II Caderno - Instituto dos Registos e Notariado
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Nº 4/2005 – Maio/Junho/Julho 2005 4<br />
neste instituto o espírito de liberalidade característico<br />
da doação que permite atribuir tal<br />
qualificação a um bem doado, até porque a<br />
intenção que preside à partilha em vida é a da<br />
antecipação da partilha por morte do doador entre<br />
os herdeiros legitimários. Assim sendo, não parece<br />
possível fazer a partilha em vida de bens doa<strong>dos</strong><br />
por conta da quota disponível.<br />
Outro aspecto que julgamos muito<br />
questionável prende-se com a inclusão na partilha<br />
em vida do usufruto reservado para o marido da<br />
doadora. Não se discute, evidentemente, a<br />
possibilidade de esta reservar o usufruto para o<br />
marido que, recorde-se, não é dono <strong>dos</strong> prédios<br />
doa<strong>dos</strong>. Esta reserva de usufruto constitui uma<br />
verdadeira doação. Escrevem PIRES DE LIMA e<br />
ANTUNES VARELA, ob. Cit., vol <strong>II</strong>, pp 283: “A<br />
reserva de usufruto para terceiro constitui uma<br />
segunda doação ao lado da que é feita ao<br />
beneficiário da propriedade, necessitando de ser<br />
aceite em vida do doador, segundo a regra geral<br />
do nº 1 do artº 945º”<br />
Todavia, é preciso não esquecer que se trata,<br />
neste caso, de uma doação entre casa<strong>dos</strong>, prevista<br />
e regulada nos art. 1761º e seg. do Código Civil. E<br />
se esta doação, em si mesma, é admissível, nada<br />
existindo na lei que a impeça, já o mesmo não se<br />
pode dizer quanto à possibilidade de esse usufruto<br />
reservado (doado) ser objecto da partilha em vida.<br />
Isto porque a transmissão <strong>dos</strong> bens doa<strong>dos</strong>partilha<strong>dos</strong><br />
em vida é imediata e definitiva, o que<br />
vem colidir frontalmente com o disposto no nº 1<br />
do artº 1765º do Código Civil, que determina: “As<br />
doações entre casa<strong>dos</strong> podem a todo o tempo ser<br />
revogadas pelo doador, sem que lhe seja lícito<br />
renunciar a esse direito”.<br />
Finalmente, não nos parece que a forma do<br />
acto seja a mais adequada à de uma partilha em<br />
vida, pois que nesta não existe a fase de<br />
“adjudicação” <strong>dos</strong> bens aos herdeiros, como se<br />
verifica na tradicional partilha por morte.<br />
A “partilha em vida” é um acto complexo<br />
mas unitário, não se tratando (como parece resultar<br />
do título) de uma doação seguida de partilha. Feita<br />
a doação ou doações, com a consequente aceitação<br />
por parte de to<strong>dos</strong> os presumi<strong>dos</strong> herdeiros<br />
legitimários, está feita também a conferência e<br />
partilha, incluindo-se nesta o montante das tornas,<br />
se as houver, consoante os valores encontra<strong>dos</strong><br />
para as quotas de cada donatário.<br />
10. Resulta do que se expôs que entendemos<br />
não ser nula a transmissão <strong>dos</strong> prédios objecto<br />
desta partilha em vida, nomeadamente a descrição<br />
01088 da freguesia de ..., que interessa a estes<br />
autos. Com a doação, e aceitação pelos presumi<strong>dos</strong><br />
herdeiros legitimários, estes prédios foram<br />
imediata e definitivamente transmiti<strong>dos</strong> para a<br />
esfera jurídica <strong>dos</strong> respectivos donatários.<br />
Todavia, como a partilha em vida só pode ter por<br />
objecto bens doa<strong>dos</strong> por conta da quota<br />
indisponível, por um lado, e, por outro, não pode<br />
abranger bens doa<strong>dos</strong> segundo o regime de<br />
doações entre casa<strong>dos</strong>, a nulidade reside, sim, na<br />
conferência feita na escritura, o que demanda a<br />
rectificação de ambas.<br />
Por esta razão, e reportando-nos agora ao<br />
prédio <strong>dos</strong> autos, não parece que o seu registo de<br />
aquisição possa ser definitivo, mesmo admitindo-<br />
-se a validade e eficácia da transmissão por virtude<br />
da doação. Considerada a necessidade de<br />
rectificação do título que lhe serve de suporte, tal<br />
registo deve ser lavrado como provisório por<br />
dúvidas, condicionado que está, digamos, à feitura<br />
de tal rectificação.<br />
Assim sendo, pensamos que deve ser<br />
mantida a qualificação do pedido de registo como<br />
provisório por dúvidas, devendo ainda a Senhora<br />
Conservadora rectificar a inscrição do usufruto F1,<br />
para nela incluir a usufrutuária Laurinda (sendo o<br />
usufruto por inteiro até à morte do último que<br />
sobreviver), com alteração da causa para reserva<br />
na doação.<br />
11. Decorre do que se escreveu que somos<br />
do parecer que o recurso não merece provimento,<br />
extraindo-se as seguintes<br />
Conclusões<br />
I – A “partilha em vida”, prevista no artº 2029º<br />
do Código Civil, é uma forma especial de<br />
doação, feita a favor <strong>dos</strong> presumíveis herdeiros<br />
legitimários do doador, e incide sobre bens<br />
determina<strong>dos</strong>, considerando-se tais bens