II Caderno - Instituto dos Registos e Notariado
II Caderno - Instituto dos Registos e Notariado
II Caderno - Instituto dos Registos e Notariado
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
Nº 4/2005 – Maio/Junho/Julho 2005 26<br />
extinguindo-se, por meio dela e sobre os bens que<br />
ficaram a pertencer a um co-herdeiro, os direitos<br />
ou posse concorrente <strong>dos</strong> demais consortes sobre<br />
tais bens. Todavia, não opera a transmissão da<br />
posse, pelo que não configura um justo título de<br />
posse do herdeiro, relativamente aos bens que lhe<br />
foram atribuí<strong>dos</strong>.<br />
O mesmo não se poderá dizer da aceitação<br />
da herança, pela qual, nos termos do disposto no<br />
n.º 1 do art.º 2050.º do Código Civil, se adquirem<br />
o domínio e a posse <strong>dos</strong> bens da herança,<br />
independentemente da sua apreensão material.<br />
Portanto, a origem da posse do herdeiro<br />
contemplado está na aceitação da herança, a qual<br />
constitui um justo título e cujos efeitos, de acordo<br />
com o previsto no n.º 2 do mesmo artigo, se<br />
retrotraem ao momento da abertura da sucessão 7 .<br />
A sucessão por morte é, pois, também título<br />
da sucessão na posse. E o herdeiro, adquirindo<br />
pela aceitação a posse <strong>dos</strong> bens da herança,<br />
continua, no entanto, e por força do previsto no<br />
art.º 1255.º do Código citado, a posse do “de<br />
cuius”. Deste modo,”… a posse do herdeiro é a<br />
continuação da posse do de cuius. Existe … uma<br />
ambivalência. Por um lado tal posse remonta à do<br />
de cuius; mas, por outro continua no herdeiro e<br />
pela aceitação o herdeiro adquiriu essa posse<br />
(art.º 2050.º). (…) a posse é um conceito dinâmico,<br />
não estático (…) com a morte do de cuius e com a<br />
sucessão <strong>dos</strong> herdeiros ou legatários há uma<br />
novação subjectiva do titular da relação<br />
possessória… 8 ”.<br />
A sucessão na posse não é uma mera<br />
transmissão, mas um fenómeno de sucessão<br />
“próprio sensu”. “Tudo se passa como se,<br />
constituída uma situação possessória, esta<br />
permanecesse estática, havendo, apenas uma<br />
modificação no seu sujeito. (…) A natureza<br />
intrinsecamente sucessória, da sucessão na posse<br />
dá lugar a diversas particularidades de regime.<br />
Assim: – não é necessária apreensão material da<br />
coisa; – não é necessário qualquer acordo ou<br />
qualquer declaração de vontade, a tanto dirigida;<br />
7 Aceitação que, nos termos do disposto no art.º 2056.º do<br />
Código Civil, pode ser expressa ou tácita, verificando-se a<br />
primeira quando “… nalgum documento escrito o sucessível<br />
chamado à herança assume o título de herdeiro com a<br />
intenção de a adquirir.”.<br />
8 Durval Ferreira, in “Posse e Usucapião”, pág. 216.<br />
não há nenhuma modificação no<br />
circunstancialismo que qualifique a posse em<br />
causa. (…) o sucessor não tem de dar o seu<br />
assentimento para que a sucessão opere: basta a<br />
sua qualidade de sucessor. (…) A acessão na<br />
posse é facultativa (“ … pode juntar à sua a posse<br />
do antecessor…”), enquanto a sucessão é fatal.”. 9<br />
Portanto, com a morte do autor da sucessão,<br />
a posse transfere-se para os herdeiros e legatários,<br />
adquirindo, porém, individualidade própria logo<br />
que cada um daqueles comece a deter os prédios<br />
que integram a referida universalidade. Não<br />
obstante a união automática, por força da lei, entre<br />
a posse do “de cuius” e a do próprio herdeiro, este<br />
poderá – quando entre na posse efectiva de certo<br />
direito – invocá-la como posse própria, desde que<br />
a sua conduta, posteriormente à aceitação da<br />
herança, mantida pelo tempo necessário para<br />
conduzir à usucapião, consubstancie uma inversão<br />
do título da posse ou uma oposição contra os<br />
demais herdeiros, afasta<strong>dos</strong>, assim, da sucessão<br />
relativamente ao prédio sobre o qual incidiu esse<br />
comportamento possessório.<br />
A posse cuja origem reside na aceitação da<br />
herança transmite-se a to<strong>dos</strong> os herdeiros e recai<br />
sobre to<strong>dos</strong> os bens que a integram e para que<br />
possa conduzir à aquisição, por parte de um deles,<br />
de um direito de propriedade exclusiva sobre<br />
determinado prédio, necessário se torna que essa<br />
posse passe a ser exercida com o ânimo de único<br />
proprietário, ou seja, que em vez da invocação de<br />
uma posse uti condominus, seja alegada uma posse<br />
uti dominus, reportando-se, como tal, o seu início à<br />
data do começo dessa posse própria, à qual<br />
retrotraem, nos termos do disposto no artigo 1288.º<br />
do Código Civil, os efeitos da invocada usucapião.<br />
Parece ter sido isto que se verificou no caso<br />
“sub judice”. E como o tempo necessário para a<br />
usucapião só começa a correr desde a inversão do<br />
título – ou seja, quando o co-herdeiro justificante<br />
inicia a sua posse exclusiva sobre o prédio objecto<br />
da justificação, agindo como proprietário e não,<br />
como até aí, como contitular – os efeitos da mesma<br />
reportam-se à data do começo dessa posse, a saber,<br />
consoante decorre do respectivo título, o ano de<br />
1981.<br />
9 António Menezes Cordeiro, in “A posse – Perspectivas<br />
Dogmáticas Actuais”, 5.ª edição, págs. 109/110.