédito recai – ou seja, a prestação» 5 , sendo<br />

certo que no usufruto de crédito seria contraditório<br />

com a essência do direito real (a sua incidência<br />

sobre coisas) atribuir-se-lhe natureza real (tratarse-á<br />

de um «usufruto irregular» 6 ).<br />

Para Orlando de Carvalho, que não<br />

assumia «nem a atitude de rejeição conceitualista<br />

<strong>dos</strong> que contestam a categoria» <strong>dos</strong> direitos sobre<br />

direitos «nem a atitude de afirmação positivistalegalista<br />

que parte do princípio de que tudo é<br />

possível ao legislador, inclusive criar<br />

arbitrariamente os seus “bens”», «o bem em causa<br />

nos direitos sobre direitos é a situação<br />

economicamente vantajosa que se liga à<br />

titularidade do direito sotoposto – situação que tem<br />

decerto que ver com as utilidades que se esperam<br />

do objecto sobre que mediata ou imediatamente ele<br />

incide (mediatamente nos direitos de crédito e<br />

imediatamente nos direitos reais sobre coisas<br />

stricto sensu)» 7 .<br />

1.2- Como ensina Coutinho de Abreu 8 ,<br />

«parece não haver dúvidas de que sobre as<br />

participações sociais podem incidir diversos<br />

direitos reais».<br />

Brito Correia 9 ensina que «o usufruto sobre<br />

participações sociais consiste no direito de gozar<br />

temporária e plenamente os direitos inerentes às<br />

participações sociais, sem alterar a sua forma ou<br />

substância».<br />

A legalidade do usufruto de quotas está<br />

claramente afirmada pelo Código das Sociedades<br />

Comerciais, e bem sabemos quão controvertida é a<br />

natureza jurídica da quota e o objecto do direito de<br />

usufruto. Para quem entenda que a quota é uma<br />

coisa ou um direito, não surgem dificuldades. Para<br />

quem assim não entenda 10 , haverá, fundamentalmente,<br />

dois caminhos: «ou manter a unidade do<br />

direito real limitado, tentando explicar como o<br />

usufruto ou outro direito real limitado pode recair<br />

sobre um objecto que não é uma coisa ou um<br />

direito, ou fraccionar o chamado “direito de<br />

usufruto (ou outro direito real limitado) da quota”<br />

em direitos de usufruto sobre componentes da<br />

2 - Cfr. Carvalho Fernandes, in Lições de Direitos Reais,<br />

1996, pág. 339.<br />

3 - Cfr. Orlando de Carvalho, in Direito das Coisas, 1977,<br />

pág. 198.<br />

4 - Cfr. Carvalho Fernandes, ob. Cit., pág. 342.<br />

5 - Cfr. Oliveira Ascensão, in Direito Civil – Reais, 5ª ed.,<br />

págs. 39/40 e 478/9.<br />

6 - Cfr. Carvalho Fernandes, ob. Cit., pág. 342.<br />

7 - Ob. cit., pág. 199/200.<br />

8 - In Curso de Direito Comercial, Vol <strong>II</strong>, Das Sociedades,<br />

2002, pág. 342.<br />

9 - In Direito Comercial, 2º Volume, Sociedades Comerciais,<br />

1989, pág. 360.<br />

10 - Sobre a natureza jurídica das participações sociais, cfr.<br />

Coutinho de Abreu, ob. cit., pág. 218.


Nº 4/2005 – Maio/Junho/Julho 2005 16<br />

quota. Este segundo caminho é eriçado de<br />

obstáculos» 11 .<br />

Afigura-se-nos, assim, que devemos<br />

configurar o usufruto de quota como não<br />

fraccionável em direitos de usufruto sobre<br />

componentes dela (usufruto do direito aos lucros<br />

periódicos, usufruto do direito ao saldo de<br />

liquidação, etc…).<br />

É esta claramente a configuração assumida<br />

no Código do Registo Comercial. Nos termos do<br />

art. 3º, nº 1, f), estão sujeitas a registo a<br />

constituição e a transmissão de usufruto de<br />

“quotas” 12 .<br />

1.3- Como interpretar, então, o negócio<br />

jurídico titulado pelo documento de 2 de Setembro<br />

de 1993?<br />

Em face das cláusulas transcritas no<br />

Relatório, estamos convictos de que a vontade das<br />

partes foi dirigida à constituição do usufruto da<br />

quota que o sócio constituinte viesse a subscrever<br />

no capital da sociedade …, Ldª, subordinada à<br />

condição potestativa de tal quota vir a existir na<br />

sua esfera jurídica.<br />

Ainda que o discurso usado no citado<br />

documento não seja absolutamente claro, afigurase-nos<br />

que só pode ter sido esse o sentido negocial.<br />

“O usufruto do direito correspondente à totalidade<br />

da participação social” (clausula 2ª) não pode<br />

significar outra coisa que não seja o usufruto da<br />

quota. E a cláusula 3ª é a nosso ver elucidativa<br />

sobre a vontade negocial em que o usufruto da<br />

quota nasça a partir da constituição da sociedade.<br />

1.4- Não é esta, porém, se bem ajuizamos, a<br />

posição interpretativa da recorrente. Para esta, o<br />

escrito de 2 de Setembro de 1993 titula “a<br />

11 - Cfr. Raúl Ventura, in Sociedades por Quotas, Vol. I,<br />

1987, pág. 393.<br />

12 - A lei registral não equaciona, portanto, a constituição e a<br />

transmissão do usufruto de componente(s) de quota. A letra<br />

da lei admite, porém, o registo da constituição e da<br />

transmissão do usufruto de direitos sobre quotas (e não de<br />

componentes de quotas, o que é bem diferente). Mas nós não<br />

vislumbramos – se calhar por erro nosso – direitos sobre<br />

quotas que possam ser objecto de usufruto registável. Claro<br />

que já vislumbramos perfeitamente direitos sobre quotas<br />

objecto de outros factos previstos na citada norma (v.g., a<br />

penhora do usufruto de quotas).<br />

constituição de um usufruto sobre um eventual<br />

direito à quota”.<br />

Temos muita dificuldade em captar o<br />

pensamento da recorrente. Mas parece-nos líquido<br />

que ele assenta na distinção entre o usufruto da<br />

quota e o usufruto do direito à quota. Portanto,<br />

entre o ius in re (usufruto sobre a quota) e o ius ad<br />

rem (usufruto da prestação da quota).<br />

Esta distinção estará presente no pedido de<br />

registo. Não se pede o registo da constituição do<br />

usufruto da quota de € 8 329,92 do sócio Armando<br />

VA, o que seria curial uma vez que o contrato<br />

social já existe e está registado.<br />

Se bem interpretamos o pensamento da<br />

recorrente, então afigura-se-nos incontroverso que<br />

a constituição do usufruto do direito à quota, ainda<br />

que legalmente possível 13 , é facto que não está<br />

sujeito a registo comercial. O que está sujeito a<br />

registo, já o dissemos, é a constituição e a<br />

transmissão do usufruto de quotas [ius in re,<br />

portanto – art.3º, nº 1, f), CRCom].<br />

Claro que a situação seria diferente se no<br />

contrato de sociedade a quota fosse subscrita pelas<br />

partes no contrato de constituição do usufruto, ou<br />

seja, pelo Primeiro Contraente quanto à raiz e pelo<br />

Segundo Contraente quanto ao usufruto 14 . Mas não<br />

foi (se tivesse sido, certamente que não estaríamos<br />

aqui a debater a matéria <strong>dos</strong> autos). O que reforça<br />

a nossa convicção de que a tese da recorrente não<br />

deve ser acolhida.<br />

13 - E não vemos como, no caso, seja sustentável a afirmação<br />

de que o Primeiro Contraente é titular de um direito à quota<br />

(ius ad rem) no momento da celebração do contrato de<br />

constituição do usufruto. Já para não questionar a situação<br />

economicamente vantajosa ligada a este direito sotoposto<br />

que poderá ser gozado pelo titular do direito sobreposto,<br />

considerando que, nesta fase, pura e simplesmente inexiste o<br />

objecto sobre que mediatamente aquele deveria incidir.<br />

14 - Como ensina Raúl Ventura, ob. cit., pág. 394, casos<br />

existem, embora raros, em que, desde o início, a quota é<br />

subscrita por uma pessoa quanto à raiz e por outra pessoa<br />

quanto ao usufruto, sendo que em tais casos o contrato de<br />

sociedade é o título constitutivo do usufruto.<br />

Esta possibilidade legal brigará talvez com a concepção que<br />

vê na constituição do usufruto «uma aquisição derivada<br />

constitutiva: o direito adquirido (usufruto) filia-se no direito<br />

(de propriedade) do titular da quota, formando-se à custa<br />

dele, limitando-o ou comprimindo-o (mas não o<br />

extinguindo)» - cfr. Mota Pinto, in CJ VI – 1981 – Tomo 5,<br />

pág. 8.


Nº 4/2005 – Maio/Junho/Julho 2005 17<br />

2- A nosso ver, portanto, o documento de 2<br />

de Setembro de 1993 titula a constituição de<br />

usufruto sobre quota enquanto bem futuro.<br />

Como é consabido e resulta <strong>dos</strong> princípios da<br />

actualidade ou da imediação e da especialidade ou<br />

da individualização liga<strong>dos</strong> ao lado interno <strong>dos</strong><br />

direitos reais (cfr. art. 408º, nº 2, combinado com o<br />

art. 211º, ambos do C.C.), «só há direito real em<br />

face de coisas presentes – que existam já e em<br />

poder do alienante (no caso de interceder uma<br />

aquisição derivada) -, não em face de coisas<br />

simplesmente futuras», sendo ainda necessário que<br />

a individualização jurídica da coisa se opere «para<br />

que a relação intercedente deixe de ser só<br />

obrigacional – para que se volva numa relação<br />

real» 15 .<br />

Prima facie não nos repugna admitir a<br />

constituição do usufruto de quota por efeito de um<br />

contrato celebrado anteriormente ao contrato de<br />

sociedade, mas em que aquele direito se<br />

“transfere” (a constituição do usufruto é uma<br />

aquisição derivada constitutiva) quando a quota for<br />

adquirida pelo “alienante” com a celebração do<br />

contrato de sociedade. Mas, neste caso, a<br />

constituição do usufruto verifica-se após o contrato<br />

de sociedade, estando sujeita à forma exigida e às<br />

limitações estabelecidas para a transmissão da<br />

quota (cfr. art. 23º, nº 1, do CSC) 16 .<br />

Relativamente ao contrato de constituição de<br />

usufruto <strong>dos</strong> autos, cremos que é manifesta a sua<br />

nulidade.<br />

Desde logo, porque não está observada a<br />

forma legalmente exigida para a transmissão de<br />

quotas entre vivos. Segundo o art. 228º, nº 1, do<br />

CSC, a forma da transmissão de quotas entre vivos<br />

é a escritura pública. E parece-nos evidente –<br />

embora ao caso não interesse, porque a lei não foi<br />

alterada – que a lei que rege sobre a transmissão<br />

entre vivos de quotas é aquela que estiver em vigor<br />

na data do contrato de constituição do usufruto e<br />

não a que vigorar à data da celebração do contrato<br />

de sociedade (cfr. art. 12º, nº 1, C.C.).<br />

15 - Cfr. Orlando de Carvalho, ob. cit., págs. 208 e 210.<br />

16 - No caso concreto <strong>dos</strong> autos não conhecemos o pacto<br />

social, pelo que não sabemos se existem limitações à<br />

transmissão de quotas, as quais, a existirem, seriam<br />

aplicáveis à constituição do usufruto sobre a quota por efeito<br />

do contrato de 2 de Setembro de 1993 (claro está,<br />

pressupondo a validade deste negócio jurídico).<br />

Ora, de acordo com o art. 220º do Cód. Civil<br />

a declaração negocial que careça da forma<br />

legalmente prescrita é nula.<br />

Depois, porque se trata de uma doação de<br />

bem futuro, proibida por lei com a sanção da<br />

nulidade (cfr. art.s 294º e 942º, nº 1, C.C.) 17 .<br />

Trata-se, a nosso ver, de doação de bem<br />

futuro – concretamente, o usufruto, enquanto<br />

direito real sobre quota que só surgirá futuramente<br />

na esfera jurídica do “alienante” -, e não de doação<br />

de direito (actual) sobre coisa futura 18 .<br />

3- Sendo manifesta a nulidade do facto, o<br />

registo deverá ser recusado nos termos do art. 48º,<br />

nº 1, d), do CRCom 19 .<br />

Em face do exposto, somos de parecer que o<br />

recurso não merece provimento.<br />

Em consonância firmam-se as seguintes<br />

Conclusões<br />

I- É um contrato de doação de usufruto de<br />

quota em sociedade comercial por quotas,<br />

enquanto bem futuro, aquele em que o<br />

“alienante” constitui gratuitamente a favor do<br />

adquirente “o usufruto do direito<br />

correspondente à totalidade da participação<br />

17 - Como refere Baptista Lopes, in Das Doações, 1970,<br />

págs. 23/24, «a proibição justifica-se porque a doação tem de<br />

traduzir um benefício real, certo e concreto e não pode ficar<br />

dependente da vontade do doador, além de que a limitação<br />

da doação aos bens presentes evita o impulso desordenado<br />

da liberalidade e assegura o porvir do que não sabe guardar o<br />

que é seu».<br />

18 - Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil<br />

anotado, Vol. <strong>II</strong>, 1968, pág. 185, escreveram: «Não deve,<br />

porém, confundir-se a doação de bens futuros com a doação,<br />

não de bens, mas de um direito que tenha por objecto coisas<br />

ainda não existentes no património do doador. Como<br />

exemplos característicos de tais negócios poderemos citar o<br />

da doação de um usufruto e o da doação do direito de<br />

explorar uma pedreira ou uma mina. Os frutos, a pedra e o<br />

minério são coisas futuras, mas o direito transmitido é<br />

actual».<br />

Cremos que o exemplo do usufruto, citado pelos Mestres, é o<br />

do usufruto actual sobre coisa presente, sendo futuros apenas<br />

os frutos.<br />

Não tem, portanto, aplicação ao caso <strong>dos</strong> autos.<br />

19 Não podemos, assim, concordar com a fundamentação do<br />

despacho de qualificação da Senhora Conservadora.


Nº 4/2005 – Maio/Junho/Julho 2005 18<br />

social de que vier a ser titular” nessa sociedade<br />

ainda por constituir (cfr. art. 408º, nº2,<br />

combinado com o art. 211º, ambos do Cód.<br />

Civil).<br />

<strong>II</strong> - Tratando-se de uma doação de bem futuro,<br />

é nulo o negócio jurídico (cfr. art.s 294º e 942º,<br />

nº 1, do Cód. Civil).<br />

<strong>II</strong>I - Tendo o contrato sido celebrado por<br />

documento particular, será também nulo o<br />

negócio jurídico por inobservância da forma<br />

legalmente exigida da escritura pública (cfr.<br />

art.s 220º do Cód. Civil e 23º, nº 1, e 228º, nº 1,<br />

do CSC).<br />

IV - O registo do facto, requisitado após a<br />

celebração e o registo comercial do contrato de<br />

sociedade, deverá ser recusado nos termos do<br />

disposto no art. 48º, nº 1, d), do CRCom.<br />

Este parecer foi aprovado em sessão do<br />

Conselho Técnico da Direcção-Geral <strong>dos</strong> <strong>Registos</strong><br />

e do <strong>Notariado</strong> de 27.04.2005.<br />

João Guimarães Gomes de Bastos, relator,<br />

Ana Viriato Sommer Ribeiro, José Ascenso Nunes<br />

Maia, César Gomes, José Joaquim Carvalho<br />

Botelho, Vitorino Martins de Oliveira.<br />

Este parecer foi homologado por despacho<br />

do Director-Geral de 03.05.2005.<br />

Proc. nº R. Co. 12/2005 DSJ-CT – Constituição<br />

de Empresa intermunicipal de capitais<br />

maioritariamente públicos – Lei nº 58/98, de<br />

18.08 e Decreto-Lei nº 558/99, de 17.12 – Sua<br />

sujeição a registo comercial.<br />

Registo a qualificar: constituição de empresa<br />

intermunicipal de capitais maioritariamente<br />

públicos – sua registabilidade.<br />

a) - os títulos que serviram de base ao pedido<br />

em causa foram os seguintes:<br />

- fotocópia autenticada da escritura de<br />

constituição lavrada no notário privativo da<br />

Câmara Municipal de …;<br />

- certificado de admissibilidade;<br />

- declaração de início de actividade.<br />

b) – O registo pretendido (ap. 12/20041222)<br />

foi recusado, nos termos do despacho proferido em<br />

07/01/2005, com o fundamento de não estar<br />

titulado nos documentos apresenta<strong>dos</strong> (artºs 48º nº<br />

1 al. b) e 32º nº 1 do CRC), de não ser facto sujeito<br />

a registo, por não estar previsto na respectiva Lei<br />

nº 58/98 de 18/08, por esta prever outra forma de<br />

publicidade e por lhe ser aplicável a legislação das<br />

empresas públicas, apenas a título subsidiário, não<br />

podendo ter esta natureza a sujeição de quaisquer<br />

factos a registo até porque, argumenta-se ainda, as<br />

empresas públicas sujeitas a registo comercial (artº<br />

5º do CRC) são apenas as que a lei prevê no<br />

capítulo <strong>II</strong>I do DL nº 558/99 de 17/12.<br />

c) – Do referido despacho de recusa em<br />

efectuar o acto solicitado nos termos requeri<strong>dos</strong><br />

procedeu o interessado à reclamação para a própria<br />

Conservadora (ap. 20/20050204) tendo sido<br />

argumentado, “inter alia”: que o facto de não estar<br />

previsto na Lei nº 58/98 o registo comercial das<br />

empresas nela reguladas, é-lhes aplicável<br />

subsidiariamente o regime das empresas públicas,<br />

DL nº 558/99, e ainda as normas aplicáveis às<br />

sociedades comerciais; que o artº 5º do Código do<br />

Registo Comercial sujeita a registo a constituição e<br />

demais factos relativos às empresas públicas,<br />

aplicando-se às empresas previstas na referida Lei;<br />

que a publicidade prevista na Lei nº 58/98 destinase<br />

apenas a divulgar a empresa e que o registo<br />

comercial visa outros objectivos, havendo actos<br />

abrangi<strong>dos</strong> pelo registo e não pela publicidade; e<br />

que da circunstância de o legislador sujeitar<br />

expressamente a registo as entidades públicas<br />

empresariais do cap. <strong>II</strong>I do DL nº 558/99 não se<br />

pode colher o argumento de as demais não estarem<br />

sujeitas a registo comercial.


Nº 4/2005 – Maio/Junho/Julho 2005 19<br />

d) – Por despacho de 17/02/2005 a recorrida<br />

indeferiu a reclamação, proferindo e fundamentando<br />

despacho de sustentação basicamente com a<br />

argumentação já expendida. Referiu ainda que nos<br />

artºs 2º a 10º do CRC são enuncia<strong>dos</strong> os factos<br />

sujeitos a registo comercial, relativos às diversas<br />

entidades neles previstas, concluindo a última<br />

alínea do artº 10º por sujeitar a registo “quaisquer<br />

outros factos que a lei declare sujeitos a registo<br />

comercial”, daí decorrendo, como primeira<br />

conclusão, que não há registo de nenhum facto que<br />

a lei não declare expressamente a ele sujeito, não<br />

podendo, por tal facto, imputar-se tal sujeição a<br />

título meramente subsidiário, quando não existe<br />

previsão. Afirmou que a forma de constituição e de<br />

publicidade destas empresas intermunicipais é em<br />

tudo idêntica à prevista no Código Civil (artº 168º)<br />

para as associações, entidades estas que também<br />

não são abrangidas pelo registo comercial. Por<br />

outro lado, disse finalmente, de tudo se conclui<br />

não estarem sujeitas a registo comercial as<br />

empresas previstas na Lei 58/98, enquanto<br />

“empresas públicas” e que, enquanto sociedade,<br />

como foi requisitado, a “…, EIM” também não o<br />

pode ser, pois não reveste essa natureza, não foi<br />

titulado um contrato de sociedade, mas constituída<br />

uma “EIM”.<br />

e) – Finalmente, não se conformando, a<br />

recorrente veio em recurso hierárquico (ap.<br />

13/20050302) argumentar basicamente com os<br />

mesmos motivos já expendi<strong>dos</strong> confirmando a sua<br />

tese no sentido de que tais empresas têm sido<br />

objecto de registo comercial nas várias<br />

Conservatórias do Registo Comercial.<br />

Uma vez que o processo é o próprio, é<br />

tempestivo, as partes são legítimas e não havendo<br />

qualquer questão prévia ou prejudicial 1 que obste à<br />

1 - Quando recebemos os presentes autos e <strong>dos</strong> elementos<br />

carrea<strong>dos</strong> para o mesmo constatámos que o recorrente ainda<br />

não tinha procedido ao pagamento do preparo a que se refere<br />

o artº 27º ponto 3.1 do RERN. Sucede que no Proc. C.C.<br />

66/2003 DSJ-CT, publicitado no BRN nº 6/2004, <strong>II</strong> caderno,<br />

pág. 20, submetido à apreciação do Conselho Técnico no seu<br />

colectivo, homologado pelo Senhor Director-Geral por<br />

despacho de 31/05/2004, foi deliberado (entre outras<br />

conclusões) que pela interposição de recurso hierárquico de<br />

decisão de conservador ou notário deve ser exigido o<br />

apreciação do mérito do recurso, a posição deste<br />

Conselho é expressa na seguinte<br />

Deliberação<br />

I – Às empresas intermunicipais de capitais<br />

maioritariamente públicos, previstas na alínea<br />

c) do nº 3 do artº 1º da Lei nº 58/98 de 18/08, é<br />

aplicável, subsidiariamente, o regime jurídico<br />

das empresas públicas, nos termos do artº 3º da<br />

citada Lei.<br />

<strong>II</strong> – O actual normativo que rege o sector<br />

empresarial do Estado e das empresas públicas<br />

é o DL nº 558/99 de 17/12, que revogou o DL nº<br />

260/76 de 8/04, sendo certo que as remissões<br />

constantes de quaisquer diplomas, legais ou<br />

regulamentares, para o regime do citado DL<br />

nº 260/76, entendem-se feitas para as<br />

disposições do capítulo <strong>II</strong>I daquele DL<br />

nº 558/99 (cfr. art.º 40º n.º 2). 2<br />

pagamento do preparo (artºs 8º e 27º nº 3 do RERN),<br />

aplicando-se, subsidiariamente para o registo predial e por<br />

analogia para os registos comercial, civil e notariado, as<br />

normas do processo civil (artºs 147º-B do Código do Registo<br />

Predial e 10º nºs 1 e 2 do Código Civil), que a omissão do<br />

pagamento de preparo não impede a entrada do recurso mas<br />

é condição para o seu prosseguimento e que não tendo sido<br />

efectuado o preparo deve notificar-se o recorrente para, no<br />

prazo de 10 dias, proceder ao seu pagamento sob cominação<br />

de o recurso se considerar deserto (artºs 150º-A, nºs 1 e 2 e<br />

690º-B, nºs 1 e 2, do Código do Processo Civil e artº 28º do<br />

Código das Custas Judiciais). Assim, logo que foi levantada<br />

a questão foi posteriormente dado conhecimento que o<br />

recorrente tinha já procedido ao seu pagamento.<br />

2 - No dizer do insigne Mestre Pinto Furtado, in “curso de<br />

direito das sociedades”, 4ª edição, págs. 372 e 373, o DL<br />

nº 558/99 de 17/12, bastante confuso e embrionário, passou a<br />

definir como empresa pública toda a sociedade da lei<br />

comercial em que o Estado ou outras entidades públicas<br />

estaduais possam exercer uma influência dominante,<br />

dissolvendo, assim, o conceito de empresa pública no de<br />

sociedade dominada pelo Estado (ou entidades públicas) (cfr.<br />

artº 3º nº 1 do citado diploma legal). É que, perante o dilema<br />

de conservar ou extinguir a velha figura de empresa pública,<br />

o legislador optou por considerar, tal como é dito no<br />

preâmbulo, “que se poderia justificar a existência de<br />

entidades empresariais de natureza pública, que se integrarão<br />

no regime geral agora estabelecido, nos termos do capítulo<br />

<strong>II</strong>I”, sendo certo que este capítulo “ocupa-se do protótipo de<br />

empresa pública, como o moldou o DL nº 260/76 de 8/04,<br />

enquanto pessoa colectiva de direito público”.Porém, o


Nº 4/2005 – Maio/Junho/Julho 2005 20<br />

<strong>II</strong>I – Concomitantemente, as referidas empresas<br />

intermunicipais estão sujeitas a registo<br />

comercial por força do contemplado no artº 28º<br />

do supracitado DL nº 558/99, “ex vi” do art.º 3.º<br />

da Lei n.º 58/98 e do art.º 5.º daquele DL<br />

558/99. 3<br />

Nos termos expostos, é entendimento deste<br />

Conselho que o recurso merece provimento.<br />

Esta deliberação foi aprovada em sessão do<br />

Conselho Técnico da Direcção-Geral <strong>dos</strong> <strong>Registos</strong><br />

e do <strong>Notariado</strong> de 27.04.2005.<br />

José Ascenso Nunes Maia, relator.<br />

capítulo <strong>II</strong>I (artºs 23º e 24º) acabou por criar uma nova figura<br />

com a designação de “Entidade Pública Empresarial”, que<br />

deverá integrar a respectiva denominação ou, em alternativa,<br />

“E.P.E.” (24º nº 2), compreendendo todas “as pessoas<br />

colectivas de direito público com natureza empresarial<br />

criadas pelo Estado (23º nº 2), quando, é certo, no preâmbulo<br />

se tinha afirmado que as empresas públicas conservavam a<br />

sua denominação e a sigla EP e quando, no artº 3º, continua a<br />

definir autonomamente empresa pública e ao mesmo tempo<br />

declara que as entidades públicas empresariais são empresas<br />

públicas.<br />

Em suma, “empresa pública” devia ser entendida com o<br />

significado consagrado no DL nº 260/76 - era este diploma<br />

que definia o conceito de empresa pública ao tempo da<br />

entrada em vigor da já referida Lei nº 58/98 -, significando<br />

hoje, à luz do DL nº 558/99, “entidade pública empresarial”<br />

(cfr. artºs 23º nº 2, 24º nº 2 e 40º nº 2, to<strong>dos</strong> do referido DL<br />

nº 558/99, também conhecido por Regime do Sector<br />

Empresarial do Estado, com a sigla “RSEE”), sendo ainda<br />

certo que são empresas públicas, além das EPE (pessoas<br />

colectivas), as sociedades (pessoas ou sujeitos colectivos)<br />

dominadas pelo Estado e/ou outras entidades públicas<br />

estaduais (artº 3º do RSEE) (cfr. Coutinho de Abreu, in<br />

“Sociedade Anónima, A Sedutora (Hospitais, SA..,<br />

Portugal, SA”, IDET, pág. 31).<br />

Podemos, pois, aqui afirmar, que o DL nº 558/99, no seu artº<br />

3º, redefine o conceito de empresa pública acentuando que a<br />

“influência dominante” do capital público subsiste como<br />

critério caracterizador das mesmas (vide BRN nº 9/2001 , <strong>II</strong><br />

cad., pág. 5, conclusão IV, “in fine”).<br />

3 - Aderimos à tese da recorrente no que se refere à sujeição<br />

a registo da entidade em causa. Na verdade, do resultado de<br />

toda a argumentação já aduzida e da conjugação <strong>dos</strong> artºs 5º<br />

do CRC (empresas públicas) e 3º da Lei nº 58/98, resulta<br />

claramente a sujeição das empresas previstas nesta Lei<br />

(empresas municipais, empresas intermunicipais e empresas<br />

regionais) ao registo comercial.<br />

Esta deliberação foi homologada por<br />

despacho do Director-Geral de 03.05.2005.<br />

Proc. nº C.C. 61/2000 DSJ-CT - Processo<br />

preliminar de publicações. Nubente estrangeiro<br />

residente em Portugal. Capacidade matrimonial.<br />

O Sr. Conservador do Registo Civil de …<br />

formulou pedido de aclaração do Parecer do<br />

Conselho Técnico de 3 de Março de 2005<br />

proferido no processo em epígrafe, questionando<br />

que se invoque o conceito civilista de residência e<br />

se delimite a prova dessa residência à que resulta<br />

apenas de vistos de residência, de estudo ou de<br />

trabalho, para além, obviamente, da própria<br />

“autorização de residência”.<br />

O pedido visa pois, tão só os cidadãos<br />

estrangeiros não nacionais de países da U.E.<br />

Cumpre aclarar.<br />

Efectivamente, no Parecer, foi dado como<br />

assente que o conceito de residência relevante no<br />

âmbito do processo preliminar de publicações, é<br />

um conceito civilista.<br />

No entanto, no que respeita à prova dessa<br />

residência, optou o C.T. por definir critérios<br />

objectivos, por forma a garantir uniformidade por<br />

parte das conservatórias do registo civil, não<br />

deixando ao arbítrio de cada conservador definir,<br />

“in casu”, os documentos a apresentar.<br />

Na verdade, com critérios individuais e<br />

subjectivos o que se verificava eram grandes<br />

disparidades de procedimentos das conservatórias<br />

quanto à prova admitida e a sua valoração.<br />

Por outro lado, era também indefinido o<br />

período de tempo relevante para considerar o<br />

cidadão estrangeiro como residente habitualmente<br />

em Portugal.<br />

Com a definição de tais critérios, não se<br />

coloca em causa o direito constitucional ao<br />

casamento, pois não se impede o cidadão<br />

estrangeiro de celebrar o acto; trata-se apenas de


Nº 4/2005 – Maio/Junho/Julho 2005 21<br />

saber se deve ser organizado, ou não, o processo<br />

de verificação de capacidade matrimonial, o qual<br />

se destina a suprir a falta do certificado legalmente<br />

imposto.<br />

Esta aclaração do parecer foi aprovada em<br />

sessão do Conselho Técnico da Direcção-Geral<br />

<strong>dos</strong> <strong>Registos</strong> e do <strong>Notariado</strong> de 27.04.2005.<br />

Álvaro Manuel Paiva Pereira Sampaio,<br />

relator, Filomena Maria Baptista Máximo Mocica,<br />

Maria Filomena Fialho Rocha Pereira, Maria de<br />

Lurdes Barata Pires de Mendes Serrano, Vitorino<br />

Martins de Oliveira.<br />

Esta aclaração do parecer foi homologada<br />

por despacho do Director-Geral de 03.05.2005.<br />

Proc. nº C.P. 31/2004 DSJ-CT – Certidões –<br />

Certificação de requisitos – Emissão de certidão<br />

no próprio dia em que é requerida – Existência<br />

de registos pendentes de qualificação –<br />

Confirmação de certidões.<br />

1- Por despacho do Senhor Director-Geral de<br />

1 de Fevereiro de 2005 foi determinado que este<br />

Conselho se pronunciasse sobre a problemática da<br />

emissão de certidões, considerando que a<br />

orientação inserta no BRN nº 2/98, pág. 16, e<br />

republicada no BRN nº 1/2003, pág. 9, não logrou<br />

a almejada uniformização da actuação <strong>dos</strong> serviços<br />

externos nesta matéria.<br />

Relembra-se a dita orientação:<br />

«A certificação ou confirmação das certidões<br />

não pode ser feita com data anterior à da sua<br />

emissão, sob pena de se estar a postergar o fim<br />

visado pelo nº 2 do artigo 112º do C.R.P., a<br />

segurança do comércio jurídico imobiliário.<br />

Não havendo coincidência entre a data do<br />

pedido da certidão e a da sua emissão, dever-se-á<br />

referir a circunstância de, entre os dois momentos,<br />

ter sido ou não requerido qualquer acto de registo<br />

sobre o mesmo prédio e, ainda, na primeira<br />

hipótese, a sua espécie».<br />

Cumpre, então, emitir parecer.<br />

2- O registo prova-se por meio de certidões e<br />

fotocópias (art. 110º, nº 1, C.R.P.), e sendo estas<br />

«pedidas com referência a certos actos serão<br />

passadas por forma a não induzirem em erro acerca<br />

do conteúdo do registo e da posição <strong>dos</strong> seus<br />

titulares e devem referir os factos regista<strong>dos</strong> ou os<br />

títulos apresenta<strong>dos</strong> que alterem o pedido» (cfr.<br />

art. 112º, nº 2, C.R.P.).<br />

De salientar ainda que as certidões e<br />

fotocópias são requisitadas em impresso de<br />

modelo oficial no qual se anota a data da entrada e<br />

o número de ordem anual, não tendo tais<br />

requisições apresentação no Livro Diário (art.<br />

111º, nºs 1 e 2, C.R.P.).<br />

Resulta inequivocamente do normativo<br />

citado que a certificação não deve limitar-se ao<br />

conteúdo <strong>dos</strong> registos que se encontrem efectua<strong>dos</strong><br />

na data da emissão da certidão, antes deverá ter em<br />

atenção os processos de registo pendentes, ou seja,<br />

os registos que tenham sido peticiona<strong>dos</strong> mas<br />

ainda não se encontrem lavra<strong>dos</strong> ou os registos que<br />

devam ser oficiosamente lavra<strong>dos</strong> até àquela data<br />

de emissão.<br />

Como executar estritamente este comando,<br />

de modo a que a publicidade registal seja provada<br />

com inteira fidelidade?<br />

2.1- Tratando-se de requisição do teor da<br />

descrição e de todas as inscrições em vigor, a<br />

certidão deve ainda relacionar os títulos<br />

apresenta<strong>dos</strong> e os factos objecto imediato <strong>dos</strong><br />

registos que se encontrem por lavrar sobre o prédio<br />

ou prédios a que respeita a requisição, à data da<br />

emissão da certidão.<br />

2.2- Tratando-se de requisição atinente a<br />

certo acto de registo, a certidão deve também<br />

certificar outros actos de registo que extingam ou<br />

transfiram os efeitos do acto a que respeita a<br />

requisição ou que de alguma forma modifiquem o<br />

seu conteúdo, e deve ainda relacionar os títulos<br />

apresenta<strong>dos</strong> e os factos objecto imediato <strong>dos</strong><br />

registos que se encontrem por lavrar sobre o prédio<br />

ou prédios respectivos, à data da emissão da<br />

certidão.<br />

2.3- A certificação abrange os títulos<br />

apresenta<strong>dos</strong> ou recebi<strong>dos</strong> na conservatória até ao


Nº 4/2005 – Maio/Junho/Julho 2005 22<br />

dia anterior à data da emissão, ainda que só<br />

tenham que ser apresenta<strong>dos</strong> no Diário nesse dia<br />

da emissão da certidão [cfr. art. 45º, nº 3, b),<br />

CRCom, aplicável por analogia].<br />

Os títulos apresenta<strong>dos</strong>/recebi<strong>dos</strong> na<br />

conservatória no próprio dia da emissão da<br />

certidão não podem em absoluto ser considera<strong>dos</strong><br />

na certificação, desde logo porque nem a<br />

requisição da certidão tem apresentação no Diário<br />

nem as apresentações no Diário fixam o momento<br />

temporal concreto da sua ocorrência, pelo que o<br />

sistema ainda não permite determinar quais os<br />

documentos apresenta<strong>dos</strong>/recebi<strong>dos</strong> na<br />

conservatória no próprio dia da emissão da<br />

certidão até ao exacto momento em que esta é<br />

emitida.<br />

2.4- Sem prejuízo do disposto no ponto<br />

anterior, inexiste qualquer obstáculo a que a<br />

certidão seja emitida imediatamente após a<br />

entrega/recepção na conservatória da respectiva<br />

requisição.<br />

2.5- Tratando-se da emissão de certidões<br />

negativas, da certificação deverá constar o número<br />

e a data de apresentação do último registo<br />

efectuado tomado em consideração nas buscas<br />

efectuadas. É que, como é consabido, e nas actuais<br />

circunstâncias, a simples consulta do Livro Diário<br />

não permite determinar se o prédio oferecido na<br />

requisição está ou não “apresentado” (cfr. art. 61º,<br />

C.R.P.), e a consulta individualizada <strong>dos</strong> processos<br />

pendentes demandaria um esforço que, pelo menos<br />

nas conservatórias com elevado volume de serviço<br />

ou que se encontrem atrasadas, se revelaria<br />

incomportável.<br />

2.6- A confirmação de certidões só é viável<br />

se a situação registral objecto da certificação não<br />

tiver sofrido alteração desde a data considerada na<br />

emissão da certidão até ao dia anterior à data da<br />

confirmação.<br />

É este, salvo melhor opinião, o nosso parecer.<br />

Este parecer foi aprovado em sessão do<br />

Conselho Técnico da Direcção-Geral <strong>dos</strong> <strong>Registos</strong><br />

e do <strong>Notariado</strong> de 31.03.2005.<br />

João Guimarães Gomes de Bastos, relator,<br />

Luís Carlos Calado de Avelar Nobre, Maria<br />

Eugénia Cruz Pires <strong>dos</strong> Reis Moreira, Vitorino<br />

Martins de Oliveir.<br />

Este parecer foi homologado por despacho<br />

do Director-Geral de 09.05.2005.<br />

Proc. nº R. P. 33/2003 DSJ-CT - Justificação<br />

notarial para estabelecimento do trato sucessivo<br />

– Invocação da usucapião. – Início da posse por<br />

um <strong>dos</strong> cônjuges na constância do casamento<br />

celebrado no regime da comunhão de<br />

adquiri<strong>dos</strong> – Declaração prestada por ambos os<br />

cônjuges, na escritura de justificação, de que o<br />

bem é próprio do cônjuge justificante.<br />

I – Em 6 de Novembro de 2002, pela Ap. 02,<br />

foi requisitado o registo de aquisição a favor do<br />

recorrente, c. c. Amália SRT, em comunhão de<br />

adquiri<strong>dos</strong>, do prédio descrito sob o n.º 02857,<br />

freguesia de …, sendo 6/7, por usucapião, e 1/7,<br />

por compra ao respectivo comproprietário inscrito,<br />

Elísio MT c. c. Maria Aurora FCT, no mesmo<br />

regime.<br />

Instruiu o pedido uma escritura de<br />

justificação e de compra e venda, lavrada em 6 de<br />

Agosto de 2002, no Cartório Notarial de …, na<br />

qual intervieram, além <strong>dos</strong> três declarantes, a<br />

confirmar as declarações prestadas pelo<br />

justificante, este e sua esposa, bem como o único<br />

titular registral inscrito sobre o prédio (como<br />

proprietário de 1/7) e esposa. Neste título foi<br />

declarado pelo justificante e esposa que contraíram<br />

matrimónio em 7/01/68, e que o marido é dono e<br />

legítimo possuidor de 6/7 indivisos do dito prédio,<br />

que lhe advieram, por volta do ano de 1981, por<br />

partilha verbal <strong>dos</strong> bens deixa<strong>dos</strong> por óbito de seus


