II Caderno - Instituto dos Registos e Notariado
II Caderno - Instituto dos Registos e Notariado
II Caderno - Instituto dos Registos e Notariado
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
Nº 4/2005 – Maio/Junho/Julho 2005 23<br />
pais, não dispondo de qualquer título formal que<br />
legitime o seu direito de propriedade sobre o bem.<br />
Terá, contudo, desde aquele ano, entrado na posse<br />
do identificado prédio, posse que, reunindo os<br />
requisitos legais necessários à aquisição por<br />
usucapião, conduziu a que, por tal via, o recorrente<br />
tenha adquirido, como bem próprio seu, a referida<br />
fracção indivisa do prédio. No mesmo acto,<br />
adquiriu, por compra, o restante 1/7.<br />
1 – O registo foi efectuado como provisório<br />
por dúvidas, conforme despacho datado de<br />
19/12/02 e notificado em 23/12/02, com o<br />
fundamento de que, tendo o justificante casado em<br />
Janeiro de 1968, e entrado na posse do prédio no<br />
ano de 1981, quando já se encontrava casado, em<br />
comunhão de adquiri<strong>dos</strong> – tudo em conformidade<br />
com as declarações insertas no texto da escritura –,<br />
o prédio deveria pertencer ao património comum<br />
do casal e não, como consta do título, ser bem<br />
próprio do cônjuge marido, o que só poderia<br />
ocorrer na circunstância de a posse alegada se ter<br />
iniciado antes do casamento.<br />
Foram invoca<strong>dos</strong> os artigos 68.º e 70.º do<br />
Código do Registo Predial e 1288.º, 1317.º, alínea<br />
c), e 1722.º, n.º 1, alínea c) e n.º 2, alínea b), do<br />
Código Civil.<br />
2 – No recurso hierárquico, interposto em<br />
21/01/03, Ap. 08, partindo do conceito de posse<br />
fornecido pela lei (arts. 1251.º, 1252.º, n.º 2 e<br />
1257.º do Código Civil) e tendo presente a noção<br />
legal de usucapião (art.º 1287.º do mesmo<br />
Código), o interessado no registo entende que para<br />
haver aquisição de um direito real de gozo, por<br />
usucapião, e para ser eficaz, esta tem de ser<br />
invocada pelo possuidor e adquire-se através da<br />
prática reiterada, com publicidade, <strong>dos</strong> actos<br />
materiais correspondentes ao exercício do direito,<br />
acompanhada da intenção de exercer, no próprio<br />
interesse, esse poder de facto sobre a coisa. O que<br />
o leva a interrogar-se e a contrapor “ … como é<br />
que alguém – o cônjuge, neste caso – que em caso<br />
algum afirma, pelo contrário, que teve posse<br />
juridico-relevante … (com corpus e animus), pode<br />
adquirir a propriedade por usucapião e, mais, sem<br />
a invocar. A perfilhar o entendimento da Sr.ª<br />
Conservadora, teríamos que considerar que há<br />
casos de aquisição por usucapião automática, sem<br />
vontade do interessado, em contradição total com<br />
o regime legal da posse e da usucapião …”.<br />
Relativamente ao art.º 1722.º invocado pela<br />
recorrida, o mesmo é interpretado, no que toca aos<br />
números e alíneas cita<strong>dos</strong>, como significando que<br />
“… os bens adquiri<strong>dos</strong> por usucapião fundada em<br />
posse que tenha o seu início antes do casamento,<br />
serão obrigatoriamente bens próprios (até porque<br />
a posse neste caso, obviamente, não foi do casal –<br />
que ainda não existia como tal), se, pelo contrário<br />
a posse teve início na constância do matrimónio já<br />
dependerá do caso concreto: ou a posse … foi do<br />
casal e será bem comum, ou foi só de um deles<br />
(nomeadamente quando a causa próxima se funda<br />
… na partilha verbal por óbito <strong>dos</strong> pais de um <strong>dos</strong><br />
cônjuges – caso em que dificilmente o cônjuge,<br />
casado na comunhão de adquiri<strong>dos</strong>, considera<br />
como seus esses bens) e será bem próprio ,<br />
devendo … ficar assente no título a qual das<br />
massas patrimoniais esses bens pertencem…” , só<br />
assim se compreendendo a intervenção de ambos<br />
os cônjuges, porquanto o regime da posse e da<br />
usucapião não permite a ficção do corpus nem do<br />
animus, que têm de coexistir simultaneamente.<br />
Acresce para o recorrente que, a não ser<br />
assim, entendendo-se como bem imperativamente<br />
comum o adquirido por usucapião, sempre que a<br />
posse tenha o seu início na constância do<br />
matrimónio, não faz sentido a qualificação do<br />
registo como provisório por dúvidas, já que as<br />
declarações prestadas na escritura estão correctas e<br />
destinam-se a dar testemunho de factos passa<strong>dos</strong>.<br />
É ao Conservador, como intérprete, aplicador do<br />
direito, que incumbe saber se está perante um<br />
direito próprio ou comum e, então, ou concorda<br />
com o pedido efectuado e regista o acto como foi<br />
requerido, ou discorda e regista de acordo com o<br />
seu entendimento, fazendo uma interpretação<br />
correctiva, mediante a convolação do pedido. Caso<br />
discorde, restará ao interessado contestar o registo<br />
lavrado.<br />
3 – Em sustentação da qualificação<br />
efectuada, a recorrida, concordando embora que,<br />
de acordo com as declarações prestadas, o cônjuge<br />
marido foi o único possuidor do direito sobre o<br />
prédio, defende que a disciplina jurídica<br />
decorrente da articulação <strong>dos</strong> artigos 1288.º e<br />
1317.º, alínea c), com o artigo 1722.º, n.º1, alínea