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II Caderno - Instituto dos Registos e Notariado

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Nº 4/2005 – Maio/Junho/Julho 2005 17<br />

2- A nosso ver, portanto, o documento de 2<br />

de Setembro de 1993 titula a constituição de<br />

usufruto sobre quota enquanto bem futuro.<br />

Como é consabido e resulta <strong>dos</strong> princípios da<br />

actualidade ou da imediação e da especialidade ou<br />

da individualização liga<strong>dos</strong> ao lado interno <strong>dos</strong><br />

direitos reais (cfr. art. 408º, nº 2, combinado com o<br />

art. 211º, ambos do C.C.), «só há direito real em<br />

face de coisas presentes – que existam já e em<br />

poder do alienante (no caso de interceder uma<br />

aquisição derivada) -, não em face de coisas<br />

simplesmente futuras», sendo ainda necessário que<br />

a individualização jurídica da coisa se opere «para<br />

que a relação intercedente deixe de ser só<br />

obrigacional – para que se volva numa relação<br />

real» 15 .<br />

Prima facie não nos repugna admitir a<br />

constituição do usufruto de quota por efeito de um<br />

contrato celebrado anteriormente ao contrato de<br />

sociedade, mas em que aquele direito se<br />

“transfere” (a constituição do usufruto é uma<br />

aquisição derivada constitutiva) quando a quota for<br />

adquirida pelo “alienante” com a celebração do<br />

contrato de sociedade. Mas, neste caso, a<br />

constituição do usufruto verifica-se após o contrato<br />

de sociedade, estando sujeita à forma exigida e às<br />

limitações estabelecidas para a transmissão da<br />

quota (cfr. art. 23º, nº 1, do CSC) 16 .<br />

Relativamente ao contrato de constituição de<br />

usufruto <strong>dos</strong> autos, cremos que é manifesta a sua<br />

nulidade.<br />

Desde logo, porque não está observada a<br />

forma legalmente exigida para a transmissão de<br />

quotas entre vivos. Segundo o art. 228º, nº 1, do<br />

CSC, a forma da transmissão de quotas entre vivos<br />

é a escritura pública. E parece-nos evidente –<br />

embora ao caso não interesse, porque a lei não foi<br />

alterada – que a lei que rege sobre a transmissão<br />

entre vivos de quotas é aquela que estiver em vigor<br />

na data do contrato de constituição do usufruto e<br />

não a que vigorar à data da celebração do contrato<br />

de sociedade (cfr. art. 12º, nº 1, C.C.).<br />

15 - Cfr. Orlando de Carvalho, ob. cit., págs. 208 e 210.<br />

16 - No caso concreto <strong>dos</strong> autos não conhecemos o pacto<br />

social, pelo que não sabemos se existem limitações à<br />

transmissão de quotas, as quais, a existirem, seriam<br />

aplicáveis à constituição do usufruto sobre a quota por efeito<br />

do contrato de 2 de Setembro de 1993 (claro está,<br />

pressupondo a validade deste negócio jurídico).<br />

Ora, de acordo com o art. 220º do Cód. Civil<br />

a declaração negocial que careça da forma<br />

legalmente prescrita é nula.<br />

Depois, porque se trata de uma doação de<br />

bem futuro, proibida por lei com a sanção da<br />

nulidade (cfr. art.s 294º e 942º, nº 1, C.C.) 17 .<br />

Trata-se, a nosso ver, de doação de bem<br />

futuro – concretamente, o usufruto, enquanto<br />

direito real sobre quota que só surgirá futuramente<br />

na esfera jurídica do “alienante” -, e não de doação<br />

de direito (actual) sobre coisa futura 18 .<br />

3- Sendo manifesta a nulidade do facto, o<br />

registo deverá ser recusado nos termos do art. 48º,<br />

nº 1, d), do CRCom 19 .<br />

Em face do exposto, somos de parecer que o<br />

recurso não merece provimento.<br />

Em consonância firmam-se as seguintes<br />

Conclusões<br />

I- É um contrato de doação de usufruto de<br />

quota em sociedade comercial por quotas,<br />

enquanto bem futuro, aquele em que o<br />

“alienante” constitui gratuitamente a favor do<br />

adquirente “o usufruto do direito<br />

correspondente à totalidade da participação<br />

17 - Como refere Baptista Lopes, in Das Doações, 1970,<br />

págs. 23/24, «a proibição justifica-se porque a doação tem de<br />

traduzir um benefício real, certo e concreto e não pode ficar<br />

dependente da vontade do doador, além de que a limitação<br />

da doação aos bens presentes evita o impulso desordenado<br />

da liberalidade e assegura o porvir do que não sabe guardar o<br />

que é seu».<br />

18 - Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil<br />

anotado, Vol. <strong>II</strong>, 1968, pág. 185, escreveram: «Não deve,<br />

porém, confundir-se a doação de bens futuros com a doação,<br />

não de bens, mas de um direito que tenha por objecto coisas<br />

ainda não existentes no património do doador. Como<br />

exemplos característicos de tais negócios poderemos citar o<br />

da doação de um usufruto e o da doação do direito de<br />

explorar uma pedreira ou uma mina. Os frutos, a pedra e o<br />

minério são coisas futuras, mas o direito transmitido é<br />

actual».<br />

Cremos que o exemplo do usufruto, citado pelos Mestres, é o<br />

do usufruto actual sobre coisa presente, sendo futuros apenas<br />

os frutos.<br />

Não tem, portanto, aplicação ao caso <strong>dos</strong> autos.<br />

19 Não podemos, assim, concordar com a fundamentação do<br />

despacho de qualificação da Senhora Conservadora.

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