Nº 4/2005 – Maio/Junho/Julho 2005 23<br />

pais, não dispondo de qualquer título formal que<br />

legitime o seu direito de propriedade sobre o bem.<br />

Terá, contudo, desde aquele ano, entrado na posse<br />

do identificado prédio, posse que, reunindo os<br />

requisitos legais necessários à aquisição por<br />

usucapião, conduziu a que, por tal via, o recorrente<br />

tenha adquirido, como bem próprio seu, a referida<br />

fracção indivisa do prédio. No mesmo acto,<br />

adquiriu, por compra, o restante 1/7.<br />

1 – O registo foi efectuado como provisório<br />

por dúvidas, conforme despacho datado de<br />

19/12/02 e notificado em 23/12/02, com o<br />

fundamento de que, tendo o justificante casado em<br />

Janeiro de 1968, e entrado na posse do prédio no<br />

ano de 1981, quando já se encontrava casado, em<br />

comunhão de adquiri<strong>dos</strong> – tudo em conformidade<br />

com as declarações insertas no texto da escritura –,<br />

o prédio deveria pertencer ao património comum<br />

do casal e não, como consta do título, ser bem<br />

próprio do cônjuge marido, o que só poderia<br />

ocorrer na circunstância de a posse alegada se ter<br />

iniciado antes do casamento.<br />

Foram invoca<strong>dos</strong> os artigos 68.º e 70.º do<br />

Código do Registo Predial e 1288.º, 1317.º, alínea<br />

c), e 1722.º, n.º 1, alínea c) e n.º 2, alínea b), do<br />

Código Civil.<br />

2 – No recurso hierárquico, interposto em<br />

21/01/03, Ap. 08, partindo do conceito de posse<br />

fornecido pela lei (arts. 1251.º, 1252.º, n.º 2 e<br />

1257.º do Código Civil) e tendo presente a noção<br />

legal de usucapião (art.º 1287.º do mesmo<br />

Código), o interessado no registo entende que para<br />

haver aquisição de um direito real de gozo, por<br />

usucapião, e para ser eficaz, esta tem de ser<br />

invocada pelo possuidor e adquire-se através da<br />

prática reiterada, com publicidade, <strong>dos</strong> actos<br />

materiais correspondentes ao exercício do direito,<br />

acompanhada da intenção de exercer, no próprio<br />

interesse, esse poder de facto sobre a coisa. O que<br />

o leva a interrogar-se e a contrapor “ … como é<br />

que alguém – o cônjuge, neste caso – que em caso<br />

algum afirma, pelo contrário, que teve posse<br />

juridico-relevante … (com corpus e animus), pode<br />

adquirir a propriedade por usucapião e, mais, sem<br />

a invocar. A perfilhar o entendimento da Sr.ª<br />

Conservadora, teríamos que considerar que há<br />

casos de aquisição por usucapião automática, sem<br />

vontade do interessado, em contradição total com<br />

o regime legal da posse e da usucapião …”.<br />

Relativamente ao art.º 1722.º invocado pela<br />

recorrida, o mesmo é interpretado, no que toca aos<br />

números e alíneas cita<strong>dos</strong>, como significando que<br />

“… os bens adquiri<strong>dos</strong> por usucapião fundada em<br />

posse que tenha o seu início antes do casamento,<br />

serão obrigatoriamente bens próprios (até porque<br />

a posse neste caso, obviamente, não foi do casal –<br />

que ainda não existia como tal), se, pelo contrário<br />

a posse teve início na constância do matrimónio já<br />

dependerá do caso concreto: ou a posse … foi do<br />

casal e será bem comum, ou foi só de um deles<br />

(nomeadamente quando a causa próxima se funda<br />

… na partilha verbal por óbito <strong>dos</strong> pais de um <strong>dos</strong><br />

cônjuges – caso em que dificilmente o cônjuge,<br />

casado na comunhão de adquiri<strong>dos</strong>, considera<br />

como seus esses bens) e será bem próprio ,<br />

devendo … ficar assente no título a qual das<br />

massas patrimoniais esses bens pertencem…” , só<br />

assim se compreendendo a intervenção de ambos<br />

os cônjuges, porquanto o regime da posse e da<br />

usucapião não permite a ficção do corpus nem do<br />

animus, que têm de coexistir simultaneamente.<br />

Acresce para o recorrente que, a não ser<br />

assim, entendendo-se como bem imperativamente<br />

comum o adquirido por usucapião, sempre que a<br />

posse tenha o seu início na constância do<br />

matrimónio, não faz sentido a qualificação do<br />

registo como provisório por dúvidas, já que as<br />

declarações prestadas na escritura estão correctas e<br />

destinam-se a dar testemunho de factos passa<strong>dos</strong>.<br />

É ao Conservador, como intérprete, aplicador do<br />

direito, que incumbe saber se está perante um<br />

direito próprio ou comum e, então, ou concorda<br />

com o pedido efectuado e regista o acto como foi<br />

requerido, ou discorda e regista de acordo com o<br />

seu entendimento, fazendo uma interpretação<br />

correctiva, mediante a convolação do pedido. Caso<br />

discorde, restará ao interessado contestar o registo<br />

lavrado.<br />

3 – Em sustentação da qualificação<br />

efectuada, a recorrida, concordando embora que,<br />

de acordo com as declarações prestadas, o cônjuge<br />

marido foi o único possuidor do direito sobre o<br />

prédio, defende que a disciplina jurídica<br />

decorrente da articulação <strong>dos</strong> artigos 1288.º e<br />

1317.º, alínea c), com o artigo 1722.º, n.º1, alínea


Nº 4/2005 – Maio/Junho/Julho 2005 24<br />

c) e n.º 2, alínea b), da lei civil, impõe que ,<br />

iniciando-se a posse antes do casamento o bem<br />

será próprio e, invocada a usucapião, a mesma<br />

retroage os seus efeitos à data do início da posse;<br />

se a data do início da posse for posterior ao<br />

casamento, o prédio será comum.<br />

A não se entender assim – acrescenta –,<br />

mesmo no regime da comunhão geral, o bem podia<br />

ser próprio de cada um <strong>dos</strong> cônjuges, dependendo<br />

daquele que tivesse exercido a posse sobre o<br />

mesmo, na convicção de ser o seu proprietário,<br />

contra o que dispõem os artigos 1732.º e 1733.º do<br />

Código Civil.<br />

Quanto à afirmação do recorrente de que “…<br />

a causa próxima da posse foi a partilha verbal daí<br />

que o direito justificado seja bem próprio…”, a<br />

opinião da Sr.ª Conservadora é a de que a partilha<br />

não foi titulada e o que interessa para a distinção<br />

entre bem próprio e bem comum é a data do início<br />

da posse e não a sua causa.<br />

Discorda também que o conservador possa<br />

fazer uma interpretação correctiva das declarações<br />

consignadas no título, já que o mesmo “… regista<br />

títulos, não os lavra, e se … foi concluído na<br />

própria escritura que o bem era próprio do<br />

justificante e não comum do casal então o título<br />

deverá ser rectificado, uma vez que não poderá<br />

haver contradição entre o título e o registo.<br />

Mantendo-se o título como foi outorgado, o mesmo<br />

consubstancia uma excepção ao princípio da<br />

imutabilidade do regime de bens não prevista na<br />

lei.”.<br />

4 – A solicitação da Direcção-Geral <strong>dos</strong><br />

<strong>Registos</strong> e do <strong>Notariado</strong>, foi ouvido sobre o<br />

assunto o Sr. Notário do Cartório de …, que se<br />

pronunciou no sentido de que a escritura a que se<br />

reportam os autos não enferma de qualquer vício,<br />

apoiando-se para o efeito nas razões que de<br />

seguida e sinteticamente vamos referir.<br />

– Não é decisivo, por argumento “a<br />

contrario”, do estatuído no citado art.º 1722.º, n.º<br />

2, alínea b), que os bens adquiri<strong>dos</strong> por usucapião<br />

fundada em posse, com início na constância do<br />

casamento, revistam sempre a natureza de bens<br />

comuns, porque, por um lado, para haver<br />

usucapião, é necessário que a posse se revele<br />

através <strong>dos</strong> seus elementos essenciais, o corpus e o<br />

animus e, por outro, mesmo nos casos em que<br />

vigora imperativamente o regime da comunhão de<br />

adquiri<strong>dos</strong>, a lei introduz desvios a essa regra, que<br />

constituem excepções ao regime, como é o caso da<br />

alínea c) do art.º 1723.º, do C.C. 1<br />

– A intervenção do cônjuge não titular na<br />

escritura de justificação 2 só se entende se for para<br />

confirmar que o bem é próprio do seu cônjuge, por<br />

analogia com o disposto na referida alínea c), já<br />

que, doutro modo – se a natureza comum ou<br />

própria <strong>dos</strong> bens justifica<strong>dos</strong> dependesse<br />

unicamente das datas do início da posse e do<br />

casamento <strong>dos</strong> justificantes – ela não seria<br />

necessária (em especial quando o bem é próprio do<br />

outro cônjuge), pois bastariam, para o efeito, a<br />

certidão de casamento e a declaração da data do<br />

início da posse (feita pelo justificante, e<br />

confirmada pelas testemunhas) para fixar a<br />

natureza própria ou comum, que resultaria<br />

automaticamente da lei, verifica<strong>dos</strong> que fossem os<br />

requisitos legais da usucapião.<br />

– Conquanto a causa da aquisição seja a<br />

usucapião, não são irrelevantes as circunstâncias<br />

de facto em que aquela se baseia, particularmente<br />

quando a posse <strong>dos</strong> bens se fundar na sucessão<br />

hereditária, por força do disposto nos artigos<br />

2050.º, n.ºs 1 e 2, 2031.º e 1317.º, to<strong>dos</strong> do Código<br />

Civil. 3 Em razão do previsto neste art.º 2050.º, não<br />

tendo a partilha efeitos translativos, mas apenas<br />

confirmativos, “… compreende-se mal que a<br />

propriedade <strong>dos</strong> bens, nesse caso, dependa apenas<br />

de um aspecto formal: se houve título formal de<br />

partilha, então o bem é … próprio do herdeiro; se<br />

1 Nos termos da qual, conservam a qualidade de bens<br />

próprios: Os bens adquiri<strong>dos</strong> ou as benfeitorias feitas com<br />

dinheiro ou valores próprios de um <strong>dos</strong> cônjuges, desde que<br />

a proveniência do dinheiro ou valores seja devidamente<br />

mencionada no documento de aquisição ou em documento<br />

equivalente, com a intervenção de ambos os cônjuges.”.<br />

2 Intervenção propugnada pelo parecer emitido no P.º R.P.<br />

28/2001 in B.R.N., <strong>II</strong>, ao defender que “… na escritura de<br />

justificação notarial em que seja invocada a usucapião de<br />

direitos reais sobre bens do casal intervenham ambos os<br />

cônjuges casa<strong>dos</strong> sob o regime da comunhão de adquiri<strong>dos</strong>,<br />

quer se trate de bens comuns, quer de bens próprios de cada<br />

um deles, devendo no título ficar assente a qual das massas<br />

patrimoniais esses bens pertencem”.<br />

3 Dos quais resulta que o domínio e a posse <strong>dos</strong> bens da<br />

herança adquirem-se pela aceitação (expressa ou tácita),<br />

independentemente da sua apreensão material e que os<br />

efeitos da aceitação se retrotraem ao momento da abertura da<br />

sucessão, a qual ocorre na altura da morte do seu autor.


Nº 4/2005 – Maio/Junho/Julho 2005 25<br />

por qualquer razão essa formalização não é<br />

possível e o interessado tiver que recorrer à<br />

justificação, já será obrigatoriamente bem comum<br />

do casal.”.<br />

5 – Os Serviços Jurídicos desta Direcção-<br />

Geral pronunciaram-se pela inadmissibilidade<br />

legal de estipulação, em escritura de justificação,<br />

mediante declaração prestada por ambos os<br />

cônjuges casa<strong>dos</strong> no regime da comunhão de<br />

adquiri<strong>dos</strong> de que o bem adquirido por usucapião<br />

fundada em posse iniciada na constância do<br />

casamento seja bem próprio do justificante, sob<br />

pena de nulidade do título, face ao disposto nos<br />

arts. 1714.º, n.ºs 1 e 2, 1722.º, n.º1, alínea c) e n.º<br />

2, alínea b), e 1724.º, alínea b), do Código Civil.<br />

<strong>II</strong> – Expostas as situações em confronto,<br />

consideradas a tempestividade do recurso e a<br />

inexistência de nulidades, excepções ou questões<br />

prévias impeditivas do conhecimento do mérito,<br />

cumpre emitir parecer.<br />

1 – Entre outros mo<strong>dos</strong> de aquisição do<br />

direito de propriedade, conta-se a usucapião (art.º<br />

1316.º, C.Civil) que, analisando-se na posse desse<br />

direito, mantida por certo lapso de tempo, propicia<br />

ao possuidor a aquisição do mesmo (art.º 1287.º,<br />

C.Civil).<br />

Tratando-se de uma faculdade atribuída por<br />

lei, ela não produz os seus efeitos de modo<br />

automático, antes a sua eficácia carece da<br />

respectiva invocação, designadamente, através da<br />

celebração de uma escritura de justificação notarial<br />

que, quando vise o estabelecimento do trato<br />

sucessivo no registo predial, deve consubstanciarse<br />

na declaração feita pelo interessado em que este<br />

se afirme, com exclusão de outrem, titular do<br />

direito que se arroga, especificando a causa da sua<br />

aquisição e os motivos que o impossibilitam de a<br />

comprovar pelos meios normais; e, quando for<br />

alegada a usucapião fundada em posse não<br />

titulada, mencionando expressamente as<br />

circunstâncias de facto que determinam o seu<br />

início, bem como as que caracterizam e integram a<br />

posse conducente à usucapião, em conformidade<br />

com o disposto nos artigos 89.º e 116.º, n.º 1, <strong>dos</strong><br />

Códigos do <strong>Notariado</strong> e do Registo Predial,<br />

respectivamente.<br />

De acordo com a definição fornecida pelo<br />

artigo 1259.º do Código Civil, entende-se por<br />

posse titulada a que se baseia “… em qualquer<br />

modo legítimo de a adquirir, independentemente,<br />

quer do direito do transmitente, quer da validade<br />

substancial do negócio jurídico.”. De sorte que se<br />

o acto for “… nulo por vício de forma, como se,<br />

por exemplo, se compra um prédio por escrito<br />

particular ou verbalmente, a posse que daí deriva<br />

não é titulada. 4 ”.<br />

No caso em análise, foi alegada, na<br />

respectiva escritura, como causa da aquisição, a<br />

partilha verbal em sucessão “mortis causa” ;<br />

trata-se, pois, de uma posse não titulada. Mas não<br />

é apenas do ponto de vista estritamente formal –<br />

como também acontece na situação concreta – que<br />

a partilha não configura um justo título, já que “…<br />

o escopo da escritura de partilhas é apenas o de<br />

fixar ou concretizar em bens determina<strong>dos</strong> a quota<br />

ideal ou abstracta de cada um <strong>dos</strong> contitulares no<br />

acervo patrimonial a partilhar. Não se trata de<br />

actos translativos, faltando neles o transmitente<br />

de que fala o n.º 1 do art.º 1259.º (no sentido de<br />

que a posse titulada tem de assentar sempre num<br />

acto translativo … )”. Além de que “… a partilha<br />

não faz nascer nos compartilhantes uma maior<br />

confiança na titularidade do direito real<br />

correspondente à posse, não havendo, por isso,<br />

justificação para conferir a esta uma tutela mais<br />

forte.” 5<br />

A partilha não tem eficácia constitutiva ou<br />

atributiva <strong>dos</strong> direitos ou posse ao herdeiro,<br />

relativamente aos bens que lhe foram atribuí<strong>dos</strong>,<br />

conquanto também não seja meramente declarativa<br />

de um direito preexistente. Ela representa apenas<br />

um abandono da posse sobre os bens adjudica<strong>dos</strong> a<br />

algum <strong>dos</strong> herdeiros por parte <strong>dos</strong> restantes<br />

consortes não contempla<strong>dos</strong> nessa distribuição,<br />

importando tal abandono que o herdeiro a quem<br />

esses bens foram atribuí<strong>dos</strong> passe a ser<br />

considerado, desde a abertura da herança, o seu<br />

único sucessor.<br />

A partilha tem, assim, natureza modificativa,<br />

pois altera situações jurídicas preexistentes 6 ,<br />

4 Pires de Lima e Antunes Varela, in “Código Civil<br />

Anotado”, vol. <strong>II</strong>I, 2.ª edição, pág. 18).<br />

5 Autores, obra e local cita<strong>dos</strong>.<br />

6<br />

Oliveira Ascensão, in “Direito Civil-Sucessões”, 5.ª<br />

edição, pág.546.


Nº 4/2005 – Maio/Junho/Julho 2005 26<br />

extinguindo-se, por meio dela e sobre os bens que<br />

ficaram a pertencer a um co-herdeiro, os direitos<br />

ou posse concorrente <strong>dos</strong> demais consortes sobre<br />

tais bens. Todavia, não opera a transmissão da<br />

posse, pelo que não configura um justo título de<br />

posse do herdeiro, relativamente aos bens que lhe<br />

foram atribuí<strong>dos</strong>.<br />

O mesmo não se poderá dizer da aceitação<br />

da herança, pela qual, nos termos do disposto no<br />

n.º 1 do art.º 2050.º do Código Civil, se adquirem<br />

o domínio e a posse <strong>dos</strong> bens da herança,<br />

independentemente da sua apreensão material.<br />

Portanto, a origem da posse do herdeiro<br />

contemplado está na aceitação da herança, a qual<br />

constitui um justo título e cujos efeitos, de acordo<br />

com o previsto no n.º 2 do mesmo artigo, se<br />

retrotraem ao momento da abertura da sucessão 7 .<br />

A sucessão por morte é, pois, também título<br />

da sucessão na posse. E o herdeiro, adquirindo<br />

pela aceitação a posse <strong>dos</strong> bens da herança,<br />

continua, no entanto, e por força do previsto no<br />

art.º 1255.º do Código citado, a posse do “de<br />

cuius”. Deste modo,”… a posse do herdeiro é a<br />

continuação da posse do de cuius. Existe … uma<br />

ambivalência. Por um lado tal posse remonta à do<br />

de cuius; mas, por outro continua no herdeiro e<br />

pela aceitação o herdeiro adquiriu essa posse<br />

(art.º 2050.º). (…) a posse é um conceito dinâmico,<br />

não estático (…) com a morte do de cuius e com a<br />

sucessão <strong>dos</strong> herdeiros ou legatários há uma<br />

novação subjectiva do titular da relação<br />

possessória… 8 ”.<br />

A sucessão na posse não é uma mera<br />

transmissão, mas um fenómeno de sucessão<br />

“próprio sensu”. “Tudo se passa como se,<br />

constituída uma situação possessória, esta<br />

permanecesse estática, havendo, apenas uma<br />

modificação no seu sujeito. (…) A natureza<br />

intrinsecamente sucessória, da sucessão na posse<br />

dá lugar a diversas particularidades de regime.<br />

Assim: – não é necessária apreensão material da<br />

coisa; – não é necessário qualquer acordo ou<br />

qualquer declaração de vontade, a tanto dirigida;<br />

7 Aceitação que, nos termos do disposto no art.º 2056.º do<br />

Código Civil, pode ser expressa ou tácita, verificando-se a<br />

primeira quando “… nalgum documento escrito o sucessível<br />

chamado à herança assume o título de herdeiro com a<br />

intenção de a adquirir.”.<br />

8 Durval Ferreira, in “Posse e Usucapião”, pág. 216.<br />

não há nenhuma modificação no<br />

circunstancialismo que qualifique a posse em<br />

causa. (…) o sucessor não tem de dar o seu<br />

assentimento para que a sucessão opere: basta a<br />

sua qualidade de sucessor. (…) A acessão na<br />

posse é facultativa (“ … pode juntar à sua a posse<br />

do antecessor…”), enquanto a sucessão é fatal.”. 9<br />

Portanto, com a morte do autor da sucessão,<br />

a posse transfere-se para os herdeiros e legatários,<br />

adquirindo, porém, individualidade própria logo<br />

que cada um daqueles comece a deter os prédios<br />

que integram a referida universalidade. Não<br />

obstante a união automática, por força da lei, entre<br />

a posse do “de cuius” e a do próprio herdeiro, este<br />

poderá – quando entre na posse efectiva de certo<br />

direito – invocá-la como posse própria, desde que<br />

a sua conduta, posteriormente à aceitação da<br />

herança, mantida pelo tempo necessário para<br />

conduzir à usucapião, consubstancie uma inversão<br />

do título da posse ou uma oposição contra os<br />

demais herdeiros, afasta<strong>dos</strong>, assim, da sucessão<br />

relativamente ao prédio sobre o qual incidiu esse<br />

comportamento possessório.<br />

A posse cuja origem reside na aceitação da<br />

herança transmite-se a to<strong>dos</strong> os herdeiros e recai<br />

sobre to<strong>dos</strong> os bens que a integram e para que<br />

possa conduzir à aquisição, por parte de um deles,<br />

de um direito de propriedade exclusiva sobre<br />

determinado prédio, necessário se torna que essa<br />

posse passe a ser exercida com o ânimo de único<br />

proprietário, ou seja, que em vez da invocação de<br />

uma posse uti condominus, seja alegada uma posse<br />

uti dominus, reportando-se, como tal, o seu início à<br />

data do começo dessa posse própria, à qual<br />

retrotraem, nos termos do disposto no artigo 1288.º<br />

do Código Civil, os efeitos da invocada usucapião.<br />

Parece ter sido isto que se verificou no caso<br />

“sub judice”. E como o tempo necessário para a<br />

usucapião só começa a correr desde a inversão do<br />

título – ou seja, quando o co-herdeiro justificante<br />

inicia a sua posse exclusiva sobre o prédio objecto<br />

da justificação, agindo como proprietário e não,<br />

como até aí, como contitular – os efeitos da mesma<br />

reportam-se à data do começo dessa posse, a saber,<br />

consoante decorre do respectivo título, o ano de<br />

1981.<br />

9 António Menezes Cordeiro, in “A posse – Perspectivas<br />

Dogmáticas Actuais”, 5.ª edição, págs. 109/110.


Nº 4/2005 – Maio/Junho/Julho 2005 27<br />

A escritura que instruiu o pedido de registo<br />

teve, pois, em vista titular a aquisição de um<br />

prédio por usucapião fundada em posse que teve o<br />

seu início em 1981, data posterior à da celebração<br />

do casamento <strong>dos</strong> justificantes, que na mesma<br />

declararam ter-se consorciado no ano de 1968.<br />

2 – Acontece que a usucapião invocada<br />

naquele documento notarial fundamenta-se na<br />

posse exercida apenas pelo cônjuge marido do<br />

casal justificante que, de acordo com o inserto no<br />

texto da referida escritura, terá adquirido o bem<br />

dela objecto, “… como bem próprio, por<br />

usucapião ...”.<br />

E a questão que se coloca é a de saber se,<br />

face às disposições legais vigentes, tal é<br />

admissível, considerando que a alegada posse se<br />

iniciou após a celebração do casamento.<br />

O regime da comunhão de adquiri<strong>dos</strong><br />

caracteriza-se pela existência ou possibilidade de<br />

existência de bens comuns e de bens próprios de<br />

cada um <strong>dos</strong> cônjuges e vigora, como regime<br />

supletivo, na falta de convenção antenupcial ou no<br />

caso de caducidade, invalidade ou ineficácia da<br />

convenção (art.º 1717.º do Código Civil). Os bens<br />

comuns formam uma massa patrimonial dotada<br />

pela lei de certo grau de autonomia, em vista da<br />

sua especial afectação aos interesses e fins da<br />

sociedade conjugal. Trata-se de um património<br />

colectivo, que pertence em comum aos dois<br />

cônjuges, não se repartindo entre eles por quotas<br />

ideais, como na compropriedade. A autonomia <strong>dos</strong><br />

bens comuns relativamente aos próprios de cada<br />

um <strong>dos</strong> cônjuges é, todavia, limitada e incompleta,<br />

já que eles não respondem só pelas dívidas<br />

comuns, mas também, ainda que excepcionalmente,<br />

por dívidas próprias, e não respondem só<br />

eles pelas dívidas comuns, pelas quais respondem<br />

também, ainda que, subsidiariamente, os bens<br />

próprios de qualquer <strong>dos</strong> cônjuges. 10<br />

E bens comuns são, neste regime<br />

matrimonial, conforme o previsto no art.º 1724.º<br />

do Código Civil, o produto do trabalho <strong>dos</strong><br />

cônjuges e os bens por eles adquiri<strong>dos</strong>, na<br />

10 Francisco Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, in<br />

Curso de Direito de Família”, vol. I, 3.ª edição, págs<br />

552/553.<br />

constância do casamento, que não sejam<br />

exceptua<strong>dos</strong> por lei 11 .<br />

As excepções a esta regra da comunhão <strong>dos</strong><br />

bens adquiri<strong>dos</strong> na vigência da sociedade conjugal<br />

vêm enunciadas nas alíneas b) e c) do n.º 1 do art.º<br />

1722.º do mesmo Código, e dizem respeito aos<br />

adquiri<strong>dos</strong>, após o casamento, por sucessão e<br />

doação, e aos adquiri<strong>dos</strong>, na constância do mesmo,<br />

por virtude de direito próprio anterior. Entre estes,<br />

a lei [n.º 2, alínea b) do mesmo artigo] enuncia<br />

“Os bens adquiri<strong>dos</strong> por usucapião fundada em<br />

posse que tenha o seu início antes do casamento”.<br />

Esta solução adoptada pela lei relativamente<br />

a tais bens decorre, no entender <strong>dos</strong> autores que<br />

temos vindo a citar, do modo como o sistema<br />

jurídico perspectiva a aquisição da propriedade por<br />

usucapião; é que a titularidade sobre o bem<br />

retroage ao tempo do início da posse [art.º 1317.º,<br />

alínea c)], pelo que, quando se completa o prazo da<br />

usucapião, o cônjuge adquirente torna-se<br />

proprietário desde uma data anterior à celebração<br />

do matrimónio, sendo, assim, natural que o bem<br />

adquirido por esta forma não ingresse na massa<br />

<strong>dos</strong> bens comuns.<br />

Mas, no caso em apreço, a posse teve início<br />

na constância do casamento, pelo que o prédio não<br />

poderá, ao abrigo da norma referida, ser<br />

considerado como bem próprio.<br />

Todavia, sendo a lista <strong>dos</strong> bens considera<strong>dos</strong><br />

como próprios, porque adquiri<strong>dos</strong> “… por direito<br />

próprio anterior…” exemplificativa – como aliás<br />

decorre da linguagem empregue “Consideram-se,<br />

11 Autores e obra cita<strong>dos</strong> ( nota supra), págs. 569 e 590 –<br />

“Cabem nesta rubrica, …, os bens adquiri<strong>dos</strong> a título<br />

oneroso – compra<strong>dos</strong>, troca<strong>dos</strong> – sendo certo que, por<br />

vezes, os bens que resultam destas operações vêm a ser<br />

exceptua<strong>dos</strong> da comunhão e a ser integra<strong>dos</strong> no património<br />

próprio do adquirente, p. ex. através do mecanismo da subrogação<br />

real(art.º 1723.º). Cabem ainda nesta rubrica os<br />

bens adquiri<strong>dos</strong> pelas formas de aquisição originária,<br />

designadamente por ocupação, por acessão e por usucapião<br />

(desde que a posse não tenha tido o seu início antes do<br />

matrimónio – art.º 1722.º, n.º2, alínea b)).” Neste mesmo<br />

sentido, em anotação ao art.º 1722.º, Pires de Lima e<br />

Antunes Varela, in “Código Civil Anotado”, vol. IV, 2.ª<br />

edição, pág. 422: “Houve, assim, a manifesta intenção de<br />

excluir do núcleo <strong>dos</strong> bens próprios as coisas adquiridas v.<br />

g. por ocupação…, por acessão…, por usucapião (contanto<br />

que fundada em posse que tenha tido o seu início depois da<br />

celebração do casamento: art.º 1722.º, n.º2, alínea b)),etc.”.<br />

(Destaca<strong>dos</strong> a negro nossos).


Nº 4/2005 – Maio/Junho/Julho 2005 28<br />

entre outros… – ”, não podemos daí concluir, por<br />

simples argumento “a contrario” que esse bem é<br />

comum, já que fica sempre em aberto a<br />

possibilidade da existência de outros bens próprios<br />

naquelas condições. Não é o caso, pelas razões<br />

antes expostas (ponto 1), da aquisição por<br />

usucapião com fundamento na posse iniciada por<br />

partilha verbal, uma vez que a causa da aquisição,<br />

como então salientámos, é a usucapião e não a<br />

sucessão ou a partilha da herança.<br />

Além <strong>dos</strong> referencia<strong>dos</strong>, são considera<strong>dos</strong><br />

como bens próprios de cada um <strong>dos</strong> cônjuges, no<br />

regime da comunhão de adquiri<strong>dos</strong>, aqueles a que<br />

se referem os artigos 1722.º, n.º1, alínea a), 1723.º<br />

e 1726.º a 1729.º, em nenhum <strong>dos</strong> quais, a nosso<br />

ver, se poderá incluir um prédio adquirido por<br />

usucapião com base em posse iniciada depois da<br />

celebração do casamento. Não obstante, é pelo<br />

recurso à analogia com o que se passa com os<br />

prédios subroga<strong>dos</strong> no lugar de bens próprios –<br />

que conservam essa qualidade – a que se refere a<br />

alínea c) do citado art.º 1723.º (bens adquiri<strong>dos</strong><br />

com dinheiro ou bens próprios de um <strong>dos</strong><br />

cônjuges, desde que a proveniência do dinheiro ou<br />

valores seja devidamente mencionada no<br />

documento de aquisição, ou em documento<br />

equivalente, com intervenção de ambos os<br />

cônjuges) que o Sr. Notário “a quo” procura<br />

explicar a natureza de bem próprio do prédio<br />

relativamente ao qual foi invocada a usucapião<br />

pelo cônjuge que exerceu a posse. Entendemos que<br />

a analogia não procede em absoluto, desde logo<br />

porque tal preceito respeita exclusivamente a bens<br />

subroga<strong>dos</strong> no lugar de bens próprios.<br />

Como se disse, é o início da posse que marca<br />

o momento da aquisição da propriedade por<br />

usucapião, a ele se reportando a titularidade sobre<br />

o bem. Não operando a usucapião automáticamente,<br />

antes carecendo de ser invocada, será que a<br />

alegada posse, exercitada apenas por um <strong>dos</strong><br />

cônjuges – ainda que de acordo com a declaração<br />

de ambos – pode subtrair o prédio sobre o qual<br />

recaiu à qualificação como bem comum do casal<br />

(atento o facto do seu início ocorrer na constância<br />

do matrimónio), considerada a presunção de<br />

comunhão fixada pela referida alínea b) do artigo<br />

1724.º? A resposta afirmativa a esta interrogação<br />

significaria deixar na disponibilidade da vontade<br />

<strong>dos</strong> cônjuges a determinação da natureza <strong>dos</strong> bens,<br />

tornando-a independente do regime matrimonial<br />

adoptado – quer por virtude da celebração de<br />

convenção antenupcial, quer, na sua falta, da<br />

aplicação do regime legal supletivo – e<br />

desrespeitando, por essa via, o princípio da<br />

imutabilidade das convenções antenupciais e do<br />

regime de bens resultante da lei, tal como é<br />

concebido pelo artigo 1714.º, n.ºs 1 e 2 do Código<br />

citado. 12 Entendido em sentido amplo, este<br />

princípio abrange não só as cláusulas constantes da<br />

convenção ou as normas do regime legalmente<br />

fixado, relativas à administração ou disposição de<br />

bens, mas também a situação concreta <strong>dos</strong> bens<br />

<strong>dos</strong> cônjuges que interessa às relações entre eles.<br />

A regra da imutabilidade proíbe, assim, a<br />

celebração de negócios que, por forma directa ou<br />

indirecta, impliquem modificação das massas<br />

patrimoniais pertencentes ao casal, ou seja, é<br />

vedado aos cônjuges a modificação do seu estatuto<br />

patrimonial depois da celebração do casamento. 13<br />

14<br />

Face ao exposto, como acertadamente se<br />

concluiu no bem elaborado parecer da D.S.J., não<br />

se afigura legalmente admissível determinar em<br />

escritura de justificação que o bem adquirido por<br />

usucapião fundada em posse iniciada na constância<br />

do casamento tem a natureza de bem próprio.<br />

Apenas e ainda, a propósito da discutida<br />

intervenção de ambos os cônjuges como<br />

outorgantes na referida escritura de justificação<br />

notarial, cumpre dizer que a mesma não poderia<br />

explicar 15 a natureza alegadamente própria (de um<br />

12 Vide Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, ob. cit.,<br />

pág. 532: “… não é só o regime de bens convencionado<br />

pelos nubentes que não pode ser modificado na constância<br />

do matrimónio, mas também o regime supletivo que, na falta<br />

de convenção, se aplica por determinação da lei nos termos<br />

do art.º 1717.º.”. (Destaca<strong>dos</strong> a negro nossos)<br />

13 Como referiu Pires de Lima, in Rev. Leg. Jur., ano 99.º,<br />

pág. 172: “Não podem bens próprios entrar na comunhão;<br />

não podem bens comuns ser atribuí<strong>dos</strong> em propriedade<br />

exclusiva a qualquer deles; não podem ser transmiti<strong>dos</strong>,<br />

onerosa e irrevogavelmente, os bens de um para outro.”.<br />

14 Esta é também a orientação perfilhada pelo Conselho<br />

Técnico, v. g., in P.º R.º P.º 174/2000 DSJ-CT, publicado<br />

no B.R.N. <strong>II</strong>, 2/2001.<br />

15 Como parece ter entendido o Ex.mo Notário: “… a<br />

intervenção do cônjuge não titular só se entende, salvo


Nº 4/2005 – Maio/Junho/Julho 2005 29<br />

<strong>dos</strong> cônjuges) do prédio a que respeita. Do ponto<br />

de vista da legitimidade para invocar a usucapião,<br />

seria até precisamente o contrário, já que “… a<br />

regra da codirecção ou direcção conjunta levarnos-ia<br />

a exigir a intervenção de ambos os<br />

cônjuges na invocação da usucapião de bens<br />

comuns não elenca<strong>dos</strong> nas alíneas do n.º 2 do art.º<br />

1678.º do C.C., enquanto que os desvios a esta<br />

regra, a regra de que cada cônjuge administra os<br />

bens próprios levar-nos-ia a exigir apenas a<br />

intervenção do cônjuge administrador na<br />

invocação da usucapião <strong>dos</strong> bens comuns<br />

enumera<strong>dos</strong> nas alíneas do n.º 2 do art.º 1678.º e<br />

<strong>dos</strong> bens próprios.”. 16<br />

De resto, a intervenção de ambos os<br />

cônjuges casa<strong>dos</strong> sob o regime da comunhão de<br />

adquiri<strong>dos</strong> na escritura de justificação notarial em<br />

que seja invocada a usucapião sobre bens comuns<br />

do casal, sustentada na conclusão I do parecer a<br />

que pertence a transcrição efectuada, cobra a sua<br />

razão de ser na segurança do comércio jurídico<br />

imobiliário que se visa alcançar com a publicidade<br />

da situação jurídica <strong>dos</strong> prédios, “… devendo no<br />

título ficar assente a qual das massas patrimoniais<br />

esses bens pertencem.”.<br />

3 – Tendo em consideração tudo o que se<br />

acabou de expor, entendemos que, nos termos do<br />

disposto nos artigos 294.º e 295.º do Código Civil,<br />

é nula a justificação levada a cabo pela escritura<br />

apresentada, por violação do prescrito nos artigos<br />

1714.º , n.ºs 1 e 2, 1722.º, n.º1, alínea c) e n.º 2,<br />

alínea b), e ainda 1724.º, alínea b), to<strong>dos</strong> do<br />

mesmo Código.<br />

Acontece, porém, que essa escritura serviu<br />

de título não apenas à aquisição de 6/7 do prédio,<br />

com base em usucapião, mas também ao contrato<br />

de compra e venda da restante fracção indivisa<br />

entre o comproprietário, titular inscrito dessa<br />

fracção, e o justificante, contrato cujos efeitos, nos<br />

termos das disposições conjugadas <strong>dos</strong> artigos<br />

409.º e 1317.º, n.º1, alínea a) do Código Civil já se<br />

produziram, transferindo a propriedade de 1/7 para<br />

o comprador. Mas a nulidade da justificação<br />

quanto aos 6/7 é causa de incerteza quanto à massa<br />

patrimonial em que deve ingressar a fracção de<br />

melhor opinião, se for para confirmar que o bem é próprio<br />

do seu cônjuge…”.<br />

16 Vide P.º R. P. 28/2001, cit.<br />

1/7, adquirida por compra, dado que, por força do<br />

disposto no art.º 1727.º C.C., “A parte adquirida<br />

em bens indivisos pelo cônjuge que deles for<br />

comproprietário fora da comunhão reverte<br />

igualmente para o seu património próprio …”.<br />

Deste modo, o recurso interposto merece<br />

provimento parcial, sendo de recusar, nos<br />

termos do disposto na alínea d) do n.º 1 do art.º<br />

69.º, do Código do Registo Predial, o registo de<br />

aquisição <strong>dos</strong> 6/7 do prédio, e de efectuar<br />

provisoriamente por natureza, ao abrigo do<br />

art.º 92.º, n.º 2, alínea d), do mesmo Código, o<br />

registo da aquisição do 1/7.<br />

Se esta qualificação vier a ser impugnada<br />

e a impugnação for julgada procedente,<br />

registar-se-á à inscrição ora efectuada a<br />

conversão, com a menção de que o bem<br />

adquirido (1/7) é próprio. Não havendo impugnação<br />

ou sendo esta julgada improcedente,<br />

averbar-se-á oficiosamente à inscrição ora<br />

efectuada a conversão, com a menção de que se<br />

trata de bem comum.<br />

4 – Rematamos, formulando as seguintes<br />

Conclusões<br />

I – A justificação notarial, para estabelecimento<br />

do trato sucessivo, consiste na declaração feita<br />

pelo interessado em que este se afirme, com<br />

exclusão de outrem titular do direito de que se<br />

arroga, especificando a causa da sua aquisição e<br />

as razões que o impossibilitam de a comprovar<br />

pelos meios normais, mencionando expressamente,<br />

quando a usucapião for alegada e se<br />

funde em posse não titulada, as circunstâncias<br />

de facto que determinam o início desta, bem<br />

como as que caracterizam e integram a posse<br />

conducente à usucapião (art.s 89.º e 116.º, n.º1,<br />

<strong>dos</strong> Códigos do <strong>Notariado</strong> e do Registo Predial,<br />

respectivamente).<br />

<strong>II</strong> – No regime da comunhão de adquiri<strong>dos</strong>, são<br />

considera<strong>dos</strong> bens próprios de cada um <strong>dos</strong><br />

cônjuges, entre outros, os adquiri<strong>dos</strong> na


Nº 4/2005 – Maio/Junho/Julho 2005 30<br />

constância do matrimónio por virtude de<br />

direito próprio anterior, incluindo-se, nesta<br />

espécie, a título exemplificativo, os bens<br />

adquiri<strong>dos</strong> por usucapião fundada em posse<br />

que tenha o seu início antes do casamento [art.º<br />

1722.º, n.º1, alínea c) e n.º2, alínea b), do Código<br />

Civil].<br />

<strong>II</strong>I – A posse, como pressuposto decisivo do<br />

funcionamento da usucapião, faculta ao seu<br />

titular – demandando, assim, para ser eficaz, a<br />

respectiva invocação judicial ou extrajudicial<br />

por aquele a quem aproveita, pelo seu<br />

representante ou, tratando-se de incapaz, pelo<br />

Ministério Público – a aquisição do direito a<br />

cujo exercício corresponde a sua actuação,<br />

desde que revista outras características fixadas<br />

na lei civil, às quais não é indiferente a<br />

determinação da data do seu início, já que por<br />

ela se afere o momento de aquisição do direito<br />

de propriedade [art.º 1317.º, alínea c) do Código<br />

Civil].<br />

IV – Para o efeito previsto na parte final da<br />

anterior conclusão, não é irrelevante – antes<br />

pelo contrário – a circunstância da origem da<br />

posse do justificante residir na sucessão<br />

hereditária, cujo título é, não a invocada<br />

partilha verbal, mas a aceitação da herança,<br />

porquanto, nos termos do disposto no art.º<br />

2050.º do Código Civil, o domínio e a posse <strong>dos</strong><br />

bens que a integram se adquirem pela aceitação<br />

– cujos efeitos retroagem ao momento da<br />

abertura da sucessão – , independentemente da<br />

sua apreensão material. E, pela aceitação da<br />

herança, o herdeiro não só adquire a posse <strong>dos</strong><br />

bens da herança, como continua a posse do “ de<br />

cuius”.<br />

propriedade exclusiva, já que só o seu<br />

comportamento possessório, exercitado com o<br />

ânimo de único proprietário do prédio,<br />

posteriormente à aceitação da herança e<br />

mantido pelo tempo necessário à usucapião<br />

pode consubstanciar uma inversão do título da<br />

posse ou uma oposição aos demais herdeiros,<br />

assim afasta<strong>dos</strong> da sucessão de tal prédio. É à<br />

data do início dessa posse exercida com ânimo<br />

de proprietário exclusivo da coisa que a<br />

usucapião invocada retrotrai os seus efeitos, nos<br />

termos do disposto no artigo 1288.º do Código<br />

Civil.<br />

VI – É nula (art.s 294.º e 295.º do Código Civil)<br />

a justificação notarial contida em escritura na<br />

qual tenha sido estipulado, por declaração<br />

prestada por ambos os cônjuges, casa<strong>dos</strong> em<br />

comunhão de adquiri<strong>dos</strong>, que é bem próprio do<br />

justificante o bem adquirido por usucapião<br />

fundada em posse iniciada na constância do<br />

casamento, por violação do disposto nos artigos<br />

1714.º, n.º s 1 e 2, 1722.º, n.º 1, alínea c) e n,º 2,<br />

alínea b), e 1724.º, alínea b), do mesmo Código.<br />

Este parecer foi aprovado em sessão do<br />

Conselho Técnico da Direcção-Geral <strong>dos</strong> <strong>Registos</strong><br />

e do <strong>Notariado</strong> de 08.06.2005.<br />

Maria Eugénia Cruz Pires <strong>dos</strong> Reis Moreira,<br />

relatora, João Guimarães Gomes de Bastos, Olga<br />

Maria Barreto Gomes, José Joaquim Carvalho<br />

Botelho, César Gomes.<br />

V – Mas à posse adquirida por sucessão – que<br />

se transmite a to<strong>dos</strong> os herdeiros e recai sobre<br />

to<strong>dos</strong> os bens que integram a herança – une-se<br />

automaticamente a do próprio herdeiro. Não<br />

obstante, é apenas esta posse própria sobre um<br />

<strong>dos</strong> prédios do acervo hereditário que o<br />

sucessor poderá invocar com vista à aquisição<br />

por usucapião do respectivo direito de


Nº 4/2005 – Maio/Junho/Julho 2005 31<br />

Este parecer foi homologado por despacho<br />

do Director-Geral de 14.06.2005.<br />

Proc. nº R.P. 122/2003 DSJ-CT- Penhora do<br />

usufruto sobre determinado prédio – Forma<br />

pela qual se deve proceder à Penhora: termo no<br />

processo ou notificação ao seu proprietário –<br />

Título para o registo.<br />

Registo a qualificar: Penhora do usufruto da<br />

fracção autónoma descrita na ficha nº<br />

05040/950606 – L – …, requisitado pela Ap. 09,<br />

de 20 de Março de 2003.<br />

Relatório:<br />

Maria do Rosário CA é usufrutuária inscrita<br />

da fracção autónoma em causa (F-1 – Ap.<br />

02/971031).<br />

Na execução sumária nº 4467/1996, da 3ª<br />

Vara Cível de …, … Secção, em que é exequente<br />

o ora recorrente e executa<strong>dos</strong> aquela Maria do<br />

Rosário e outro, foi penhorado por termo no<br />

processo o usufruto da dita fracção autónoma.<br />

Com base em certidão extraída <strong>dos</strong> autos de<br />

execução nos termos do nº 5 do art. 838º do C.P.C.<br />

(na redacção anterior à Reforma) foi requisitado o<br />

registo da penhora.<br />

O registo foi efectuado provisoriamente por<br />

natureza – nos termos da al. n) do nº 1 do art. 92º<br />

do C.R.P. (redacção anterior à Reforma) – e por<br />

dúvidas, neste último segmento porque “do título<br />

apresentado a registo não consta a data do<br />

despacho que ordenou a penhora, e que tem de<br />

constar do registo provisório por natureza lavrado<br />

nos termos da alínea n) do nº 1 do artigo 92º do<br />

Código do Registo Predial, data essa exigida pela<br />

2ª parte da alínea l) do nº 1 do artigo 95º do<br />

mencionado Código”.<br />

Foi interposto recurso hierárquico onde<br />

basicamente se aduziu a seguinte argumentação:<br />

a) A lei não prevê o procedimento da<br />

penhora do usufruto, pelo que a mesma deve ser<br />

feita de acordo com o estabelecido para a penhora<br />

das coisas imóveis, ou seja, por termo no processo<br />

(cfr. art.s 838º, nº 3, e 863º, C.P.C.);<br />

b) Estando, assim, a diligência de penhora<br />

efectuada e não apenas ordenada, não tem<br />

aplicação a al. n) do nº 1 do art. 92º do C.R.P.,<br />

pelo que o registo não deveria ter sido lavrado<br />

provisoriamente por natureza, e precisamente por<br />

isso também não deveria ter sido lavrado<br />

provisoriamente por dúvidas dado que irrelevante<br />

se torna a data do despacho ordenatório da<br />

penhora.<br />

A Senhora Conservadora recorrida sustentou<br />

o despacho de qualificação.<br />

Alega que o usufruto é um ius in re aliena,<br />

pelo que a penhora deste direito deve revestir a<br />

forma da penhora de direitos. O nº 4 do art. 862º<br />

do C.P.C. contempla também a penhora de outros<br />

direitos reais cujo objecto não deva ser apreendido.<br />

No entendimento da recorrida, a penhora de<br />

usufruto efectua-se por notificação ao nu<br />

proprietário. A penhora feita por termo não vincula<br />

o conservador “uma vez que este só pode registar<br />

factos devidamente titula<strong>dos</strong>, nos termos do artigo<br />

68º do Código do Registo Predial”.<br />

O processo é o próprio, as partes legítimas, o<br />

recurso tempestivo, e inexistem questões prévias<br />

ou prejudiciais que obstem ao conhecimento do<br />

mérito.<br />

A posição deste Conselho vai expressa na<br />

seguinte<br />

Deliberação<br />

É título bastante para o registo da penhora de<br />

usufruto de imóvel a certidão extraída do<br />

processo executivo com o respectivo termo<br />

lavrado nesse processo (cfr. art.s 838º, nºs 3 e 5,<br />

na redacção anterior à Reforma, e 863º, ambos<br />

do C.P.C.) 1 2 .<br />

1 - Salvo o devido respeito, a atitude da recorrida em lavrar o<br />

registo provisoriamente por natureza nos termos do art. 92º,<br />

nº 1, n), do C.R.P. (redacção anterior à Reforma) não pode<br />

merecer o nosso acolhimento. Pela singela razão de que da<br />

certidão junta não consta o despacho ordenatório da penhora.<br />

Ora o conservador não pode pressupor o “título” do registo.


