II Caderno - Instituto dos Registos e Notariado
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Nº 4/2005 – Maio/Junho/Julho 2005 63<br />
de nascimento só pode ser aquele que os mesmos<br />
podem provar.<br />
2.4. Enunciada a lei aplicável, bem como a noção<br />
doutrinária de filiação e suas implicações e tendo,<br />
por último, analisado o que sobre o assunto existe<br />
na jurisprudência e nas orientações firmadas ao<br />
longo <strong>dos</strong> anos pelos Serviços Jurídicos, importa<br />
decidir.<br />
A declaração de nascimento contém duas<br />
declarações, uma de ciência e outra de vontade<br />
(atingindo esta a sua expressão máxima no<br />
reconhecimento voluntário do filho), pelo que a<br />
feitura de um registo de nascimento envolve<br />
sempre o registo dum facto de ordem natural que é<br />
aquele nascimento e o registo da filiação desse<br />
novo indivíduo.<br />
“Filho, em sentido jurídico, não é, pois,<br />
necessariamente, aquele que nasceu de outrem mas<br />
antes o que, segundo os processos legais de<br />
reconhecimento da filiação, for tido como tal.<br />
Deste modo, o legislador partindo do conceito<br />
biológico de filiação, constrói um conceito jurídico<br />
de reconhecimento da filiação, que dele muito se<br />
aproxima mas que lhe não corresponde em<br />
absoluto”. 11<br />
E fá-lo como? Por aplicação <strong>dos</strong> conceitos<br />
já atrás referi<strong>dos</strong> e que se encontram defini<strong>dos</strong>,<br />
designadamente, nos artigos 1796.º, 1802.º,1803.º,<br />
1806.º, 1808.º, 1826.º, 1832.º, 1835.º, 1849.º e<br />
1864.º do CC e 102.º, 112.º a 121.º e 124.º do<br />
CRC.<br />
Não podemos, pois, concordar com o Sr.<br />
Conservador consulente quando refere:<br />
“Acontece que, no assento de nascimento o<br />
facto objecto do registo é, nuclearmente, o do<br />
nascimento do registado. É desse facto que o<br />
registo faz prova e relativamente ao qual faz<br />
sentido extrair as ilações legais. Com ele não se<br />
confunde o estabelecimento da filiação nem nesta,<br />
especificadamente, os da<strong>dos</strong> que circunstanciam a<br />
maternidade e paternidade, nomeadamente os que<br />
11 J. Dias Marques, Noções Elementares de Direito Civil, 2.ª<br />
edição, pág.ªs 367 e 368.<br />
identificam os progenitores pelo estado civil.”<br />
(sublinhado nosso)<br />
Na verdade, o estado civil <strong>dos</strong> pais,<br />
designadamente o da mãe, projecta-se<br />
directamente no assento de nascimento do filho,<br />
não por si mesmo mas pelas consequências legais<br />
de si derivadas, consequências que estão<br />
inteiramente definidas e estruturadas na lei.<br />
Resulta de todo o exposto que, não obstante<br />
a tentadora sugestão apresentada pelo Sr.<br />
Conservador, teremos de continuar a acolher<br />
apenas a declaração das partes cuja prova conste<br />
do registo civil nacional, não aceitando a<br />
declaração de um estado civil resultante de facto<br />
ocorrido no estrangeiro e ainda não integrado.<br />
Aliás, hoje, toda esta problemática está, ou pode<br />
ser, bastante facilitada atento o actual formalismo<br />
legal quanto ao afastamento da presunção de<br />
paternidade e a circunstância de ser nas<br />
conservatórias concelhias que se procede à maioria<br />
das integrações e/ou transcrições <strong>dos</strong> casamentos<br />
realiza<strong>dos</strong> no estrangeiro. É prática aceitar-se o<br />
estado civil de casada de uma mãe que nos declara<br />
um nascimento quando, concomitantemente, nos é<br />
solicitada a transcrição desse mesmo acto na<br />
própria conservatória, ou prestando serviço como<br />
intermediária. Claro que, neste caso e<br />
prudentemente, uma vez que não é conhecida a<br />
decisão final do pedido de transcrição da certidão<br />
de casamento, a declaração de nascimento deve ser<br />
prestada por ambos os pais.<br />
A hipótese sugerida de trancar a menção do<br />
estado civil não nos parece aceitável, porquanto o<br />
que importa não é o preenchimento ou não da<br />
menção em referência, mas sim o conhecimento do<br />
estado civil <strong>dos</strong> que se afirmam como pais do<br />
registando e as necessárias consequências legais<br />
daí decorrentes. É isso que entendemos não ser<br />
possível.<br />
Na verdade, ainda que a menção do estado<br />
civil <strong>dos</strong> pais não constasse sequer do modelo de<br />
assento de nascimento, o seu conhecimento seria<br />
sempre imprescindível para a fixação da filiação<br />
tal como se encontra regulada no direito civil e<br />
registral português. E esse conhecimento só pode<br />
ser aquele que resulta <strong>dos</strong> meios de prova<br />
legalmente admissíveis, a bem da certeza e da<br />
segurança no campo do direito.