Nº 4/2005 – Maio/Junho/Julho 2005 32<br />

Pelo que, não tendo sido apresentado o “título” (o despacho<br />

ordenatório da penhora) que, no entender do qualificador,<br />

seria suficiente (no sentido de necessário) para o registo, a<br />

atitude correcta seria, a nosso ver, a recusa nos termos do art.<br />

69º, nº 1, b), do C.R.P.<br />

2 - Desconhecendo nós o teor do despacho ordenatório da<br />

penhora, não vamos abordar a hipótese, muito pouco<br />

provável, de nesse despacho ter sido determinado o<br />

procedimento da diligência. E, assim, também não vamos<br />

discutir – porque verdadeiramente não está em tabela nos<br />

autos – a questão de saber se o conservador está ou não<br />

vinculado à forma de realização da diligência determinada<br />

pelo juiz da execução.<br />

Assim sendo, o que importa dilucidar nos presentes autos é a<br />

questão de saber se a penhora de usufruto de imóvel é feita<br />

mediante termo no processo (posição assumida na execução<br />

e defendida pelo recorrente) ou antes mediante notificação<br />

do nu proprietário (tese da recorrida).<br />

A nossa posição é que a penhora se efectua por termo no<br />

processo.<br />

Como é consabido – e sem pretendermos tomar posição na<br />

querela doutrinal sobre o objecto da penhora (segundo Lebre<br />

de Freitas, in A Acção Executiva à Luz do Código Revisto,<br />

2ª ed., 1997, pág. 172, nota (4), «a penhora actua, em<br />

qualquer caso, sobre um bem»; de acordo com Rui Pinto,<br />

Penhora e Alienação de Outros Direitos, Execução<br />

Especializada sobre Créditos e Execução sobre Direitos não<br />

Creditícios na Reforma da Acção Executiva, in Themis Ano<br />

IV – Nº 7 – 2003, pág. 135, nota (3), «(…) a penhora há-de<br />

incidir sobre direitos» -, o Código de Processo Civil<br />

estabelece «uma tripartição fundada na diferenciação entre<br />

os mecanismos <strong>dos</strong> actos de realização da penhora (…)» (cfr.<br />

Rui Pinto, op. e local cita<strong>dos</strong>), distinguindo a lei entre<br />

penhora de bens imóveis (art.s 838º a 847º), penhora de bens<br />

móveis (art.s 848º a 855º) e penhora de direitos (art.s 856º a<br />

863º).<br />

Como salienta Lebre de Freitas, ob. cit., pág. 200, «da<br />

leitura das disposições legais indicadas resulta que o âmbito<br />

da penhora de direitos se determina por exclusão de partes:<br />

ela tem lugar quando não está em causa o direito de<br />

propriedade plena e exclusiva do executado sobre coisa<br />

corpórea [as situações de compropriedade dão lugar à<br />

penhora de direitos] nem um direito real menor que possa<br />

acarretar a posse efectiva e exclusiva de coisa (corpórea)<br />

móvel ou imóvel [a sujeição <strong>dos</strong> direitos reais menores que<br />

acarretem a posse efectiva e exclusiva da coisa às normas<br />

reguladoras da penhora de móveis ou de imóveis é feita por<br />

analogia, visto todas terem de comum o acto de<br />

desapossamento do executado, enquanto que os direitos reais<br />

menores que não acarretem a posse dão lugar à penhora de<br />

direitos]».<br />

O usufruto de coisa (corpórea) é um direito real menor. E<br />

acarreta a posse efectiva e exclusiva da coisa ?<br />

Pensamos que sim (neste sentido, cfr. Acórdão do TRP de<br />

22.01.2001, in http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf, aliás citado pelo<br />

recorrente). O usufrutuário tem posse efectiva e exclusiva da<br />

coisa. É claro que é uma posse de usufrutuário, em nome<br />

Nos termos expostos, é entendimento deste<br />

Conselho que o recurso merece provimento,<br />

devendo, imediatamente antes da conversão,<br />

completar-se a inscrição da penhora com a menção<br />

da data (22-10-2002).<br />

Esta deliberação foi aprovada em sessão do<br />

Conselho Técnico da Direcção-Geral <strong>dos</strong> <strong>Registos</strong><br />

e do <strong>Notariado</strong> de 08.06.2005.<br />

João Guimarães Gomes de Bastos, relator.<br />

Esta deliberação foi homologada por<br />

despacho do Director-Geral de 14.06.2005.<br />

próprio, em relação à nua propriedade ele é um possuidor em<br />

nome alheio (cfr. Manuel Rodrigues, in A Posse – Estudo<br />

de Direito Civil Português, 4ª ed., 1996, pág. 146). Mas nem<br />

por isso deixa de ser uma posse efectiva e exclusiva (neste<br />

sentido, Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, in<br />

Código de Processo Civil anotado, Vol. 3º, 2003, pág. 336).<br />

De tal sorte que a apreensão material da coisa é<br />

perfeitamente compatível com os direitos do nu proprietário,<br />

que não é parte na execução.<br />

Do que resulta que o nº 4 (após a Reforma, nº 5) do art. 862º<br />

do C.P.C. não é aplicável ao direito de usufruto de coisa<br />

(corpórea). Esta norma aplica-se, para além do direito real de<br />

habitação periódica, tão somente aos direitos reais (v.g., a<br />

nua propriedade ou o direito do fundeiro) cujo objecto não<br />

deva ser apreendido, por tais direitos não acarretarem a posse<br />

da coisa sobre que incidem, casos em que a penhora é feita<br />

por notificação do terceiro titular do direito real menor que<br />

acarreta a posse da coisa (usufrutuário, na penhora da nua<br />

propriedade; superficiário, na penhora da propriedade do<br />

solo – cfr. Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes,<br />

ob. cit., pág. 478).<br />

Em face do exposto, somos de opinião de que a penhora do<br />

usufruto de imóvel é feita por termo no processo (cfr. art.s<br />

838º, nºs 3 e 5, na redacção anterior à Reforma, e 863º,<br />

ambos do C.P.C.).


Nº 4/2005 – Maio/Junho/Julho 2005 33<br />

Proc. nº R.P. 51/2004 DSJ-CT – Duplicação de<br />

descrições – Sentença que reconhece o direito<br />

de propriedade <strong>dos</strong> A.A. sobre o prédio misto<br />

do qual a parte rústica se encontra duplamente<br />

duplicada e ordena o cancelamento das<br />

respectivas descrições – Registo da decisão<br />

final.<br />

Registo a qualificar: “Sentença constante do<br />

Processo nº 11/84 do 1º Juízo Cível do Tribunal<br />

Judicial de …” sobre os prédios descritos sob os<br />

nºs 31 710, fls 196, B-80, 42 550, fls 92v, B-110, e<br />

42 652, fls 148v, B-110, requisitado pela Ap. 31,<br />

de 17 de Outubro de 2003.<br />

Relatório:<br />

A. À data do pedido de registo era a seguinte<br />

a situação descritiva e jurídica <strong>dos</strong> três prédios<br />

dele objecto mediato:<br />

O prédio da descrição nº 31 710 era um<br />

prédio misto situado na freguesia de ..., inscrito na<br />

matriz urbana sob o artigo 930, com a área de<br />

habitação de 76m2 e dependência com 39m2, e na<br />

matriz rústica sob o artigo 3 368, com a área de 15<br />

500m2.<br />

Em 07.11.86 foi averbada (Av. 03) a<br />

pendência de processo de rectificação.<br />

Este prédio tem registo de aquisição desde<br />

1961 a favor de Damião SR, casado com Maria de<br />

Lurdes M, por compra a Manuel SC e mulher<br />

Maria SN, com base em escritura de 29.03.61, fls<br />

31v do Livro 6-B, da Sec. Notarial de ... (insc. Nº<br />

11 159), e desde 03.12.2001 a favor do ora<br />

recorrente, casado com Maria Feliciana GCR, na<br />

comunhão de adquiri<strong>dos</strong>, por sucessão nas<br />

heranças <strong>dos</strong> anteriores titulares inscritos Damião<br />

SR e Maria de Lurdes M.<br />

Porém, este último registo foi efectuado<br />

provisoriamente por natureza nos termos do<br />

disposto no art. 92º, nº 2, d), do C.R.P., “por se<br />

manter a pendência de rectificação a que respeita o<br />

Av. 03 de 071186”.<br />

O prédio da descrição nº 42 550 era um<br />

prédio rústico situado na dita freguesia de ...,<br />

inscrito na respectiva matriz sob o artigo 3 368.<br />

Em 03.11.86 foi averbada (Av. 01) a<br />

duplicação com o prédio descrito sob o nº 42 652,<br />

e em 07.11.86 foi averbada (Av. 02) a pendência<br />

de processo de rectificação.<br />

Este prédio foi objecto <strong>dos</strong> seguintes<br />

registos:- inscrição de aquisição nº 27 549 (de<br />

08.11.82), a favor de Manuel SC, casado com<br />

Maria SN, por compra a António M, viúvo, com<br />

base em escritura de justificação de 23.06.82, fls<br />

79v do Livro 71-C, do … Cartório Notarial de ...;-<br />

inscrição de aquisição de ½ nº 28 020 (de<br />

09.02.83), a favor de …, Ldª, por compra aos<br />

anteriores titulares inscritos, com base em escritura<br />

de 20.12.82, fls 69 do Livro 5-D, do Cartório<br />

Notarial de ...;- inscrição de aquisição de ½ nº 29<br />

306 (de 09.09.83), a favor de Agostinho PM e<br />

mulher Lídia LLM, por doação <strong>dos</strong> titulares da<br />

inscrição nº 27 549, com base em escritura de<br />

08.03.83, fls 27v do Livro 17-A, do … Cartório<br />

Notarial de ...;- inscrição de usufruto simultâneo e<br />

sucessivo de ½ nº 17 277 (de 09.09.83) a favor <strong>dos</strong><br />

doadores, por reserva na doação, com base na<br />

mesma escritura; - inscrição de aquisição de ½ nº<br />

32 636 (de 25.07.85), a favor de José RB, casado<br />

com Liliana MSFB, na separação de bens, por<br />

compra à titular da inscrição nº 28 020.<br />

O prédio da descrição nº 42 652 era um<br />

prédio rústico situado naquela freguesia de ...,<br />

inscrito na respectiva matriz sob o artigo 3 368.<br />

Em 03.11.86 foi averbada (Av. 01) a<br />

duplicação com o prédio descrito sob o nº 42 550,<br />

e em 07.11.86 foi averbada (Av. 02) a pendência<br />

de processo de rectificação.<br />

Este prédio foi objecto do registo lavrado<br />

pela inscrição de aquisição nº 27 746 (de<br />

17.12.82), a favor de Manuel SC, precisamente o<br />

sujeito activo da inscrição de aquisição nº 27 549<br />

(de 08.11.82) sobre o prédio descrito sob o nº 42<br />

550, tendo agora sido mencionada como causa de<br />

aquisição a usucapião, sendo o mesmo o título<br />

(escritura de 23.06.82) que serviu de base às duas<br />

inscrições.<br />

B. Damião SR e mulher Maria de Lurdes M,<br />

titulares da inscrição nº 11 159 sobre o prédio


Nº 4/2005 – Maio/Junho/Julho 2005 34<br />

descrito sob o nº 31 710, demandaram (acção com<br />

processo ordinário nº 11/1984, do 1º Juízo Cível<br />

do Tribunal Judicial da comarca de ..., tendo sido<br />

apensa<strong>dos</strong> aos respectivos autos os de acção<br />

ordinária nº 120/86, daqueles 1º Juízo e comarca,<br />

em que os ali autores demandaram os também ali<br />

RR. Agostinho e mulher, adiante melhor<br />

identifica<strong>dos</strong>) Maria SN (contitular da inscrição nº<br />

27 549 sobre o prédio descrito sob o nº 42 550 e da<br />

inscrição nº 27 746 sobre o prédio descrito sob o nº<br />

42 652, sendo certo que o marido e contitular<br />

Manuel SC havia já falecido em 02.08.83 – B da<br />

Especificação), …, Ldª (titular da inscrição nº 28<br />

020 sobre o prédio descrito sob o nº 42 550) e<br />

Agostinho PM e mulher Lídia LL (titulares da<br />

inscrição nº 29 306 sobre o prédio descrito sob o nº<br />

42 550).<br />

Nesta acção foi admitida a intervenção<br />

principal de José RB (titular da inscrição nº 32 636<br />

sobre o prédio descrito sob o nº 42 550).<br />

Na pendência da acção faleceu o A. Damião<br />

SR, tendo sido habilita<strong>dos</strong> como seus sucessores,<br />

para no seu lugar prosseguirem a acção, a coautora,<br />

a sua viúva Maria de Lurdes M, e o seu<br />

filho Vítor JMR, ora recorrente.<br />

A certidão junta aos autos não nos certifica a<br />

petição inicial e, portanto, os pedi<strong>dos</strong> formula<strong>dos</strong><br />

na acção. Mas certifica o teor da sentença de<br />

10.10.2000 proferida nas acções. Estas foram<br />

julgadas parcialmente procedentes, em<br />

consequência do que:<br />

a) Se declararam os AA. como donos do<br />

prédio misto composto de uma courela de terra<br />

arenosa de semear e de regadio com árvores e uma<br />

casa de habitação com ramada e palheiro, no Sítio<br />

<strong>dos</strong> Cavacos, ... – ..., descrito na Conservatória do<br />

Registo Predial de ... sob o nº 31 710 e inscrito na<br />

matriz sob os artigos 3 368 (rústico) e 930<br />

(urbano);<br />

b) Condenaram-se os RR. a reconhecerem a<br />

propriedade <strong>dos</strong> AA. sobre tal prédio;<br />

c) Declararam-se nulas a escritura de<br />

justificação , efectuada pela R. Maria SN e marido,<br />

bem como a escritura de compra e venda da R.<br />

Maria Nunes e marido à …, Ldª e de doação<br />

daquela R. e marido aos RR. Agostinho PM e<br />

mulher Lídia LLM;<br />

d) Declararam-se nulas as descrições<br />

prediais na Conservatória do Registo Predial de ...<br />

nºs 42 550 e 42 652, bem como as inscrições nºs<br />

29 306, de 9-9-83, a favor de Agostinho do Pilar<br />

Melro e mulher Lídia Lopes Leandro, e nº 28 020,<br />

de 9-2-83, a favor de …, Ldª;<br />

e) Determinou-se o cancelamento das<br />

descrições e inscrições referidas na al. d).<br />

Na fundamentação da sentença frisou-se que<br />

a R. …, Ldª vendeu a metade do prédio descrito<br />

sob o nº 42 550 ao interveniente José RB. E<br />

retirou-se da factualidade assente, como primeira<br />

conclusão, que o prédio rústico de que os RR. …,<br />

Ldª e Agostinho adquiriram, cada um, metade à R.<br />

Maria N e ao falecido marido «mais não é do que a<br />

parte rústica do prédio misto [por lapso escreveuse<br />

rústico] que compraram a esta R. e marido, em<br />

1961 [os AA.]».<br />

Escreveu-se na douta sentença que «é<br />

evidente que as mencionadas escrituras são “res<br />

inter alios acta”, e que só a inscrição registral<br />

confere a tais actos oponibilidade a terceiros».<br />

Mas, tendo to<strong>dos</strong> os envolvi<strong>dos</strong> logrado inscrever<br />

a seu favor as respectivas aquisições, temos de nos<br />

socorrer do princípio da prioridade (art. 6º,<br />

C.R.P.), acrescendo que o registo definitivo<br />

constitui presunção iuris tantum de que o direito<br />

existe e pertence ao titular inscrito, pelo que «por<br />

esta via chegamos à conclusão de que a inscrição<br />

de aquisição do prédio em causa em favor <strong>dos</strong> AA.<br />

prevalece sobre as <strong>dos</strong> RR., atenta a sua<br />

anterioridade, de acordo com o art. 6º citado,<br />

sendo certo que a aludida presunção não foi<br />

ilidida».<br />

Afastando qualquer hipótese de simulação,<br />

reserva mental ou erro na declaração no negócio<br />

jurídico titulado pela escritura de 29.3.61, a<br />

sentença conclui pela validade da compra e venda.<br />

«Mas, se assim é, e se o prédio em causa estava<br />

devidamente descrito na conservatória do registo<br />

predial, quid juris?».<br />

«Parece-nos que a situação em causa se<br />

reconduz à efectivação <strong>dos</strong> registos prediais, pelos<br />

RR., com base em títulos falsos».<br />

A sentença afirma que a escritura de<br />

justificação notarial de 23.6.82 enferma de<br />

falsidade. «Consequentemente, a descrição<br />

registral que “a posteriori” se efectuou com base<br />

naquele título, bem como as inscrições de<br />

aquisição que seguidamente os RR. …, Ldª e<br />

Agostinho … efectuaram a seu favor enfermam de


Nº 4/2005 – Maio/Junho/Julho 2005 35<br />

nulidade, visto que tinham por base um título falso<br />

– art. 16º, a), do C.R. Pred., então em vigor. E,<br />

assim sendo, os registos nulos não produzem<br />

quaisquer efeitos, posto que não estamos perante<br />

nenhuma das situações previstas no art. 17º, 2,<br />

C.R. Pred.».<br />

C. Com base em certidão extraída do<br />

processo, foi pedido o registo da sentença<br />

anteriormente enunciada sobre os prédios descritos<br />

sob os nºs 31 710, 42 550 e 42 652.<br />

O Senhor Conservador qualificou o registo<br />

como provisório por dúvidas, por ter sido<br />

determinado judicialmente o cancelamento das<br />

inscrições 28 020 e 29 306, que incidem sobre a<br />

descrição 42 550, permanecendo em vigor a<br />

inscrição 32 636, acrescendo ainda que “subsiste<br />

pendente processo de rectificação de 071186,<br />

relativamente às 3 descrições duplicadas” (art.s 68º<br />

e 70º do C.R.P.).<br />

E lavrou o registo da decisão final, nele<br />

consignando o reconhecimento do direito de<br />

propriedade <strong>dos</strong> AA. sobre o prédio descrito sob o<br />

nº 31 710, a declaração de nulidade das escrituras<br />

de justificação, de compra e venda (apenas a de<br />

20.12.82) e de doação, de declaração de nulidade<br />

das descrições 42 550 e 42652 e das inscrições 29<br />

306 e 28 020, e do cancelamento destas descrições<br />

e inscrições. Na inscrição figura como Autor o ora<br />

recorrente e como Réus Agostinho PM e mulher<br />

Lídia LL. A cota de referência da inscrição (nº 18<br />

349) foi lançada nas três descrições prediais.<br />

Do despacho de qualificação foi interposto<br />

recurso hierárquico onde basicamente se alega<br />

que:<br />

a) A inscrição nº 32 636 resultou da<br />

transmissão da R. …, Ldª sobre a descrição<br />

nº 42 550, declarada nula e ordenado o seu<br />

cancelamento; ora<br />

b) Tendo o interveniente José RB feito seus<br />

os articula<strong>dos</strong> da R. …, Ldª, assumiu a mesma<br />

posição e consequências que a sentença viesse a<br />

decidir sobre a referida R. ..., Ldª, de onde proveio<br />

a referida inscrição.<br />

A final, pede-se a conversão em definitivo<br />

do registo da sentença “com a necessária<br />

consequência de serem declaradas nulas e<br />

canceladas as descrições supra referidas nºs 42 550<br />

e 42 652, bem como as inscrições que incidam<br />

sobre as mesmas descrições, incluindo aquela que<br />

se encontra a favor de José RB com o nº 32 636,<br />

pelo facto de ter sido derivada da inscrição da Ré<br />

..., Ldª e aquele ter assumido a mesma posição<br />

desta, conforme consta da referida sentença”, e<br />

ainda “a conversão em definitivo da inscrição a<br />

favor do ora recorrente sobre o prédio misto<br />

descrito sob o nº 31 710, cuja propriedade plena<br />

lhe foi reconhecida na sentença que constitui o<br />

título justo, válido e eficaz para produzir os efeitos<br />

que dele constam e do qual se pediu a respectiva<br />

inscrição, reconhecendo-se, por via disso, o<br />

recorrente como único e legítimo titular do<br />

referido prédio».<br />

O recorrido proferiu despacho em que em<br />

parte sustentou a qualificação e em parte reparou a<br />

mesma.<br />

Sustentou no que toca à permanência em<br />

vigor da inscrição nº 32 636, alegando que, apesar<br />

da intervenção principal do titular inscrito, não foi<br />

proferida decisão judicial no sentido da declaração<br />

de nulidade da escritura de compra e venda que<br />

serviu de base àquela inscrição (esct. de 09.03.84,<br />

do … Cartório Notarial de ...), pelo que o referido<br />

título permanece válido, bem como o<br />

correspondente registo.<br />

Segundo o recorrido, é vedado ao<br />

conservador efectuar qualquer registo que<br />

extravase a parte dispositiva da sentença,<br />

acrescendo que aquela inscrição só poderá ser<br />

cancelada em execução de decisão judicial<br />

transitada em julgado, tornando-se assim<br />

indispensável a prévia declaração de nulidade da<br />

escritura.<br />

No que concerne à pendência do processo de<br />

rectificação, o Senhor Conservador reparou o<br />

despacho de qualificação, considerando que os<br />

autos da acção de rectificação [registada sob o nº<br />

127/96 (?), da 3ª Sec. do Tribunal Judicial de ...] se<br />

encontram arquiva<strong>dos</strong>, após ter sido determinada a<br />

suspensão da instância (por a apreciação do mérito<br />

da causa depender da decisão final nos processos<br />

11/84 e 120/86 – despacho de 29.5.90), e a<br />

interrupção da instância (despacho de 13.4.94),<br />

como resulta de certidão extraída daqueles autos e<br />

junta a estes pelo recorrido.


Nº 4/2005 – Maio/Junho/Julho 2005 36<br />

Ainda relativamente à parte em que<br />

sustentou a qualificação, o recorrido lança o repto:<br />

como inutilizar também a citada descrição nº 42<br />

550, subsistindo em vigor a inscrição nº 32 636?<br />

D. O processo é o próprio, as partes<br />

legítimas, o recurso tempestivo, e inexistem<br />

questões prévias ou prejudiciais que obstem ao<br />

conhecimento do mérito do recurso.<br />

Fundamentação:<br />

1- Transitada em julgado a sentença, a<br />

decisão sobre a relação material controvertida fica<br />

tendo força obrigatória dentro do processo e fora<br />

dele (cfr. art.s 671º e 497º e segs., do C.P.C.).<br />

A verdadeira relação material controvertida<br />

na acção a que os presentes autos se reportam era a<br />

da titularidade do direito de propriedade sobre o<br />

prédio rústico inscrito na respectiva matriz da<br />

freguesia de ..., concelho de ..., sob o artigo 3 368.<br />

Em sede registral, deste prédio existe uma<br />

triplicação descritiva: está abrangido na descrição<br />

nº 31 710, como parte rústica de um prédio misto;<br />

está descrito sob o nº 42 550; e está descrito sob o<br />

nº 42 652.<br />

O direito de propriedade do prédio descrito<br />

sob o nº 31 710 esteve inscrito em nome <strong>dos</strong><br />

autores desde 1961.<br />

A descrição nº 42 550 foi aberta em 1982<br />

para inscrever o direito de propriedade a favor do<br />

marido de um <strong>dos</strong> réus, com base em escritura<br />

outorgada no mesmo ano de 1982, e a partir daí<br />

desenvolveu-se uma cadeia de aquisições<br />

derivadas com tradução registral a favor <strong>dos</strong><br />

restantes réus.<br />

A descrição nº 42 652 também foi aberta no<br />

ano de 1982 para inscrever o mesmo direito de<br />

propriedade a favor daquele marido de um <strong>dos</strong><br />

réus, embora com diversa causa de aquisição<br />

(mencionada no registo), com base na mesma<br />

escritura de 1982.<br />

Na fundamentação da sentença (cfr. art.<br />

659º, nº 2, C.P.C.) avulta, como primeira<br />

conclusão, esta triplicação. Aí se diz com<br />

meridiana clareza que o prédio rústico<br />

duplicadamente descrito sob os nºs 42 550 e 42<br />

652 mais não é do que a parte rústica do prédio<br />

misto descrito sob o nº 31 710.<br />

Seguiu-se, na fundamentação da sentença, a<br />

preparação da decisão final sobre quem era, afinal,<br />

proprietário. E a estrutura lógica da sentença<br />

afigura-se-nos bem nítida: partindo das presunções<br />

derivadas do registo a favor <strong>dos</strong> autores (cfr. art.<br />

7º, C.R.P.) e afirmando a validade do negócio<br />

jurídico que constitui o objecto imediato desse<br />

registo e a vigência do princípio da prioridade (cfr.<br />

art. 6º, C.R.P.), o juiz concluiu que proprietários<br />

eram os autores.<br />

Claro está que o juiz não julgou os autores<br />

proprietários do prédio que estava em disputa<br />

(artigo rústico 3 368). Pela singela razão de que tal<br />

prédio, afinal, não existia. O que existia era um<br />

prédio misto do qual aquele, cuja propriedade era<br />

discutida, constituía a parte rústica. Destarte, o juiz<br />

declarou os autores proprietários do prédio misto<br />

descrito sob o nº 31 710, e condenou os réus a<br />

assim reconhecerem.<br />

Poder-se-á, então, sustentar que, embora não<br />

figurando lá expressamente, faz parte da decisão<br />

final a conclusão de que o prédio duplamente<br />

descrito sob os nºs 42 550 e 42 652 integra, como<br />

sua parte rústica, o prédio descrito sob o nº 31 710.<br />

O que vale por dizer que o Tribunal declarou<br />

que os autores eram donos do prédio misto<br />

descrito sob o nº 31 710 e que este prédio abrange<br />

o prédio duplicadamente descrito sob os nºs 42 550<br />

e 42 652.<br />

Cremos que esta interpretação da sentença –<br />

que o conservador não pode deixar de efectuar de<br />

acordo com o princípio da legalidade consagrado<br />

no art. 68º do C.R.P., com vista à determinação do<br />

alcance do caso julgado (os precisos limites e<br />

termos em que o Tribunal julga, cfr. art. 673º,<br />

C.P.C.) – está em perfeita consonância com o<br />

sentido da decisão final. Só assim se explica que a<br />

decisão final tenha declarado “nulas” as referidas<br />

descrições prediais nºs 42 550 e 42 652 e tenha<br />

determinado o “cancelamento” destas descrições.<br />

2- Assente que a sentença declarou e<br />

condenou os RR. a reconhecerem que o prédio<br />

descrito sob o nº 31 710 abrange o prédio<br />

duplamente descrito sob os nºs 42 550 e 42 652, e<br />

que aquele prédio descrito sob o nº 31 710<br />

pertence aos AA., importa apreciar se isso é


Nº 4/2005 – Maio/Junho/Julho 2005 37<br />

bastante para definir a situação jurídica e como<br />

proceder registralmente.<br />

Afigura-se-nos que mais não seria necessário<br />

para que a relação material controvertida resultasse<br />

esclarecida, porquanto perante direitos<br />

incompatíveis sobre o mesmo objecto o Tribunal<br />

definiu com clareza qual o melhor direito (no caso,<br />

o <strong>dos</strong> autores).<br />

E como proceder registralmente ?<br />

Haverá que distinguir.<br />

Nas descrições nºs 42 550 e 42 652<br />

inscrever-se-á aquela concreta decisão final [cfr.<br />

art.s 3º, nº 1, a) e c), e 95º, nº 1, g), C.R.P.] e<br />

anotar-se-á a inutilização destas descrições com<br />

menção da causa (cfr. art.s 86º, nº 2, e 87º, nº 3,<br />

C.R.P.).<br />

Em relação à descrição nº 31 710 achamos<br />

que nada haverá a fazer a nível inscritivo. O prédio<br />

já tem registo de aquisição em nome <strong>dos</strong> autores e<br />

tem sido entendimento deste Conselho de que não<br />

está sujeita a registo a acção ou a decisão<br />

recognitivas do direito de propriedade já inscrito<br />

em nome <strong>dos</strong> autores.<br />

3- No caso <strong>dos</strong> autos, o Tribunal não se<br />

limitou a declarar o melhor direito dentre os<br />

concorrentes. Foi ao ponto de declarar a nulidade<br />

<strong>dos</strong> actos e negócios jurídicos (mais exactamente,<br />

foi declarada a nulidade das escrituras públicas<br />

que os titularam) que tiveram o prédio duplamente<br />

descrito sob os nºs 42 550 e 42 652 por objecto e<br />

determinou o cancelamento <strong>dos</strong> registos daqueles<br />

factos.<br />

Mas “esqueceu-se” de declarar a nulidade do<br />

negócio jurídico de compra e venda de metade<br />

indivisa do prédio entre os RR. ..., Ldª e José RB<br />

(certamente porque tal não havia sido pedido).<br />

Ora, o recorrido entende que a decisão final<br />

não pode ingressar definitivamente nas tábuas<br />

porque permanece em vigor o registo em nome do<br />

José B.<br />

Quid iuris?<br />

Obviamente, não podemos pôr em causa a<br />

douta sentença que declarou a nulidade daqueles<br />

actos e negócios jurídicos. E é bem verdade que<br />

não tendo sido declarada a nulidade do último<br />

negócio jurídico (entre ..., Ldª e José B) inexiste<br />

título para o cancelamento do registo deste facto.<br />

Mas do que não duvidamos é que o registo<br />

deste segmento da decisão final e o cancelamento<br />

das respectivas inscrições não é condição<br />

necessária para que a decisão recognitiva do<br />

direito de propriedade <strong>dos</strong> autores seja levada a<br />

registo com carácter definitivo e produza to<strong>dos</strong> os<br />

seus efeitos.<br />

E discordamos da posição do Senhor<br />

Conservador de que o registo a favor do José B<br />

está em vigor.<br />

Se o direito está inscrito em nome de A e B<br />

logra obter decisão judicial proferida contra A que<br />

lhe reconhece o direito, o registo da decisão final a<br />

favor de B provoca a transferência <strong>dos</strong> efeitos do<br />

registo. Portanto, as presunções – de que o direito<br />

existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos<br />

termos em que o registo o define – passam a<br />

derivar do registo da decisão final, devendo<br />

trancar-se a cota de referência da inscrição a favor<br />

de A cujos efeitos se transferiram mediante o novo<br />

registo a favor de B (cfr. art. 79º, nº 4, C.R.P.).<br />

Decorrentemente, o registo a favor de A deixou de<br />

estar em vigor (por transferência, não por<br />

extinção).<br />

Se, apesar disso, é declarada a nulidade do<br />

negócio jurídico de que decorreu o direito inscrito<br />

em nome de A, aceitamos que, apesar de já<br />

trancada a cota de referência, o registo possa ser<br />

“extinto” por cancelamento (quanto mais não seja,<br />

para evitar a sua repristinação por efeito do<br />

eventual cancelamento do registo em nome de B).<br />

Mas o que não podemos negar é que com o<br />

registo da decisão final em nome de B o registo a<br />

favor de A deixou de vigorar ainda que não seja<br />

cancelado (extinto).<br />

Retomando o caso <strong>dos</strong> autos, parece-nos<br />

incontroverso que com o registo da decisão final<br />

recognitiva do direito de propriedade <strong>dos</strong> autores<br />

na descrição nº 42 550 deixarão de vigorar as<br />

inscrições nºs 29 306 (aquisição), 17 277<br />

(usufruto) e 32 636 (aquisição; esta também<br />

porque a decisão final forma caso julgado contra o<br />

titular inscrito, igualmente réu na acção). As<br />

inscrições nºs 27 549 (aquisição) e 28 020<br />

(aquisição) já não vigoram, embora<br />

inexplicavelmente não se encontrem trancadas as<br />

respectivas cotas de referência. E com o registo


Nº 4/2005 – Maio/Junho/Julho 2005 38<br />

daquela decisão final na descrição nº 42 652<br />

deixará de vigorar a inscrição nº 27 746<br />

(aquisição).<br />

Deverão, assim, ser trancadas as respectivas<br />

cotas de referência após o registo da decisão final.<br />

Havendo título para o cancelamento <strong>dos</strong><br />

registos, nada impede que o facto seja registado a<br />

pedido <strong>dos</strong> interessa<strong>dos</strong>, apesar daquele<br />

trancamento das cotas de referência.<br />

4- Alguns aspectos do processo registral<br />

merecem uma abordagem perfunctória.<br />

Em primeiro lugar, e embora desconheçamos<br />

os termos concretos do processo de rectificação<br />

das três descrições prediais, não se nos afigura<br />

pertinente a qualificação do registo de aquisição<br />

lavrado pela inscrição nº 41 397 sobre a descrição<br />

nº 31 710. Não descortinamos em que medida a<br />

sorte daquele processo de rectificação possa ter<br />

alguma influência no registo daquele facto<br />

aquisitivo.<br />

A situação revela-se, a nosso ver, ainda mais<br />

insólita se considerarmos que já se encontra<br />

decidido o mérito da questão e os autos do<br />

processo de rectificação encontram-se arquiva<strong>dos</strong>.<br />

Haverá, assim, que rapidamente converter<br />

esta inscrição de aquisição, que já deveria ter<br />

merecido a qualificação de definitiva.<br />

Em segundo lugar, como registar a decisão<br />

final?<br />

Apenas nas descrições nºs 42 550 e 42 652,<br />

já o dissemos.<br />

Autores serão o Damião e a mulher Maria<br />

de Lurdes, titulares na altura inscritos do prédio<br />

descrito sob o nº 31 710.<br />

O ora recorrente não pode ser o “único”<br />

autor, como consta do registo provisório. E<br />

também não pode ser co-autor com a Maria de<br />

Lurdes (em comum e sem determinação de parte<br />

ou direito ?) porque assim se desvirtuaria o alcance<br />

do caso julgado da decisão.<br />

Réus são não apenas o Agostinho e mulher<br />

(como consta do registo provisório) mas também a<br />

Maria SN (não chegou a haver habilitação <strong>dos</strong><br />

sucessores do falecido marido Manuel C, mas no<br />

caso tal não importa violação do princípio do trato<br />

sucessivo, porquanto a legitimidade processual, da<br />

responsabilidade do juiz, prevalece sobre a<br />

legitimidade registral), a ..., Ldª e o José B.<br />

A parte dispositiva da decisão judicial<br />

consiste na declaração de que o prédio duplamente<br />

descrito sob os nºs 42 550 e 42 652 constitui a<br />

parte rústica do prédio misto descrito sob o nº 31<br />

710 e deste prédio são donos os AA., e ainda na<br />

declaração de que aquelas descrições nºs 42 550 e<br />

42 652 são “nulas” e devem ser “canceladas”.<br />

Anotar-se-á a inutilização das descrições nºs<br />

42 550 e 42 652, com menção da causa (o prédio é<br />

a parte rústica da descrição nº 31 710), e à<br />

descrição nº 31 710 anotar-se-á que a parte rústica<br />

está duplicada nas descrições nºs 42 550 e 42 652,<br />

que foram inutilizadas.<br />

Como já acentuámos, os outros segmentos da<br />

decisão final não deverão ser leva<strong>dos</strong> à inscrição,<br />

do que resulta que ao caso não será aplicável o<br />

disposto no nº 4 do art. 101º do C.R.P.<br />

Se, contrariamente ao que defendemos, o ora<br />

recorrente entender que a sua posição jurídico-<br />

-registral ficará reforçada com o cancelamento <strong>dos</strong><br />

registos judicialmente manda<strong>dos</strong> cancelar, então<br />

deverá requisitar os respectivos actos de registo,<br />

suportando os encargos emolumentares<br />

correspondentes.<br />

5- Nos termos expostos, somos de parecer<br />

que o recurso merece provimento.<br />

Em consonância, firmam-se as seguintes<br />

Conclusões<br />

I - A sentença é uma peça processual que o<br />

conservador tem o poder-dever de interpretar,<br />

para fixar o alcance do caso julgado (os precisos<br />

limites e termos em que o Tribunal julga); se na<br />

decisão final está implícita a declaração, aliás<br />

firmada como conclusão na fundamentação, de<br />

que determinado prédio abrange um outro<br />

duplamente descrito, tal declaração deverá<br />

constar do extracto da respectiva inscrição [cfr.<br />

art. 95º, nº 1, g), do C.R.P.].<br />

<strong>II</strong> - O registo da decisão final que reconhece o<br />

direito de propriedade plena <strong>dos</strong> autores sobre<br />

o prédio implica a transferência <strong>dos</strong> efeitos do


Nº 4/2005 – Maio/Junho/Julho 2005 39<br />

registo, devendo então trancar-se as cotas de<br />

referência das inscrições de que os réus são<br />

titulares inscritos, que deixam assim de estar<br />

em vigor (cfr. art.s 10º e 79º, nº 4, do C.R.P.).<br />

<strong>II</strong>I - Se o Tribunal não se limitou a declarar<br />

como melhor direito dentre os que eram<br />

incompatíveis o direito <strong>dos</strong> AA., e declarou<br />

também a nulidade <strong>dos</strong> actos e negócios<br />

jurídicos que tiveram o prédio como objecto e<br />

de que decorreram os direitos <strong>dos</strong> RR. inscritos,<br />

este segmento da decisão final não deverá ser<br />

levado a registo nem deverão ser canceladas as<br />

inscrições a favor <strong>dos</strong> RR. nos termos do art.<br />

101º, nº 4, do C.R.P., porquanto a situação<br />

jurídica do prédio resulta definida com o<br />

procedimento descrito na conclusão anterior.<br />

IV- Se, apesar disso, os AA. reconheci<strong>dos</strong> como<br />

proprietários entenderem que a sua posição<br />

jurídico-registral ficará reforçada com o<br />

cancelamento <strong>dos</strong> registos judicialmente<br />

manda<strong>dos</strong> cancelar em consequência da prévia<br />

declaração de nulidade <strong>dos</strong> factos deles objecto<br />

imediato, então deverão requisitar os<br />

respectivos actos de registo, suportando os<br />

encargos emolumentares correspondentes.<br />

Este parecer foi aprovado em sessão do<br />

Conselho Técnico da Direcção-Geral <strong>dos</strong> <strong>Registos</strong><br />

e do <strong>Notariado</strong> de 08.06.2005.~<br />

João Guimarães Gomes de Bastos, relator,<br />

Maria Eugénia Cruz Pires <strong>dos</strong> Reis Moreira.<br />

Este parecer foi homologado por despacho<br />

do Director-Geral de 14.06.2005.<br />

Proc. nº R. P. 57/2004 DSJ-CT - Áreas urbanas<br />

de génese ilegal (AUGI). – Registo de alvará de<br />

loteamento que abrange vários prédios<br />

pertencentes, em compropriedade, a titulares<br />

diversos e diferentes (consoante a descrição<br />

predial). – Prédio onerado com hipotecas<br />

incidentes sobre as quotas indivisas de que são<br />

titulares alguns <strong>dos</strong> comproprietários.<br />

Relatório<br />

1 – Em 10 de Novembro de 2003 foi<br />

requisitado na … Conservatória do Registo Predial<br />

de ..., sob a Ap. 72, o registo de autorização de<br />

loteamento sobre os prédios descritos sob os<br />

números 00471, 00730 e parte do n.º 00736, to<strong>dos</strong><br />

da freguesia de … .<br />

Tal pedido foi instruído por: certidão do<br />

alvará de loteamento n.º 9/2002, emitido pela<br />

Câmara Municipal de ... – ao abrigo do art.º 29.º<br />

da Lei n.º 91/95, de 2 de Setembro, com as<br />

alterações introduzidas pela Lei n.º 165/99, de 14<br />

de Setembro – em 9 de Novembro de 2002;<br />

certidão de aditamento a este alvará emitido em 5<br />

de Maio de 2003; três certidões de teor da matriz<br />

<strong>dos</strong> artigos rústicos correspondentes às citadas<br />

descrições prediais, passadas em 9/12/02, pela<br />

Repartição de Finanças de …; e certidão do pedido<br />

de rectificação de áreas, passada na mesma data,<br />

pela mesma Repartição.<br />

2 – A recusa do registo que teve lugar em<br />

28/11/2003 alicerçou-se nos motivos seguintes:<br />

– falta de identificação de um <strong>dos</strong> prédios<br />

abrangi<strong>dos</strong> pelo alvará – correspondente à área de<br />

18 504,39 m2 da descrição predial n.º 00736 –<br />

mediante a indicação <strong>dos</strong> elementos necessários à<br />

sua descrição, nos termos do disposto no art.º 44.º<br />

do Código do Registo Predial; isto porque, estando<br />

os três prédios regista<strong>dos</strong> em compropriedade, não<br />

é possível proceder à sua anexação, impondo-se<br />

antes, para evitar confusões de titularidade, que<br />

cada um deles mantenha a sua identidade;<br />

– existência de vários lotes que nada têm a<br />

ver, quanto à sua localização, com os lotes<br />

confinantes, designadamente, o n.º 22 (a desanexar<br />

da descrição predial n.º 00471), situado entre os<br />

lotes 21 e 23 (a desanexar do prédio n.º 00730), e<br />

os lotes 44 e 45 (a desanexar do mesmo n.º 00730),<br />

situa<strong>dos</strong> entre os lotes 43 (a desanexar do n.º<br />

00471) e 46 (a desanexar do n.º 00736) assim<br />

como a área, que constitui a parcela 1, cedida para<br />

equipamento, não pode, como resulta do alvará,<br />

sair do prédio n.º 00736, uma vez que confina com<br />

arruamentos e estes com lotes a destacar <strong>dos</strong><br />

prédios n.º s 00730 e 00471;<br />

– incidência sobre o prédio n.º 00736 de<br />

duas inscrições hipotecárias em vigor, sendo que,


Nº 4/2005 – Maio/Junho/Julho 2005 40<br />

como consta do despacho de recusa, não se pode<br />

“… alterar um prédio (por divisão em lotes),<br />

violando direitos existentes.”.<br />

3 – O recurso hierárquico foi interposto em<br />

28/01/04 (Ap. 6). Nele se procurou demonstrar –<br />

baseado na circunstância de não ter sido invocado,<br />

como fundamento da recusa, nenhum <strong>dos</strong> motivos<br />

legalmente enuncia<strong>dos</strong> nas diversas alíneas do n.º<br />

1 do art.º 69.º do Código do Registo Predial, e de<br />

não ter sido justificada a impossibilidade de<br />

efectuar, provisoriamente por dúvidas, o registo<br />

pretendido, nos termos do n.º 2 do mesmo preceito<br />

– a ausência de base legal para o despacho de<br />

recusa, analisando então as razões nele alegadas,<br />

que a recorrente sistematiza em quatro, a saber:<br />

a) Impossibilidade de anexação <strong>dos</strong> prédios,<br />

por serem diferentes os seus comproprietários.<br />

A este propósito, a recorrente manifesta a<br />

opinião de que, sejam os comproprietários ou não<br />

os mesmos, a anexação é apenas um meio, uma<br />

ficção limitada no tempo, para conseguir o fim da<br />

divisão em lotes para construção. E afirma: “ Não<br />

se trata … de anexar prédios para que fiquem a<br />

ser um único, mas … para que dessa unidade<br />

sejam retira<strong>dos</strong> os lotes e as áreas de utilização<br />

colectiva, que o alvará … concretiza (…) a<br />

anexação nasce para morrer logo de seguida … o<br />

que interessa é que os comproprietários <strong>dos</strong><br />

diversos prédios anexa<strong>dos</strong> venham a ser<br />

contempla<strong>dos</strong>, com lotes ou doutra forma, na<br />

divisão que o alvará autoriza.”. Donde conclui<br />

pela irrelevância de os diversos prédios abrangi<strong>dos</strong><br />

pelo loteamento pertencerem ou não aos mesmos<br />

comproprietários, já que, legalmente, nada obsta a<br />

essa possibilidade, exigindo a lei apenas que tais<br />

prédios sejam contíguos; o que explica, refere, que<br />

a Câmara Municipal competente tenha emitido o<br />

alvará, não levantando qualquer obstáculo<br />

relativamente à identidade <strong>dos</strong> comproprietários<br />

<strong>dos</strong> diversos prédios.<br />

b) Falta da indicação <strong>dos</strong> elementos que<br />

possibilitem a abertura da descrição.<br />

Motivo que, no entender da recorrente, não<br />

procede, porque do alvará e seu aditamento<br />

constam to<strong>dos</strong> os requisitos essenciais à abertura<br />

da descrição, sendo que o despacho recorrido não<br />

especificou, como devia ter feito, a disposição do<br />

invocado art.º 44.º do Código do Registo Predial,<br />

que não foi cumprida.<br />

c) Numeração não sequencial <strong>dos</strong> lotes em<br />

cada um <strong>dos</strong> prédios de onde provêm.<br />

A este respeito refere-se que a anexação <strong>dos</strong><br />

prédios que integram o loteamento, permitindo a<br />

saída de eventuais lotes de um todo, impõe-se por<br />

questões de ordenamento e outras de natureza<br />

prática. O que interessa é que o resultado final<br />

traduza as vontades <strong>dos</strong> respectivos proprietários,<br />

aprovadas pela Câmara Municipal, respeitando os<br />

mais elementares condicionalismos do próprio<br />

loteamento, designadamente, as configurações<br />

geográficas e a topografia <strong>dos</strong> prédios. “ Razão<br />

teria … a Conservadora se o lote 22 estivesse<br />

junto ao 43, por ambos provirem do prédio n.º<br />

00471, e houvesse assim um salteado de lotes para<br />

respeitar a proveniência <strong>dos</strong> mesmos. Não é o<br />

caso, pelo que este fundamento improcede.”.<br />

d) Existência de duas hipotecas a incidir<br />

sobre um <strong>dos</strong> prédios.<br />

No que concerne a este ponto, remete-se para<br />

a doutrina veiculada pelo parecer deste Conselho,<br />

proferido no P-º R.P. 151/2002 DSJ-CT, cujas<br />

conclusões vão no sentido da admissibilidade,<br />

como provisório por dúvidas, do respectivo<br />

registo.<br />

4 – O despacho de sustentação da recusa<br />

começa por aludir à falta de apresentação de<br />

documento comprovativo <strong>dos</strong> poderes de<br />

representação conferi<strong>dos</strong> ao apresentante pela<br />

Comissão Conjunta da AUGI do Bairro das<br />

Fontainhas de Baixo, razão não considerada na<br />

fundamentação da recusa.<br />

Relativamente à alegada impossibilidade de<br />

anexação <strong>dos</strong> prédios componentes da AUGI, em<br />

ordem a evitar confusões de titularidades, face à<br />

existência de compropriedade, sustenta que esse<br />

facto “… não pode ser obstáculo a uma precisa<br />

determinação e identificação do objecto do<br />

loteamento, bem como de todas as suas partes<br />

componentes.”. Identificação prejudicada, no caso<br />

concreto, quanto à referida parcela de 18 504,39<br />

m2 – área loteada da descrição predial n.º 00736,<br />

da qual terá que ser desanexada – , pela ausência<br />

de menção, no alvará, das especificações<br />

necessárias à abertura da respectiva descrição,<br />

patenteando, assim, inexactidões susceptíveis de


Nº 4/2005 – Maio/Junho/Julho 2005 41<br />

pôr em causa o objecto do acto a registar, dando<br />

motivo à nulidade do registo. Daí que o despacho<br />

de recusa tenha encontrado apoio legal, não no<br />

citado art.º 69.º, mas no art.º 16.º, alínea c), ambos<br />

do Código do Registo Predial.<br />

Atenta a falta de numeração sequencial <strong>dos</strong><br />

lotes a destacar <strong>dos</strong> vários prédios e a confirmação,<br />

através das plantas anexas ao alvará, de que há<br />

lotes que não podem ser desanexa<strong>dos</strong> do prédio a<br />

que são reporta<strong>dos</strong>, sustenta a Conservadora<br />

recorrida que é para obviar à confusão de<br />

titularidades, decorrente da desanexação de prédio<br />

errado das descrições correspondentes aos vários<br />

lotes, que a lei não impõe a anexação <strong>dos</strong> diversos<br />

prédios lotea<strong>dos</strong> quando sobre os mesmos incidem<br />

direitos em compropriedade. E remata: “ Se o<br />

pretendido é atribuir um lote, a desanexar de um<br />

prédio, a um comproprietário noutro, a forma<br />

correcta é a celebração do negócio jurídico<br />

correspondente e não falsear o loteamenbto com a<br />

declaração de que o lote sai de um prédio quando,<br />

na realidade, provém de outro. (…). Se fosse<br />

possível confrontar os mapas cadastrais <strong>dos</strong><br />

vários artigos matriciais, seria facilmente<br />

confirmado o que se afirma e esclarecidas outras<br />

situações duvi<strong>dos</strong>as existentes neste alvará.”.<br />

Quanto ao fundamento de recusa, motivado<br />

pela existência de inscrições hipotecárias sobre um<br />

<strong>dos</strong> prédios abrangi<strong>dos</strong> pelo loteamento, aceitando<br />

embora, como princípio, a solução preconizada<br />

pelo aludido parecer, no sentido da provisoriedade<br />

por dúvidas do registo, repudia-se a sua aplicação<br />

no caso em apreço, já que isso implicaria passar<br />

por cima das deficiências apontadas,<br />

comprometedoras da identidade do objecto e de<br />

outras operações fundamentais do loteamento, tais<br />

como a distribuição, por cada prédio <strong>dos</strong> vários<br />

lotes e das parcelas para o domínio público.<br />

5 – O processo é o próprio e válido, o<br />

recurso foi interposto em tempo, e não há<br />

nulidades, excepções ou questões prévias que<br />

obstem ao conhecimento do mérito.<br />

Importa, por conseguinte, emitir parecer.<br />

Fundamentação<br />

1 – O registo requisitado, de cuja recusa vem<br />

interposto o presente recurso é, como referimos, o<br />

da autorização de loteamento de vários prédios<br />

(três, exactamente), enquadra<strong>dos</strong> num processo de<br />

reconversão urbanística da área urbana de génese<br />

ilegal denominada “…”. Emitido pela Câmara<br />

Municipal de ..., ao abrigo do art.º 29.º da Lei<br />

n.º 91/95, de 2/9, com as alterações introduzidas<br />

pela Lei n.º 165/99, de 14/09 1 , o alvará<br />

apresentado titula um processo de reconversão<br />

organizado como operação de loteamento da<br />

iniciativa <strong>dos</strong> particulares comproprietários,<br />

previsto no art.º 4.º, n.º 1, alínea a), da Lei citada, e<br />

disciplinado pelo disposto nos seus artigos 17.º- A<br />

a 31.º.<br />

Os prédios abrangi<strong>dos</strong> encontram-se<br />

regista<strong>dos</strong>, em compropriedade, a favor de<br />

diversas pessoas, que são distintas e contitulares,<br />

em proporções diferentes, de prédio para prédio.<br />

Acresce que, relativamente a um desses prédios – a<br />

que corresponde a descrição predial n.º 00736 – só<br />

é loteada, como foi referenciado, uma parte da sua<br />

superfície – além de que incidem sobre ela duas<br />

inscrições hipotecárias, a C-1 2 e a C-2.<br />

A mencionada Lei nasceu da necessidade de<br />

legalizar um sem número de construções<br />

clandestinas que foram surgindo e proliferando nas<br />

áreas metropolitanas das grandes cidades, com<br />

preterição das regras básicas indispensáveis à<br />

instalação salubre das populações, sob a pressão<br />

do aumento demográfico, motivado, sobretudo,<br />

pela falta de emprego diversificado nas regiões do<br />

interior e pelo afluxo, em massa, <strong>dos</strong> cidadãos<br />

nacionais regressa<strong>dos</strong> das ex-colónias. A génese<br />

marcou-lhe a fisionomia, revelando-a como o<br />

exemplo marcante do cruzamento das normas de<br />

direito urbanístico, disciplinadoras da ocupação<br />

programada do solo urbano ou urbanizável, em<br />

obediência a critérios ambientais, sociais e<br />

económicos – visando, a par da optimização <strong>dos</strong><br />

recursos naturais existentes, melhorar a qualidade<br />

de vida da população em geral – , com as do<br />

direito civil, reguladoras <strong>dos</strong> poderes de disposição<br />

sobre a propriedade.<br />

1 A Lei n.º 91/95 sofreu 2.ª alteração introduzida pela Lei n.<br />

nº 64/2003, de 23/08, que a republicou.<br />

2 Desconhecemos a data em que foi notificada a recusa da<br />

conversão desta inscrição hipotecária, pelo que não há que<br />

questionar a informação contida no respectivo despacho de<br />

que se encontram em vigor sobre o prédio referido duas<br />

inscrições hipotecárias.


Nº 4/2005 – Maio/Junho/Julho 2005 42<br />

Inserida nesta linha de orientação, a dita Lei<br />

começa por fornecer o conceito das AUGI,<br />

definindo-as como prédios ou conjunto de prédios<br />

que, sem a competente licença de loteamento,<br />

quando legalmente exigida, tenham sido objecto de<br />

operações físicas de parcelamento destinadas à<br />

construção até à data da entrada em vigor do<br />

Decreto-Lei n.º 400/84, de 31 de Dezembro, e que,<br />

nos respectivos planos municipais de ordenamento<br />

do território (PMOT), estejam classifica<strong>dos</strong> como<br />

espaço urbano ou urbanizável, ou qualificado<br />

maioritariamente como tal, desde que a área<br />

sobrante esteja, na sua maior parte, ocupada por<br />

casas para habitação própria, bem como os prédios<br />

ou conjuntos de prédios parcela<strong>dos</strong> antes da<br />

entrada em vigor do Dec.-Lei n.º 46673, de<br />

29/11/65, quando predominantemente ocupa<strong>dos</strong><br />

por construções não licenciadas (art. 1.º, n.º s 2 e<br />

3, e art.º 5.º).<br />

O perímetro e a modalidade de reconversão<br />

– como operação de loteamento da iniciativa <strong>dos</strong><br />

proprietários ou comproprietários, ou como<br />

operação de loteamento ou mediante plano de<br />

pormenor da iniciativa da respectiva Câmara<br />

Municipal (art.º 4.º) – das AUGI existentes na área<br />

do município são fixadas pelas câmaras<br />

municipais, por sua iniciativa ou a requerimento de<br />

qualquer interessado. E o prédio ou prédios<br />

integra<strong>dos</strong> na mesma AUGI são objecto de uma<br />

administração conjunta, a cargo <strong>dos</strong> respectivos<br />

proprietários ou comproprietários, em cujo órgão<br />

deliberativo (assembleia) têm assento os<br />

proprietários ou comproprietários cujo direito<br />

esteja devidamente inscrito na Conservatória do<br />

Registo Predial competente, excepto nos casos em<br />

que são substituí<strong>dos</strong> pelos donos das construções<br />

erigidas na área das AUGI, devidamente<br />

participadas na matriz, bem como pelos<br />

promitentes-compradores das parcelas, havendo<br />

tradição.<br />

É, assim, dada preferência a quem de facto<br />

se comporte como proprietário <strong>dos</strong> bens integra<strong>dos</strong><br />

na AUGI, em detrimento <strong>dos</strong> particulares que<br />

figuram como proprietários no registo predial, mas<br />

que assumiram a posição de loteadores ilegais 3 , e<br />

3 Loteadores ilegais são, de acordo com o art.º 45.º da Lei<br />

em análise, “… os proprietários ou comproprietários que<br />

hajam celebrado negócios de venda de parcelas, de quotas<br />

indivisas e de promessa de compra e venda com autorização<br />

que, destarte, ficam impedi<strong>dos</strong> de se aproveitar da<br />

sua actuação fraudulenta para dela colher<br />

benefícios.<br />

É à assembleia que incumbe acompanhar o<br />

processo de reconversão, competindo-lhe, entre<br />

outras funções, as de aprovar o projecto de<br />

reconversão a apresentar à câmara municipal, na<br />

modalidade do pedido de loteamento, e o projecto<br />

do acordo de divisão de coisa comum (art.º 10.º,<br />

n.º 2, alíneas d) e h)). As funções de administração<br />

pertencem à comissão de administração que é<br />

formada por um número ímpar de membros, de 3 a<br />

7, que elegem entre si um presidente e um<br />

tesoureiro, cujas assinaturas bastam para obrigar a<br />

administração conjunta nos actos e contratos em<br />

que a mesma intervenha, designadamente, a<br />

representação <strong>dos</strong> titulares <strong>dos</strong> prédios integra<strong>dos</strong><br />

na AUGI perante os serviços das Finanças e a<br />

Conservatória do Registo Predial, para promover<br />

as necessárias rectificações e alterações ao teor da<br />

matriz e da descrição, e o registo do alvará de<br />

loteamento (podendo fazer declarações<br />

complementares), e perante o Cartório Notarial,<br />

para o efeito da outorga da escritura de divisão por<br />

acordo de uso (um <strong>dos</strong> tipos admiti<strong>dos</strong> pelo regime<br />

especial de divisão de coisa comum, estabelecido<br />

para as AUGI constituídas em regime de<br />

compropriedade até à data da entrada em vigor do<br />

Dec.-Lei n.º 400/84, de 31/12), em conformidade<br />

com o disposto nos artigos 14.º, 15.º e 38.º.<br />

Aludimos, por forma sintética, a alguns <strong>dos</strong><br />

aspectos do regime jurídico das AUGI, com algum<br />

interesse a nível do registo predial.<br />

Mas, casos há, em que a especificidade da<br />

operação de reconversão em curso determinou<br />

mesmo a consagração de regras registrais<br />

particulares. Referimo-nos à rectificação da área<br />

da descrição predial, ao registo do alvará de<br />

loteamento, e ao registo de aquisição por divisão<br />

de coisa comum, quando aquele alvará diga<br />

respeito a prédio em compropriedade.<br />

Assim, o art.º 30.º da Lei em causa, além de<br />

admitir rectificações, na descrição predial, da área<br />

do prédio integrado numa AUGI, sem necessidade<br />

de prévia rectificação do título que serviu de base<br />

ao registo, desde que a diferença de áreas não seja<br />

de ocupação, tendo por objecto os prédios integrantes da<br />

AUGI, que possibilitaram o seu parcelamento físico.“.


Nº 4/2005 – Maio/Junho/Julho 2005 43<br />

superior a 15%, para mais ou para menos<br />

relativamente à área constante da descrição<br />

predial, estatui que:<br />

– o registo do alvará não dá lugar, de<br />

imediato, à abertura das novas descrições, o que só<br />

ocorrerá quando for requerida a inscrição de<br />

aquisição; enquanto que, no loteamento comum e<br />

por força do disposto no art.º 54.º do Código do<br />

Registo Predial, tal registo determina a<br />

individualização <strong>dos</strong> lotes;<br />

– caso o alvará de loteamento diga respeito a<br />

prédio em compropriedade, a referenciada<br />

individualização <strong>dos</strong> lotes acontece apenas<br />

simultaneamente com a inscrição de aquisição por<br />

divisão de coisa comum.<br />

Mas também e ainda, em homenagem ao<br />

propósito de facilitar e promover a legalização de<br />

tais áreas, o referido preceito dispensa a<br />

observância de certas formalidades, a que o<br />

comum <strong>dos</strong> registos anda associado. É o caso da<br />

declaração complementar a que se refere o n.º 7 do<br />

art.º 42.º, C.R.P., quando a requisição de registo<br />

recaia sobre quota parte de prédio indiviso, e à<br />

menção <strong>dos</strong> sujeitos passivos na inscrição de<br />

aquisição do lote por divisão de coisa comum.<br />

Insere-se na mesma linha de orientação a<br />

última alteração introduzida pela Lei n.º 64/2003,<br />

de 23/08, na redacção do citado art.º 30.º, cujo n.º<br />

6 veio consagrar a dispensa da inscrição<br />

intermédia em nome <strong>dos</strong> titulares da quota do<br />

prédio indiviso integrado em AUGI que faça parte<br />

de herança indivisa, para efeitos do registo de<br />

aquisição do lote que continue a integrar a mesma<br />

herança. Inscrição intermédia que, todavia,<br />

continua a ser necessária, em nome <strong>dos</strong> titulares de<br />

quota de prédio indiviso, para que estes possam<br />

registar o lote que lhes venha a caber no âmbito da<br />

divisão de coisa comum.<br />

2 – Após esta breve incursão pelo regime<br />

jurídico em vigor relativamente às denominadas<br />

AUGI, apreciemos cada um <strong>dos</strong> aspectos em que a<br />

problemática do caso “sub judice” se desdobra,<br />

considera<strong>dos</strong> os fundamentos alega<strong>dos</strong> para a<br />

recusa.<br />

2.1 – Impossibilidade de anexação <strong>dos</strong><br />

prédios a lotear<br />

Os prédios abrangi<strong>dos</strong> pela operação de<br />

reconversão 4 encontram-se regista<strong>dos</strong> em<br />

compropriedade e em proporções diversas a favor<br />

de diferentes titulares, o que impossibilita a sua<br />

anexação. Ponto está em saber se esta<br />

impossibilidade compromete a existência de uma<br />

única operação de loteamento.<br />

Cruzam-se aqui as concepções urbanísticas e<br />

as regras impostas pelos planos de ordenamento<br />

territorial giza<strong>dos</strong> à sua sombra com as regras de<br />

direito civil definidoras e modeladoras do<br />

conteúdo do direito de propriedade e de outros<br />

direitos reais, condicionando-os na sua projecção<br />

registral.<br />

Às normas urbanísticas interessa sobretudo<br />

disciplinar a ocupação <strong>dos</strong> solos, tendo por<br />

objectivo a conveniente implantação das<br />

construções, independentemente da titularidade<br />

<strong>dos</strong> prédios abrangi<strong>dos</strong> pela operação, <strong>dos</strong> artigos<br />

matriciais que lhes respeitam e das descrições<br />

prediais envolvidas. O importante, nesta<br />

perspectiva, e tão importante que pode ocasionar<br />

sérias restrições ao exercício pleno do direito de<br />

propriedade, como era tradicionalmente entendido,<br />

é que a divisão fundiária programada pelo plano<br />

urbanístico seja concretizada e executada nos<br />

termos aprova<strong>dos</strong> pelo alvará de loteamento<br />

emitido, reconhecendo homogeneidade física e<br />

unidade urbanística ao conjunto <strong>dos</strong> prédios<br />

abrangi<strong>dos</strong>.<br />

Será, então, que a prossecução destes<br />

interesses urbanísticos deverá ser feita à custa das<br />

normas jus-civilísticas aplicáveis a cada caso,<br />

independentemente, portanto, da situação jurídicoprivada<br />

<strong>dos</strong> prédios?<br />

Esta questão tem recebido, da parte da<br />

doutrina, uma resposta maioritariamente negativa,<br />

acompanhada da implementação de uma “praxis”<br />

que, a nível tabular, procura conciliar os interesses<br />

em conflito, aceitando, por um lado, o loteamento<br />

de vários prédios pertencentes a diversos<br />

proprietários ou comproprietários, rejeitando, por<br />

4 A circunstância da lei (art.º 30.º cit.) aludir expressamente a<br />

“prédio em compropriedade”, a nosso ver, não compromete<br />

– como sustentamos adiante – a possibilidade de tal operação<br />

abranger vários prédios em compropriedade, ademais distinta<br />

nos titulares e fracções respectivas, de prédio para prédio.


Nº 4/2005 – Maio/Junho/Julho 2005 44<br />

outro, a respectiva anexação 5 , para evitar<br />

confusões de titularidade, e sugerindo,<br />

relativamente aos lotes forma<strong>dos</strong> à custa de<br />

parcelas retiradas de prédios com proprietários<br />

diferentes, a prévia constituição, por negócio<br />

jurídico, de uma propriedade única ou de uma<br />

compropriedade sobre os ditos prédios. Solução<br />

esta que implica que a inscrição de autorização de<br />

loteamento, se bem que única, seja lavrada, não<br />

apenas num prédio – o que resultaria da anexação<br />

–, mas em to<strong>dos</strong> os prédios envolvi<strong>dos</strong>, sem<br />

prejuízo da anexação intermédia <strong>dos</strong> que<br />

apresentem a mesma titularidade, hipótese em que<br />

aquela inscrição seria feita no prédio resultante da<br />

respectiva anexação 6 .<br />

Tem sido esta a orientação sufragada, há já<br />

alguns anos, por este Conselho. 7<br />

Todavia, não deixa de haver quem sustente,<br />

particularmente neste domínio da legislação<br />

especial e excepcional produzida com vista à<br />

recuperação de áreas urbanas degradadas, a<br />

preponderante importância das normas<br />

urbanísticas sobre os princípios jurídico-priva<strong>dos</strong>,<br />

fundamen-tado na argumentação de que “… a<br />

razão de ser da Lei 91/95, que também é uma lei<br />

substantiva e especial foi mesmo de amenizar os<br />

tradicionais direitos reais pela necessidade<br />

imperiosa de acautelar um direito público, de<br />

encontrar uma resposta equitativa e tão justa<br />

quanto possível com vista a encontrar soluções<br />

para os problemas urbanísticos de vários<br />

municípios e para ainda os mais graves problemas<br />

habitacionais de … portugueses que vivem … em<br />

Augi, porque a solução … que se almeja alcançar<br />

tem mais a ver com o direito à habitação<br />

constitucionalmente consagrado e menos com o<br />

direito real sobre uma ou mais parcelas em<br />

avos…”. 8<br />

5 A anexação de to<strong>dos</strong> os prédios num só e o registo nesse<br />

prédio de um alvará de loteamento poderia decorrer apenas,<br />

do ponto de vista substantivo, de uma compropriedade a<br />

estabelecer entre to<strong>dos</strong> os titulares através de permutas e<br />

compras e vendas recíprocas.<br />

6 Vide Mouteira Guerreiro, in Separata “Reflexões Sobre o<br />

Código do Registo Predial”, Março de 1998, pág. 19, nota<br />

17 de rodapé.<br />

7 V. g., no parecer emitido no P.º C. P. 19/97, in B.R.N., <strong>II</strong>,<br />

Fevereiro de 1998.<br />

8 António José Rodrigues, in “Loteamentos Ilegais, Áreas<br />

Urbanas de Génese Ilegal-Augi”, 2.ª edição, págs. 75/76.<br />

Estreitamente conexionada com este<br />

problema da impossibilidade de anexação de<br />

prédios pertencentes a diversos proprietários – já<br />

que requisito dessa operação é a igual titularidade<br />

<strong>dos</strong> prédios dela objecto –, encontra-se a questão<br />

suscitada no despacho de recusa, identificada<br />

como a da falta de numeração sequencial <strong>dos</strong> lotes<br />

a desanexar <strong>dos</strong> vários prédios e que se traduz na<br />

existência de lotes que, pela sua localização no<br />

mapa do loteamento, se afigura de todo impossível<br />

destacar da descrição predial referida no alvará. A<br />

indicação errónea da descrição de onde provêm os<br />

lotes pode levar à atribuição de um deles ao<br />

comproprietário noutro, o que é legítimo que<br />

aconteça, mediante a celebração do respectivo<br />

negócio jurídico, e não através da declaração<br />

inserta no loteamento de que o lote procede de um<br />

prédio, quando, na realidade, sai de outro. A<br />

aludida confusão de titularidades, aparentemente<br />

inexistente, face àquela declaração, está lá. É, de<br />

resto, para a evitar – e no respeito pelas normas<br />

jurídico-privadas, conformadoras do direito de<br />

propriedade – , que se tem vindo a sustentar, como<br />

referimos, a não obrigatoriedade de anexação <strong>dos</strong><br />

vários prédios lotea<strong>dos</strong> na mesma operação,<br />

quando pertencentes a proprietários diferentes.<br />

Esta postura que, “primo conspectu”,<br />

soluciona a questão, não a resolve quando é<br />

chegada a altura da adjudicação <strong>dos</strong> lotes aos<br />

proprietários ou comproprietários <strong>dos</strong> prédios<br />

iniciais – quer pela preferência destes na atribuição<br />

de lotes provenientes de prédio que não lhes<br />

pertencia, quer porque o lote atribuído confunde,<br />

na sua formação, diversas titularidades, consoante<br />

a proveniência predial das parcelas que o integram<br />

– , a não ser pelo recurso à prévia celebração de<br />

negócios jurídicos que determinem a igual<br />

compropriedade <strong>dos</strong> prédios envolvi<strong>dos</strong>.<br />

Expediente que se nos afigura não ter sido o<br />

perspectivado pelo Autor do trecho acima<br />

transcrito, o qual, apoiando-se nas razões de<br />

interesse público que presidiram à Lei n.º 91/95,<br />

parece defender que a sua disciplina jurídica só<br />

cobra alcance prático desde que se admita a<br />

anexação de to<strong>dos</strong> os prédios abrangi<strong>dos</strong> na<br />

operação de reconversão num outro prédio, que<br />

constitui uma realidade predial distinta de cada um<br />

<strong>dos</strong> prédios componentes, sobre o qual incidirá o<br />

loteamento.


Nº 4/2005 – Maio/Junho/Julho 2005 45<br />

O mesmo Autor, invocando, em abono da<br />

sua tese, a doutrina expressa num parecer emitido<br />

por este órgão na vigência do Dec.-Lei n.º 400/84,<br />

de 31/12, que advogava tal anexação, entende que<br />

só desse modo será possível o comproprietário não<br />

cabimentado no prédio onde tem uma quota<br />

indivisa – atenta a previsível impossibilidade de<br />

implantação no mesmo de tantos lotes quantos os<br />

titulares de quotas indivisas – receber como tornas<br />

um lote num outro prédio integrante da Augi, onde<br />

foi possível satisfazer a sua expectativa. Do<br />

mesmo modo e porque “… se o órgão municipal<br />

orientou e autorizou o loteamento nas condições<br />

que entendeu por urbanisticamente mais<br />

correctas, salvaguardando o interesse público em<br />

conciliação com a vontade maioritária <strong>dos</strong><br />

comproprietários, tudo em conformidade com as<br />

regras de direito substantivas e especiais, não se<br />

vê razão para que as regras adjectivas do registo<br />

predial se sobreponham àquelas outras.”, não<br />

devem sobrar dúvidas ao conservador para aceitar<br />

a inscrição de um comproprietário como titular de<br />

um lote implantado numa descrição predial onde<br />

não tinha qualquer quota indivisa. “Logo, se a<br />

assembleia de comproprietários delibera por<br />

maioria absoluta a adjudicação de lotes aos<br />

diversos comproprietários, alguns desses lotes<br />

adjudica<strong>dos</strong> por tornas … e se consubstancia a<br />

sua deliberação em termos de escritura pública ou<br />

de divisão judicial transitada em julgado, estão<br />

satisfeitos os requisitos indispensáveis para ser<br />

requerida e lavrada a inscrição de lotes da Augi a<br />

favor de cada um <strong>dos</strong> comproprietários.”. 9<br />

A anexação de prédios de diversos<br />

proprietários numa única descrição, tendo por meta<br />

efectivar uma transformação fundiária com novo<br />

ordenamento predial, acontece no chamado<br />

reparcelamento urbano, cuja disciplina jurídica é<br />

estabelecida pelo Dec.-Lei n.º 380/99, de 22/09.<br />

Mas, enquanto aqui e por força do disposto no seu<br />

artigo 133.º, se prevê, como efeitos do<br />

reparcelamento, além da constituição de lotes para<br />

construção ou de parcelas para urbanização, a<br />

substituição, com plena eficácia real, <strong>dos</strong> antigos<br />

terrenos pelos novos lotes ou parcelas, não existe<br />

para o loteamento, através do qual se processa a<br />

reconversão urbanística das áreas urbanas de<br />

9 Ob. cit., págs. 76/78.<br />

génese ilegal, e no complexo das normas<br />

reguladoras deste instituto, disposição idêntica que<br />

consagre aquele efeito sub-rogatório. Pelo que<br />

também não será possível a descrição unitária da<br />

chamada “massa de concentração” – resultante da<br />

anexação de to<strong>dos</strong> os prédios envolvi<strong>dos</strong> na<br />

operação –, nem haverá lugar à “partilha”. Os lotes<br />

forma<strong>dos</strong> à custa de parcelas de prédios de<br />

diversos proprietários só poderão ganhar<br />

existência quando for constituída, pela via do<br />

direito privado, uma titularidade única ou uma<br />

contitularidade 10 .<br />

Importa assim (e justamente em razão da<br />

especificidade da matéria que, como referimos,<br />

determinou a adopção de regras registrais<br />

particulares), decidir se as questões acabadas de<br />

abordar se colocam no momento do acto de registo<br />

requisitado (alvará de loteamento), ou apenas<br />

quando for solicitado o registo de aquisição;<br />

registo que, no caso concreto (prédio em<br />

compropriedade), será titulado pela divisão de<br />

coisa comum, determinando a simultânea<br />

individualização <strong>dos</strong> lotes.<br />

O regime especial de divisão de coisa<br />

comum que o art.º 2.º da Lei n.º 91/95, de 2/09,<br />

com as alterações introduzidas pelas Leis n.º s<br />

165/99, de 14/09, e 64/2003, de 23/08, prevê<br />

aplicável às Augi constituídas em regime de<br />

compropriedade até 1 de Abril de 1985, acha-se<br />

contido nos artigos 36.º a 44.º.<br />

Assim, os prédios em compropriedade que<br />

integrem a Augi podem ser dividi<strong>dos</strong> em<br />

conformidade com o alvará de loteamento ou a<br />

planta de implantação do plano de pormenor, por<br />

acordo de uso, sem prejuízo do recurso à divisão<br />

por escritura pública ou por decisão judicial.<br />

A divisão por acordo de uso, que opera<br />

mediante deliberação da assembleia de<br />

comproprietários, só pode acontecer quando conste<br />

do alvará ou da deliberação municipal que aprove<br />

o plano de pormenor que o loteamento<br />

corresponde à situação fundiária anterior à sua<br />

intervenção. É titulada por escritura notarial<br />

outorgada pela comissão de administração, que<br />

nela declara, em nome de to<strong>dos</strong> os interessa<strong>dos</strong>,<br />

10 Cfr. Parecer emitido no P.º R.P. 148/2002 DSJ-CT, in<br />

B.R.N , <strong>II</strong>, n.º 2/2003, pág. 26 e segs..


Nº 4/2005 – Maio/Junho/Julho 2005 46<br />

dividi<strong>dos</strong> os lotes nos termos do projecto de<br />

divisão de coisa comum previamente aprovado<br />

pela assembleia de condóminos convocada para o<br />

efeito.<br />

Quando não seja possível recorrer a esta<br />

forma de divisão, fica aberto o caminho à acção<br />

especial de divisão de coisa comum, prevista nos<br />

artigos 40.º e seguintes, à qual se aplica,<br />

subsidiariamente, o disposto nos artigos 1052.º e<br />

seguintes do Código de Processo Civil. O processo<br />

especial disciplinado por esta lei visa simplificar<br />

méto<strong>dos</strong> de divisão, criando normas mais<br />

expeditas do que as que constam <strong>dos</strong> cita<strong>dos</strong><br />

preceitos de direito civil adjectivo.<br />

Deste modo, na petição para instauração da<br />

acção, os interessa<strong>dos</strong> devem propor uma<br />

específica e concreta divisão do prédio ou prédios<br />

abrangi<strong>dos</strong>, juntando o respectivo projecto, bem<br />

como outros documentos a que se reporta o n.º 1<br />

do art.º 41.º, designadamente, o título de<br />

reconversão – que não tem de ser o alvará de<br />

loteamento, até porque a divisão pode avançar<br />

antes da sua emissão, mas apenas a certidão<br />

administrativa da aprovação do projecto de<br />

loteamento. Os interessa<strong>dos</strong> não requerentes<br />

devem ser cita<strong>dos</strong> para contestar no curto prazo de<br />

15 dias, sob a advertência de que a falta de<br />

contestação implica a condenação no projecto de<br />

divisão proposto (art.º 41.º, n.ºs 1 e 3). Se houver<br />

contestação, produzida a prova e resolvidas as<br />

questões suscitadas pelo pedido de divisão, a<br />

conferência <strong>dos</strong> interessa<strong>dos</strong>, para efeitos da<br />

adjudicação, restringe-se aos lotes objecto de<br />

controvérsia, sendo que, na ausência de acordo,<br />

tais lotes serão adjudica<strong>dos</strong> segundo juízos de<br />

equidade a formular pelo tribunal (art.º 41.º, n.ºs<br />

10 e 11, e art.º 42.º, n.ºs 1 e 2).<br />

A divisão efectivada de acordo com o<br />

projecto apresentado, homologada por sentença<br />

judicial transitada em julgado, é a causa de<br />

aquisição, em propriedade plena, <strong>dos</strong> lotes<br />

adjudica<strong>dos</strong> a cada um <strong>dos</strong> comproprietários do<br />

prédio parcelado em avos, constituindo a certidão<br />

daquela o título para o correspondente registo.<br />

A especificidade desta acção, associada às<br />

singulares normas registrais consignadas nos n.º s<br />

3 e 5 do art.º 30.º da mencionada Lei, nos termos<br />

<strong>dos</strong> quais, respectivamente, a abertura das<br />

descrições ocorre por força da inscrição de<br />

aquisição e não por causa do registo do alvará, e a<br />

individualização <strong>dos</strong> lotes só acontece, em<br />

simultâneo, com a inscrição de aquisição por<br />

divisão da coisa comum – vai ter reflexos no<br />

correspondente registo provisório, de cujo extracto<br />

tem de constar o pedido, segundo o disposto no<br />

art.º 95.º, n.º1, alínea g), 1.ª parte, do Código do<br />

Registo Predial.<br />

Mas o pedido, que aqui compreende a<br />

divisão proposta pelos interessa<strong>dos</strong>, deve incluir,<br />

na sua menção, os elementos necessários à<br />

determinação, para fins registrais, das adjudicações<br />

efectuadas judicialmente, em resultado da<br />

procedência daquela acção. O registo da decisão<br />

final é o próprio registo de aquisição, pelo que o<br />

averbamento de conversão lavrado com base nessa<br />

decisão determinará, além da individualização de<br />

to<strong>dos</strong> os lotes, a reprodução, nas respectivas<br />

fichas, daquele registo de acção, na parte que a<br />

cada um deles interesse, de modo a publicitar<br />

11 12<br />

claramente a sua situação jurídica.<br />

2.2 – Incorporação na mesma Augi de<br />

prédios submeti<strong>dos</strong> a estatutos de<br />

compropriedade diversos<br />

To<strong>dos</strong> os problemas que acabámos de expor<br />

se agudizam quando, como sucede no caso em<br />

análise, a área de reconversão abrange prédios<br />

submeti<strong>dos</strong> a diferentes estatutos de<br />

compropriedade. Isto, desde logo, se concluirmos<br />

pela sua admissibilidade legal. É que os atrás<br />

cita<strong>dos</strong> arts.º 2.º, nº 1, e 30.º, n.º 5, aludem<br />

expressamente, a “…Augi constituídas em regime<br />

de compropriedade …” e a “prédio em<br />

compropriedade”, o que, na óptica de uma<br />

interpretação meramente literal, parece conduzir à<br />

11 Cfr. Deliberação emitida no P.º C.P. 4/2001 DSJ-CT.<br />

12 Já na acção “normal” de divisão de coisa comum os efeitos<br />

decorrentes da decisão final cuja oponibilidade a terceiros se<br />

visa antecipar pelo registo limitam-se ao efeito de extinção<br />

da relação de compropriedade a que a acção intenta pôr fim.<br />

Por isso é que, face à decisão transitada em julgado, a<br />

conversão da acção se limita a averbar o termo dessa<br />

compropriedade, não integrando qualquer referência às<br />

adjudicações efectuadas, nem determinando a abertura da<br />

descrição <strong>dos</strong> prédios em que, materialmente, ficou cindido o<br />

prédio originário. O registo <strong>dos</strong> diversos factos aquisitivos<br />

resultantes da divisão será objecto de inscrição autónoma,<br />

requisitada por quem nela tiver interesse, só então se<br />

descrevendo, como prédio distinto, a parcela adjudicada. –<br />

Sobre o assunto, cfr. Parecer no P.º R.P. 124/97, in B.R.N.,<br />

<strong>II</strong>, n.º 4/98.


Nº 4/2005 – Maio/Junho/Julho 2005 47<br />

impossibilidade de reunião na mesma “Augi” de<br />

vários prédios regista<strong>dos</strong> em compropriedade e em<br />

proporções diversas a favor de diferentes titulares.<br />

Essa não é, todavia, a nossa postura; as<br />

razões que presidiram à consagração legal do<br />

regime jurídico das “Augi”, a que fizemos<br />

referência no ponto um, são suficientemente<br />

ponderosas para levar ao afastamento daquele<br />

critério interpretativo, aceitando que no perímetro<br />

e modalidade de reconversão dessas zonas<br />

existentes na área do município, fixa<strong>dos</strong> pela<br />

Câmara Municipal respectiva, sejam incluí<strong>dos</strong><br />

prédios cuja inserção no conjunto cobra<br />

justificação bastante do ponto de vista urbanístico<br />

– facilitando, por exemplo, a realização conjunta<br />

das previsivelmente necessárias obras de infraestruturas,<br />

bem como a criação de espaços verdes e<br />

destina<strong>dos</strong> ao lazer ou à instalação de<br />

equipamentos colectivos, indispensáveis à fruição,<br />

em tais zonas, de uma vida com qualidade<br />

(determinante, por via reflexa, da elevação <strong>dos</strong><br />

parâmetros vivenciais da sociedade em geral) –, se<br />

bem que contribua, na perspectiva jurídicoprivada,<br />

para o agravamento <strong>dos</strong> problemas, já de<br />

si complexos, que a divisão fundiária nestes casos<br />

implica.<br />

Questões como a de saber se a extinção da<br />

compropriedade, mediante a divisão, poderá ou<br />

terá de processar-se na mesma escritura ou<br />

mediante a instauração de uma só acção vão, com<br />

certeza, colocar-se ao Notário ou ao Juiz, a quem é<br />

exigível, na respectiva abordagem, a maior cautela.<br />

Certo é que, qualquer que seja o meio por<br />

que a divisão se efective, ela terá sempre de levar<br />

em consideração o diverso estatuto de<br />

compropriedade a que se acham sujeitos os prédios<br />

envolvi<strong>dos</strong>, concretizando o fraccionamento em<br />

lotes relativamente a cada um deles, consoante os<br />

respectivos comproprietários e quotas (a menos<br />

que, previamente e através da celebração <strong>dos</strong><br />

necessários negócios jurídicos, se constitua uma<br />

compropriedade única – quotas iguais para os<br />

mesmos comproprietários – sobre os prédios em<br />

presença).<br />

Por tudo o que acabámos de expor, somos<br />

leva<strong>dos</strong> a concluir que o registo do alvará de<br />

loteamento, no âmbito do processo de reconversão<br />

das Augi, não é o registo a que se reporta o art.º<br />

54.º do Código do Registo Predial, já que,<br />

publicitando, embora, a divisão fundiária –<br />

operada pelo loteamento – de um ou vários prédios<br />

em um ou mais lotes destina<strong>dos</strong> à edificação<br />

urbana, não determina a individualização <strong>dos</strong><br />

mesmos, nem nela se analisa. Acresce que o alvará<br />

de loteamento não é o único meio previsto na lei<br />

para efectivar a reconversão urbanística em causa,<br />

já que, aquando da iniciativa da respectiva Câmara<br />

Municipal, o processo pode organizar-se mediante<br />

plano de pormenor 13 , cuja certidão substitui, para<br />

efeitos do registo predial, e conforme o previsto no<br />

n.º 4 do art.º 31.º da Lei n.º 91/95, o alvará. 14<br />

De resto, dentro da filosofia inspiradora da<br />

legislação sobre as Augi e de acordo com o<br />

respectivo conceito, é de todo compreensível que o<br />

registo de autorização de loteamento previsto,<br />

diversamente do comum, não implique a abertura<br />

das descrições <strong>dos</strong> lotes cria<strong>dos</strong>, até porque, em<br />

muitos casos – nos quais, como é óbvio, se não<br />

insere, todavia, a situação em apreço –, a nível do<br />

registo predial, essa individualização se<br />

encontrava, ao menos parcialmente, efectuada<br />

através da descrição autónoma de parcelas 15 , ora<br />

13 O plano de pormenor é o instrumento de planeamento<br />

territorial que procede a uma concreta e quase exaustiva<br />

definição da situação fundiária da área que abrange,<br />

realizando, quando necessário, a sua transformação e que,<br />

por isso, maiores consequências acarreta para o direito de<br />

propriedade sobre os solos e a conformação do território.<br />

Sendo de iniciativa e elaboração públicas, contém<br />

especificações materiais semelhantes à da aprovação das<br />

operações de loteamento, em regra, de iniciativa privada. É<br />

discutível se é ou não necessário o procedimento da<br />

autorização destas operações sempre que o plano de<br />

pormenor proceda, ele próprio, à recomposição fundiária da<br />

sua área de intervenção. No sentido afirmativo, vide<br />

Fernanda Paula Oliveira e Dulce Lopes, in “Implicações<br />

Notariais e Registais das Normas Urbanísticas”, págs. 21 e<br />

segs..<br />

14 A este respeito, veja-se o P.º C.P. n.º 21/99 DSJ-CT, in<br />

B.R.N. n.º 10/99, pág. 8: “Consequentemente, sendo<br />

indiferente … que a autorização conste ou do alvará ou do<br />

plano de pormenor, ter-se-á de entender que não é<br />

produzido o efeito básico da divisão fundiária. (…) a<br />

inscrição do alvará de loteamento da AUGI, indicada no n.º<br />

1 do art.º 30.º da Lei não é a que se acha prevista no C.R.P.<br />

e que determina a abertura da descrição de to<strong>dos</strong> os lotes<br />

tendo ao que se nos afigura, meros efeitos de publicidadenotícia.”.<br />

15 É que até à publicação do Dec.-Lei n.º 289/73, de 6 de<br />

Junho, os loteadores ilegais foram fraccionando e vendendo<br />

os prédios rústicos como lotes, permitindo aos respectivos


Nº 4/2005 – Maio/Junho/Julho 2005 48<br />

integradas no conjunto <strong>dos</strong> prédios delimita<strong>dos</strong> e<br />

às quais vieram a corresponder, no loteamento<br />

aprovado, determina<strong>dos</strong> lotes.<br />

O loteamento é, neste caso particular,<br />

essencialmente, o expediente encontrado para<br />

proceder à legalização de situações consolidadas<br />

no terreno, mas repletas de deficiências a nível<br />

urbanístico e a nível jurídico, às quais se procurou<br />

dar resposta, não só através de normas especiais,<br />

aprovadas para o efeito, mas também, por remissão<br />

específica destas, mediante a aplicação subsidiária<br />

das regras urbanísticas contidas no R.J.I.G.T.,<br />

aprovado pelo Dec.-Lei n.º 380/99, de 22/09 e no<br />

R.J.E.U., aprovado pelo Dec.-Lei n.º 555/99, de<br />

16/12, com as alterações introduzidas pelo Dec.-<br />

Lei n.º 177/2001, de 4/06.<br />

Não obstante as questões levantadas –<br />

porque se prendem com a aplicação das regras<br />

jurídico-privadas, disciplinadoras do direito de<br />

propriedade – assumirem particular relevância no<br />

ulterior momento do pedido do registo da<br />

aquisição <strong>dos</strong> lotes, com base na divisão efectuada<br />

sob o controlo jurídico do Notário ou do Juiz –<br />

consoante o modo por que a mesma se processou<br />

(art.º 38.º e art.º 41.º da Lei em apreço) 16 –, deve o<br />

Conservador, aquando do pedido do registo da<br />

autorização de loteamento titulado por alvará, no<br />

domínio de uma Augi, preocupar-se com a<br />

identificação e individualização <strong>dos</strong> respectivos<br />

lotes, em particular, no que concerne à sua<br />

localização. Mormente quando <strong>dos</strong> documentos<br />

que instruem a respectiva requisição,<br />

designadamente, das plantas juntas ao alvará,<br />

resultem dúvidas sobre a implantação <strong>dos</strong> diversos<br />

lotes dentro <strong>dos</strong> limites físicos das descrições<br />

prediais a que se refere pertencerem. Dúvidas cuja<br />

remoção ocorrerá mediante a prova, através de<br />

qualquer modo de representação gráfica –<br />

definindo claramente o polígono de cada uma das<br />

descrições envolvidas e os lotes nele conti<strong>dos</strong> – ,<br />

compradores registar individualmente a sua aquisição, se<br />

bem que com a referência de que o lote fazia parte de um<br />

determinado artigo rústico. Estes lotes, tal como os prédios<br />

fracciona<strong>dos</strong>, através do registo de aquisição das parcelas<br />

em avos podem ser integradas no perímetro de delimitação<br />

de uma Augi.<br />

16 Não esquecendo que, quer a escritura que titule a divisão,<br />

quer a divisão judicial, podem ter lugar antes de efectuada no<br />

registo predial a inscrição de autorização de loteamento. –<br />

Cfr. arts. 39.º, n.º1, redacção actual; e 41.º, n.º1.<br />

de que, v. g., a falta da numeração sequencial de<br />

lotes no âmbito de cada uma dessas descrições<br />

prediais não briga com a sua contenção dentro <strong>dos</strong><br />

respectivos marcos territoriais (por forma a evitar<br />

que se destaque de um prédio um lote que, de<br />

facto, materialmente, não faz parte dele).<br />

2.3 – Falta da indicação <strong>dos</strong> elementos que<br />

permitam a descrição.<br />

Trata-se do problema suscitado quanto à<br />

identificação de um <strong>dos</strong> prédios abrangi<strong>dos</strong> pelo<br />

alvará e que corresponde a uma parte da área da<br />

descrição predial – concretamente, 18 504, 39 m2 -<br />

o que, em princípio, implicaria a sua desanexação<br />

e consequente plena identificação, através da<br />

menção <strong>dos</strong> elementos necessários à abertura da<br />

descrição, nos termos do disposto no art.º 82.º do<br />

Código do Registo Predial.<br />

Face às menções elencadas nas diversas<br />

alíneas do referido preceito, constatamos que a<br />

omissão se confirma no que respeita aos elementos<br />

previstos nas alíneas c) e e), respectivamente,<br />

confrontações e valor patrimonial constante da<br />

matriz ou, na sua falta, o valor venal.<br />

Entendemos, porém, que a falha desses<br />

requisitos, ainda que comprometendo a abertura da<br />

descrição – na qual têm de estar presentes –, não<br />

vai provocar “… incerteza sobre o objecto da<br />

relação jurídica a que o facto registado se refere”,<br />

dando causa, por esta forma, a um registo nulo. O<br />

registo da autorização de loteamento deve então<br />

ser efectuado na ficha do prédio n.º 00736, fazendo<br />

constar da respectiva inscrição que o loteamento<br />

abrange daquele prédio somente a área supra<br />

referida.<br />

2.4 – Existência de inscrições hipotecárias<br />

em vigor sobre as quotas indivisas de que são<br />

titulares alguns <strong>dos</strong> comproprietários de um<br />

<strong>dos</strong> prédios abrangi<strong>dos</strong> pelo loteamento.<br />

Valem, a este propósito, por todas, as<br />

considerações tecidas a respeito da mesma questão<br />

no parecer P.º R.P. 151/2002 DSJ-CT e,<br />

especialmente, aquelas que ora nos permitimos,<br />

sem mais, transcrever:<br />

“… existem, à disposição <strong>dos</strong> interessa<strong>dos</strong>,<br />

quer mediante o consentimento do credor, na<br />

divisão amigável, quer pela instauração da acção<br />

também contra ele, na divisão judicial,


Nº 4/2005 – Maio/Junho/Julho 2005 49<br />

mecanismos que permitem obviar aos<br />

inconvenientes eventualmente decorrentes da<br />

existência sobre o prédio loteado de hipotecas<br />

registadas sobre quotas indivisas do mesmo, pelo<br />

que, à primeira vista, pareceria não se<br />

descortinarem razões para as dúvidas levantadas<br />

… que, independentemente de se tratar de uma<br />

Augi, poderiam … ocorrer em qualquer registo de<br />

autorização de loteamento normal, sem o carácter<br />

específico que o presente reveste e considerando a<br />

inexistência na legislação que disciplina aquela de<br />

qualquer disposição que expressa ou<br />

implicitamente contemple a situação abordada.<br />

Convém… não esquecer o que antes referimos …<br />

quanto ao facto do art.º 689.º, n.º2, do Código<br />

Civil, contemplar a hipótese da divisão ser<br />

consentida pelo credor, passando o seu direito, até<br />

aí incidente sobre uma quota ideal, a recair sobre<br />

a parte que vier a ser atribuída ao devedor, e à<br />

circunstância de, não havendo consentimento do<br />

credor, qualquer que seja o resultado da divisão, o<br />

direito hipotecário não ser atingido, continuando<br />

a incidir sobre uma quota ideal da coisa, regime<br />

que … tem inconvenientes, já que não só prolonga<br />

a comunhão, quanto à hipoteca, como pode a<br />

venda judicial, por falta de cumprimento da<br />

obrigação, inutilizar a divisão feita. Por isso é<br />

que, considerando estes inconvenientes e tendo<br />

presente que a Lei, neste caso particular das Augi,<br />

não prevê … a participação na assembleia de<br />

proprietários ou comproprietários … <strong>dos</strong><br />

eventuais credores hipotecários … em ordem a<br />

evitar a sua ocorrência, registralmente se deve<br />

prevenir a possível futura impugnação por esses<br />

credores da divisão que vier a processar-se,<br />

evitando, simultaneamente a surpresa para os<br />

demais comproprietários de verem recair sobre o<br />

lote ou lotes que lhes venham a ser atribuí<strong>dos</strong> na<br />

divisão ónus que de facto julgavam incidentes<br />

apenas sobre as parcelas adjudicadas aos<br />

comproprietários, sujeitos passivos das aludidas<br />

inscrições hipotecárias. Não havendo …<br />

intervenção no processo de loteamento … <strong>dos</strong><br />

credores hipotecários inscritos, nem se mostrando<br />

dado, por forma autêntica, o seu consentimento à<br />

substituição do objecto da garantia (fracção<br />

indivisa do prédio loteado por lotes), deverá, para<br />

obviar a eventuais e mais complexos problemas<br />

futuros … qualificar-se … o referido registo como<br />

provisório por dúvidas, residindo estas na falta de<br />

comprovação da intervenção <strong>dos</strong> credores<br />

hipotecários no processo de reconversão<br />

urbanística ou do seu consentimento expresso à<br />

divisão fundiária resultante daquele processo…”.<br />

2.5 – Falta de apresentação de documento<br />

comprovativo <strong>dos</strong> poderes de representação<br />

conferi<strong>dos</strong> ao apresentante pela Comissão<br />

Conjunta da Augi do … .<br />

O registo do loteamento vem requisitado por<br />

um advogado.<br />

Como acima referimos, o prédio ou prédios<br />

integra<strong>dos</strong> na mesma Augi ficam sujeitos a uma<br />

administração conjunta, assegurada pelos<br />

respectivos proprietários ou comproprietários, e<br />

cujos órgãos são a assembleia de proprietários ou<br />

comproprietários, a comissão de administração e a<br />

comissão de fiscalização. À comissão de<br />

administração incumbem, entre outras funções, as<br />

da tramitação do processo de reconversão, em<br />

representação <strong>dos</strong> titulares <strong>dos</strong> prédios e <strong>dos</strong> donos<br />

das construções integra<strong>dos</strong> na Augi, e de<br />

representação destes nas conservatórias do registo<br />

predial para promover as necessárias rectificações<br />

e alterações à descrição e o registo do alvará de<br />

loteamento, podendo, para o efeito, fazer<br />

declarações complementares.<br />

Por seu turno, o pedido de loteamento tem de<br />

ser instruído com os elementos especifica<strong>dos</strong> nas<br />

várias alíneas do n.º 1 do art.º 18.º, contando-se,<br />

entre eles, a fotocópia certificada das actas das<br />

reuniões da assembleia onde tenham sido tomadas<br />

as deliberações relativas à promoção da<br />

reconversão da Augi, à eleição e destituição da<br />

comissão de administração e à aprovação do<br />

projecto de reconversão a apresentar à câmara<br />

municipal, na modalidade do pedido de<br />

loteamento.<br />

Donde resulta que a emissão do alvará de<br />

loteamento só se processa verifica<strong>dos</strong> que sejam os<br />

poderes de quem actua em representação <strong>dos</strong><br />

titulares <strong>dos</strong> prédios e donos das construções<br />

integra<strong>dos</strong> na Augi, conquanto o alvará só possa<br />

ser emitido em nome <strong>dos</strong> comproprietários com<br />

inscrição válida no registo predial.<br />

O facto de pertencer à comissão de<br />

administração a representação da Augi junto da


Nº 4/2005 – Maio/Junho/Julho 2005 50<br />

conservatória do registo predial, com vista ao<br />

registo do alvará de loteamento, não prejudica a<br />

faculdade reconhecida aos advoga<strong>dos</strong> pelo art.º<br />

39.º, n.º2, alínea b), do Código do Registo Predial<br />

de, independentemente de procuração, pedirem o<br />

registo, já que os seus poderes de representação se<br />

presumem.<br />

Acresce que este motivo – determinante,<br />

quando muito, da provisoriedade por dúvidas do<br />

registo – nem sequer foi invocado no despacho de<br />

recusa de que se recorre, sendo referido apenas na<br />

fase de sustentação, interposto que foi o recurso<br />

hierárquico.<br />

3 – Posto isto, como corolário do que<br />

acabámos de expor, entendemos que o recurso<br />

merece provimento parcial, devendo o registo<br />

requisitado ser efectuado provisoriamente por<br />

dúvidas, e firmamos as seguintes<br />

Conclusões<br />

I – O processo de reconversão urbanística das<br />

áreas urbanas de génese ilegal (AUGI),<br />

instituído pela Lei n.º 91/95, de 2 de Setembro,<br />

com as alterações introduzidas pelas Leis n.º s<br />

165/99, de 14 de Novembro, e 64/2003, de 23 de<br />

Agosto, pode ser organizado como operação de<br />

loteamento da iniciativa <strong>dos</strong> proprietários ou<br />

comproprietários, ou como operação de<br />

loteamento (ou mediante plano de pormenor)<br />

da iniciativa da respectiva câmara municipal<br />

[(art.º 4.º, n.º 1, alíneas a) e b) ].<br />

<strong>II</strong> – Atenta a noção legal de área urbana de<br />

génese ilegal (AUGI), a operação de loteamento<br />

pela qual se organize a reconversão poderá<br />

abranger diversos prédios pertencentes a<br />

distintos proprietários ou comproprietários –<br />

sendo até admissível, nesta eventualidade, a<br />

incorporação de prédios submeti<strong>dos</strong> a estatutos<br />

de compropriedade diferentes – , o que implica<br />

a conformação do respectivo registo às normas<br />

do direito substantivo e às de natureza<br />

registral; deste modo, incidindo sobre esses<br />

prédios direitos diferentes, a lei em vigor não<br />

permite a sua anexação.<br />

<strong>II</strong>I – A inscrição do alvará de loteamento de<br />

uma AUGI, conquanto publicite a divisão<br />

fundiária, não determina a abertura da<br />

descrição de to<strong>dos</strong> os lotes; a individualização<br />

destes, no caso de o alvará respeitar a prédio<br />

em compropriedade, só tem lugar<br />

simultaneamente com a inscrição de aquisição<br />

por divisão de coisa comum (art.º 30.º, n.º s 3 e<br />

5, da citada Lei).<br />

IV – A divisão de coisa comum no âmbito das<br />

AUGI é objecto de um regime especial, nos<br />

termos do qual os prédios em compropriedade<br />

que as integrem podem ser dividi<strong>dos</strong> de acordo<br />

com o alvará de loteamento ou a planta de<br />

implantação do plano de pormenor, por acordo<br />

de uso, sem prejuízo do recurso à divisão por<br />

escritura pública ou por decisão judicial (art.º<br />

36.º da mesma Lei). Qualquer que seja o meio<br />

pelo qual a divisão se processe, caso a área de<br />

reconversão urbanística abranja prédios com<br />

estatutos de compropriedade distintos, o<br />

fraccionamento em lotes deverá ser<br />

concretizado relativamente a cada um desses<br />

prédios, em função <strong>dos</strong> respectivos<br />

proprietários e quotas.<br />

V – Na hipótese de recurso à via judicial, a<br />

petição para a instauração da acção de divisão<br />

de coisa comum deve propor uma específica e<br />

concreta divisão <strong>dos</strong> prédios envolvi<strong>dos</strong> e ser<br />

instruída com o respectivo projecto, pelo que o<br />

pedido, como menção do extracto da<br />

correspondente inscrição registral, analisan<strong>dos</strong>e<br />

no fraccionamento proposto, deverá integrar<br />

os elementos necessários à identificação, para<br />

efeitos tabulares, <strong>dos</strong> bens adjudica<strong>dos</strong><br />

judicialmente, em consequência daquela<br />

divisão.


Nº 4/2005 – Maio/Junho/Julho 2005 51<br />

VI – A inscrição de aquisição a que se refere o<br />

n.º 3 do art.º 30.º é o próprio registo da decisão<br />

final proferida na acção, motivo pelo qual a<br />

respectiva conversão, nela fundada, vai<br />

determinar, além da abertura das descrições de<br />

to<strong>dos</strong> os lotes cria<strong>dos</strong>, a reprodução nas fichas<br />

de cada um deles e na parte que lhes respeite,<br />

daquele registo de acção, de modo a facilitar a<br />

percepção da sua situação jurídica.<br />

V<strong>II</strong> – Incumbe ao Conservador apreciar, em<br />

sede de qualificação, o pedido do registo do<br />

alvará de loteamento pelo qual seja levado a<br />

cabo o processo de reconversão urbanística de<br />

uma AUGI, designadamente, no que concerne à<br />

identificação e individualização <strong>dos</strong> lotes<br />

constituí<strong>dos</strong>, com especial incidência na<br />

respectiva localização, de forma a prevenir a<br />

sua futura desanexação de descrições prediais a<br />

que, materialmente, não pertencem. Em ordem<br />

à consecução deste objectivo, deverá o<br />

respectivo pedido ser instruído por documentos<br />

de representação gráfica <strong>dos</strong> quais resulte clara<br />

a delimitação de cada uma das descrições<br />

abrangidas, bem como os lotes nela inseri<strong>dos</strong>,<br />

elementos cujo reflexo, a nível da<br />

correspondente inscrição, se traduzirá na<br />

menção expressa aos números e áreas <strong>dos</strong> lotes<br />

a destacar de cada uma das descrições.<br />

V<strong>II</strong>I – Encontrando-se hipotecado o prédio<br />

objecto de um processo de reconversão<br />

urbanística, a divisão fundiária e a eventual<br />

integração no domínio municipal de parcelas do<br />

prédio, enquanto efeitos reais de tal processo,<br />

não deverão ingressar com carácter definitivo<br />

no registo – à margem da intervenção ou do<br />

consentimento do credor hipotecário inscrito –,<br />

justificando-se, assim, e para obviar a eventuais<br />

e mais complexos problemas futuros, que o<br />

próprio registo do licenciamento seja efectuado<br />

provisoriamente por dúvidas.<br />

Este parecer foi aprovado em sessão do<br />

Conselho Técnico da Direcção-Geral <strong>dos</strong> <strong>Registos</strong><br />

e do <strong>Notariado</strong> de 08.06.2005.<br />

Maria Eugénia Cruz Pires <strong>dos</strong> Reis Moreira,<br />

relatora, João Guimarães Gomes de Bastos, Olga<br />

Maria Barreto Gomes, José Joaquim Carvalho<br />

Botelho, César Gomes.<br />

Este parecer foi homologado por despacho<br />

do Director-Geral de 14.06.2005.<br />

Proc. nº R. P. 126/2004 DSJ-CT - Destaque. –<br />

Prédio inserido em parte no perímetro urbano e<br />

noutra parte em espaço rural. – Exigibilidade<br />

ou não de licença camarária.<br />

1 – O presente processo respeita ao recurso<br />

hierárquico interposto do despacho de recusa que<br />

mereceram os registos requisita<strong>dos</strong> sob as Aps. 12<br />

e 13 de 18 de Março de 2004.<br />

Trata-se <strong>dos</strong> pedi<strong>dos</strong> de: desanexação do<br />

prédio descrito sob o n.º 06395, da freguesia de …,<br />

de um prédio urbano, destinado a habitação, com a<br />

área coberta de 153,3m2 e descoberta de 741m2, a<br />

confrontar do norte com a estrada, sul com terreno<br />

da CP, nascente com terreno da CP e Alfredo PG e<br />

poente com José MA e Maria Lizete MACM,<br />

inscrito na respectiva matriz sob o artigo 6432; e<br />

de averbamento à citada descrição de que o<br />

respectivo prédio é um urbano, destinado a<br />

arrecadação, com a superfície coberta de 20m2 e a<br />

descoberta de 2780m2, a confrontar do norte com<br />

a estrada, sul com terreno da CP, do nascente com<br />

Lizete MACM e José MA e poente com caminho,<br />

inscrito na matriz urbana sob o artigo 7586.<br />

Instruíram os aludi<strong>dos</strong> registos uma certidão<br />

emitida pela Câmara Municipal de ..., datada de


Nº 4/2005 – Maio/Junho/Julho 2005 52<br />

20/02/04, e duas cadernetas prediais urbanas<br />

relativas àqueles artigos matriciais, conferidas, em<br />

27/02/04, pelos serviços de Finanças de ....<br />

2 – O despacho de recusa invoca como<br />

fundamento legal o disposto nos artigos 68.º e 69.º,<br />

n.º 1, alínea b), e n.º 2 1 do Código do Registo<br />

Predial.<br />

Refere que os casos em que a lei – art.º 6.º<br />

do Dec.-Lei n.º 555/99, de 16/12, conforme a<br />

redacção introduzida pelo Dec.-Lei n.º 177/2001,<br />

de 4/06 – dispensa de licença ou autorização<br />

camarária o destaque de parcela de prédio com<br />

descrição predial são os previstos nos n.ºs 4 e 5<br />

daquele artigo, observadas que sejam,<br />

cumulativamente, as condições fixadas nas<br />

respectivas alíneas a) e b), consoante tal destaque<br />

ocorra dentro ou fora do perímetro urbano. Para<br />

logo concluir que a certidão camarária<br />

apresentada, qualificando o solo como de<br />

aproveitamento misto, face ao disposto no Dec.-<br />

Lei n.º 380/99, de 22/09, não certifica os requisitos<br />

previstos na alínea b) do n.º 5 do referenciado<br />

artigo 6.º.<br />

3 – No recurso hierárquico, interposto em<br />

tempo, objecto da Ap. 14 de 27 de Abril de 2004,<br />

impugna-se a falta de fundamentação – devida à<br />

ausência de especificação <strong>dos</strong> motivos da recusa –<br />

do respectivo despacho, cuja nulidade se invoca,<br />

por aplicação subsidiária ao Código do Registo<br />

Predial, do n.º 1, alínea b) do art.º 668.º do Código<br />

do Processo Civil.<br />

Não obstante, partindo do princípio de que o<br />

facto em que se alicerça a recusa é a não<br />

certificação pela autoridade administrativa <strong>dos</strong><br />

requisitos previstos na alínea b) do n.º 5 do art.º 6.º<br />

citado, contesta o recorrente a interpretação, a seu<br />

ver, errada que, a propósito, foi adoptada pela Sr.ª<br />

Conservadora. É que aquele n.º 5 aplica-se<br />

somente nos casos em que a parcela a destacar se<br />

situa fora <strong>dos</strong> perímetros urbanos, o que, e citamos<br />

“… não é o caso da parcela a desanexar que se<br />

1 Recorde-se que os motivos de recusa invoca<strong>dos</strong> se analisam<br />

na manifesta falta de titulação do facto nos documentos<br />

apresenta<strong>dos</strong> e na circunstância de, por falta de elementos ou<br />

pela natureza do acto, o registo não poder ser feito como<br />

provisório por dúvidas. E dizem respeito, respectivamente,<br />

às Aps. 12 e 13.<br />

insere dentro do perímetro urbano conforme,<br />

aliás, certifica a C.M. de ... …”. Nesta<br />

eventualidade, nada obsta a que a parcela com<br />

894,30m2 seja desanexada “… já que cumpre<br />

integralmente os requisitos das alíneas a) e b) do<br />

n.º 4 do artigo 6.º, D.L. 555/99 de 16 de<br />

Dezembro, nomeadamente porque se situa dentro<br />

do perímetro urbano, confronta com arruamentos<br />

públicos e a construção a erigir na parcela a<br />

destacar dispõe de projecto aprovado conforme,<br />

aliás, certifica a C. M. de ....”.<br />

A interpretação <strong>dos</strong> preceitos legais não<br />

deve ser meramente literal, mas teleológica, sendo<br />

que o que decorre da “ratio legis” de tais<br />

coman<strong>dos</strong> jurídicos “… não é limitar-se a<br />

construção em parcelas que se insiram em<br />

perímetros urbanos a qual é, até, desejável por<br />

permitir a rentabilização de infraestruturas, numa<br />

adequada política de urbanização, mas sim<br />

impedir a ocupação de solos com aptidão natural<br />

… para actividades agrícolas … ou florestais…”.<br />

Em favor da tese que propugna, o recorrente<br />

socorre-se da orientação veiculada por ofício<br />

dimanado da Associação Nacional de Municípios<br />

Portugueses – de que junta fotocópia –, em<br />

resposta ao pedido formulado sobre a matéria pela<br />

referida Câmara Municipal, ainda no domínio da<br />

vigência do D.L. n.º 448/91, de 29 de Novembro,<br />

nos termos seguintes: Se a construção ficar<br />

implantada na parte urbana do prédio, deve<br />

aplicar-se o n.º 1 do art.º 5.º do Decreto-Lei n.º<br />

448/91, de 29 de Novembro; Se a construção ficar<br />

implantada na parte não urbana do prédio, deve<br />

aplicar-se o n.º 2 do art.º 5.º do Decreto-Lei n.º<br />

448/91, de 29 de Novembro.”.<br />

4 – Sustentando a recusa, a recorrida<br />

considera suficientemente fundamentado, de facto<br />

e de direito, o respectivo despacho. 2<br />

Quanto à questão de fundo, entende que os<br />

pressupostos da isenção de licença administrativa<br />

não se podem ter por verifica<strong>dos</strong>, no caso “sub<br />

júdice”, apenas porque a parcela a destacar se<br />

situa dentro do perímetro urbano, já que o n.º 4 do<br />

2 Entendemos também que o despacho, ainda que sucinto,<br />

está suficientemente fundamentado, de tal sorte que em nada<br />

prejudicou a sua impugnação pela via do recurso<br />

hierárquico.


Nº 4/2005 – Maio/Junho/Julho 2005 53<br />

art.º 6.º se refere a parcelas de um prédio situado,<br />

na sua totalidade, dentro desse perímetro.<br />

Tratando-se de uma situação de<br />

aproveitamento misto do solo, legalmente não<br />

prevista, e na ausência de uma classificação<br />

unitária do mesmo ou da fixação de uma utilização<br />

dominante que proporcione o seu enquadramento<br />

global como solo rural ou urbano, a recorrida<br />

propende para a solução de condicionar o destaque<br />

à verificação cumulativa <strong>dos</strong> requisitos fixa<strong>dos</strong> no<br />

n.º 4 do referido preceito, como forma de garantir<br />

“… a acessibilidade ou rede viária e a<br />

regularidade urbanística da construção erigida ou<br />

a erigir na parcela destacada…” ; mas prevenindo<br />

simultaneamente a não diminuição do “… destino<br />

económico do prédio, admitindo-se o seu<br />

fraccionamento apenas no caso de se garantir à<br />

parcela situada fora do perímetro urbano o mesmo<br />

aproveitamento das qualidades naturais e<br />

funcionais, conservando a sua estrutura e o seu<br />

valor económico sem modificações não obstante a<br />

desanexação operada, de modo a que a mesma<br />

possa manter a sua aptidão ou potencialidade<br />

agrícolas, desmotivando-se ao mesmo tempo<br />

novas intervenções urbanísticas, mesmo por<br />

razões ponderosas, que não se justificariam não<br />

fosse o destaque.”.<br />

5 – Sendo o recurso tempestivo e não tendo<br />

ocorrido nulidades, excepções ou questões prévias<br />

que obstem à apreciação do mérito a posição do<br />

Conselho vai expressa na seguinte<br />

Deliberação<br />

I – O destaque de uma única parcela de prédio<br />

com descrição predial, tendo em vista a<br />

edificação urbana, pode, atenta a sua<br />

localização, ser dispensado de licença ou<br />

autorização, verifica<strong>dos</strong> que sejam os<br />

pressupostos fixa<strong>dos</strong> nas alíneas a) e b) <strong>dos</strong> n.º s<br />

4 e 5 do art.º 6.º do D.L. n.º 555/99, de 16 de<br />

Dezembro, com a redacção introduzida pelo<br />

D.L. n.º 177/2001, de 4 de Junho, conforme<br />

certificação a cargo da respectiva Câmara<br />

Municipal (n.º 9 do artigo citado). 3 4<br />

<strong>II</strong> – Dentro do perímetro urbano 5 , o destaque a<br />

que se refere o número anterior pode ser<br />

efectuado sem licença ou autorização desde que<br />

as parcelas dele resultantes confrontem com<br />

arruamentos públicos e a construção erigida 6<br />

ou a erigir na parcela a destacar disponha de<br />

3 Há quem entenda que as operações de destaque são, do<br />

ponto de vista jurídico, autênticas operações de loteamento<br />

em sentido estrito – por se analisarem na divisão de um<br />

prédio em lotes para construção – que, todavia, pela sua<br />

simplicidade, a lei dispensou de controlo administrativo<br />

prévio, desde que observa<strong>dos</strong> certos requisitos a cuja<br />

especificação procedeu. Cfr. Fernanda Paula Oliveira e<br />

Dulce Lopes, in “Implicações Notariais e Registais das<br />

Normas Urbanísticas”, pág. 65.<br />

Diversamente, este Conselho, fundamentando-se no disposto<br />

no art.º 41.º do citado D.L. n.º 555/99 – “As operações de<br />

loteamento só podem realizar-se nas áreas situadas dentro<br />

do perímetro urbano e em terrenos já urbaniza<strong>dos</strong> ou cuja<br />

urbanização se encontre programada em plano municipal de<br />

ordenamento do território” – pronunciou-se no sentido de<br />

que, em regra (excepção feita aos empreendimentos<br />

turísticos, conforme a previsão do art.º 38.º do mesmo D.L.),<br />

fora <strong>dos</strong> perímetros urbanos não se concebe sequer uma<br />

operação de loteamento, pelo que não há que colocar o<br />

problema do seu licenciamento; considerar como loteamento<br />

a operação de destaque – sendo que a lei não a qualifica<br />

como tal –, poria em causa a admissibilidade do destaque<br />

fora do perímetro urbano, a que se refere o n.º 5 do<br />

mencionado art.º 6.º – Vide P.º C.P. 89/2002 DSJ-CT, in<br />

B.R.N <strong>II</strong>, n.º 9/2002, pág. 52.<br />

4 A isenção prevista neste art.º 6.º refere-se apenas à dispensa<br />

de subordinação ao procedimento da autorização ou da<br />

licença, nada tendo a ver com a observância das normas<br />

legais e regulamentares aplicáveis, em particular as contidas<br />

nos planos municipais e especiais de ordenamento do<br />

território e as regras técnicas de construção – como fazem<br />

notar (ob. cit., págs.67/68) as autoras acima referenciadas.<br />

5 O perímetro urbano é constituído por todo o solo urbano<br />

– entendido como tal aquele a que é reconhecida vocação<br />

para o processo de urbanização e de edificação – e<br />

compreende os solos urbaniza<strong>dos</strong> e aqueles cuja urbanização<br />

seja possível programar, bem como os solos afectos à<br />

estrutura ecológica necessários ao equilíbrio do sistema<br />

urbano [Art.ºs 72.º, n.º 2, alínea b) e art.º 73.º, n.º 4, do D.L.<br />

n.º 380/99, de 22/09].<br />

6 A lei actual adoptou uma redacção “A construção erigida<br />

ou a erigir na parcela a destacar disponha de projecto<br />

aprovado no momento da construção” [art.º 6.º, n.º 4, b),<br />

D.L. 555/99] que veio acabar de vez com as dúvidas<br />

suscitadas pela expressão empregue – “construção a erigir”<br />

– no correspondente preceito do D.L. n.º448/91, de 29/11, ou<br />

seja, a alínea b) do n.º 1 do citado art.º 5.º, consagrando a<br />

solução que, na prática, já vinha sendo adoptada.


Nº 4/2005 – Maio/Junho/Julho 2005 54<br />

projecto aprovado quando exigível no momento<br />

da construção [alíneas a) e b) do n.º 4].<br />

<strong>II</strong>I – Fora <strong>dos</strong> perímetros urbanos, os actos de<br />

destaque referencia<strong>dos</strong> estão dispensa<strong>dos</strong> de<br />

licença ou autorização quando na parcela<br />

destacada só seja construído edifício que se<br />

destine exclusivamente a fins habitacionais e<br />

não tenha mais de dois fogos e,<br />

simultaneamente, na parte sobrante, se respeite<br />

a área mínima fixada no projecto de<br />

intervenção em espaço rural 7 em vigor ou,<br />

quando esse projecto não exista, a área da<br />

unidade de cultura 8 estabelecida pela lei geral<br />

para a respectiva região [alíneas a) e b) do<br />

n.º 5].<br />

IV – Quando o prédio do qual vai ser destacada<br />

a parcela se localize em zona mista, ou seja,<br />

parte dentro do perímetro urbano e parte fora<br />

7 A política de ordenamento do território e de urbanismo<br />

assenta num sistema de gestão territorial que, no âmbito<br />

municipal, se concretiza, para além <strong>dos</strong> planos<br />

intermunicipais, nos planos municipais de ordenamento do<br />

território, compreendendo os planos directores municipais<br />

(de elaboração obrigatória), os planos de urbanização e os<br />

planos de pormenor. Os planos municipais de ordenamento<br />

do território – que são instrumentos de natureza<br />

regulamentar, elabora<strong>dos</strong> pela câmara municipal e aprova<strong>dos</strong><br />

pelo município (arts. 69.º e 74.º do referido D.L. 380/99) –<br />

definem o regime do uso do solo, através da sua classificação<br />

e qualificação, determinando esta a definição do perímetro<br />

urbano. Aos planos directores municipais – responsáveis<br />

pela organização espacial do território municipal, assente na<br />

classificação do solo e desenvolvida através da sua<br />

qualificação – incumbe a identificação e a delimitação <strong>dos</strong><br />

perímetros urbanos, com a definição do sistema urbano<br />

municipal [arts. 84.º e 85.º, alínea h), D.L.cit.]. O projecto de<br />

intervenção em espaço rural é uma das modalidades<br />

simplificadas do plano de pormenor [art.º 91.º, n.º 2, alínea<br />

b), D.L. cit.], que procede à prévia explicitação do<br />

zonamento com base na disciplina consagrada no plano<br />

director municipal (n.º 3, art. 91.º cit.), ao qual incumbe,<br />

dentro do processo, a seu cargo, de definição de um modelo<br />

de organização municipal do território, a definição de<br />

estratégias para o espaço rural, identificando aptidões,<br />

potencialidades e referências aos usos múltiplos possíveis<br />

[alínea g), art.º 85.º cit.].<br />

8 As unidades mínimas de cultura para cada região do país<br />

encontram-se fixadas, como se sabe, pela Portaria n.º 202/70,<br />

de 21 de Abril.<br />

desse perímetro – situação esta não<br />

expressamente prevista na lei – é também a<br />

certidão emitida pela câmara municipal<br />

respectiva 9 que propicia ao conservador do<br />

registo predial o conhecimento <strong>dos</strong> pressupostos<br />

de facto eventualmente condicionantes da<br />

isenção de licença ou autorização para o<br />

destaque pretendido – que não é prejudicado<br />

pela aludida falta de previsibilidade legal –, a<br />

ele incumbindo a definição do critério a adoptar<br />

na valoração desses elementos factuais a que,<br />

por ausência de informação e falta de suporte<br />

técnico, não teria acesso doutro modo.<br />

V – Na situação prevista no número precedente,<br />

deve atender-se à localização da parcela a<br />

9 A resenha do sistema jurídico vigente, constante da nota de<br />

rodapé supra n.º 8, é, a nosso ver, suficientemente<br />

elucidativa da competência das câmaras municipais para<br />

certificarem a presença ou não, numa determinada situação<br />

concreta, <strong>dos</strong> requisitos que legalmente condicionam o<br />

destaque, em função da localização do respectivo terreno.<br />

Mas a intervenção da administração municipal deve ficar por<br />

aqui, já que, neste domínio, ela não se traduz na prática de<br />

um acto de controlo preventivo, mas tão só na emissão de<br />

uma certidão comprovativa <strong>dos</strong> pressupostos de facto cuja<br />

ocorrência pode legitimar a isenção de licença ou<br />

autorização. Daí que nos casos não previstos legalmente (nos<br />

n.ºs 4 e 5, art.º 6.º cit.), a aceitação da referida certidão como<br />

“… documento bastante para efeitos de registo predial da<br />

parcela destacada.” (n.º 9 do mesmo artigo), por parte do<br />

conservador, dependerá do critério por ele adoptado quanto<br />

ao regime legal a que deverão ficar sujeitos os destaques em<br />

prédios sitos em zonas mistas. Critérios que têm oscilado<br />

entre a sujeição a licença ou autorização (por os destaques<br />

não reunirem os requisitos previstos nas alíneas a) e b) <strong>dos</strong><br />

n.ºs 4 e 5 do art.º 6.º) – v. g. João Pereira Reis e Margarida<br />

Loureiro, in “Regime Jurídico da Urbanização e da<br />

Edificação”, pág. 53. – até à aplicação do regime<br />

correspondente à maior área do terreno – v. g. Autoras e<br />

Obra citadas na nota 3 de rodapé, pág. 68 – ou do regime<br />

relativo à área que integra a parcela a destacar – v.g. ofício<br />

da Associação Nacional de Municípios Portugueses, junto<br />

aos autos, atrás referenciado.<br />

Há, todavia, quem entenda que a passagem pela autarquia<br />

competente de uma certidão a comprovar a observância <strong>dos</strong><br />

pressupostos condicionantes do destaque tem que ser vista<br />

como uma verdadeira autorização para o efectuar, face ao<br />

disposto no referido n.º 9 do preceito invocado, do qual<br />

decorre que o destaque só produz efeitos registrais mediante<br />

a certidão emitida pela câmara municipal. – “Vide”António<br />

José Rodrigues, in “RJUE”, pág. 37.


Nº 4/2005 – Maio/Junho/Julho 2005 55<br />

destacar, aplicando-se-lhe o regime próprio <strong>dos</strong><br />

destaques previstos nos antecedentes números<br />

dois (dentro do perímetro urbano) e três (fora<br />

do perímetro urbano), consoante a área ou a<br />

maior parte dela, objecto do destaque, se situe<br />

dentro ou fora desse perímetro; de tal modo<br />

que a certidão camarária apresentada será<br />

documento bastante para efeitos do registo<br />

predial da parcela desanexada, quando<br />

comprove a verificação cumulativa <strong>dos</strong><br />

requisitos estabeleci<strong>dos</strong> na lei para cada um ou<br />

outro <strong>dos</strong> dois tipos de destaque, conforme a<br />

área destacada, de acordo com o referido<br />

critério, se localize dentro ou fora de tal<br />

perímetro. 10<br />

Atento o exposto, é entendimento deste Conselho<br />

que o recurso merece provimento.<br />

Esta deliberação foi aprovada em sessão do<br />

Conselho Técnico da Direcção-Geral <strong>dos</strong> <strong>Registos</strong><br />

e do <strong>Notariado</strong> de 08.06.2005.<br />

10 No caso “sub judice”a certidão camarária que instruiu o<br />

pedido de registo diz expressamente que “… foi aprovado o<br />

destaque de parcela de terreno inserida dentro do perímetro<br />

urbano(Espaço urbano de edificação dispersa) com a área<br />

de…, do prédio descrito na Conservatória do Registo<br />

Predial de ... sob o n.º06395/20010713 e inscrito na matriz<br />

predial urbana sob o artigo 6432, situado em… e<br />

classificado na Carta de Ordenamento e Condicionantes do<br />

P.D.M. como Espaço urbano de edificação dispersa e na<br />

parcela restante como Espaço agrícola prioritário, espaço<br />

urbano de edificação dispersa e Ran (…) A parcela a<br />

destacar ficará a confrontar … e o pedido reúne as<br />

condições constantes das alíneas a) e b) do n.º 4 do art.º 6.º<br />

do D.L. 555/99 de 16 de Dezembro alterado pelo<br />

D.L. 177/01 de 4 de Junho, nomeadamente: a) Do destaque<br />

não resultam mais de duas parcelas que confrontam com<br />

arruamento público. b) A parcela a destacar dispõe de<br />

projecto aprovado por deliberação da Câmara de 10/03/81<br />

e licenciado ao abrigo da licença n.º 279 emitida aos 4 de<br />

Maio de 1981.<br />

Entendeu, pois, a referida Câmara Municipal, com base<br />

nas prescrições contidas no respectivo plano director<br />

municipal que a situação em causa devia ter o tratamento<br />

legalmente fixado para os destaques de parcelas dentro do<br />

perímetro urbano, razão pela qual, naturalmente, não aparece<br />

certificado o requisito previsto na alínea b) do n.º 5 do<br />

art.º 6.º.<br />

Maria Eugénia Cruz Pires <strong>dos</strong> Reis Moreira,<br />

relatora.<br />

Esta deliberação foi homologada por<br />

despacho do Director-Geral de 14.06.2005.<br />

Proc. nº R.Co. 9/2005 DSJ-CT – Nomeação para<br />

secretário de uma sociedade por quotas de um<br />

<strong>dos</strong> sócios dessa mesma sociedade –<br />

Registabilidade – Designação obrigatória de<br />

secretário suplente – Registo da dissolução da<br />

sociedade e encerramento da liquidação sem<br />

que se tenha procedido ao prévio registo da<br />

nomeação de secretário – Inaplicabilidade do<br />

Princípio do Trato Sucessivo.<br />

<strong>Registos</strong> a qualificar: nomeação para o cargo<br />

de secretário da sociedade, nos termos do artº<br />

446º-D do CSC, de um <strong>dos</strong> sócios dessa mesma<br />

sociedade – sua registabilidade; designação<br />

obrigatória do secretário suplente; inaplicabilidade<br />

do princípio do trato sucessivo no registo de<br />

dissolução da sociedade e encerramento da<br />

liquidação no que se refere à exigência do registo<br />

prévio da designação do secretário que lavrou a<br />

acta que titulou esse acto.<br />

a) - O título que serviu de base ao 1º pedido<br />

em causa – nomeação de secretário - ap.<br />

13/28102004 -, foi a acta da assembleia geral nº 3<br />

datada de 17/05/2004 e o título que serviu de base<br />

ao 2º pedido constante no mesmo impressorequisição<br />

– dissolução da sociedade em causa e<br />

encerramento da liquidação - ap. 14/28102004 -,<br />

foi a acta nº 6, datada de 30/09/2004, sendo esta<br />

última assinada pelo secretário.<br />

b) – Os dois registos pretendi<strong>dos</strong> foram<br />

recusa<strong>dos</strong> nos termos <strong>dos</strong> dois despachos<br />

proferi<strong>dos</strong> em 25/11/2004, o primeiro com o<br />

fundamento de não estar titulado nos documentos<br />

apresenta<strong>dos</strong> (artºs 48º nº 1 al. b) CRC), já que o<br />

secretário da sociedade é um órgão social (artº 3 nº<br />

1 al. m) do CRC) com funções e responsabilidades<br />

próprias, com natureza para-notarial, visto que


Nº 4/2005 – Maio/Junho/Julho 2005 56<br />

incluem as certificações e autenticações de actas<br />

além da conservação e arquivo de livros (artºs 446-<br />

B nº 3 e 446-F, ambos do CSC), pelo que nesta<br />

conformidade esta actividade tem um determinado<br />

conteúdo funcional próprio de isenção e autonomia<br />

e por esse facto não poderá realizar actos em que<br />

seja parte ou beneficiário indirecto (artºs 5º nº 1 e<br />

6º, ambos do Código do <strong>Notariado</strong>). Para além<br />

disso, foi ainda argumentado, que sendo designado<br />

o secretário da sociedade também é necessário<br />

designar o secretário suplente (artº 446-A CSC e<br />

parecer do Conselho Técnico publicado no BRN<br />

nº 4/99, <strong>II</strong> cad. pág. 2).<br />

No que se refere ao 2º pedido de registo foi<br />

argumentado que o documento apresentado não se<br />

mostra lavrado em conformidade com o artº 145º<br />

do CSC, pelo que a acta nº 6 autenticada pelo<br />

secretário fora do âmbito de uma competência<br />

específica e legalmente prevista é nula, alínea b)<br />

do nº 1 do artº 22º conjugado com a al. d) do nº 1<br />

do artº 48º, bem como a al. b) do nº 1 do artº 48<br />

CRC.<br />

c) – Dos referi<strong>dos</strong> despachos de recusa em<br />

efectuar os actos solicita<strong>dos</strong> nos termos requeri<strong>dos</strong><br />

reclamou o interessado para o próprio Conservador<br />

[(aps. 01/23122004 e 06/03012005(?)] tendo sido<br />

argumentado, quanto ao despacho referente à<br />

recusa da ap. 13/28102004, “inter alia”, que o<br />

secretário da sociedade não é um órgão social,<br />

bastando atentar para o título do capítulo VI do<br />

Código das Sociedades Comerciais<br />

(Administração, fiscalização e secretário da<br />

sociedade), sendo que a secção VI é destinada ao<br />

Secretário da Sociedade por onde se constata,<br />

inclusivamente, que o secretário e o seu suplente<br />

devem ser designa<strong>dos</strong> pelos sócios fundadores no<br />

acto da constituição da sociedade, ou pelo<br />

conselho de administração, ou pela direcção por<br />

deliberação registada em acta (cfr. artº 446-A nº 2<br />

do CSC) e que, no caso em análise, de sociedade<br />

por quotas, o secretário não é eleito nem designado<br />

pela Assembleia Geral de sócios, como o devem<br />

ser os membros <strong>dos</strong> órgãos sociais, nomeadamente<br />

a gerência, mas é sim designado por esta. Mais foi<br />

aduzido que não existe qualquer norma que faça<br />

estender o regime do Código do <strong>Notariado</strong> aos<br />

secretários das sociedades, não se vendo porque<br />

razão estes devem ficar sujeitos a esse Código, isto<br />

quando não são Notários e não têm os direitos e as<br />

prerrogativas <strong>dos</strong> mesmos, designadamente em<br />

termos de comparticipação e em outras receitas e<br />

que mesmo que se aplicasse ao caso o disposto no<br />

artº 5º do Código do <strong>Notariado</strong>, sempre o sócio<br />

designado como secretário (que não exerce<br />

qualquer função de gerência na sociedade) poderia<br />

desempenhar as funções de secretário da sociedade<br />

por virtude do disposto no nº 3 daquele mesmo artº<br />

5º. Invocou ainda que a designação do secretário<br />

suplente só é obrigatória para as sociedades<br />

cotadas em bolsa de valores, como se estipula no<br />

artº 446º-A nº 1 do CSC, não parecendo que o seja<br />

para as sociedades por quotas já que pretender que<br />

neste tipo de sociedades, ao lado do secretário<br />

tenha que ser também nomeado um secretário<br />

suplente é a mesma coisa que esvaziar de conteúdo<br />

a possibilidade de estender às sociedades por<br />

quotas a figura do secretário da sociedade, a que se<br />

reportam os artºs 446º e sgs. do CSC. Termina<br />

afirmando que a única questão que a Conservatória<br />

poderia ter suscitado, e não o suscitou, e que<br />

levaria eventualmente a que o registo ficasse<br />

provisório por dúvidas era a falta de indicação das<br />

habilitações do secretário para o exercício das<br />

funções, atendendo ao contido no artº 446-A nº 3<br />

do CSC, tendo adiantado que o sócio/secretário em<br />

causa é licenciado em Direito.<br />

Quanto ao despacho referente à recusa da ap.<br />

14/28102004, salienta que o mesmo é<br />

consequência do despacho anterior e que tendo o<br />

secretário competência para o acto, como já se<br />

argumentou, a elaboração e certificação da acta nº<br />

6 não é nula, não se verificando,<br />

consequentemente, a nulidade a que se reporta o<br />

artº 48º nº 1, al. d) do CRC, nem existindo facto<br />

não titulado, nos termos do artº 48º nº1 al b) do<br />

mesmo CRC.<br />

d) – Em 03/01/2005 a recorrida indeferiu as<br />

reclamações, proferindo e fundamentando<br />

despachos de sustentação basicamente com a<br />

argumentação já expendida, salientando, no<br />

primeiro despacho, que, não podendo a designação<br />

recair em qualquer pessoa e atendendo ao<br />

conteúdo das funções para-notariais que exerce e<br />

não esclarecendo a lei se pode a sua função ser<br />

exercida por um <strong>dos</strong> sócios, é da opinião que a<br />

isenção, imparcialidade e autonomia que lhe é<br />

exigida não é compatível com os interesses dum<br />

sócio nem equiparável a um “simples serventuário


Nº 4/2005 – Maio/Junho/Julho 2005 57<br />

interno da sociedade”, citando ainda Albino<br />

Matos, in “Constituição de Sociedades”, 5ª edição,<br />

pág. 221, dizendo ainda que questão prejudicial à<br />

do preenchimento e necessária prova, <strong>dos</strong><br />

pressupostos ao exercício das funções de secretário<br />

pela pessoa nomeada é a de determinar se um<br />

sócio pode ou não ser designado para o exercício<br />

de tais funções.<br />

Quanto ao 2º despacho, para além do já<br />

aduzido, salientou ainda a recorrida que a acta da<br />

assembleia geral nº 6 não pode servir de título para<br />

o registo pretendido por se não fazer prova do<br />

registo/publicação da nomeação do secretário<br />

(artºs 3º nº 1 al. m), 15º nº 1 e 70º nº1, to<strong>dos</strong> do<br />

CRC), momento a partir do qual a nomeação<br />

produz os seus efeitos perante terceiros (artº 14º nº<br />

2 do CRC).<br />

e) – Finalmente, não se conformando, a<br />

recorrente veio em recurso hierárquico<br />

[(ap.10/03022005 e ap.02/10022005(?)] 1<br />

argumentar basicamente com os mesmos motivos<br />

já expendi<strong>dos</strong>.<br />

Uma vez que o processo é o próprio, é<br />

tempestivo, as partes são legítimas e não havendo<br />

qualquer questão prévia ou prejudicial 2 que obste à<br />

1 - Apesar de tanto as duas reclamações para o próprio<br />

Conservador como os dois recursos hierárquicos terem sido<br />

sempre lavra<strong>dos</strong> no mesmo documento, o que é facto é que<br />

ao serem anota<strong>dos</strong> no Diário não ficaram com apresentações<br />

sequenciais o que se estranha, partindo-se, contudo, do<br />

princípio que terão existido duas omissões de quem anotou<br />

(partimos deste princípio por <strong>dos</strong> documentos juntos nada<br />

constar quanto a esta matéria).<br />

2 - A recorrida, no seu primeiro despacho de sustentação, ao<br />

afirmar que questão prejudicial à do preenchimento e<br />

necessária prova, <strong>dos</strong> pressupostos ao exercício das funções<br />

de secretário pela pessoa nomeada é a de determinar se um<br />

sócio pode ou não ser designado para o exercício de tais<br />

funções, do nosso ponto de vista, incorre num erro de<br />

apreciação que urge aqui chamar a atenção. Na verdade, se<br />

entendia que o processo enfermava também desse vício da<br />

falta da menção da qualificação adequada para o cargo de<br />

secretário, deveria igualmente ter feito constar esse facto no<br />

seu despacho e não o fez. Na realidade, se atentarmos ao que<br />

Mouteira Guerreiro escreve in “Noções de Direito<br />

Registral”, 2ª edição, pág.158, quando afirma que o<br />

despacho de qualificação de um pedido de registo “ é um<br />

despacho que exige cuidado e rigor – até porque os motivos<br />

que venham a ficar referi<strong>dos</strong> não podem depois ser<br />

altera<strong>dos</strong>”, ou ainda, Catarino Nunes in “Código do Registo<br />

Predial anotado”, pág. 493, quando refere “a lei quer que o<br />

apreciação do mérito do recurso, a posição deste<br />

Conselho é expressa na seguinte<br />

Deliberação<br />

I – O secretário da sociedade não é órgão social<br />

nem com ele se confunde já que não a<br />

representa, não exprime uma vontade que à<br />

mesma seja imputada nem, por fim, necessita<br />

de ser eleito em assembleia geral <strong>dos</strong> sócios ou<br />

accionistas. 3<br />

<strong>II</strong> – As funções do secretário da sociedade são<br />

essencialmente do foro administrativo,<br />

burocrático, de certificação, não se confundindo<br />

com as que são conferidas ao Notário. 4<br />

Conservador examine os pedi<strong>dos</strong> que lhe são dirigi<strong>dos</strong><br />

completamente e não por partes, que se não fique no<br />

primeiro motivo que encontrar”, facilmente chegamos a tal<br />

conclusão. Esta regra só deverá ceder perante exigências<br />

próprias do interesse público, na preservação da segurança<br />

do comércio jurídico que é o que efectivamente sucede<br />

sempre que a omissão de pronúncia sobre questões não<br />

suscitadas na qualificação efectuada pelo Conservador possa<br />

conduzir à realização de registos nulos, o que no caso <strong>dos</strong><br />

autos não sucederia se to<strong>dos</strong> os outros motivos viessem a ser<br />

dissipa<strong>dos</strong> sobrando e faltando apenas a menção das<br />

habilitações adequadas para o cargo de secretário ou de que é<br />

solicitador (vide nesse sentido BRN. nºs 5/96 pág. 6, 4/97<br />

pág. 19, 9/97 <strong>II</strong> cad. pág.2, 3/98, <strong>II</strong> cad. pág. 45 e 1/2004, <strong>II</strong><br />

cad. pág.7).<br />

3 - Vide nesse sentido BRN nº 1/2005, <strong>II</strong> cad. pág. 24. Tem,<br />

pois, razão, a recorrente quando argumenta (e bem) que o<br />

secretário, no caso em apreço de sociedade por quotas,<br />

poderia ter sido designado pela gerência, bastando<br />

atentarmos ao contido no nº 2 do artº 446º-A do CSC para só<br />

por este argumento concluirmos que não é órgão da<br />

sociedade. Por outro lado, o modo como se dispõe o CSC<br />

também nos faz inclinar para tal tese, bem como o próprio<br />

Código do Registo Comercial (cfr. título do Capítulo VI do<br />

CSC e al. m), in fine” do nº 1 do artº 3º CRC ).<br />

4<br />

- Nogueira Serens in “Notas Sobre a Sociedade<br />

Anónima”, Studia Juridica 14, pág. 110, salienta que nas<br />

funções do secretário (as mais deles de carácter burocrático-<br />

-administrativo, fazendo, aliás, jus ao nomen de quem as<br />

exerce) cuida o artº 446º-B, sendo certo que o contrato de<br />

sociedade pode ser “mais generoso”, ou seja, mais<br />

burocratizante.


Nº 4/2005 – Maio/Junho/Julho 2005 58<br />

<strong>II</strong>I – Para se ser secretário da sociedade a lei<br />

apenas exige dois requisitos essenciais: a) -que<br />

possua curso superior adequado ou seja<br />

solicitador e b) que, em princípio, não exerça<br />

tais funções em mais de sete sociedades (cfr. artº<br />

446º-A nº 3 CSC). 5<br />

IV – Não basta a nomeação do secretário da<br />

sociedade, é necessário também designar o<br />

respectivo secretário suplente que substitui o<br />

primeiro nas suas faltas e impedimentos, sendo<br />

ainda certo igualmente que a designação de<br />

secretário mesmo que facultativa exige<br />

obrigatoriamente a indicação do suplente. 6<br />

V – A designação do secretário (e suplente) da<br />

sociedade está sujeita a registo obrigatório, nos<br />

termos do artº 3º nº 1 , al. m) “in fine” do CRC,<br />

tal acto é lavrado por inscrição e está sujeito a<br />

publicação obrigatória (cfr. artºs 15º nº 1 e 70º<br />

nº 1 al. a) do CRC), sendo, contudo, certo que<br />

esse registo não tem efeitos constitutivos. 7<br />

5 - A lei em nenhuma circunstância refere ou esclarece que<br />

um sócio duma sociedade não pode ser designado secretário<br />

dessa mesma sociedade. Sabemos, contudo, que esta questão<br />

não é pacífica e é até de difícil solução. Há quem,<br />

inclusivamente, tente equiparar o papel dum secretário ao do<br />

revisor oficial de contas, mas aqui a lei é clara quando afirma<br />

que para este último se aplica o disposto no artº 414º, 416º e<br />

419º (cfr. artº 446º nº 3), sendo que não pode ser accionista<br />

(cfr. nº 1 do artº 414º). Ora este impedimento que existe para<br />

o revisor oficial de contas, não o encontramos para o<br />

secretário da sociedade, sendo mais um argumento que nos<br />

faz propender para a aceitação da tese de que um sócio pode<br />

ser designado secretário dessa mesma sociedade (a velha<br />

máxima “ubi lex non distinguit nec nos distinguere<br />

debemus” tem aqui plena aplicação do nosso ponto de vista).<br />

6 - Vide toda a argumentação aduzida quanto a esta questão<br />

da nomeação obrigatória do secretário suplente no BRN nº<br />

4/99, <strong>II</strong> cad. pág. 2. Efectivamente, tal como é salientado no<br />

parecer acima referido, mesmo na hipótese em que a<br />

designação é facultativa, como é no caso em apreço em que<br />

estamos perante uma sociedade por quotas, quando tal<br />

nomeação for feita e sempre que o for, para que o registo<br />

pretendido possa ser efectuado com carácter definitivo é<br />

sempre necessário designar um secretário suplente com os<br />

mesmos requisitos exigi<strong>dos</strong> para o secretário efectivo e já<br />

referi<strong>dos</strong> na conclusão <strong>II</strong>I <strong>dos</strong> presentes autos.<br />

7<br />

- O secretário passou a sê-lo quando foi tomada a<br />

deliberação que o designou e não quando for feita a inscrição<br />

dessa designação, isto apesar de se tratar de um registo<br />

obrigatório. É que, a sanção para o incumprimento da<br />

obrigação de registar não é, neste caso, a inexistência do<br />

VI –A acta da assembleia geral subscrita<br />

(lavrada) pelo secretário nomeado em que foi<br />

deliberada a dissolução da sociedade e o<br />

respectivo encerramento da liquidação pode ser<br />

submetida a registo definitivo sem que<br />

previamente tenha sido lavrada a inscrição da<br />

designação do secretário (e suplente). 8<br />

Nos termos expostos, é entendimento deste<br />

Conselho que o recurso merece provimento<br />

parcial, lavrando-se o primeiro acto - designação<br />

do secretário -, como provisório por dúvidas por<br />

não ter sido designado o secretário suplente e o<br />

segundo acto – dissolução e encerramento da<br />

liquidação -, como definitivo pelas razões já<br />

expostas. 9<br />

Esta deliberação foi aprovada em sessão do<br />

Conselho Técnico da Direcção-Geral <strong>dos</strong> <strong>Registos</strong><br />

e do <strong>Notariado</strong> de 07.06.2005.<br />

José Ascenso Nunes Maia, relator.<br />

Esta deliberação foi homologada por<br />

despacho do Director-Geral de 14.06.2005.<br />

acto, mas tão-só a que o artº 17º do CRC prevê (vide no<br />

mesmo sentido BRN nº 1/2001, <strong>II</strong> cad. pág. 42). No<br />

presente caso, funciona o artº 14º do CRC, ou seja, a<br />

nomeação de secretário só produz efeitos perante terceiros<br />

“depois da data do respectivo registo”, mas tal nomeação não<br />

deixará de produzir to<strong>dos</strong> os seus efeitos perante a sociedade<br />

que é aqui a própria parte.<br />

8 -É entendimento pacífico deste conselho técnico que se for<br />

lavrada a inscrição da dissolução e encerramento da<br />

liquidação sem que previamente esteja lavrada a inscrição de<br />

designação do secretário não se viola o princípio do trato<br />

sucessivo, logo não há lugar à aplicação do artº 22º nº 1 al. e)<br />

do CRC, já que este princípio prende-se com as regras<br />

substantivas da aquisição derivada, o que no registo<br />

comercial apenas se aplica quando se trata das titularidades<br />

de participações sociais e não de outra espécie de actos, tal<br />

como resulta do artº.31º CRC (cfr. BRN nºs 4/2000, <strong>II</strong> cad.<br />

pag. 35, 1/2001, <strong>II</strong> cad. pág. 42 e 4/2001, <strong>II</strong> cad. pág. 11).<br />

Logo, sobre várias perspectivas, facilmente se poderá<br />

concluir que o registo de designação de um secretário não<br />

tem necessariamente de preceder o de uma outra inscrição<br />

titulada por acta que ele lavrou.<br />

9 - A sociedade só se considera extinta pelo registo do<br />

encerramento da liquidação (artº 160º nº 2 do CRC), registo<br />

que tem eficácia constitutiva pois é ele que determina a<br />

extinção da sociedade, cuja matrícula deverá ser cancelada<br />

aquando da sua feitura.


Nº 4/2005 – Maio/Junho/Julho 2005 59<br />

Proc. nº C.C. 68/2004 DSJ-CT – Registo de<br />

Nascimento – Dúvidas quanto ao estado civil<br />

<strong>dos</strong> progenitores, de nacionalidade portuguesa<br />

– É invocado um estado civil que não podem<br />

provar por o facto modificativo daquele ainda<br />

não ter ingressado na ordem jurídica<br />

portuguesa – Menção a levar ao assento de<br />

nascimento do filho.<br />

1. Descrição<br />

O Senhor Conservador do Registo Civil de<br />

… formula consulta sobre qual o procedimento<br />

mais correcto a adoptar quando se lavra um<br />

assento de nascimento em que o, ou os<br />

progenitores, de nacionalidade portuguesa,<br />

declaram um estado civil que não podem provar,<br />

por o facto modificativo daquele ainda não ter<br />

ingressado na ordem jurídica portuguesa.<br />

Tal sucede sempre que um cidadão nacional<br />

casa no estrangeiro ou lá ocorre a dissolução do<br />

seu casamento, não tendo ainda esses factos sido<br />

transcritos ou averba<strong>dos</strong> aos competentes registos<br />

em Portugal.<br />

Sobre esta matéria dispõem os art.ºs 2.º e 3.º<br />

do Código do Registo Civil (CRC) no sentido de<br />

que os factos de registo obrigatório só podem ser<br />

invoca<strong>dos</strong> depois de regista<strong>dos</strong>, e de que a prova<br />

daí resultante não pode ser ilidida por qualquer<br />

outra, a não ser nas acções de estado e nas de<br />

registo.<br />

O consulente, consciente <strong>dos</strong> referi<strong>dos</strong><br />

normativos, argumenta, porém, que perante a<br />

declaração expressa <strong>dos</strong> progenitores acerca da<br />

desactualização do ou <strong>dos</strong> seus registos de<br />

nascimento lhe parece mais curial aceitar-se a<br />

declaração de nascimento sendo feita a menção de<br />

estado civil ignorado ou sendo inutilizada a<br />

respectiva menção. O registo seria depois<br />

actualizado, por averbamento.<br />

Mais alega que no assento de nascimento o<br />

facto objecto de registo é, nuclearmente, o facto do<br />

nascimento, com ele não se confundindo o<br />

estabelecimento da filiação, “nem nesta,<br />

especificadamente, os da<strong>dos</strong> que circunstanciam a<br />

maternidade e paternidade, nomeadamente os que<br />

identificam os progenitores pelo estado civil. Daí<br />

dever igualmente concluir-se que as dificuldades<br />

resultantes da desactualização do registo do<br />

progenitor quanto ao seu estado civil, só por si não<br />

põem em causa a identidade deste e, muito menos,<br />

a do registando”. (sublinhado nosso)<br />

Assim, acrescenta, não existe fundamento<br />

legal para o não recebimento da declaração por<br />

não ser líquido qual o estado civil <strong>dos</strong> pais do<br />

registando, nem tão pouco para identificar o<br />

progenitor quanto ao estado civil segundo o que<br />

consta do seu registo, sabendo-se, até pela<br />

declaração do próprio, estar o mesmo<br />

desactualizado.<br />

Alega ainda que se já é grave que um<br />

cidadão se identifique como solteiro só porque a<br />

alteração do seu estado civil não ingressou ainda<br />

no registo civil português, …“Gravíssimo seria<br />

que a administração pública o impelisse a<br />

subscrever uma mentira por evidente erro de<br />

qualificação!”<br />

Termina propondo que, nestas situações, se<br />

mencione no campo da naturalidade, no assento de<br />

nascimento, “ignorado” ou, em alternativa, se<br />

inutilize por meio de traço horizontal a menção<br />

impressa do estado civil do progenitor.<br />

Tal procedimento, conclui, dada a sua<br />

neutralidade, não iria colidir nem com a realidade<br />

registral, nem com a factual, deixando aberta a<br />

possibilidade para que, no futuro, o registo pudesse<br />

vir a ser completado. O completamento seria feito<br />

por averbamento, nos termos previstos na parte<br />

final do n.º 4 do art.º 201.º do CRC, aqui aplicável<br />

analogicamente.<br />

2. Análise<br />

2.1. O nascimento, a filiação, o casamento<br />

bem como os factos que determinem a sua<br />

extinção, são, entre outros, factos que estão<br />

sujeitos a registo obrigatório, tal como decorre<br />

desde logo do disposto no art.º 1.º do CRC, alíneas<br />

a), b), d) e l), respectivamente.<br />

É pacífico na doutrina que esta<br />

obrigatoriedade do registo existe para to<strong>dos</strong> os


Nº 4/2005 – Maio/Junho/Julho 2005 60<br />

portugueses, ainda que algum destes factos ocorra<br />

no estrangeiro.<br />

Cândida Rodrigues Dias referia: 1<br />

“No artigo 2.º estabelece-se o princípio da<br />

obrigatoriedade do registo.<br />

É uma obrigatoriedade geral e absoluta no<br />

sentido de que têm de ser leva<strong>dos</strong> ao registo to<strong>dos</strong><br />

os factos e actos a ele sujeitos, seja qual for o lugar<br />

da sua verificação, desde que respeitantes a<br />

cidadãos portugueses, assim como to<strong>dos</strong> os que<br />

ocorrem em território português ainda que<br />

referentes a estrangeiros”.<br />

Estes factos, estipula o art.º 2.º do CRC<br />

actual, só podem ser invoca<strong>dos</strong> depois de<br />

regista<strong>dos</strong> 2 , salvo disposição legal em contrário<br />

como as constantes <strong>dos</strong> art.ºs 1601.º, al. c), 1711.º,<br />

n.º 1, 1920.º-B, al. c) e 147.º e 1834.º, to<strong>dos</strong> do<br />

Código Civil (CC).<br />

Dispõe depois o art.º 3.º que a prova<br />

resultante do registo civil quanto aos factos de<br />

registo obrigatório e ao estado civil correspondente<br />

não pode ser ilidida por qualquer outra, a não ser<br />

nas acções de estado e nas de registo.<br />

Conclui-se, pois, que os factos cujo registo é<br />

legalmente obrigatório não podem ser invoca<strong>dos</strong><br />

enquanto não regista<strong>dos</strong>, independentemente do<br />

lugar da respectiva celebração. Acresce que, como<br />

estipula o art.º 4.º, a prova <strong>dos</strong> factos sujeitos a<br />

registo só pode ser feita pelos meios previstos no<br />

mesmo Código, meios que, como dispõe o art.º<br />

211.º, são a certidão, o boletim ou o bilhete de<br />

identidade.<br />

Como escrevia Cândida Rodrigues Dias 3 a<br />

prova que resulta do registo civil é privilegiada<br />

“…no sentido de que não cede perante qualquer<br />

outro meio de prova como certificação <strong>dos</strong> factos<br />

ou actos sujeitos a registo – é, por isso, prova<br />

absoluta e pleníssima; extremamente ampla, como<br />

prova integral que abrange os próprios efeitos<br />

jurídicos inerentes aos actos ou factos que certifica<br />

– respeita à atestação <strong>dos</strong> factos inscritos e, mais<br />

1 Código do Registo Civil de 1958, pág.ª 21, comentário aos<br />

artigos 1.º e 2.º.<br />

2 Quanto ao casamento atente-se ainda no art.º 1669.º do CC.<br />

3 Idem, pág.ª 25.<br />

do que isso, determina as consequências desses<br />

factos, provando o correspondente estado civil.<br />

Favorecida por uma presunção legal de<br />

verdade com força quase ilimitada, a prova<br />

fornecida pelo registo goza de autoridade<br />

semelhante à do caso julgado, é verdadeiro acto de<br />

jurisdição, cujo valor só pode ser ilidido mediante<br />

a competente acção de registo…”<br />

Como referem Pires de Lima e Antunes<br />

Varela 4 :<br />

“Os livros do registo civil são, assim, a<br />

matriz forçosa de to<strong>dos</strong> os factos que interessam<br />

ao estado das pessoas”.<br />

Parece, pois, poder concluir-se que os<br />

elementos da identificação <strong>dos</strong> pais, exigi<strong>dos</strong> no<br />

art.º 102.º, n.º1, al.e) do CRC como requisitos<br />

especiais, a lançar no assento de nascimento do<br />

filho só poderão ser os que os mesmos puderem<br />

provar pelos meios atrás referi<strong>dos</strong>.<br />

2.2. Analisemos, porém, com mais algum<br />

detalhe em que consiste o estabelecimento da<br />

filiação.<br />

Castro Mendes 5 refere que a filiação não é<br />

apenas e só um vínculo de base natural mas<br />

também um vínculo jurídico e registado.<br />

Desenvolvendo essa ideia, escreve F.<br />

Brandão Ferreira Pinto 6 :<br />

“Vínculo jurídico, porque não basta que uma<br />

pessoa seja gerada por outra para que nasça uma<br />

relação de filiação; é necessário que se dê o<br />

reconhecimento de tal facto na ordem jurídica. A<br />

este reconhecimento chama a lei estabelecimento<br />

da filiação, ao prescrever no art.1797.º do CC, que<br />

somente na hipótese de a filiação se encontrar<br />

legalmente estabelecida se pode atender aos<br />

poderes e deveres emergentes da filiação…<br />

Vínculo registado, porque ainda não basta<br />

que a filiação se encontre legalmente estabelecida,<br />

sendo essencial que ela conste do registo civil…”.<br />

4 Código Civil Anotado, Volume V, Coimbra Editora, pág.ª<br />

34.<br />

5 A pág.ªs 233-234 de O Direito.<br />

6 Filiação Natural, Livraria Almedina, Coimbra 1983, a<br />

pág.ªs 43 e sg.s.


Nº 4/2005 – Maio/Junho/Julho 2005 61<br />

Tudo decorre afinal do disposto nos art.ºs<br />

1.º, al. b), 2.º, n.º 1, 3.º e 4.º do CRC, a que atrás<br />

fizemos referência, bem como nos art.ºs 1797.º<br />

aludido, e 1802.º do CC.<br />

Há, pois, regras para o estabelecimento da<br />

filiação por forma a que o vínculo de base natural<br />

possa ser reconhecido na ordem jurídica.<br />

A filiação materna e paterna são, contudo,<br />

basilarmente diferentes como bem se alcança do<br />

estatuído no art.º 1796.º do CC, artigo que, de<br />

forma genérica, enuncia o modo de<br />

estabelecimento da maternidade e da paternidade.<br />

Resulta deste normativo que conhecida a<br />

mãe biológica fica automaticamente sabida a mãe<br />

jurídica. A filiação em relação à mãe funda-se,<br />

pois, essencialmente no nascimento, sem se<br />

distinguir se o filho provém ou não do casamento<br />

<strong>dos</strong> pais.<br />

Pires de Lima e Antunes Varela 7 notam,<br />

contudo, que: “ esse tratamento conjunto ou<br />

indiscriminado ditado pela Constituição não<br />

impede que no n.º 2 do artigo 1796.º a lei distinga<br />

(tanta est vis naturae) entre os filhos nasci<strong>dos</strong> fora<br />

e os filhos nasci<strong>dos</strong> dentro do casamento e que<br />

para o estabelecimento da paternidade fixe,<br />

naturalmente, critérios distintos (art.s 1847.º e<br />

sgs.) num e noutro caso.<br />

Para os filhos nasci<strong>dos</strong> de mãe casada, vale a<br />

presunção estabelecida no início do n.º 2 do artigo<br />

1796.º (…); para os filhos nasci<strong>dos</strong> fora do<br />

casamento, a paternidade só se estabelece através<br />

do reconhecimento (emanado de declaração do<br />

próprio ou de decisão judicial)”.<br />

Por outras palavras, F. Brandão Ferreira<br />

Pinto 8 no que respeita ao estabelecimento da<br />

paternidade observa:<br />

“…e porque esta já não é um facto ostensivo,<br />

pois nunca dela se pode ter uma certeza tão<br />

absoluta como a resultante da constatação de um<br />

parto, recorre-se a uma presunção para afirmar que<br />

o pai é o marido da mãe e na hipótese de<br />

maternidade de mãe solteira, viúva, divorciada ou<br />

separada judicialmente de pessoas e bens, a<br />

7 Código Civil Anotado, Volume V, Coimbra Editora, 1995,<br />

pág.ªs 4 e 5.<br />

8 F. Brandão Ferreira Pinto, obra citada, pág.ªs 47 e48.<br />

paternidade estabelece-se por reconhecimento, que<br />

pode resultar de perfilhação ou de decisão judicial<br />

proferida em acção própria”.<br />

Também Guilherme de Oliveira 9 considera<br />

que, sendo a paternidade e a maternidade factos<br />

biológicos a que a lei dá relevância jurídica, é no<br />

que respeita à prova que se acentua o seu carácter<br />

diverso.<br />

“A dificuldade - que faz a diferença - está<br />

somente na circunstância de não poder provar-se o<br />

facto biológico da paternidade como se demonstra<br />

um parto”.<br />

Assim, refere, enquanto o n.º 1 do art.º<br />

1796.º do CC tem a intenção determinada de<br />

vincar a total sujeição da lei ao facto biológico da<br />

maternidade, o n.º 2 do mesmo artigo, relativo à<br />

paternidade, limita-se a sintetizar vagamente as<br />

formas de estabelecimento jurídico do vínculo.<br />

Compreende-se, pois, que várias pessoas<br />

possam declarar o facto ostensivo da maternidade<br />

e que a declaração da mãe possa ser tácita,<br />

enquanto, diversamente, acrescenta, só o pretenso<br />

pai deva fazer a declaração expressa de<br />

perfilhação.<br />

Decorre <strong>dos</strong> art.ºs 1847.º do CC e 148.º do<br />

CRC que a paternidade só pode, pois, estabelecerse<br />

por reconhecimento voluntário ou judicial, ou,<br />

por força da lei, quando da declaração de<br />

maternidade resulte a presunção de paternidade.<br />

Presunção esta que se encontra definida no art.º<br />

1826.º do CC, e que o art.º 1835.º do mesmo<br />

diploma determina que conste obrigatoriamente do<br />

registo do nascimento do filho, não sendo<br />

admitidas menções que a contrariem, salvo nos<br />

casos previstos na própria lei.<br />

Da lei e doutrina teremos que concluir que<br />

sendo a mãe casada, e não afastando esta a<br />

presunção de paternidade nos termos legais<br />

aplicáveis, é imperioso o lançamento da presunção<br />

legal da paternidade, fazendo constar no registo de<br />

nascimento como pai do registando o marido da<br />

mãe. Se a mãe for solteira o reconhecimento<br />

paterno é feito por perfilhação voluntária, ou, se<br />

esta não existir, por reconhecimento judicial. O<br />

mesmo sucede quanto à mãe viúva ou divorciada,<br />

9 Estabelecimento da Filiação, Livraria Almedina, Coimbra<br />

1991, pág.ªs 7 a 10.


Nº 4/2005 – Maio/Junho/Julho 2005 62<br />

desde que à data do nascimento se mostre afastada<br />

a presunção legal de paternidade ou que, a existir,<br />

por ela seja expressamente afastada.<br />

Sendo o casamento um facto sujeito a registo<br />

e acarretando a falta deste, como vimos, a<br />

respectiva ineficácia, questiona-se Tomás Oliveira<br />

e Silva 10 sobre em que medida se projecta essa<br />

ineficácia no estabelecimento da presunção legal<br />

de paternidade adveniente de um casamento não<br />

integrado à data da declaração do nascimento.<br />

Considera este autor que sempre que o<br />

declarante do registo de nascimento afirme um<br />

estado civil que não pode provar, por,<br />

designadamente, o casamento ter sido contraído no<br />

estrangeiro, o funcionário do registo civil pode<br />

tomar a atitude pragmática de “fazer ouvi<strong>dos</strong> de<br />

mercador”, aceitando o casamento e a consequente<br />

presunção de paternidade. Isto porque, refere, a lei<br />

não exige que, no acto de registo de nascimento,<br />

seja feita a prova do estado civil da mãe do<br />

registado.<br />

Este autor enumera algumas situações<br />

práticas de estado civil declarado diferente do que<br />

consta do registo civil português, perspectiva as<br />

vantagens e inconvenientes de cada possibilidade<br />

de actuação por parte do registo civil, sempre<br />

defendendo como preferível a aceitação da<br />

declaração actual, correndo embora o risco do<br />

funcionário extrair efeitos jurídicos de um facto<br />

que pode nunca vir a ser integrado no regime<br />

jurídico nacional ou até, porventura, nunca ter<br />

ocorrido. E conclui:<br />

“…as considerações…a respeito das<br />

vantagens e inconvenientes de cada uma das<br />

orientações (sobre a incidência da falta de registo<br />

do casamento da mãe na existência da presunção<br />

de paternidade), fazem inclinar o fiel da balança<br />

para a solução pragmática, indicada em primeiro<br />

lugar. Mas se isto constitui um bom apoio na<br />

análise temática “de jure constituendo”, será<br />

insuficiente todavia, para um juízo “de jure<br />

constituto”.<br />

10 Filiação- Constituição e Extinção do Respectivo Vínculo,<br />

Livraria Almedina, Coimbra 1989, pág.as 109 a 112 e 314 a<br />

316.<br />

Ora, e tal como se referiu no Proc.CC<br />

97/2004 DSJ-CT, o princípio da unidade registral<br />

que enforma o instituto do registo civil português<br />

não permite que se acolha num assento (no nosso<br />

caso o de nascimento de um filho) um estado civil<br />

que não se pode registar num outro (o de<br />

casamento <strong>dos</strong> pais).<br />

Acresce que outro <strong>dos</strong> princípios<br />

fundamentais do direito em geral, e do registo civil<br />

em particular, é o da certeza registral, em defesa<br />

do qual militam to<strong>dos</strong> os coman<strong>dos</strong> legais a que já<br />

nos referimos e em cujo cumprimento nos temos<br />

de envolver.<br />

Ora, se por um lado a lei não recusa, no<br />

momento da declaração do nascimento, a<br />

elaboração desse registo no caso de se não dispôr<br />

de prova das declarações apresentadas, verdade é<br />

também que a própria lei recomenda que, sempre<br />

que possível, devem ser exibi<strong>dos</strong> os documentos<br />

de identificação <strong>dos</strong> pais – art.º 102.º, n.º 2 – e, no<br />

n.º 3 do mesmo normativo, estabelece-se:<br />

“O funcionário que receber a declaração<br />

deve averiguar a veracidade das declarações<br />

prestadas, em face <strong>dos</strong> documentos exibi<strong>dos</strong>, <strong>dos</strong><br />

registos em seu poder e das informações que lhe<br />

for possível obter”.<br />

O cumprimento deste preceito impõe-se de<br />

forma especial sempre que o estado civil da mãe<br />

não é o de solteira, atentas as consequências<br />

decorrentes do estabelecimento da presunção de<br />

paternidade, a que se fez referência.<br />

2.3. Também na jurisprudência tem sido esta a<br />

orientação desde sempre firmada, como decorre da<br />

conclusão do Acórdão do Supremo Tribunal de<br />

Justiça, de 10 de Janeiro de 1984, Proc. 71153:<br />

“ Não pode produzir efeito em Portugal o<br />

facto constante de sentença francesa de divórcio<br />

não confirmada em Portugal, nomeadamente, a<br />

cessação da coabitação, para o efeito de afastar a<br />

presunção de paternidade nos termos do artigo<br />

1829.º do Código Civil”.<br />

Por outro lado, nos Serviços Jurídicos da<br />

Direcção – Geral a posição que ao longo do tempo<br />

tem sido genericamente assumida, como nos Proc.s<br />

93 RC 17, 249 RC 18 e 489 RC 20, é no sentido de<br />

que o estado civil <strong>dos</strong> pais a mencionar no registo


Nº 4/2005 – Maio/Junho/Julho 2005 63<br />

de nascimento só pode ser aquele que os mesmos<br />

podem provar.<br />

2.4. Enunciada a lei aplicável, bem como a noção<br />

doutrinária de filiação e suas implicações e tendo,<br />

por último, analisado o que sobre o assunto existe<br />

na jurisprudência e nas orientações firmadas ao<br />

longo <strong>dos</strong> anos pelos Serviços Jurídicos, importa<br />

decidir.<br />

A declaração de nascimento contém duas<br />

declarações, uma de ciência e outra de vontade<br />

(atingindo esta a sua expressão máxima no<br />

reconhecimento voluntário do filho), pelo que a<br />

feitura de um registo de nascimento envolve<br />

sempre o registo dum facto de ordem natural que é<br />

aquele nascimento e o registo da filiação desse<br />

novo indivíduo.<br />

“Filho, em sentido jurídico, não é, pois,<br />

necessariamente, aquele que nasceu de outrem mas<br />

antes o que, segundo os processos legais de<br />

reconhecimento da filiação, for tido como tal.<br />

Deste modo, o legislador partindo do conceito<br />

biológico de filiação, constrói um conceito jurídico<br />

de reconhecimento da filiação, que dele muito se<br />

aproxima mas que lhe não corresponde em<br />

absoluto”. 11<br />

E fá-lo como? Por aplicação <strong>dos</strong> conceitos<br />

já atrás referi<strong>dos</strong> e que se encontram defini<strong>dos</strong>,<br />

designadamente, nos artigos 1796.º, 1802.º,1803.º,<br />

1806.º, 1808.º, 1826.º, 1832.º, 1835.º, 1849.º e<br />

1864.º do CC e 102.º, 112.º a 121.º e 124.º do<br />

CRC.<br />

Não podemos, pois, concordar com o Sr.<br />

Conservador consulente quando refere:<br />

“Acontece que, no assento de nascimento o<br />

facto objecto do registo é, nuclearmente, o do<br />

nascimento do registado. É desse facto que o<br />

registo faz prova e relativamente ao qual faz<br />

sentido extrair as ilações legais. Com ele não se<br />

confunde o estabelecimento da filiação nem nesta,<br />

especificadamente, os da<strong>dos</strong> que circunstanciam a<br />

maternidade e paternidade, nomeadamente os que<br />

11 J. Dias Marques, Noções Elementares de Direito Civil, 2.ª<br />

edição, pág.ªs 367 e 368.<br />

identificam os progenitores pelo estado civil.”<br />

(sublinhado nosso)<br />

Na verdade, o estado civil <strong>dos</strong> pais,<br />

designadamente o da mãe, projecta-se<br />

directamente no assento de nascimento do filho,<br />

não por si mesmo mas pelas consequências legais<br />

de si derivadas, consequências que estão<br />

inteiramente definidas e estruturadas na lei.<br />

Resulta de todo o exposto que, não obstante<br />

a tentadora sugestão apresentada pelo Sr.<br />

Conservador, teremos de continuar a acolher<br />

apenas a declaração das partes cuja prova conste<br />

do registo civil nacional, não aceitando a<br />

declaração de um estado civil resultante de facto<br />

ocorrido no estrangeiro e ainda não integrado.<br />

Aliás, hoje, toda esta problemática está, ou pode<br />

ser, bastante facilitada atento o actual formalismo<br />

legal quanto ao afastamento da presunção de<br />

paternidade e a circunstância de ser nas<br />

conservatórias concelhias que se procede à maioria<br />

das integrações e/ou transcrições <strong>dos</strong> casamentos<br />

realiza<strong>dos</strong> no estrangeiro. É prática aceitar-se o<br />

estado civil de casada de uma mãe que nos declara<br />

um nascimento quando, concomitantemente, nos é<br />

solicitada a transcrição desse mesmo acto na<br />

própria conservatória, ou prestando serviço como<br />

intermediária. Claro que, neste caso e<br />

prudentemente, uma vez que não é conhecida a<br />

decisão final do pedido de transcrição da certidão<br />

de casamento, a declaração de nascimento deve ser<br />

prestada por ambos os pais.<br />

A hipótese sugerida de trancar a menção do<br />

estado civil não nos parece aceitável, porquanto o<br />

que importa não é o preenchimento ou não da<br />

menção em referência, mas sim o conhecimento do<br />

estado civil <strong>dos</strong> que se afirmam como pais do<br />

registando e as necessárias consequências legais<br />

daí decorrentes. É isso que entendemos não ser<br />

possível.<br />

Na verdade, ainda que a menção do estado<br />

civil <strong>dos</strong> pais não constasse sequer do modelo de<br />

assento de nascimento, o seu conhecimento seria<br />

sempre imprescindível para a fixação da filiação<br />

tal como se encontra regulada no direito civil e<br />

registral português. E esse conhecimento só pode<br />

ser aquele que resulta <strong>dos</strong> meios de prova<br />

legalmente admissíveis, a bem da certeza e da<br />

segurança no campo do direito.


Nº 4/2005 – Maio/Junho/Julho 2005 64<br />

O conservador é um executor da lei, não<br />

podendo alhear-se <strong>dos</strong> imperativos legais que<br />

regem todo o instituto da filiação, em prol de uma<br />

discutível defesa <strong>dos</strong> interesses daqueles que não a<br />

cumprem, ou não o fazem atempadamente. Neste<br />

caso, se e quando se vierem a verificar erros de<br />

registo quanto à filiação estabelecida do registado,<br />

proceder-se-á à rectificação necessária.<br />

Do exposto, e de harmonia com a<br />

informação elaborada nos Serviços Jurídicos sobre<br />

a questão em tabela, podemos retirar as seguintes<br />

conclusões:<br />

I - Os factos cujo registo seja obrigatório só<br />

podem ser invoca<strong>dos</strong> depois de regista<strong>dos</strong>, e<br />

provam-se pelos meios previstos no Código do<br />

Registo Civil – art.ºs 2.º, 4.º e 211.º ;<br />

<strong>II</strong> - A prova resultante do registo civil quanto<br />

aos factos que a ele estão obrigatoriamente<br />

sujeitos e ao estado civil correspondente não<br />

pode ser ilidida por qualquer outra, a não ser<br />

nas acções de estado e nas acções de registo –<br />

art.º 3.º do CRC;<br />

<strong>II</strong>I - Assim, o estado civil <strong>dos</strong> progenitores<br />

portugueses a levar ao assento de nascimento<br />

<strong>dos</strong> filhos não é o estado declarado e não<br />

provado, mas sim aquele que resultar <strong>dos</strong> meios<br />

de prova referi<strong>dos</strong> no ponto 1, sempre que seja<br />

possível deles dispor – Art.º 102.º, n.ºs 2 e 3 do<br />

CRC.<br />

Este parecer foi aprovado em sessão do<br />

Conselho Técnico da Direcção-Geral <strong>dos</strong> <strong>Registos</strong><br />

e do <strong>Notariado</strong> de 29.06.2005.<br />

Filomena Maria Baptista Máximo Mocica,<br />

relatora, Álvaro Manuel Paiva Pereira Sampaio,<br />

Maria de Lurdes Barata Pires de Mendes Serrano,<br />

Maria Filomena Fialho Rocha Pereira, Odete de<br />

Almeida Pereira da Fonseca Jacinto.<br />

Este parecer foi homologado por despacho<br />

do Director-Geral de 05.07.2005.<br />

Proc. nº C.C. 97/2004 DSJ-CT – Assento de<br />

óbito com estado civil ignorado – pedido de<br />

completamento, no sentido de que o estado civil<br />

é o de casado, mediante a invocação de que<br />

houve desistência de acção de revisão e<br />

confirmação de sentença estrangeira de<br />

divórcio.<br />

Normativo aplicável:<br />

Código Civil (CC) – artigos 365º, n.º 1 e<br />

371º, n.º 1.<br />

Código de Processo Civil (CPC) – artigos<br />

293º, 294º, 1094º n.º 1 e n.º 2 e 1096º.<br />

Código do Registo Civil (CRC) - artigos 7º,<br />

n.º 1, 103º, n.º 2, n.º 3 e n.º 4, 192º, n.º 1, 193º, n.º<br />

1 e 210º, n.º 3, n.º 4.<br />

Descrição e análise do problema:<br />

1. A questão objecto do presente parecer<br />

foi formulada pela Senhora Conservadora do<br />

Registo Civil da … que, através de menções<br />

recolhidas de declaração prestada em conservatória<br />

intermediária, lavrou registo de óbito em que ficou<br />

a constar como ignorado o estado civil do falecido.<br />

Tal menção, que assim figurava no título<br />

base da transcrição, foi nele incluída devido ao<br />

facto de ter sido declarado que nessa data se<br />

achava pendente uma acção para revisão e<br />

confirmação de sentença, proferida por tribunal<br />

canadiano que decretou, por divórcio, a dissolução<br />

do casamento do falecido.<br />

Veio, mais tarde, o cônjuge de quem o<br />

mesmo se havia divorciado no Canadá, pedir que<br />

se levasse ao assento de óbito a menção de que o<br />

estado civil deste era o de casado com aquele, pois<br />

desistira da acção de revisão e confirmação que<br />

requerera, desistência considerada válida e<br />

homologada pelo tribunal de segunda instância.<br />

A Senhora Conservadora questiona em que<br />

situação deve fazer o completamento do registo de<br />

óbito – desde já, uma vez que não foi revista e<br />

confirmada a sentença de divórcio ou apenas<br />

quando houver uma decisão de confirmação ou de<br />

não confirmação proferida por tribunal da relação<br />

português?<br />

Após aturada análise, conclui pela segunda<br />

alternativa.


Nº 4/2005 – Maio/Junho/Julho 2005 65<br />

2. Estamos perante duas questões: a da<br />

natureza do registo de óbito e a da eficácia das<br />

sentenças de tribunal estrangeiro.<br />

2. 1. O assento de óbito é, por natureza, o<br />

registo de uma declaração de ciência, prestada por<br />

quem tenha legitimidade para tal.<br />

Alguma das pessoas ou entidades referidas<br />

nas várias alíneas do n.º 1 do art.º 193º do CRC<br />

declara, directa ou indirectamente, para o registo<br />

que tem conhecimento do falecimento de outrem.<br />

Tal declaração é corroborada (termo usado nas<br />

redacções mais antigas do Código do Registo<br />

Civil) ou confirmada (expressão constante do<br />

actual art.º 194º do CRC) pela apresentação do<br />

certificado de óbito. É este o documento que atesta<br />

a morte. Por norma, relacionando-a com alguém<br />

nele identificado, por forma a não envolver<br />

dúvidas sobre se se refere ao indivíduo<br />

relativamente a quem é declarado o óbito.<br />

Contudo, e tal como determina o n.º 4 do<br />

art.º 201º do CRC, “para a realização do assento<br />

apenas são indispensáveis as menções necessárias<br />

à identificação do falecido, competindo ao<br />

conservador fazer constar as que, não podendo ser<br />

obtidas no momento em que foi lavrado o assento,<br />

chegarem mais tarde ao seu conhecimento”.<br />

Por seu lado, o art.º 202º do CRC prevê a<br />

hipótese de não ser possível a identificação do<br />

cadáver, ficando a figurar no registo apenas o facto<br />

da morte, com a indicação do lugar e data em que<br />

ocorreu, bem como o maior número possível de<br />

características intrínsecas e extrínsecas do<br />

indivíduo.<br />

“Cabe ao conservador, em cada caso<br />

concreto, ver se as declarações feitas permitem<br />

identificar o morto, lavrando o registo de pessoa<br />

conhecida ou desconhecida, consoante for a<br />

conclusão permitida pelos da<strong>dos</strong> forneci<strong>dos</strong>” 1 .<br />

Conclui-se da conjugação destas e de mais<br />

algumas disposições da secção referente ao óbito,<br />

no Código do Registo Civil, que a prova que o<br />

registo visa produzir é apenas o falecimento,<br />

associando-o ou não a pessoa determinada.<br />

1 Código do Registo Civil Comentado por Cândida<br />

Rodrigues Dias, edição da Autora, pág. 362.<br />

O registo de óbito não produz, pois, prova<br />

de qualquer outro elemento nele referenciado,<br />

designadamente de elemento de identificação.<br />

Se assim é, se os elementos a levar ao<br />

registo, à excepção do facto da morte, são to<strong>dos</strong><br />

eles - não obstante conducentes à individualização<br />

de uma pessoa, mediante o modo e pela forma<br />

estabelecida nos números, 2, 3 e 4 do art.º 102º do<br />

CRC, aplicáveis por via do estatuído no n.º 3 do<br />

art.º 210º do mesmo diploma - funda<strong>dos</strong> na<br />

simples declaração, será que se pode concluir que<br />

as menções que mais tarde chegarem ao<br />

conhecimento do conservador para figurarem por<br />

averbamento no assento, conforme prescreve o n.º<br />

4 do citado art.º 210º, têm elas próprias a mesma<br />

consistência, digamos, que as fornecidas quando<br />

da declaração do óbito?<br />

Quando é prestada a declaração de um<br />

falecimento, caso se suscitem dúvidas<br />

relativamente a algum elemento de identificação<br />

da pessoa falecida, se não for possível obter<br />

informações oficiosamente, agir-se-á de acordo<br />

com o que as disposições referidas determinam.<br />

Mas, igualmente em obediência às mesmas<br />

disposições (n.º 4 do art.º 102º), a realização das<br />

averiguações não deve constituir obstáculo a que o<br />

assento seja imediatamente lavrado.<br />

E mais alcança o n.º 4 do art.º 201º - tudo o<br />

que não for possível obter de informação, ficará<br />

ignorado, até que chegue ao conhecimento oficial.<br />

Tem sido este o sentido da orientação de há muito<br />

firmada pelos Serviços, expressa nomeadamente<br />

na orientação divulgada no BRN n.º 4/98, do mês<br />

de Abril.<br />

Todavia, já depois de lavrado o assento,<br />

chegada ao conhecimento do conservador qualquer<br />

informação, tem esta de ser provada e<br />

documentada para que o mesmo seja completado.<br />

Não faz sentido que, se numa primeira<br />

ocasião, por necessidade e urgência em registar o<br />

facto, a declaração se reflectiu no assento sem<br />

exigência de ser provada documentalmente, já<br />

numa segunda etapa, ao serem completa<strong>dos</strong>, ou<br />

mesmo rectifica<strong>dos</strong>, elementos que ficaram em<br />

falta ou estejam incorrectos, se não exija, agora<br />

sim, a prova do que se regista.<br />

É neste sentido que determina o n.º 3 do<br />

art.º 56º do CRC, aplicável por analogia,


Nº 4/2005 – Maio/Junho/Julho 2005 66<br />

disposição que regula o modo como se completam<br />

os registos lavra<strong>dos</strong> por recolha de elementos de<br />

títulos estrangeiros: “a transcrição pode ser<br />

completada, por averbamento, com base em<br />

declarações <strong>dos</strong> interessa<strong>dos</strong>, provadas<br />

documentalmente”.<br />

Concluímos, pois, que, sendo certo que o<br />

registo de óbito tem por base uma declaração<br />

verbal (art.º 192º, n.º 1 do CRC), produzida por<br />

uma das pessoas a quem a lei confere legitimidade<br />

(art.º 193º, n.º 1), para se introduzir nele, por<br />

averbamento, qualquer menção que inicialmente<br />

tenha ficado omissa, a prova de tal elemento terá<br />

que ser apreciada pelo conservador que só vai<br />

permitir que ela se registe após verificar a sua<br />

exactidão e legalidade. Entronca tal critério nos<br />

princípios orientadores do registo civil.<br />

A primeira questão parece, pois, estar<br />

resolvida.<br />

2.2. Debrucemo-nos sobre a segunda: valor<br />

e eficácia das decisões de tribunais estrangeiros.<br />

As decisões <strong>dos</strong> tribunais estrangeiros<br />

relativas ao estado e à capacidade <strong>dos</strong> portugueses<br />

para serem registadas, por meio de averbamento,<br />

aos assentos a que respeitem, têm que ingressar na<br />

ordem jurídica portuguesa através de um processo<br />

previsto e regulado no art.º 1094º do Código de<br />

Processo Civil (CPC), sem prejuízo do que se ache<br />

estabelecido em trata<strong>dos</strong> ou convenções. É este o<br />

conteúdo do art.º 7º do CRC.<br />

No caso vertente, o falecido era divorciado<br />

por sentença proferida por tribunal canadiano. Na<br />

ausência de qualquer acordo entre Portugal e o<br />

Canadá, para registar tal divórcio ao casamento há<br />

que submeter a decisão à apreciação, pelo tribunal<br />

da relação competente, <strong>dos</strong> requisitos elenca<strong>dos</strong> no<br />

art.º 1096º do CPC. Disso não há qualquer dúvida.<br />

O artigo 1094º, n.º 1 do CPC emprega a<br />

expressão “eficácia”, quando estabelece que<br />

“nenhuma decisão sobre direitos priva<strong>dos</strong>,<br />

proferida por tribunal estrangeiro…tem eficácia<br />

em Portugal, seja qual for a nacionalidade das<br />

partes, sem que esteja revista e confirmada”. Por<br />

seu turno, resulta do disposto no art.º 7º, n.º 1 do<br />

CRC que, após prévia revisão e confirmação, as<br />

decisões de tribunais estrangeiros relativas ao<br />

estado ou à capacidade civil <strong>dos</strong> portugueses são<br />

registadas aos assentos a que respeitem.<br />

O n.º 2 do referido preceito do CPC<br />

permite que, para que a decisão de tribunal<br />

estrangeiro seja invocada como simples meio de<br />

prova, em processo pendente nos tribunais<br />

portugueses, não seja necessária a revisão e<br />

confirmação, sujeitando-se apenas à apreciação de<br />

quem julgar a causa.<br />

A Senhora Conservadora consulente<br />

explana bem, na análise do problema, as razões da<br />

doutrina 2 e da jurisprudência 3 , razão pela qual<br />

citamos directamente da consulta. Conclui que,<br />

para que a sentença estrangeira seja invocada<br />

como prova, não necessita de ser revista e<br />

2 Diz-se na consulta: “Como defende Luís de Lima Pinheiro,<br />

em Direito Internacional Privado, volume <strong>II</strong>I, Competência<br />

Internacional e reconhecimento de Decisões Estrangeiras, a<br />

letra do n.º 1 do citado artigo (1094º do CPC) parece<br />

subordinar à revisão to<strong>dos</strong> os mo<strong>dos</strong> de relevância das<br />

sentenças estrangeiras. O n.º 2 do mesmo artigo esclarece<br />

que não é necessária revisão para que a sentença possa<br />

ser invocada como meio de prova sujeito à apreciação do<br />

juiz. Deve ser atribuído à sentença estrangeira o valor<br />

probatório reconhecido a outros documentos autênticos<br />

passa<strong>dos</strong> em país estrangeiro. Decorre da conjugação <strong>dos</strong> n.º<br />

1 do art.º 365º com o n.º 1 do art.º 371º do CC, que os<br />

documentos autênticos passa<strong>dos</strong> no estrangeiro fazem prova<br />

plena <strong>dos</strong> factos neles atesta<strong>dos</strong> com base nas percepções da<br />

entidade documentadora, ao passo que os meros juízos<br />

pessoais do documentador só valem como elementos sujeitos<br />

a livre apreciação do Julgador. Assim a sentença constitui<br />

prova plena <strong>dos</strong> testemunhos e documentos que refere,<br />

mas as conclusões que daí retira não se impõem ao tribunal<br />

português.”<br />

3 Seguindo ainda a conservadora consulente, na citação da<br />

jurisprudência: “Como se refere no Acórdão do Tribunal da<br />

Relação do Porto de 19 de Julho de 1983, a acção de<br />

revisão de sentença estrangeira é uma acção declarativa<br />

de simples apreciação, e uma acção deste tipo não cria, não<br />

constitui uma situação nova. Declara, tão só, que ela existe<br />

(apreciação positiva) ou não existe (apreciação negativa),<br />

reconhece ou aprecia uma situação pré existente. Daí vem<br />

que os efeitos da sentença proferida na acção declarativa se<br />

produzem “ex-tunc”. As sentenças constitutivas têm apenas<br />

eficácia “ex-nunc”, criam situações novas, um estado<br />

jurídico novo: são as sentenças de separação de pessoas e<br />

bens e de divórcio. São também as sentenças estrangeiras<br />

relativas ao estado das pessoas, ou melhor, que decretem a<br />

separação judicial e a conversão desta em divórcio, por<br />

exemplo. Mas para que tenham validade em Portugal, têm de<br />

ser revistas e confirmadas. Só depois de revistas e<br />

confirmadas os seus efeitos retroagem à data da<br />

propositura das acções em que foram proferidas.”


Nº 4/2005 – Maio/Junho/Julho 2005 67<br />

confirmada (conclusão 2) 4 , mas para que possa<br />

valer como título de registo, já terá que ser<br />

submetida à revisão e confirmação (conclusão 1) 5 .<br />

Será, então, que poderemos inferir que para<br />

ser averbada ao casamento (assento a que respeita,<br />

no dizer do n.º 1 do art.º 7º) a sentença estrangeira<br />

de divórcio tem que ser revista e confirmada; mas,<br />

para ser declarado em assento de óbito o estado<br />

civil como divorciado, não tem que forçosamente<br />

ser revista e confirmada a sentença de tribunal<br />

estrangeiro, uma vez que para a declaração do<br />

estado civil do falecido, tal decisão constitui-se<br />

apenas em meio de prova?<br />

Isto é, pelo confronto da redacção do n.º 1<br />

do art.º 7º do CRC com a do art.º 1094º do CPC no<br />

seu todo, pode admitir-se que a sentença<br />

estrangeira só para efeitos de registo ao assento de<br />

casamento terá de ser previamente revista e<br />

confirmada, dispensando-se de revisão e<br />

confirmação para o efeito de apenas ser invocado o<br />

estado civil de falecido? A decisão do tribunal<br />

estrangeiro é a mesma, mas exigia-se ou<br />

dispensava-se a revisão e confirmação, consoante<br />

se destinasse a ser averbada ao casamento ou a<br />

produzir prova em completamento de assento de<br />

óbito.<br />

Estar-se-ia perante uma incongruência –<br />

não se permitiria o averbamento do divórcio ao<br />

casamento, o cônjuge sobrevivo, sendo português,<br />

não se poderia, assim, identificar como divorciado,<br />

mas consentia-se que o falecido figurasse no<br />

assento de óbito como divorciado?<br />

Imaginemos agora esta situação: o<br />

declarante do óbito, convencido de que já constava<br />

na ordem jurídica portuguesa a sentença que<br />

declarou dissolvido o casamento, nestes termos<br />

poderia ter declarado. Se o funcionário não tivesse<br />

tido a possibilidade de confrontar o registo de<br />

nascimento ou de casamento do falecido, teria<br />

aceitado fazer figurar tal declaração no registo.<br />

4 “Não é necessária a revisão para que aquela sentença possa<br />

ser invocada como meio de prova, a sentença constitui prova<br />

plena <strong>dos</strong> testemunhos e documentos que refere.” –<br />

conclusão n.º 2.<br />

5 “A revisão e confirmação é necessária para que a sentença<br />

estrangeira possa valer como título de registo.” – conclusão<br />

n.º 1.<br />

Suponhamos que mais tarde, chegava ao<br />

conhecimento do declarante ou de algum familiar<br />

que o divórcio não tinha sido ainda objecto de<br />

revisão e confirmação. Poderia pedir-se a<br />

rectificação do registo de óbito para passar a<br />

figurar como ignorado o seu estado civil?<br />

Parece ser claro que não, não obstante se<br />

admitir que o mecanismo teria funcionado no<br />

sentido inverso. Justifica-se a negativa pelas<br />

razões que atrás se aduziram: só se pode levar ao<br />

registo que ficou incompleto ou a enfermar de um<br />

erro, uma certeza, nunca uma dúvida.<br />

Igualmente afastámos a hipótese de admitir<br />

levar ao registo de óbito a menção do estado civil<br />

de divorciado sem que o divórcio conste da ordem<br />

jurídica portuguesa. O princípio da unidade<br />

registral que enforma o instituto do Registo Civil<br />

português a isso obriga. Não permite admitir que<br />

se acolha num assento (o de óbito) um estado civil<br />

que não se pode registar num outro (o de<br />

casamento).<br />

Por outro lado, não podemos fazer tábua<br />

rasa da decisão de tribunal estrangeiro que, por<br />

qualquer motivo, chegou ao nosso conhecimento,<br />

como no caso vertente, em que, inclusivamente,<br />

numa primeira fase foi pedida a revisão e<br />

confirmação ao tribunal competente, vindo a ser<br />

tal pedido objecto de desistência.<br />

O Tribunal da Relação não negou<br />

provimento ao pedido por considerar não estarem<br />

reuni<strong>dos</strong> os requisitos exigi<strong>dos</strong> pelo art.º 1096º do<br />

CPC, ou por outro qualquer motivo previsto na lei.<br />

Limitou-se a homologar a desistência do pedido,<br />

fundamentando-se no disposto nos artigos 293º e<br />

295º do CPC.<br />

A decisão do tribunal canadiano, por ter<br />

chegado ao conhecimento do conservador, terá de<br />

ser invocada por este para obstar ao<br />

completamento do assento de óbito com o estado<br />

que consta do registo civil português. Funciona,<br />

assim, como meio de prova de que o estado civil<br />

do falecido à data do óbito pode não ser o de<br />

casado com aquela pessoa que pretende agora o<br />

completamento do assento em tal sentido.<br />

Temos, deste modo, o conteúdo e o alcance<br />

do art.º 1094º perfeitamente cumpri<strong>dos</strong> - a decisão<br />

estrangeira sobre direitos priva<strong>dos</strong>, para ter a<br />

eficácia de facto a registar, necessita de revisão e


Nº 4/2005 – Maio/Junho/Julho 2005 68<br />

confirmação; independentemente de tal revisão,<br />

constituir meio de prova de que o estado da pessoa<br />

a quem respeita pode não ser o que consta do seu<br />

assento de nascimento.<br />

E esta segunda asserção de prova obstará a<br />

que se complete o assento se ou até que a decisão<br />

estrangeira tenha eficácia em Portugal.<br />

Se, e enquanto, não houver a iniciativa de<br />

algum interessado em promover a revisão e<br />

confirmação da sentença, o assento manterá a<br />

referência ao estado civil ignorado.<br />

O interesse público encontra-se cumprido<br />

com a feitura do registo de óbito e será levado até<br />

ao ponto de não permitir que se complete ou<br />

rectifique o assento à revelia da plena eficácia da<br />

decisão estrangeira na ordem jurídica portuguesa.<br />

Consubstancia-se apenas em pôr em causa o estado<br />

que consta do registo civil português.<br />

O interesse privado se encarregará de<br />

promover a revisão e confirmação da decisão. Se<br />

ninguém o fizer, concluir-se-á pela ausência de tal<br />

interesse.<br />

Importa realçar que a necessidade de<br />

revisão, título do art.º 1094º do CPC, se refere a<br />

decisões sobre direitos priva<strong>dos</strong> – n.º 1. “ Sem<br />

prejuízo do que se ache estabelecido em<br />

trata<strong>dos</strong>,…, nenhuma decisão sobre direitos<br />

priva<strong>dos</strong>, proferida por tribunal ou árbitros no<br />

estrangeiro, tem eficácia em Portugal, …, sem<br />

estar revista e confirmada”.<br />

Tomando em consideração tudo o que atrás<br />

foi dito, extraem-se as seguintes conclusões:<br />

I - A menção do estado civil ignorado, em<br />

assento de óbito, só pode ser objecto de<br />

completamento mediante título que seja válido<br />

para registo.<br />

<strong>II</strong> - A certidão de sentença estrangeira que,<br />

para ter eficácia em Portugal haja de ser revista<br />

e confirmada no competente Tribunal da<br />

Relação, não pode, independente desta<br />

formalidade, constituir título válido para<br />

registo.<br />

<strong>II</strong>I - A constatação da existência de certidão de<br />

sentença estrangeira que declarou dissolvido o<br />

casamento indicia que o estado civil do falecido<br />

poderá não ser o que consta do registo civil<br />

português.<br />

IV - Verificando-se o condicionalismo do<br />

número anterior, a menção do estado civil<br />

ignorado será mantida no assento de óbito se,<br />

ou até que, seja concedida ou negada a revisão e<br />

confirmação da sentença estrangeira.<br />

Este parecer foi aprovado em sessão do<br />

Conselho Técnico da Direcção-Geral <strong>dos</strong> <strong>Registos</strong><br />

e do <strong>Notariado</strong> de 29.06.2005.<br />

Maria Filomena Fialho Rocha Pereira,<br />

relatora, Álvaro Manuel Paiva Pereira Sampaio,<br />

Odete de Almeida Pereira da Fonseca Jacinto,<br />

Maria de Lurdes Barata Pires de Mendes Serrano,<br />

Filomena Maria Baptista Máximo Mocica.<br />

Este parecer foi homologado por despacho<br />

do Director-Geral de 05.07.2005.<br />

Proc. nº R.Co. 18/2005 DSJ-CT – Constituição<br />

de AEIE com sede em Portugal, participado por<br />

Sociedade de Advoga<strong>dos</strong> portuguesa – sua<br />

admissibilidade e sujeição a registo comercial.<br />

Registo a qualificar: Constituição de “S & S. R.S.,<br />

AEIE”, requisitado pela Ap. 80, de 30 de<br />

Dezembro de 2004.<br />

Relatório:<br />

Por documento escrito sem indicação de<br />

lugar e data mas com reconhecimento por<br />

advogado, nos termos do D.L. nº 237/2001, de 30<br />

de Agosto, das assinaturas e da certificação da<br />

qualidade e poderes para o acto <strong>dos</strong> representantes<br />

das partes, em Lisboa, no dia 29 de Dezembro de<br />

2004, foi constituído entre S & S, sociedade<br />

internacional estabelecida em Inglaterra e País de<br />

Gales, cujo principal centro de negócios se situa<br />

em CityPoint,e … & Associa<strong>dos</strong> – Sociedade de<br />

Advoga<strong>dos</strong>, com sede na R …, em Lisboa, um


Nº 4/2005 – Maio/Junho/Julho 2005 69<br />

Agrupamento Europeu de Interesse Económico,<br />

nos termos do Regulamento do Conselho CEE nº<br />

2137/85, de 25 de Julho, e do D.L. nº 148/90, de 9<br />

de Maio.<br />

No contrato regido pela lei portuguesa inter<br />

alia foi adoptada a denominação social de “S & S<br />

R S, AEIE”, fixada a sede na R …, e<br />

convencionado o seguinte objecto social: o<br />

desenvolvimento das actividades complementares<br />

do exercício profissional da advocacia pelos seus<br />

Membros em quaisquer países, jurisdições ou<br />

territórios onde estes, a todo o momento, actuem<br />

(e, em particular, Portugal) através da assistência<br />

mútua, do aconselhamento jurídico aos respectivos<br />

clientes, do intercâmbio de informação geral e<br />

especializada, do estágio profissional, do<br />

intercâmbio de estudantes e advoga<strong>dos</strong> entre os<br />

seus Membros, da colaboração em quaisquer<br />

estu<strong>dos</strong> ou publicações e da organização de<br />

conferências e seminários.<br />

Com base no contrato anteriormente<br />

assinalado foi requisitado na Conservatória<br />

recorrida o registo do AEIE pela Ap. 80, de 30 de<br />

Dezembro de 2004.<br />

Mas o registo foi recusado por despacho de<br />

7 de Janeiro de 2005, do seguinte teor: “O contrato<br />

de agrupamento europeu de interesse económico<br />

celebrado entre sociedades de advoga<strong>dos</strong> é facto<br />

não sujeito a registo comercial, atento à natureza<br />

essencialmente civil da actividade que<br />

desenvolvem, sem prejuízo de poderem estar<br />

sujeitos a registo próprio na Ordem <strong>dos</strong><br />

Advoga<strong>dos</strong> – cfr. Decreto-Lei nº 513-Q/79, de 26<br />

de Dezembro, e Decreto-Lei nº 229/2004, de 10 de<br />

Dezembro, em especial os artigos 8º, 9º e 25º deste<br />

diploma – entidade a quem competirá ajuizar da<br />

regularidade formal e substancial do respectivo<br />

contrato, incluindo a existência jurídica <strong>dos</strong><br />

agrupa<strong>dos</strong>. O contrato não se encontra datado.<br />

Artigos 1º e 48º, nº 1, alínea c) do Código do<br />

Registo Comercial”.<br />

Ao despacho de qualificação supra<br />

transcrito seguiram-se no processo registral as<br />

fases da reclamação, sustentação e recurso<br />

hierárquico, cujas peças aqui se dão por<br />

integralmente reproduzidas.<br />

O processo é o próprio, as partes legítimas,<br />

o recurso tempestivo e a recorrente está<br />

devidamente representada, inexistindo questões<br />

prévias ou prejudiciais que obstem ao<br />

conhecimento do mérito.<br />

Fundamentação:<br />

1- Se bem interpretamos a posição do<br />

Senhor Conservador recorrido, à luz do detalhado<br />

despacho de sustentação que elaborou, as questões<br />

que após a dialéctica argumentativa restaram<br />

controvertidas nos autos são três. Sobre elas nos<br />

vamos pronunciar, ainda que por forma<br />

perfunctória, pela ordem que reputamos mais<br />

lógica.<br />

A primeira questão é a seguinte: uma<br />

sociedade de advoga<strong>dos</strong> portuguesa poderia<br />

participar na constituição de um AEIE com sede<br />

em Portugal no período de vigência do D.L. nº<br />

513-Q/79, de 25 de Dezembro (alterado pelo D.L.<br />

nº 237/2001, de 30 de Agosto) ?<br />

O recorrido defende que não. Entende que<br />

antes do início de vigência do D.L. nº 229/2004 a<br />

constituição de um AEIE formado por advoga<strong>dos</strong><br />

ou sociedades de advoga<strong>dos</strong> não seria possível<br />

porque razões deontológicas com força de lei não<br />

o permitiam, e daí que o legislador do D.L. nº<br />

148/90 não tivesse manifestado “a mínima<br />

preocupação com actividades especiais como a que<br />

está em apreço”. E argumenta ainda: “De resto, o<br />

nº 4 do art. 4º do Regulamento permite que o<br />

Estado membro exclua ou restrinja, por razões de<br />

interesse público, a participação de determinadas<br />

pessoas jurídicas singulares. Essa exclusão<br />

resultava já do estatuto <strong>dos</strong> advoga<strong>dos</strong> então em<br />

vigor. O alcance do Decreto-Lei nº 513-Q/79, de<br />

26 de Dezembro, que entrou em vigor depois do<br />

regime jurídico do AEIE (Sic), cingiu-se à<br />

possibilidade de constituição de sociedades<br />

comerciais (Sic) nos termos por ele<br />

regulamenta<strong>dos</strong>”.<br />

Inversamente, a recorrente sustenta que o<br />

facto de o AEIE formado por sociedades de


Nº 4/2005 – Maio/Junho/Julho 2005 70<br />

advoga<strong>dos</strong> não estar previsto no D.L. nº 513-Q/79<br />

não significa, por si só, que não fosse permitido,<br />

isto porque, conforme dispõe o art. 3º, nº 1, do<br />

Regulamento do Conselho nº 2137/85, a actividade<br />

do AEIE é de mero complemento da actividade<br />

<strong>dos</strong> seus membros, não lhe cabendo o<br />

desenvolvimento, a título principal, das<br />

actividades próprias daqueles, pelo que não estaria<br />

sujeito às condicionantes legais aplicáveis às<br />

sociedades de advoga<strong>dos</strong>.<br />

Adianta ainda o recorrente que dificilmente<br />

a figura do AEIE poderia ter sido prevista no D.L.<br />

nº 513-Q/79, se o regulamento comunitário que o<br />

estabelece é de data posterior.<br />

Remata a argumentação alegando que este<br />

entendimento que perfilha já foi expresso pela<br />

própria Conservatória do Registo Comercial de …<br />

e é também a posição da Ordem <strong>dos</strong> Advoga<strong>dos</strong>.<br />

Que dizer sobre a apontada questão ?<br />

Desde logo, que ela tem alguma razão de<br />

ser.<br />

O D.L. nº 513-Q/79 veio permitir a<br />

constituição de sociedades civis de advoga<strong>dos</strong>, as<br />

quais adquirem personalidade jurídica pelo registo<br />

em livro próprio efectuado na Ordem <strong>dos</strong><br />

Advoga<strong>dos</strong>.<br />

Naturalmente, o diploma não contempla o<br />

AEIE formado por sociedades de Advoga<strong>dos</strong>, pela<br />

singela razão de que tal entidade jurídica ainda não<br />

existia.<br />

O AEIE foi disciplinado pelo Regulamento<br />

(CEE) do Conselho nº 2137/85, aplicável a partir<br />

de 1 de Julho de 1989, com excepção <strong>dos</strong> art.s 39º,<br />

41º e 42º, estes aplicáveis desde a entrada em vigor<br />

do Regulamento.<br />

O AEIE exige um contrato e um registo,<br />

sendo-lhe aplicável a lei interna do Estado da sede<br />

fixada pelo contrato.<br />

A actividade do AEIE deve estar ligada à<br />

actividade económica (em sentido amplo) <strong>dos</strong> seus<br />

membros e apenas pode constituir um<br />

complemento desta (preâmbulo e art. 3º).<br />

Qualquer Estado membro pode excluir ou<br />

restringir, por razões de interesse público, a<br />

participação de determinadas categorias de pessoas<br />

singulares, de sociedades ou de outras entidades<br />

jurídicas em qualquer agrupamento (art. 4º, nº 4), e<br />

os Esta<strong>dos</strong> membros comunicarão à Comissão, a<br />

título informativo, as categorias de pessoas<br />

singulares, sociedades ou outras entidades<br />

jurídicas que excluam da participação em<br />

agrupamentos nos termos do nº 4 do art. 4º (art.<br />

41º, nº 2).<br />

Voltando ao registo, diz-nos o<br />

Regulamento que o AEIE é registado no Estado<br />

membro da sua sede (art. 6º), o qual designará o ou<br />

os registos competentes para proceder ao registo<br />

do agrupamento e ao registo de qualquer<br />

estabelecimento do agrupamento situado num<br />

Estado membro que não o estado membro da sua<br />

sede (art. 39º, nº 1) e determinará se o AEIE tem<br />

ou não personalidade jurídica (art. 1º, nº 3).<br />

Em cumprimento do disposto no art. 39º, nº<br />

1, do Regulamento, veio o D.L. nº 403/86, de 3 de<br />

Dezembro (que aprovou o Código do Registo<br />

Comercial) abranger na sua disciplina os<br />

agrupamentos europeus de interesse económico e<br />

elencar os factos sujeitos a registo [cfr. preâmbulo<br />

do diploma, maxime ponto 7, e art.s 1º, nº 2, 7º,<br />

10º, c) e d), e 25º, nº 2 do Código].<br />

Em cumprimento do disposto no art. 1º, nº<br />

3, do Regulamento, veio o D.L. nº 148/90, de 9 de<br />

Maio, estabelecer que o AEIE adquire<br />

personalidade jurídica com a inscrição definitiva<br />

da sua constituição no registo comercial, de<br />

harmonia com a lei respectiva, e mantém-na até ao<br />

registo do encerramento da liquidação.<br />

Em face do exposto, e no que em especial<br />

tange à questão que importa resolver, parece-nos<br />

ajustado afirmar que o Regulamento comunitário,<br />

não conferindo, por si só, a ninguém o direito a<br />

participar num agrupamento, abre tão amplamente<br />

quanto possível às pessoas singulares, sociedades e<br />

outras entidades jurídicas o acesso ao agrupamento<br />

(cfr. o preâmbulo), de tal sorte que, em princípio, a<br />

constituição do agrupamento é legalmente<br />

possível, a não ser que o Estado membro exclua ou<br />

restrinja, por razões de interesse público, a<br />

participação nele de determinadas categorias de<br />

pessoas físicas ou jurídicas.<br />

Ora, nós não conhecemos qualquer diploma<br />

ou norma geral e abstracta ou administrativa que<br />

excluísse ou restringisse a participação de<br />

sociedade de advoga<strong>dos</strong> portuguesa em<br />

agrupamento com sede em Portugal na data do<br />

contrato de agrupamento <strong>dos</strong> autos. O D.L. nº 513-<br />

Q/79, que vigorava nessa data, era omisso a tal


Nº 4/2005 – Maio/Junho/Julho 2005 71<br />

respeito. Sendo omisso, não se pode dizer, como<br />

parece defender o recorrido, que não permitia a<br />

constituição do AEIE. Antes pelo contrário,<br />

achamos que o diploma (pelo menos na versão do<br />

D.L. nº 237/2001) deveria conter uma norma<br />

proibitiva expressa para que não funcionasse a<br />

permissão de princípio consagrada no<br />

Regulamento comunitário.<br />

E também não achamos que a exclusão da<br />

participação no agrupamento de sociedades de<br />

advoga<strong>dos</strong> resultava já do estatuto <strong>dos</strong> advoga<strong>dos</strong><br />

então em vigor (D.L. nº 84/84, de 16 de Março,<br />

alterado pela Lei nº 6/86, de 23 de Março, pelos<br />

Decretos-Leis nºs 119/86, de 28 de Maio, e<br />

325/88, de 23 de Setembro, e pelas Leis nºs 33/94,<br />

de 6 de Setembro, 30-E/2000, de 20 de Dezembro,<br />

e 80/2001, de 20 de Julho). Salvo o devido<br />

respeito, o recorrido não invoca uma norma que<br />

seja para fundamentar tal exclusão. E nós temos<br />

dificuldade em imaginar regras legais e/ou<br />

deontológicas que imponham ou aconselhem a<br />

proibição de agrupamentos de sociedades de<br />

advoga<strong>dos</strong>, sendo certo que, como sustenta a<br />

recorrente, a lei portuguesa admite as sociedades<br />

de advoga<strong>dos</strong> e a actividade exercida pelo<br />

agrupamento é meramente complementar da<br />

actividade daquelas.<br />

Afigura-se-nos, assim, que não é<br />

sustentável a tese de que o contrato de<br />

agrupamento europeu de interesse económico com<br />

sede em Portugal em que participa uma sociedade<br />

de advoga<strong>dos</strong> portuguesa celebrado no período de<br />

vigência do D.L. nº 513-Q/79 é manifestamente<br />

nulo por violação de normas imperativas (que não<br />

se concretizam) que proíbem a celebração de tal<br />

contrato. Portanto, o registo do contrato de<br />

agrupamento não poderá ser recusado com base na<br />

al. d) do nº 1 do art. 48º do CRCom (norma que<br />

estará implícita na posição assumida pelo recorrido<br />

no despacho de sustentação).<br />

2- Assente que o contrato de agrupamento é<br />

válido, haverá que enfrentar a segunda questão<br />

controvertida nos autos: o facto está ou não sujeito<br />

a registo comercial ?<br />

O recorrido responde negativamente.<br />

Entende que “a norma genérica de sujeição a<br />

registo comercial do acto constitutivo e atribuição<br />

de personalidade jurídica em resultado desse<br />

registo fica prejudicada pela especialidade das<br />

normas que criaram um registo próprio para estas<br />

entidades na Ordem <strong>dos</strong> Advoga<strong>dos</strong>. Por isso,<br />

AEIE de advoga<strong>dos</strong> ou sociedades de advoga<strong>dos</strong><br />

estão sujeitos a registo, apenas, na Ordem <strong>dos</strong><br />

Advoga<strong>dos</strong>. O legislador nacional assim o<br />

determinou no momento em que criou um regime<br />

especial de registo atributivo de personalidade<br />

jurídica para esta actividade”. Segundo o Senhor<br />

Conservador “a disciplina registral <strong>dos</strong> AEIE de<br />

advoga<strong>dos</strong> ou de sociedades de advoga<strong>dos</strong> não está<br />

contida nos diplomas gerais, mas nos diplomas<br />

especiais, específicos ou particulares que<br />

disciplinam a actividade respectiva e a forma como<br />

os seus agentes a desenvolvem [art.s 8º, 9º e 52º do<br />

D.L. nº 229/2004]”.<br />

Outro é o entendimento da recorrente. O<br />

art. 39º, nº 1, do Regulamento manda o Estado<br />

membro da sede do AEIE designar “o ou os<br />

registos competentes” para inscrever o facto (tal<br />

como manda o Estado membro da localização do<br />

estabelecimento criado por AEIE aí não sediado<br />

designar também o ou os registos competentes<br />

para registar o estabelecimento). Portanto, o<br />

Regulamento admite um duplo registo do mesmo<br />

facto. Este duplo registo foi legitimado pelo D.L.<br />

nº 229/2004. A partir daqui o AEIE está sujeito a<br />

registo comercial (donde deriva a personalidade<br />

jurídica) e a registo na Ordem <strong>dos</strong> Advoga<strong>dos</strong>,<br />

para efeitos de verificação do cumprimento das<br />

normas deontológicas da profissão. O D.L. nº<br />

229/2004 não revogou parcialmente, expressa ou<br />

implicitamente, o art. 1º do D.L. nº 148/90.<br />

Insiste a recorrente que o registo na Ordem<br />

<strong>dos</strong> Advoga<strong>dos</strong> nem sempre é “atributivo de<br />

personalidade jurídica às pessoas colectivas<br />

constituídas por advoga<strong>dos</strong>”, porquanto os art.s 8º<br />

e 9º do D.L. nº 229/2004 aplicam-se aos AEIE por<br />

força do art. 52º, nº 4, mas este já não manda<br />

aplicar o art. 3º, que dispõe sobre a aquisição da<br />

personalidade jurídica das sociedades de<br />

advoga<strong>dos</strong>. E não se trata de lapso do legislador,<br />

porquanto a matéria está regulada no art. 1º do<br />

D.L. nº 148/90, cuja aplicabilidade está ressalvada


Nº 4/2005 – Maio/Junho/Julho 2005 72<br />

no nº 2 do art. 52º do D.L. nº 229/2004 na<br />

expressão «legislação específica respectiva».<br />

A recorrente, para comprovar a posição da<br />

Ordem <strong>dos</strong> Advoga<strong>dos</strong> sobre a matéria, juntou<br />

com a petição de recurso os seguintes<br />

documentos:- cópia do ofício de 23.11.2004 do<br />

Conselho Geral da Ordem <strong>dos</strong> Advoga<strong>dos</strong> a R S e<br />

Associa<strong>dos</strong> – Sociedade de Advoga<strong>dos</strong>, com o teor<br />

do despacho da mesma data de concordância com<br />

a constituição de “S & S R S, AEIE”, com sede na<br />

R. …;- cópia da comunicação de 6.1.2005 de R S e<br />

Associa<strong>dos</strong> – Sociedade de Advoga<strong>dos</strong> ao<br />

Conselho Geral da Ordem <strong>dos</strong> Advoga<strong>dos</strong> a pedir<br />

o registo do agrupamento junto da Ordem <strong>dos</strong><br />

Advoga<strong>dos</strong> e a informar que em 30.12.2004 foi<br />

feita junto da Conservatória do Registo Comercial<br />

de … a apresentação para registo do contrato de<br />

constituição do aludido agrupamento;- cópia do<br />

averbamento 1/05 (18.1.05) à inscrição nº 86/02 de<br />

“R S e Associa<strong>dos</strong>, Sociedade de Advoga<strong>dos</strong>” do<br />

«conhecimento da apresentação operada a 30 de<br />

Dezembro de dois mil e quatro, junto da<br />

Conservatória do Registo Comercial de …, para<br />

registo do contrato de constituição do<br />

Agrupamento Europeu de Interesse Económico “S<br />

& S R S, AEIE”, com sede no edifício …,<br />

Londres»;- e cópia do ofício do Conselho Geral da<br />

Ordem <strong>dos</strong> Advoga<strong>dos</strong> de 18.01.2005 dirigido a<br />

RS e Associa<strong>dos</strong> – Sociedade de Advoga<strong>dos</strong>,<br />

comunicando que foi registado «o conhecimento<br />

da constituição e funcionamento do Agrupamento<br />

Europeu de Interesse Económico “S & S R S,<br />

AEIE”, com sede em Londres».<br />

Que posição assumir, perante a<br />

controvérsia <strong>dos</strong> autos ?<br />

Um primeiro ponto cumpre desde já<br />

realçar. É que não só o contrato de AEIE foi<br />

celebrado no período de vigência do D.L. nº 513-<br />

Q/79. Também o registo deste facto, a ser lavrado,<br />

terá a data de 30.12.2004, portanto anterior à data<br />

da entrada em vigor do D.L. nº 229/2004<br />

(10.01.2005 – cfr. art. 65º). Assim sendo, afigurase-nos<br />

que o normativo do D.L. nº 229/2004 não<br />

pode ser chamado para a resolução do caso <strong>dos</strong><br />

autos. Cremos ser incontroverso que à qualificação<br />

<strong>dos</strong> registos – quer no tocante ao universo <strong>dos</strong><br />

direitos a inscrever e aos princípios que enformam<br />

o sistema quer em relação às mais precisas regras<br />

que regulam a actividade registral – são aplicáveis<br />

as normas que vigoravam no momento em que o<br />

pedido é formulado junto da competente<br />

conservatória com a apresentação <strong>dos</strong> respectivos<br />

documentos (cfr. art. 12º, nº 1, do C.C., e art.s 12º,<br />

28º, 28º-A e 45º do CRCom, e art. 77º do C.R.P.,<br />

ex vi do art. 115º do CRCom).<br />

Não se aplicando, como nos parece, o D.L.<br />

nº 229/2004 à hipótese <strong>dos</strong> autos, e assente que o<br />

contrato de agrupamento é válido, apesar de<br />

celebrado no domínio do D.L. nº 513-Q/79, então<br />

poderemos concluir que a questão que estamos a<br />

apreciar não tem razão de ser. Isto porque<br />

julgamos pacífico o entendimento de que o D.L. nº<br />

513-Q/79 não prevê, expressa ou tacitamente, o<br />

registo do AEIE na Ordem <strong>dos</strong> Advoga<strong>dos</strong>.<br />

Embora por razões diversas: o recorrido porque<br />

nem sequer admite o contrato de agrupamento, a<br />

recorrente porque entende que só o D.L. nº<br />

229/2004 veio legitimar uma solução de duplo<br />

registo.<br />

Apesar de entendermos que o D.L. nº<br />

229/2004 não é convocável para a solução do caso<br />

<strong>dos</strong> autos, nem por isso deixaremos de tomar<br />

posição na controvérsia.<br />

O art. 39º, nº 1, do Regulamento<br />

comunitário delega no Estado membro da sede do<br />

AEIE o poder de designar “o ou os registos”<br />

competentes para inscrever os factos atinentes. “O<br />

ou os registos” porquê ? A nosso ver, porque no<br />

agrupamento poderão participar as mais variadas<br />

categorias de pessoas singulares, de sociedades ou<br />

de outras entidades jurídicas, e então o legislador<br />

comunitário permitiu ao legislador nacional que<br />

“distribuísse” a competência para inscrever os<br />

factos relativos aos AEIE por vários organismos,<br />

conforme a categoria <strong>dos</strong> participantes. Cremos,<br />

assim, que o cenário de um duplo registo do<br />

mesmo facto, naturalmente com diferentes efeitos,<br />

alvitrado pela recorrente, não foi querido pelo<br />

legislador comunitário.<br />

Como já anteriormente referimos, o nosso<br />

legislador foi inequívoco na opção que tomou.<br />

Designou um único registo – o registo comercial, a<br />

cargo das conservatórias – para inscrever os factos<br />

do AEIE, ao qual atribuiu personalidade jurídica.<br />

O D.L. nº 229/2004 veio consagrar<br />

expressamente a admissibilidade de AEIE


Nº 4/2005 – Maio/Junho/Julho 2005 73<br />

participado por sociedades de advoga<strong>dos</strong>.<br />

Dispondo (art. 52º, nº 4) que à aprovação e ao<br />

registo do contrato são aplicáveis as normas <strong>dos</strong><br />

art.s 8º e 9º. Portanto, o contrato de agrupamento<br />

está sujeito a registo na Ordem <strong>dos</strong> Advoga<strong>dos</strong>.<br />

Coloca-se, então, a questão de saber se o<br />

novo diploma veio regular em novos moldes a<br />

matéria do registo do AEIE participado por<br />

sociedades de advoga<strong>dos</strong>.<br />

Não cremos que tenha sido essa a intenção<br />

do legislador. Aquele Decreto-Lei nº 229/2004 é<br />

completamente omisso sobre a revogação parcial<br />

do art. 1º, nº 2, do CRCom, e do art. 1º do D.L. nº<br />

148/90. Não vemos as citadas normas (art.s 8º, 9º<br />

e 52º, nº 4, do D.L. nº 229/2004) como normas de<br />

direito especial que consagrem uma disciplina<br />

nova ou diferente do regime-regra para o círculo<br />

das sociedades de advoga<strong>dos</strong> (e não também de<br />

advoga<strong>dos</strong> pessoas singulares, como parece<br />

pretender o recorrido) que participem num AEIE.<br />

Disciplina essa aliás que seria gravemente<br />

incompleta, porquanto não satisfaria à exigência<br />

do nº 3 do art. 1º do Regulamento comunitário,<br />

determinando se o AEIE tinha ou não<br />

personalidade jurídica. Na verdade, como salienta<br />

a recorrente, o D.L. nº 229/2004 não nos diz, por<br />

aplicação directa ou remissiva das suas normas, se<br />

o AEIE tem ou não personalidade jurídica.<br />

Assente que o D.L. nº 229/2004 respeita<br />

integralmente a disciplina vigente sobre o registo e<br />

a personalidade jurídica de to<strong>dos</strong> os agrupamentos<br />

europeus de interesse económico, incluindo os que<br />

são participa<strong>dos</strong> por sociedades de advoga<strong>dos</strong>, não<br />

nos cabe a nós reflectir sobre o escopo e os efeitos<br />

do registo do contrato de agrupamento na Ordem<br />

<strong>dos</strong> Advoga<strong>dos</strong>.<br />

Sobre o ponto, apenas diremos que a<br />

posição da Ordem <strong>dos</strong> Advoga<strong>dos</strong> que a recorrente<br />

pretendeu dar a conhecer com os documentos que<br />

juntou com a petição de recurso não é, afinal,<br />

esclarecedora. É que do averbamento ao registo da<br />

ora recorrente consta que o AEIE tem sede em<br />

Londres. Terá sido lapso ? Se o AEIE tivesse sede<br />

em Portugal – como no caso <strong>dos</strong> autos<br />

efectivamente tem - teria sido esse o mesmo<br />

comportamento registral, ou seja, não seria inscrito<br />

o AEIE a se, como nova pessoa jurídica, apenas<br />

se “enriquecendo” a situação jurídica da sociedade<br />

de advoga<strong>dos</strong> participante registada na Ordem <strong>dos</strong><br />

Advoga<strong>dos</strong> ?<br />

Não negamos que gostaríamos de conhecer<br />

a posição da Ordem <strong>dos</strong> Advoga<strong>dos</strong> sobre a<br />

matéria. Mas cremos que ela não é determinante<br />

para a solução do caso <strong>dos</strong> autos.<br />

3- Uma derradeira e última questão (que o<br />

recorrido considera implícita no despacho de<br />

recusa) importa conhecer: a constituição do AEIE<br />

depende de autorização da Ordem <strong>dos</strong> Advoga<strong>dos</strong>?<br />

A nosso ver, a autorização da Ordem <strong>dos</strong><br />

Advoga<strong>dos</strong> é um pressuposto de validade do acto<br />

constitutivo do AEIE e não um requisito para o<br />

exercício da actividade ou profissão. O projecto do<br />

contrato terá que ser submetido a um controlo<br />

prévio de legalidade no que concerne à adequação<br />

das suas cláusulas às normas deontológicas do<br />

Estatuto da Ordem <strong>dos</strong> Advoga<strong>dos</strong>. É o que<br />

actualmente decorre expressamente do nº 1 do art.<br />

8º do D.L. nº 229/2004.<br />

Sendo um pressuposto de validade do acto<br />

constitutivo, o conservador terá que o verificar<br />

(art. 47º, parte final, do CRCom). Verificar o<br />

pressuposto (a autorização) e não os pressupostos<br />

do pressuposto (a validade intrínseca da<br />

autorização). Não descortinamos aqui, portanto,<br />

duplo controlo da legalidade (entre a Ordem <strong>dos</strong><br />

Advoga<strong>dos</strong> e o conservador do registo comercial).<br />

4- Dois breves comentários finais se nos<br />

oferece tecer sobre o caso <strong>dos</strong> autos.<br />

O primeiro para referir que na motivação<br />

da recusa figura a circunstância de o contrato não<br />

se encontrar datado. A recorrente nada disse sobre<br />

o ponto. E o recorrido no despacho de sustentação<br />

parece admitir (cfr. pág. 7) que a data da<br />

constituição do agrupamento é a data do<br />

reconhecimento das assinaturas.<br />

Afigura-se-nos, portanto, que do ponto de<br />

vista do recorrido a questão estará ultrapassada. De<br />

qualquer modo, sempre diremos que na nossa<br />

opinião a omissão da data no escrito não é<br />

fundamento de qualificação minguante (nem de<br />

dúvidas e muito menos de recusa) do registo do<br />

AEIE. Estamos in casu perante um contrato<br />

concluído, que é o que importa, e a data da<br />

conclusão não se nos afigura relevante para efeitos<br />

de registo comercial.


Nº 4/2005 – Maio/Junho/Julho 2005 74<br />

O segundo comentário está ainda<br />

relacionado com o despacho de recusa. Diz o<br />

recorrido que é à Ordem <strong>dos</strong> Advoga<strong>dos</strong> que<br />

“competirá ajuizar da regularidade formal e<br />

substancial do respectivo contrato, incluindo a<br />

existência jurídica <strong>dos</strong> agrupa<strong>dos</strong>”.<br />

Ficamos, portanto, sem saber se o recorrido<br />

apreciou ou não o contrato. Se não o fez, devia têlo<br />

feito. Se o fez, devia ter concretizado alguma<br />

irregularidade que tivesse detectado e ter dito<br />

claramente se entendia – e, nesse caso, porquê –<br />

que não estava comprovada a existência jurídica<br />

<strong>dos</strong> agrupa<strong>dos</strong>. Sempre salvo o devido respeito,<br />

claro está.<br />

Nesta fase do recurso, em que está em<br />

causa a requalificação e não a qualificação do<br />

pedido, apenas poderemos conhecer, dentre as não<br />

suscitadas, as questões cuja omissão de pronúncia<br />

possa conduzir à realização de registos nulos. Tem<br />

sido esta a doutrina deste Conselho.<br />

Ora, nós não alcançamos no contrato<br />

celebrado qualquer vício formal ou substancial que<br />

afecte a sua validade. A própria “existência<br />

jurídica <strong>dos</strong> agrupa<strong>dos</strong>”, mormente do agrupado<br />

estrangeiro, decorre do reconhecimento com<br />

menções especiais, por semelhança, efectuado por<br />

advogado nos termos do art. 5º e com a força<br />

probatória assinalada no art. 6º,. ambos do D.L. nº<br />

237/2001, de 30 de Agosto. Nele se certifica a<br />

qualidade de sócio e de administrador com poderes<br />

para o acto da sociedade agrupada da pessoa que<br />

subscreveu o documento que titula o contrato.<br />

Como é possível certificar estas qualidades sem<br />

previamente averiguar a existência jurídica da<br />

sociedade representada ? Exigir a recomprovação<br />

da existência jurídica <strong>dos</strong> agrupa<strong>dos</strong> implicaria, a<br />

nosso ver e salvo o devido respeito, a consagração<br />

de um duplo controlo, este sim insustentável.<br />

5- Em face do exposto, somos de parecer<br />

que o recurso merece provimento.<br />

Em consonância firmam-se as seguintes<br />

Conclusões<br />

I - Inexistia no nosso ordenamento jurídico –<br />

designadamente no D.L. nº 513-Q/79, de 26 de<br />

Dezembro, que definiu o regime jurídico das<br />

sociedades de advoga<strong>dos</strong> e que entretanto foi<br />

revogado pelo D.L. nº 229/2004, de 10 de<br />

Dezembro – norma que proibisse a celebração,<br />

ao abrigo do disposto no Regulamento (CEE) nº<br />

2137/85 do Conselho de 25 de Julho de 1985 e<br />

no período de vigência daquele D.L. nº 513-<br />

Q/79, de contrato de agrupamento europeu de<br />

interesse económico (AEIE) com sede em<br />

Portugal participado por sociedade de<br />

advoga<strong>dos</strong> portuguesa.<br />

<strong>II</strong> - O registo <strong>dos</strong> agrupamentos europeus de<br />

interesse económico rege-se pelas disposições do<br />

Código do Registo Comercial (cfr. art. 1º, nº 2)<br />

e o AEIE adquire personalidade jurídica com a<br />

inscrição definitiva da sua constituição no<br />

registo comercial (cfr. art. 1º do D.L. nº 148/90,<br />

de 9 de Maio).<br />

<strong>II</strong>I - O D.L. nº 229/2004, de 10 de Dezembro,<br />

apesar de prever o registo do contrato de AEIE<br />

na Ordem <strong>dos</strong> Advoga<strong>dos</strong> (cfr. art.s 9º e 52º, nº<br />

4), não retirou das conservatórias do registo<br />

comercial o registo <strong>dos</strong> agrupamentos europeus<br />

de interesse económico participa<strong>dos</strong> por<br />

sociedades de advoga<strong>dos</strong>, devendo continuar a<br />

aplicar-se o Código do Registo Comercial e o<br />

citado D.L. nº 148/90.<br />

IV - A autorização da Ordem <strong>dos</strong> Advoga<strong>dos</strong><br />

consubstanciada na aprovação do projecto do<br />

contrato de AEIE (cfr. art.s 8º e 52º, nº 4, do<br />

citado D.L. nº 229/2004) é um pressuposto de<br />

validade deste contrato, devendo por isso ser<br />

verificado pelo conservador na qualificação do<br />

pedido de registo do facto (cfr. art. 47º,<br />

CRCom).<br />

Este parecer foi aprovado em sessão do<br />

Conselho Técnico da Direcção-Geral <strong>dos</strong> <strong>Registos</strong><br />

e do <strong>Notariado</strong> de 30.06.2005.<br />

João Guimarães Gomes de Bastos, relator,<br />

Ana Viriato Sommer Ribeiro, José Ascenso Nunes<br />

da Maia.


Nº 4/2005 – Maio/Junho/Julho 2005 75<br />

Este parecer foi homologado por despacho<br />

do Director-Geral de 05.07.2005.<br />

Proc. nº R.P. 55/2004 DSJ-CT – Acção em que<br />

se requer a declaração de transmissão de direito<br />

real de habitação periódica, relativamente a<br />

imóvel cujo regime ainda não se encontra<br />

constituído, nem registado – sua<br />

(i)registabilidade.<br />

Registo a qualificar: Acção sobre o prédio descrito<br />

sob o nº 00499/141289, da freguesia de …,<br />

requisitado pela Ap. 28, de 11 de Dezembro de<br />

2003.<br />

Relatório:<br />

A. Do prédio da ficha nº 499 – … era<br />

proprietário inscrito … – Construções, Ldª (Ap.<br />

10/191083).<br />

Pela Ap. 09, de 12 de Novembro de 1996,<br />

foi registada (G-2) a aquisição deste prédio a favor<br />

da …, S.A.<br />

Em 4 de Janeiro de 2000 foi registada (F-2<br />

– Ap. 02) a propriedade horizontal, resultando <strong>dos</strong><br />

averbamentos nºs 5 e 6 à descrição que o prédio é<br />

composto por um conjunto distribuído por 10<br />

pisos, de 4 Blocos – A, B, C e D – e um módulo de<br />

actividades lúdicas adjacentes aos Blocos C e D,<br />

to<strong>dos</strong> interliga<strong>dos</strong>, com a área coberta de<br />

10.834,9m2 e logradouro com 300m2, com 128<br />

fracções autónomas de “A” a “Z”, “AA” a “AZ”,<br />

“BA” a “BZ”, “CA” a “CZ” e “DA” a DZ”,<br />

inscrito na matriz sob o artigo 2530 urbano.<br />

B. No Tribunal Judicial da Comarca de …<br />

os ora recorrentes instauraram contra a …, S.A.,<br />

acção com processo ordinário (Proc. 1107/03) em<br />

que basicamente e com pertinência para a solução<br />

registral do caso alegaram que:<br />

a) Por documento particular de 11/09/1990<br />

entre o A. marido e a … – Construções, Ldª foi<br />

celebrado um “contrato – promessa de<br />

constituição e de compra e venda do direito real de<br />

habitação periódica” tendo por esse contrato a … –<br />

Construções, Ldª prometido vender e o A. marido<br />

prometido comprar o direito de habitação<br />

periódica correspondente à 33ª semana do ano,<br />

com início às 16 horas de sábado e termo à mesma<br />

hora do sábado seguinte, ao qual foi atribuído o nº<br />

1305 C, apartamento 209, tipo TO, localizado no<br />

piso 2, do empreendimento turístico a instalar no<br />

prédio designado por lote 50, sito no …, freguesia<br />

de …, concelho de …, conhecido por Hotel<br />

Apartamento …;<br />

b) Por documento particular de 26/12/1990<br />

entre a A. mulher e a … – Construções, Ldª foi<br />

celebrado um “contrato – promessa de constituição<br />

e de compra e venda do direito real de habitação<br />

periódica”, tendo por esse contrato a … .-<br />

Construções, Ldª prometido vender e a A. mulher<br />

prometido comprar o direito de habitação<br />

periódica correspondente à 32ª semana do ano,<br />

com início às 16 horas de sábado e termo à mesma<br />

hora do sábado seguinte, ao qual foi atribuído o nº<br />

1304 C, apartamento 209, tipo TO, localizado no<br />

piso 2, do referido empreendimento turístico;<br />

c) A promitente vendedora obrigou-se a<br />

construir o empreendimento turístico, a constituir o<br />

direito real de habitação periódica sobre o imóvel,<br />

e a entregar os correspondentes certifica<strong>dos</strong><br />

prediais aos AA. em prazos que já estão venci<strong>dos</strong>,<br />

sendo certo que as obras já estão concluídas pelo<br />

menos desde 1996;<br />

d) “Até à presente data, a promitente<br />

vendedora nem promoveu a constituição <strong>dos</strong><br />

direitos de habitação periódica prometi<strong>dos</strong> vender,<br />

nem entregou aos AA. as correspondentes<br />

declarações de transmissão a seu favor”;<br />

e) Por escritura de 6 de Novembro de 1996<br />

a R. adquiriu à … – Construções, Ldª “o<br />

empreendimento turístico em causa”, que se<br />

encontra registado na Conservatória a seu favor;<br />

f) Pela referida escritura a R. assumiu to<strong>dos</strong><br />

os direitos e obrigações resultantes <strong>dos</strong> contratos<br />

de promessa sub judice, nos precisos termos do art.<br />

412º do Cód. Civil;<br />

g) A R. também “não promoveu a<br />

celebração da escritura de constituição <strong>dos</strong> direitos<br />

de habitação periódica prometi<strong>dos</strong> vender” e não<br />

entregou aos AA. os certifica<strong>dos</strong> prediais e as<br />

declarações de transmissão a seu favor;<br />

h) Os AA. pretendem a execução específica<br />

<strong>dos</strong> menciona<strong>dos</strong> contratos, mediante a obtenção<br />

de sentença que declare para eles transmitida a


Nº 4/2005 – Maio/Junho/Julho 2005 76<br />

titularidade <strong>dos</strong> direitos reais de habitação<br />

periódica melhor identifica<strong>dos</strong> nos contratos de<br />

promessa supra referi<strong>dos</strong> e reporta<strong>dos</strong> ao imóvel<br />

acima identificado, nos termos do art. 830º do<br />

Cód. Civil.<br />

Nesta acção os AA., além do mais, pedem:<br />

1) a prolação de sentença que declare transmitido<br />

para o A. marido o direito real de habitação<br />

periódica correspondente à 33ª semana do ano,<br />

com início às 16 horas de sábado e termo à mesma<br />

hora do sábado seguinte, ao qual foi atribuído o nº<br />

1305 C, apartamento 209, tipo TO, localizado no<br />

piso 2, do empreendimento turístico instalado no<br />

prédio acima identificado e conhecido por Hotel<br />

Apartamento … e 2) a prolação de sentença que<br />

declare transmitido para a A. mulher o direito real<br />

de habitação periódica correspondente à 32ª<br />

semana do ano, com início às 16 horas de sábado e<br />

termo à mesma hora do sábado seguinte, ao qual<br />

foi atribuído o nº 1304 C, apartamento 209, tipo<br />

TO, localizado no piso 2, do empreendimento<br />

turístico instalado no prédio acima identificado e<br />

conhecido por Hotel Apartamento … .<br />

C. Os ora recorrentes pediram na<br />

Conservatória recorrida o registo da acção (Ap. 28,<br />

de 11 de Dezembro de 2003) sobre o prédio da<br />

ficha nº 499 – … .<br />

O Senhor Conservador qualificou o registo<br />

como provisório por natureza (art. 92º, nº 1, a)) e<br />

por dúvidas, radicando estas na circunstância de<br />

nem no requerimento nem no título ser<br />

“mencionada a fracção autónoma e respectivas<br />

letras sobre que vai incidir a acção”. Diz-se<br />

textualmente no despacho que “feitas as buscas<br />

parece-nos ser a fracção BN mas temos dúvidas<br />

porque esta é sita no piso 6 e na p.i. consta<br />

apartamento 209 no piso 2. É que no prédio<br />

existem mais dois apartamentos com o número<br />

209”.<br />

E o registo da acção foi lavrado na<br />

descrição subordinada 499 – BN – … .<br />

D. Do despacho de qualificação foi<br />

interposto o presente recurso hierárquico, que<br />

assenta basicamente na seguinte fundamentação:<br />

a) Nem a promitente vendedora nem a<br />

subsequente adquirente do prédio promoveram a<br />

constituição do direito real de habitação periódica;<br />

b) Ao invés, a …, S.A.submeteu o prédio<br />

em causa ao regime da propriedade horizontal;<br />

c) Com o D.L. nº 180/99, de 22 de Maio,<br />

que deu nova redacção ao art. 2º do D.L. nº<br />

275/93, de 5 de Agosto, passou a admitir-se a<br />

possibilidade de, quando necessário, a constituição<br />

do direito real de habitação periódica ser precedida<br />

da sujeição do empreendimento ao regime da<br />

propriedade horizontal;<br />

d) O certo, porém, é que a …, S.A. “não<br />

promoveu a constituição <strong>dos</strong> direitos reais de<br />

habitação periódica”;<br />

e) Os contratos de promessa “reportam-se a<br />

um apartamento provisoriamente designado por<br />

209, tipo TO, localizado no piso 2 que viesse a ser<br />

constituído sobre as parcelas habitacionais com os<br />

nºs 1304 C e 1305 C com as ditas características”,<br />

não condizendo tal designação provisória com<br />

qualquer uma das fracções autónomas emergentes<br />

da propriedade horizontal;<br />

f) “Sem que o actual proprietário outorgue<br />

escritura de constituição de direito real de<br />

habitação periódica, nos termos do art. 5º do dito<br />

DL nº 22/2002 e promova o respectivo registo nos<br />

termos do art. 8º do mesmo diploma, o que se<br />

pretende pela acção judicial a registar, não poderão<br />

os Recorrentes apurar a compatível fracção, ou<br />

apurar se tal compatibilização deva aferir-se ao<br />

registo de propriedade horizontal ou a outro que<br />

resulte do dito direito real de habitação periódica”;<br />

g) Razão pela qual o registo da acção foi<br />

promovido sobre a totalidade do prédio, e não<br />

sobre fracção autónoma deste;<br />

h) As fracções autónomas “não se mostram<br />

compatíveis com quaisquer direitos de habitação<br />

periódica, uma vez que estas últimas não foram até<br />

à presente data nem criadas nem registadas”;<br />

i) “Exigir-se <strong>dos</strong> Recorrentes a<br />

identificação da fracção autónoma compatível com<br />

os direitos reais de habitação periódica prometi<strong>dos</strong><br />

vender para que o registo da acção judicial a<br />

registar seja lavrado apenas provisoriamente por<br />

natureza (cfr. alínea a) do nº 1 do art. 92º do CRP)<br />

inviabiliza o prosseguimento de tal acção judicial,<br />

cuja procedência se espera”;<br />

j) Não se vislumbra contudo inviável que a<br />

inscrição desta acção judicial se repercuta na<br />

descrição genérica do prédio, pois cada uma das


Nº 4/2005 – Maio/Junho/Julho 2005 77<br />

fracções autónomas em que o prédio é fraccionado<br />

não perde a sua ligação àquele prédio no seu todo.<br />

A final, pedem os ora recorrentes que o<br />

registo seja lavrado relativamente à totalidade do<br />

prédio, apenas como provisório por natureza nos<br />

termos do art. 92º, nº 1, a), do C.R.P.<br />

E. Foi sustentada a qualificação do registo,<br />

alegando-se que:<br />

a) Pela leitura e análise <strong>dos</strong> documentos<br />

ofereci<strong>dos</strong> conclui-se que o registo da acção deve<br />

incidir apenas sobre uma determinada fracção<br />

autónoma;<br />

b) O registo em causa é elaborado com<br />

base num título (o duplicado da petição inicial), e<br />

se o Registo acolhesse o pedido tal como se<br />

encontra formulado estaria a dar uma publicidade<br />

enganosa;<br />

c) No registo de uma acção o que se<br />

publicita é o pedido “que resultar de todo o<br />

conteúdo plasmado na petição inicial e não apenas<br />

o que consta das suas conclusões”;<br />

d) Da leitura da petição inicial resulta à<br />

saciedade que o que está em litígio não são os<br />

direitos de habitação periódica sobre a totalidade<br />

do prédio, mas antes sobre uma fracção autónoma;<br />

e) Há fracções cujas aquisições estão<br />

definitivamente registadas em nome de terceiros.<br />

F. O processo é o próprio, as partes<br />

legítimas, o recurso tempestivo, os recorrentes<br />

estão devidamente representa<strong>dos</strong> e inexistem<br />

questões prévias ou prejudiciais que obstem ao<br />

conhecimento do mérito.<br />

Fundamentação:<br />

1- A publicidade registral é uma relação<br />

entre um sujeito (cognoscente) e um objecto<br />

(cognoscível). Pressupõe, portanto, a existência de<br />

um acto intermédio dirigido ao conhecimento, que<br />

está a cargo do conservador e que opera a recepção<br />

do objecto de quem o dá a conhecer e reprodu-lo<br />

para quem o vem a conhecer.<br />

A relação de conhecimento publicitário<br />

contém assim três termos subjectivos: a pessoa que<br />

dá inicialmente a conhecer; a pessoa (o<br />

conservador) que transmite, após uma certa<br />

elaboração, o conhecimento assim obtido; e a<br />

pessoa a quem se destina, em última análise, o<br />

conhecimento.<br />

Cada uma destas pessoas pratica um acto<br />

de conhecimento (um facto jurídico): dar a<br />

conhecer, a primeira, tomar conhecimento e dar a<br />

conhecer (o conservador), e tomar conhecimento, a<br />

terceira.<br />

A ligação <strong>dos</strong> três factos faz-se<br />

sucessivamente no tempo, em duas fases: a<br />

primeira fase consiste na transmissão do<br />

conhecimento de quem dá a conhecer ao sujeito (o<br />

conservador) a quem incumbe a prática do acto<br />

intermédio (o registo); na segunda fase, pelo acto<br />

intermédio (o registo), o conhecimento atinge o<br />

destinatário.<br />

Podemos, assim, definir a relação de<br />

conhecimento registral como a relação de<br />

conhecimento respeitante à situação jurídica de<br />

uma pessoa ou coisa, realizada através dum meio<br />

mediato – o registo. São seus elementos: os<br />

sujeitos – os autores <strong>dos</strong> actos de iniciativa de<br />

conhecimento, o autor do acto mediato (registo), e<br />

os destinatários; o objecto – a situação jurídica<br />

pessoal ou real; e os factos – os actos de iniciativa<br />

de conhecimento, os registos e a tomada de<br />

conhecimento. O resultado é o conhecimento por<br />

terceiros.<br />

O fenómeno registral principia por um acto<br />

de vontade: a iniciativa de dar a conhecer algum<br />

facto ou acto jurídico. Tal acto de vontade, a que<br />

na técnica legislativa portuguesa se chama<br />

«apresentação», é uma declaração receptícia ou<br />

recipienda, cujo destinatário é o conservador (cfr.<br />

Carlos Ferreira de Almeida, in Publicidade e<br />

Teoria <strong>dos</strong> <strong>Registos</strong>, pág. 163 e segs., que<br />

seguimos muito de perto).<br />

Resulta do exposto que o «apresentante»,<br />

ao formular o pedido de registo predial, toma a<br />

iniciativa de dar a conhecer um facto ou acto<br />

jurídico com vista à definição da situação jurídica<br />

de uma coisa.<br />

A coisa objecto mediato da relação de<br />

conhecimento é um elemento estrutural do acto de<br />

dar a conhecer da iniciativa do «apresentante»,<br />

pelo que o destinatário da primeira das fases em<br />

que se decompõe a relação registral, que é o<br />

conservador, não pode alterar esse elemento.<br />

Nesta linha de orientação, defendemos no<br />

Pº R.P. 21/97 DSJ-CT, in BRN nº 10/97, pág. 30 e


Nº 4/2005 – Maio/Junho/Julho 2005 78<br />

segs., que «os elementos essenciais do pedido –<br />

designadamente, os factos e os prédios a que o<br />

mesmo respeita – são fixa<strong>dos</strong> definitivamente com<br />

a apresentação <strong>dos</strong> documentos no Diário, pelo<br />

que terá que ser recusado, nos termos do art. 69º,<br />

nº 1, alínea b), do Cód. do Registo Predial, o<br />

registo de facto que foi requisitado sobre<br />

determinado prédio quando os documentos<br />

apresenta<strong>dos</strong> titulam o facto mas sobre outro<br />

prédio, ainda que se alegue e prove que houve erro<br />

na indicação na requisição do número da<br />

descrição» (conclusão IV). Aí sustentámos que a<br />

apresentação <strong>dos</strong> documentos no Diário fixa o<br />

momento em que, se o registo vier a ser efectuado,<br />

os factos dele objecto imediato passam a produzir<br />

efeitos contra terceiros (art.s 5º, 6º e 77º, C.R.P.),<br />

mas por isso mesmo é que o pedido deve ser<br />

formulado por forma imediatamente inteligível,<br />

com indicação <strong>dos</strong> factos e <strong>dos</strong> prédios a que<br />

respeita.<br />

No caso <strong>dos</strong> autos, o «apresentante» foi<br />

muito claro no acto de dar a conhecer, porquanto<br />

mencionou na requisição de registo o facto que<br />

pretendia registar e o prédio sobre que tal facto iria<br />

influenciar a situação jurídica objecto da relação<br />

de conhecimento registral.<br />

Ora, o conservador, enquanto destinatário<br />

(inicial) da declaração recipienda, não podia ter<br />

alterado a coisa cuja situação jurídica era objecto<br />

da relação de conhecimento.<br />

O prédio objecto do registo peticionado é o<br />

descrito na ficha nº 499 – Santiago. É em relação a<br />

este prédio que deve ser qualificado o pedido de<br />

registo. A decisão do Senhor Conservador em<br />

registar o facto numa das 128 fracções autónomas<br />

em que o mesmo prédio foi fraccionado não tem,<br />

salvo o devido respeito, a mínima justificação e,<br />

no caso, nem sequer corrige erro na manifestação<br />

da vontade do «apresentante», pois este, como<br />

resulta claramente da petição de recurso, deseja<br />

que o facto seja inscrito na ficha do prédio e não<br />

na ficha de uma das suas fracções autónomas.<br />

2- Afigura-se-nos pacífico o entendimento<br />

de que uma coisa é a constituição do direito real de<br />

habitação periódica sobre determinado imóvel e<br />

coisa bem diferente é a aquisição de um ou de<br />

vários direitos de habitação periódica que<br />

nasceram com o anterior facto jurídico de sujeição<br />

do imóvel ao regime do direito real de habitação<br />

periódica.<br />

Esta distinção está, aliás, patente na<br />

posição <strong>dos</strong> recorrentes, porquanto alegaram que<br />

foram celebra<strong>dos</strong> dois contratos – promessa de<br />

“constituição” e de “compra e venda” do direito<br />

real de habitação periódica.<br />

No entanto, parece-nos líquido que com a<br />

acção os AA. pretendem apenas a prolação de<br />

sentença que declare a “transmissão” de dois<br />

direitos reais de habitação periódica.<br />

Não conseguimos descortinar na petição<br />

inicial o pedido expresso ou implícito de prolação<br />

de sentença que sujeite o imóvel ao regime do<br />

direito real de habitação periódica.<br />

Como é óbvio, não estamos a defender que<br />

seja viável a constituição por sentença, em acção<br />

de execução específica, do regime do direito real<br />

de habitação periódica. Mas também nos parece<br />

evidente que se tal pedido fosse formulado a acção<br />

estaria sujeita a registo, com esse pedido [cfr. art.<br />

3º, nº 1, a), com referência ao art. 2º, nº 1, b),<br />

ambos do C.R.P.]. Como é consabido, ao<br />

conservador não cabe julgar o mérito.<br />

Ainda que, por mera hipótese de raciocínio,<br />

fosse sustentável a tese de que na acção se pediu a<br />

constituição do direito real de habitação periódica,<br />

o registo sempre teria que ser recusado, por<br />

absoluta falta de elementos para inscrever o facto<br />

(cfr. art. 69º, nº 2, C.R.P.). De facto, o imóvel foi<br />

submetido ao regime da propriedade horizontal<br />

(facto que, se bem ajuizamos, não foi tomado em<br />

consideração na petição inicial), pelo que nem<br />

sequer teríamos elementos para determinar quais<br />

as fracções autónomas submetidas ao regime do<br />

direito real de habitação periódica. Para não falar<br />

das fracções temporais com início e termo de cada<br />

ano, e, afinal, de todo o regime que teria que ser<br />

levado às tábuas [cfr. art. 95º, nº 1, q), do C.R.P.].<br />

Assentemos, portanto, em que se pediu na<br />

acção apenas a declaração judicial de transmissão<br />

para cada um <strong>dos</strong> AA. de cada um <strong>dos</strong> direitos de<br />

habitação periódica limita<strong>dos</strong> àqueles referi<strong>dos</strong><br />

perío<strong>dos</strong> de tempo.<br />

E assentemos também em que não está<br />

ainda constituído o regime do direito real de<br />

habitação periódica, o que aliás está plenamente


Nº 4/2005 – Maio/Junho/Julho 2005 79<br />

assumido pelos AA. na petição inicial (cfr. art.s<br />

16º e 24º).<br />

Coloca-se, então, a questão: qual o efeito<br />

da sentença que, na procedência da acção,<br />

declarasse a transmissão ?<br />

A nosso ver, o efeito seria meramente<br />

obrigacional. Enquanto os bens – os direitos de<br />

habitação periódica – não estiverem juridicamente<br />

individualiza<strong>dos</strong> com a constituição do regime do<br />

direito real de habitação periódica os actos<br />

jurídicos que os tenham por objecto produzem<br />

eficácia meramente obrigacional. O efeito real só<br />

se produziria quando se verificasse a<br />

individualização jurídica <strong>dos</strong> bens (cfr. art. 408º, nº<br />

2, do C.C., e Orlando de Carvalho, in Direito das<br />

Coisas, 1977, págs. 209/210, sobre o princípio da<br />

especialidade ou da individualização).<br />

Produzindo a sentença eficácia meramente<br />

obrigacional, parece-nos evidente que o registo da<br />

acção que a antecipa não poderá assumir natureza<br />

“definitiva” (ou seja, apenas provisório por<br />

natureza nos termos do art. 92º, nº 1, a)). Se assim<br />

fosse, a “conversão” do registo da acção com base<br />

na sentença de procedência implicaria o ingresso<br />

nas tábuas a título definitivo de direitos reais de<br />

habitação periódica sem estar constituído e<br />

registado o respectivo regime. Solução aberrante,<br />

sem dúvida.<br />

Não podemos, assim, concordar com a<br />

qualificação do Senhor Conservador.<br />

Mas será concebível o registo provisório ?<br />

A nosso ver, não é. O registo predial é<br />

consolidativo, pressupõe a prévia produção do<br />

efeito real. Só em casos conta<strong>dos</strong> será legalmente<br />

possível antecipar a oponibilidade a terceiros de<br />

efeitos reais ainda não produzi<strong>dos</strong>. Um desses<br />

casos é o do registo da acção. Mas só quando com<br />

a acção se vise o reconhecimento, a constituição, a<br />

modificação ou a extinção de um direito inscritível<br />

[cfr. art. 3º, nº 1, a), do C.R.P.]. Ora o direito real<br />

de habitação periódica não surge na vida jurídica<br />

enquanto o imóvel não for submetido ao respectivo<br />

regime. Como já salientámos no parecer emitido<br />

no Pº R.P. 173/99, in BRN nº 4/2003, pág. 8, no<br />

que toca aos bens ainda não juridicamente<br />

individualiza<strong>dos</strong> não descortinamos a<br />

possibilidade de registar (provisoriamente) factos<br />

cujo efeito real depende daquela individualização<br />

jurídica.<br />

Em face do exposto, afigura-se-nos que o<br />

registo peticionado deverá ser recusado, por o<br />

facto não estar (ainda) sujeito a registo [cfr. art.<br />

69º, nº 1, c), 2º segmento, do C.R.P.].<br />

Sem conceder, diremos ainda que não é a<br />

nosso ver sustentável a posição <strong>dos</strong> recorrentes<br />

sobre a (in)compatibilidade com os contratos –<br />

promessa do fraccionamento do imóvel resultante<br />

do regime da propriedade horizontal. Se os AA.<br />

não impugnaram a propriedade horizontal (cfr. art.<br />

8º, C.R.P.), terão que se conformar com aquela<br />

individualização jurídica, e então outra solução<br />

não lhes restaria que não fosse a de indicar a<br />

fracção autónoma (unidade de alojamento) objecto<br />

<strong>dos</strong> direitos reais de habitação periódica cuja<br />

transmissão pretendem seja declarada com a<br />

sentença.<br />

3- Nos termos expostos, somos de parecer<br />

que o recurso não merece provimento, devendo o<br />

registo peticionado ser recusado e a recusa ser<br />

anotada na ficha nº 499 – … .<br />

Em consonância firmam-se as seguintes<br />

Conclusões<br />

I - O registo, enquanto facto objecto do acto<br />

intermédio da relação de conhecimento<br />

registral, deve acolher a declaração do autor da<br />

iniciativa de conhecimento, pelo que o<br />

conservador não pode registar o facto em ficha<br />

de fracção autónoma do prédio quando o que<br />

figura na requisição de registo – e, no caso, até<br />

está em consonância com a vontade do<br />

«apresentante» - é a descrição do próprio<br />

prédio.<br />

<strong>II</strong> - A sentença que, eventualmente, venha a<br />

declarar a transmissão de direito real de<br />

habitação periódica relativamente a imóvel cujo<br />

regime ainda não se encontra constituído nem<br />

registado produz eficácia meramente<br />

obrigacional, verificando-se o efeito real<br />

quando os bens estiverem juridicamente<br />

individualiza<strong>dos</strong> com a constituição do regime


Nº 4/2005 – Maio/Junho/Julho 2005 80<br />

do direito real de habitação periódica (cfr. art.<br />

408º, nº 2, do Cód. Civil).<br />

<strong>II</strong>I - Assim sendo, a respectiva acção não está<br />

(ainda) sujeita a registo, pelo que este deverá<br />

ser recusado nos termos do art. 69º, nº 1, c), 2º<br />

segmento, do C.R.P.<br />

Este parecer foi aprovado em sessão do<br />

Conselho Técnico da Direcção-Geral <strong>dos</strong> <strong>Registos</strong><br />

e do <strong>Notariado</strong> de 30.06.2005.<br />

João Guimarães Gomes de Bastos, relator,<br />

Maria Raquel Sobral Alexandre, Maria Eugénia<br />

Cruz Pires <strong>dos</strong> Reis Moreira.<br />

Este parecer foi homologado por despacho<br />

do Director-Geral de 05.07.2005.

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